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gritou:<br />

— Bravo! Por que não? Bravo e Bravo!<br />

Aqueles que estavam nas primeiras filas acariciaram aqui e ali as barbas, mas nenhum<br />

se voltou para o lugar de onde provinham as aclamações. K. não atribuiu ao fato nenhuma<br />

significação, mas sentiu-se estimulado; já agora não julgava necessário que todos o<br />

aplaudissem. Bastava que a maioria dos circunstantes refletisse sobre a questão, e que de<br />

vez em quando K. conseguisse persuadir a algum deles.<br />

— Não é um êxito de orador que eu desejo — disse K., revelando o que pensava<br />

nesse momento —, êxito que por outro lado não alcançaria. Provavelmente, o senhor juiz<br />

de instrução fale muito melhor do que eu, como é devido à sua profissão. O que eu<br />

pretendo é simplesmente tornar pública uma evidente situação de injustiça. Escutem vocês:<br />

há cerca de dez dias fui detido; eu mesmo me rio deste fato, mas não é próprio que eu o<br />

faça aqui. Uma manhã bem cedo fui assaltado em meu próprio leito; talvez se tivesse<br />

determinado a ordem de detenção (pois conforme o que o juiz de instrução acaba de dizer<br />

não fica excluída essa possibilidade) contra algum pintor de pincel gordo que<br />

provavelmente seja tão inocente como eu; mas o caso é que escolheram a mim. Dois<br />

grosseiros guardas de polícia ocuparam a sala pegada à minha. Se eu fora um bandido<br />

perigoso não se teriam podido tomar precauções maiores. Além do mais, os tais guardas<br />

eram dois malandros sem moralidade que me encheram a cabeça de histórias, que se<br />

ofereceram ao meu suborno, que alegando algumas razões pretenderam ficar com a minha<br />

roupa branca e meus trajes, que me pediram dinheiro para trazer ao meu quarto uma<br />

presumida refeição matinal depois de terem tomado diante de meu nariz mesmo e com a<br />

maior falta de vergonha que se possa imaginar meu próprio desjejum. Mas isso não é tudo,<br />

depois fui levado a uma terceira sala onde estava o Inspetor. Tratava-se do quarto de uma<br />

dama que eu estimo muito e ali tive de contemplar como, por minha causa, ainda que não<br />

por culpa minha, essa habitação era de certo modo manchada pela presença dos guardas e<br />

do Inspetor. Não era fácil permanecer sereno em tais circunstâncias. Contudo, eu o<br />

consegui, pois perguntei ao Inspetor com a maior calma (se aqui estivesse teria de<br />

confirmar o que eu digo) qual era o motivo de minha detenção. E que é que me<br />

responderia aquele Inspetor, ao qual estou ainda vendo diante de meus olhos, sentado na<br />

cadeira da mencionada dama como um símbolo de estúpida altanaria? Pois, senhores, de<br />

essencial nada me respondeu; talvez verdadeiramente não soubesse nada; havia me<br />

indiciado: com isso se dava por contente. Mas fez ainda algo mais, que foi levar ao quarto<br />

daquela dama três empregados subalternos do banco que se entretiveram em mexer e<br />

mudar de lugar as fotografias que eram propriedade dessa senhora. Certamente que a<br />

presença desses empregados tinha uma finalidade; eles, assim como a dona da pensão e a<br />

criada, deviam propalar a notícia de meu indiciamento, tornar pública a minha vergonha e<br />

particularmente comprometer a minha posição no banco. Pois bem, nada disso se<br />

conseguiu, nem mesmo na mínima coisa; ainda a minha própria hospedeira, uma pessoa<br />

muito sensível (devo revelar aqui seu nome, com intenção de homenageá-la: chama-se<br />

senhora Grubach), mesmo a minha senhora Grubach foi o suficientemente sensata para<br />

entender que semelhante detenção não tinha outra significação que a de um assalto<br />

efetuado contra um jovem insuficientemente protegido na rua. Repito que tudo isto não foi<br />

para mim senão um incidente desagradável e um desgosto passageiro, mas pergunto: não<br />

poderia ter também piores conseqüências?<br />

Ao chegar a este ponto de seu discurso K. interrompeu-se para lançar seu olhar ao<br />

silencioso juiz de instrução. Então pareceu-lhe perceber que este, com o olhar,-fazia sinais a<br />

alguém da multidão. K. sorriu e disse:<br />

— O senhor juiz de instrução!acaba de fazer a algum dentre vocês um sinal secreto.<br />

Quer dizer então que entre vocês existem pessoas que ele dirige. Não sei se o sinal em<br />

questão significa que vocês têm de realizar manifestações de aprovação ou desaprovação.

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