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GRANDE ENTREVISTA<br />
039<br />
Falan<strong>do</strong> em impostos, como antevê<br />
as repercussões sociais para as famílias<br />
portuguesas <strong>do</strong> aumento <strong>do</strong> IVA?<br />
Considera esta medida justa, ou apenas<br />
indispensável?<br />
Quan<strong>do</strong> se chega a uma situação de<br />
grande aperto financeiro, como aquela<br />
em que nos encontramos, exige-se mais<br />
eficácia <strong>do</strong> que justiça. O que os cre<strong>do</strong>res<br />
exigem de nós é que reduzamos o<br />
défice, de forma o mais eficaz e o mais<br />
rápida possível (para tratar de justiça,<br />
tivemos os cerca de vinte e cinco anos<br />
entre 1985 e 2010, em que ninguém<br />
nos incomo<strong>do</strong>u com dificuldades de<br />
crédito). Dito isto, é verdade que o IVA<br />
é um <strong>do</strong>s impostos mais injustos, incidin<strong>do</strong><br />
relativamente mais sobre as classes<br />
de mais baixo rendimento; mas é<br />
um <strong>do</strong>s mais eficazes e, por outro la<strong>do</strong>,<br />
quem se mostra tão preocupa<strong>do</strong> com o<br />
IVA parece pouco preocupa<strong>do</strong> com, por<br />
exemplo, o agravamento <strong>do</strong> IRS sobre<br />
os rendimentos mais eleva<strong>do</strong>s (a minha<br />
taxa de IRS passou, num ápice, de 42%<br />
para 46,5%, continuan<strong>do</strong> a haver quem<br />
tenha grande dificuldade em admitir<br />
que aumentou os impostos…).<br />
O Dr. Medina Carreira – uma das vozes<br />
que mais se têm feito ouvir sobre esta<br />
problemática – afirmou que não há solução<br />
possível enquanto não houver coragem<br />
política para mexer nos salários<br />
e prestações sociais. Quer comentar?<br />
Não é a primeira vez que Portugal passa<br />
por crises desta natureza, ten<strong>do</strong><br />
aconteci<strong>do</strong> o mesmo, já em democracia,<br />
em 1977-78 e em 1983-84. Nessas duas<br />
vezes, com intervenção <strong>do</strong> FMI, os salários<br />
foram substancialmente reduzi<strong>do</strong>s<br />
(cerca de 13%, em 1983-1984), ainda<br />
que por um processo não muito transparente.<br />
E isso aconteceu com os salários<br />
de toda a gente, não apenas <strong>do</strong>s<br />
funcionários públicos. Com a descida<br />
<strong>do</strong>s salários que se verificou reduziu-se<br />
o consumo interno, não apenas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />
como das famílias, e, o que é também<br />
muito importante, estimularam-se<br />
as exportações. Foi isso que criou, em<br />
1983-84, as condições para um surto de<br />
crescimento económico que durou, pelo<br />
menos, até ao ano 2000. Desta vez,<br />
sen<strong>do</strong> mais difícil cortar os salários (tal<br />
teria de ser feito de forma inteiramente<br />
transparente, sem ilusão monetária,<br />
coisa que as pessoas parecem não aceitar),<br />
a resolução da crise vai ser muito<br />
mais difícil, prolongan<strong>do</strong>-se por muito<br />
mais tempo, com consequências sociais<br />
mais graves, com destaque para um<br />
muito maior aumento <strong>do</strong> desemprego.<br />
Em suma: o Dr. Medina Carreira tem,<br />
como sempre teve, razão.<br />
Como é que se provoca o arranque da<br />
economia quan<strong>do</strong> se asfixia o consumo?<br />
Portugal tem de mudar em muitas coisas;<br />
e uma das coisas em que tem de<br />
mudar é deixar de acreditar em afirmações<br />
como as que subjazem a esta<br />
questão. A economia não se faz de<br />
consumo, mas de produção. É verdade<br />
que, a curto prazo, na falta de melhor<br />
(por exemplo, investimento de qualidade),<br />
a produção pode ver-se estimulada<br />
por um aumento <strong>do</strong> consumo.<br />
A longo prazo, no entanto, exige-se<br />
investimento, tecnologia, recursos humanos<br />
qualifica<strong>do</strong>s, inovação; é isso,<br />
e só isso, que poderá fazer arrancar a<br />
economia, de forma sustentada, por<br />
maioria de razão num país, como Portugal,<br />
que tem de produzir mais para<br />
exportar mais, não para consumir mais<br />
(e isto durante alguns anos).<br />
«A REGIONALIZAÇÃO PODE SER UM CAMINHO<br />
PARA FAZER MELHOR»<br />
Segun<strong>do</strong> um relatório da U.E., Portugal foi o país que mais verbas recebeu e que<br />
mais beneficiou desses fun<strong>do</strong>s, mas, em contrapartida, foi o que menos cresceu e<br />
onde as disparidades regionais mais se acentuaram. Considera que a Regionalização<br />
– da qual é assumidamente defensor – poderia esbater as assimetrias <strong>do</strong> actual<br />
mapa autárquico?<br />
O juízo que nos é revela<strong>do</strong> no relatório da U.E. em apreço é, de facto, muito negativo.<br />
A regionalização pode ser um caminho para fazer melhor, sen<strong>do</strong> eu adepto<br />
de um processo de regionalização que distribua sobretu<strong>do</strong> capacidade de decisão<br />
sobre algumas das variáveis que mais afectam o nosso futuro: grandes investimentos<br />
públicos, sistemas de incentivos ao investimento priva<strong>do</strong>, prioridades <strong>do</strong><br />
sistema educativo, e outras <strong>do</strong> mesmo género. Mostrei-me sempre contrário a uma<br />
regionalização assente sobretu<strong>do</strong> no crescimento de um aparelho político-administrativo<br />
regional, gera<strong>do</strong>r de emprego improdutivo e de despesa.