23.01.2015 Views

\\Servidor\APPOA\Meus documento

\\Servidor\APPOA\Meus documento

\\Servidor\APPOA\Meus documento

SHOW MORE
SHOW LESS
  • No tags were found...

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

SEÇÃO TEMÁTICA<br />

TREVISAN, E. Schreber (não) é um livro.<br />

Em fevereiro de 1907, Stekel faz um comentário de duas obras: “A<br />

psicopatologia do errante” 11 , estudo clínico de Willmanns e “A psicologia da<br />

demência precoce” de Jung. Sabemos que o debate em torno da demência<br />

precoce vai ser um pivô na indisposição com Jung, e nesta sessão vemos<br />

uma manifesta discordância diagnóstica do caso apresentado, para Freud,<br />

um caso de paranóia. Posteriormente, ao escrever o seu Schreber, Freud vai<br />

fazer também um diálogo com Bleuler a respeito da demência precoce para<br />

afirmar a paranóia “como um tipo clínico autônomo, mesmo se o seu quadro<br />

é complicado por traços esquizofrênicos” 12 . É nesta sessão ainda que ele<br />

menciona a hipocondria e sua relação com a paranóia:<br />

“Se é justo que a neurose de angústia é o equivalente somático da<br />

histeria, deve haver um estado somático em que há uma relação<br />

análoga com a paranóia que é a hipocondria. Produz-se um retorno<br />

da libido em direção ao eu, retorno ao qual correspondem sempre<br />

transformações em sensações penosas”. 13<br />

Ele retoma este ponto em seu escrito de Schreber. Talvez possamos<br />

dizer que a relação da hipocondria à paranóia passa a ser “lida” na clínica a<br />

partir de Freud. Não é incomum encontrarmos pacientes com uma pregnância<br />

de delírios corporais, mostrando-nos o quanto a questão do corpo está<br />

implicada de um modo particular nas psicoses. Lacan vai falar da hipocondria<br />

da primeira crise de Schreber como sendo da ordem dos “fenômenos elementares”<br />

que aparecem nas psicoses.<br />

É como comentador de um texto que Freud estuda o delírio de Schreber.<br />

Ele se atém ao escrito, ao enunciado – diferente de outros que vão lê-lo<br />

11<br />

É curioso encontrar entre estes primeiros psicanalistas esta questão que é tão atual e<br />

relativamente pouco explorada entre os psicanalistas. Faz-se já ali toda uma crítica ao tipo<br />

de abordagem feita nos asilos, chega-se a falar em “sadismo médico” relativamente aos<br />

casos referidos.<br />

12<br />

Freud,S. Le Cas Schreber, p. 74.<br />

13<br />

Freud, Op. cit. p. 132.<br />

buscando referências biográficas. É a partir do testemunho de Schreber que<br />

ele estabelece noções sobre a paranóia que são muito vivas ainda hoje,<br />

apesar de calcadas na clínica das neuroses. A análise que Freud faz do<br />

delírio permite-nos ler as “Memórias” com Freud. A escrita de Schreber pode<br />

produzir um efeito de sideração, impedindo a sua leitura. Não é fácil ler<br />

Schreber, é um texto de uma alteridade absoluta. Octave Mannoni, ao abordar<br />

a questão de pensarmos o valor literário do escrito de Schreber, diz que<br />

o considera<br />

“louco por causa de sua insistência em descrever o que para ele é<br />

objetivo, desvelando assim a falha que permite passar da cena da<br />

escrita, onde reina o autor, à cena do sujeito, onde, para Schreber,<br />

reinam o inconsciente e o delírio. (...) Schreber transforma em psiquiatra<br />

qualquer leitor, por mais ignorante que seja no assunto”.<br />

Alfredo Jerusalinky, em um comentário após a entrevista de um paciente<br />

paranóico há alguns anos no CAPS, alertava-nos para o fato de que o<br />

que falta ao psicótico é o espaço ficcional. Espaço este que é diferente do<br />

imaginário, que é circunscrito, tem uma extensão limitada. No delírio nos<br />

deparamos com um imaginário ilimitado, como o constatamos na leitura das<br />

“Memórias”.<br />

A estabilização de Schreber se dá a partir de sua transformação em<br />

mulher e é algo que ele mantém do seu delírio. Henriquez ressalta a “admirável<br />

coincidência: ao mesmo tempo que ele inscreve sobre o seu corpo as<br />

marcas de sua feminização, Schreber começa a escrever” 14 .<br />

Schreber inicialmente jogava algumas notas sobre o papel, numa transcrição<br />

desordenada de idéias e palavras, e é somente a partir de 1897, ou<br />

seja, quatro anos após sua internação, que passa a escrever um diário e<br />

concebe o plano futuro de suas “Memórias”.<br />

14<br />

Henriquez, M. Aux carrefours de la haine : paranoia-masochisme-apathie. Paris, Éd. ÉPI,<br />

1984. p. 60.<br />

18 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

19

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!