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\\Servidor\APPOA\Meus documento

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SEÇÃO TEMÁTICA<br />

POLI, M. C. Uma paranóia freudiana.<br />

sobreposição dessas inscrições, na fantasia e no delírio, aproxima paranóia<br />

e neurose obsessiva. Em Schreber, tal elemento se expressa no episódio<br />

bem conhecido da nominação que recebe do deus Ariman: Luder (que pode<br />

ser traduzido por puta, vagabunda ou podre). Nas “Memórias”, ele descreve<br />

assim esse momento:<br />

“Acredito poder dizer que nesse momento, e só nesse momento, vi<br />

a onipotência de Deus em toda sua pureza. À noite – e até onde me<br />

recordo, em uma única noite – apareceu o deus inferior (Ariman). A<br />

imagem resplandecente de seus raios – estando eu deitado, não<br />

dormindo, mas acordado – ficou visível para o meu olho espiritual,<br />

isso é, refletiu-se no meu sistema nervoso interno. Ao mesmo<br />

tempo eu o ouvi em sua língua; mas essa não era – como sempre<br />

foi o caso da conversa das vozes antes e depois dessa época – um<br />

leve sussurro, mas ecoava, por assim dizer, bem em frente a minha<br />

janela como um poderoso tom de baixo. A impressão era tão<br />

imponente que ninguém teria deixado de tremer dos pés a cabeça,<br />

a não ser que, como eu, já estivesse calejado pelas terríveis impressões<br />

provocadas pelos milagres. O que era dito também não<br />

tinha um tom amistoso; tudo parecia calculado para me inspirar<br />

medo e terror e ouvi várias vezes a palavra “puta” [Luder] – uma<br />

expressão muito comum na língua fundamental quando se trata<br />

de fazer com que uma pessoa que vai ser aniquilada por Deus<br />

sinta o poder divino. Mas tudo o que se dizia era autêntico, sem<br />

frases decoradas, como mais tarde, tão somente a expressão direta<br />

de sentimentos verdadeiros. Por esse motivo, a impressão<br />

que prevaleceu em mim não foi a de pavor, mas a de admiração<br />

pelo grandioso e sublime; também por essa razão, apesar das<br />

injurias em parte contidas nas palavras, o efeito sobre meus nervos<br />

foi benéfico (...).”(p. 119-120)<br />

No contexto da formação delirante de Schreber a nomeação injuriosa<br />

é recebida como benéfica, como encontro com um significante que faz suplência<br />

à forclusão da castração, ponto de basta na deriva da significação.<br />

Ela inscreve ao mesmo tempo, e no mesmo ponto, os registros da filiação e<br />

da sexuação. Tal como o Édipo o faz na neurose. Porém, nesta, o efeito do<br />

recalque incide justamente nessa sobreposição de registros. Assim que a<br />

injuria é aí recebida como interpelativa e insuportável. Ela é signo da condenação<br />

moral pela qual o sujeito fica à mercê do gozo do supereu. O efeito é<br />

paranóico, mas a estrutura é a da neurose.<br />

É, pois, no âmbito da neurose e, mais especificamente, na<br />

obsessividade, que a homossexualidade pode se apresentar primeiramente<br />

como injuriosa, sendo portanto sujeita ao recalque: ela atualiza a fantasia de<br />

incesto, na qual exercício sexual e objeto do gozo do Outro se confundem.<br />

Retomando o trabalho de Santner, ele nos traz elementos que, como<br />

já assinalei, propõe o desencadeamento da psicose de Schreber como uma<br />

“crise de investidura”. Freud menciona o excesso de trabalho, referido por<br />

Schreber, como precipitador de sua hipocondria, mas não chega a associála<br />

ao ato de nomeação como presidente da corte. É Lacan que vai trazer<br />

esse elemento, permitindo que se aborde a semelhança no estatuto do objeto<br />

na obsessão e na paranóia, pela identificação com o objeto resto e sua<br />

sobreposição à cena incestuosa, ali onde o significante do Nome-do-pai<br />

(forcluído na psicose e excessivamente imaginarizado – quase forcluído – na<br />

obsessão grave) depõe suas armas.<br />

O efeito injuntivo da nomeação é, no entanto, como vimos, bastante<br />

distinto na paranóia e na obsessão. Na primeira, a inconsistência simbólica<br />

da inscrição do Nome-do-pai lança o sujeito na busca delirante de um signo<br />

que faça consistir, no mesmo ponto, filiação e sexuação. Já na obsessão, é<br />

justo esse o ponto insuportável, de desencadeamento de angústia, – a possibilidade<br />

de se identificar a um significante que situe esses dois registros<br />

como sobrepostos.<br />

Nesse sentido, portanto, apesar do equívoco, Freud nos indica um<br />

caminho a perseguir. Para além de suas motivações identificatórias, podemos<br />

acompanhar Santner, no argumento de que se trata de uma questão de<br />

ideologia: homossexual, assim como femininilidade/passividade, entram para<br />

Freud (e para o seu tempo) na linha associativa de Luder. Santner indica<br />

30 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

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