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SEÇÃO TEMÁTICA<br />
GIL, A. Uma questão preliminar...<br />
tificação com o analista, o Imaginário será relegado cada vez mais ao segundo<br />
plano, mas não pelo próprio Lacan. Por outro lado, paradoxalmente, alimentou-se<br />
uma concepção da psicose como inteiramente reduzida ao eixo<br />
Imaginário na medida em que se lia a forclusão do Nome-do-pai como<br />
erradicação total do (sujeito) psicótico do registro Simbólico.<br />
Ora, na experiência com pacientes psicóticos é difícil esquivar-se de<br />
momentos transferenciais bem conhecidos em que o analista, como pequeno<br />
outro, encontra-se justaposto ao Outro persecutório. No esquema I podemos<br />
indicar este pólo transferencial em M, que Lacan designa como “figuras<br />
do outro imaginário nas relações de agressão erótica”. Que este tipo de<br />
situação se produza em um dado momento de uma cura é efeito de estrutura<br />
e não necessariamente uma fausse manobra da parte do analista. Ao “não<br />
recuar diante da psicose”, como recomendava Lacan, o psicanalista só poderá<br />
operar no interior do eixo que lhe é imposto pelo paciente, no intuito de<br />
amenizar o gozo ao qual ele mesmo – o paciente – é submetido.<br />
É no interior desse debate que se pode entender a pertinência da<br />
analise de C. Calligairs 6 quando ele afirma que a forclusão do Nome-do-pai é<br />
um conceito negativo, que funda um “universal negativo” daquilo que a psicose<br />
não é, a saber, a neurose. Esta leitura introduz uma bifurcação na apreensão<br />
da psicose como estrutura: de um lado, e que fará a quase totalidade de<br />
contribuições de grande importância nesta área, tratar-se-á de trabalhos sobre<br />
os efeitos da forclusão, pois a única apreensão possível deste mecanismo<br />
se dá pelos seus efeitos, ou seja, pelas manifestações positivas, em<br />
particular o delírio e a alucinação. Por outro lado, a via aberta pela hipótese<br />
de C. Calligaris consiste em poder diagnosticar a psicose numa temporalidade<br />
aquém dos efeitos da forclusão, ou seja, anterior a uma situação que injunge<br />
um sujeito a referir-se à função paterna que para ele não foi simbolizada.<br />
6<br />
CALLIGARIS C. Qu’est-ce que guerir une psychose in Le Bulletin Freudien n° 5, Belgique,<br />
octobre 1985 ; e Introdução a uma clinica diferencial das psicoses , Porto Alegre : Artes<br />
Médicas, 1989.<br />
Entre estas duas perspectivas, que não estão necessariamente em<br />
oposição, propomos uma nuance direcionando nosso questionamento para<br />
um fato clínico, que são as dificuldades de diagnóstico diferencial, e, sobretudo,<br />
insistindo aqui na direção do tratamento. O Homem dos Lobos é um<br />
exemplo paradigmático. Doze anos após a sua análise – se não contarmos<br />
aquela “breve pós-cura”, a pedido de Freud, que durará de outubro 1919 a<br />
abril 1920 – ele deve ainda responder a Freud 7 nos seguintes termos: “Estou<br />
quase certo de ter sonhado o sonho dos lobos exatamente como eu tinha<br />
contado na época”. 8 Freud continuava a insistir em querer saber. Em outubro<br />
do mesmo ano, 1926, Freud é obrigado a endereçá-lo a Ruth Mack Brunswick<br />
para tratar aqueles “resíduos da transferência” 9 , que, segundo ele, seriam a<br />
causa do que nomeou de “caráter paranóico” 10 do Homem dos Lobos.<br />
Ao contrário da perspectiva freudiana de querer saber, a perspectiva<br />
lacaniana pode visar à suspensão do significante, apontando sua polissemia,<br />
sua sobredeterminação, como dizia Freud, jogando com o equívoco inerente<br />
a ele mesmo. Assim, um paciente que, ao falar de um lugar de predileção de<br />
sua infância e de origem da família paterna, a saber, um morro, 11 recebe do<br />
analista em retorno o equívoco que indica a passagem do substantivo ao<br />
verbo, conjugado na primeira pessoa. Na conjunção da tríade sexo, morte e<br />
nominação relativa ao pai, o que poderia parecer uma forte inibição obsessiva<br />
desdobrar-se-á nos primeiros sinais de uma desamarração significante,<br />
com a entrada do paciente na psicose manifesta.<br />
Alguns pacientes parecem encontrar vias de proteção “natural”. Foi o<br />
caso de um jovem de 17 anos que veio consultar trazido pela sua mãe. Ela<br />
começava a mostrar sinais de cansaço, diante das múltiplas solicitações do<br />
7<br />
Carta de 6 de junho de 1926.<br />
8<br />
L’Homme aux loups par ses psychanalystes et par lui-même. Éditions Gallimard, Paris,<br />
1981, p. 282.<br />
9<br />
FREUD, S. L’analyse avec fin et l’analyse sans fun (1937) in Résultats, idées, problèmes.<br />
Paris, Puf, 1985.<br />
10<br />
FREUD, S. Ibid., p. 233.<br />
11<br />
Cujo o nome não daremos mas que alude ao sexo.<br />
38 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />
C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />
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