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SEÇÃO TEMÁTICA<br />
GIL, A. Uma questão preliminar...<br />
da personalidade, fende-se, causando os sintomas psicóticos que preponderam<br />
sobre a parte não psicótica da personalidade. Esta dinâmica explicaria,<br />
para os autores em questão, os sintomas esquizofrênicos de Schreber,<br />
que não hesitam em tratá-lo como um caso de esquizofrenia.<br />
A este respeito, a questão diagnóstica nesses anos é importante e<br />
exige algumas observações antes de avançarmos sobre a ruptura propriamente<br />
psicanalítica, pois é por esta razão que Lacan abre seu seminário<br />
indicando que se esperavam nesta época muito mais resultados da terapia<br />
com esquizofrênicos do que com paranóicos.<br />
Mas o que Lacan não indica é que os anos 50 são o início da era<br />
internacional das esquizofrenias 2 , tanto para os psiquiatras quanto para os<br />
psicanalistas anglo-saxões (os citados acima, mas outros de grande envergadura<br />
como W. Bion e H. Rosenfeld). Nesta época, a esquizofrenia é a<br />
porta-bandeira do projeto estatístico DSM. Ela encarna, nos anos 50 e 60, a<br />
busca do projeto de uma língua única. A crítica de Lacan, nas duas primeiras<br />
aulas do seminário “As psicoses”, sobre o fato que a designação de paranóia<br />
recobre, em grande parte do século XIX, 70% das vesânias na clínica alemã,<br />
valeria para a esquizofrenia neste período.A esquizofrenia nos intercâmbios<br />
clínicos é a língua falada nesta Torre de Babel internacional : designação<br />
solvente que dilui suas particularidades ao mesmo tempo em que engloba o<br />
conjunto das psicoses. Em 1950, o I Congresso Mundial de Psiquiatria acontecia<br />
em Paris, e a esquizofrenia, onipresente, atravessava os diferentes<br />
colóquios, seja na perspectiva organogênica ou psicogênica. Vale lembrar<br />
que, neste período pan-esquizofrênico, as pesquisas na busca etiológica<br />
passam a ser multifatoriais e a esquizofrenia é o quadro clínico que se aplica<br />
aos diferentes fatores: biológico, psicológico e/ou sociocultural. Equívoco<br />
chama equívoco, e nisto o movimento antipsiquiátrico trazia consigo um duplo<br />
equívoco. Exemplo da perspectiva sociocultural, a antipsiquiatria, quer<br />
seja americana, inglesa ou italiana, recusava a existência da doença mental,<br />
2<br />
GARRABÉ, J. Histoire de la schizophrénie, Paris : Seghers, 1992.<br />
sinônimo de esquizofrenia, pois esta era concebida como um mito, produto<br />
da sociedade. A partir desse contexto histórico, é possível constatar que a<br />
primeira ruptura feita por Lacan está no fato de abordar as psicoses pelo<br />
ângulo da paranóia, ruptura iniciada já em 1932 na sua tese de doutorado,<br />
como ele mesmo indica em sua primeira aula do seminário ao adotar esta<br />
nominação. Como lembrava freqüentemente G. Lantéri-Laura em seu seminário,<br />
na tradição germânica as nominações clínicas davam-se freqüentemente<br />
pela criação de neologismos de origem grega: paranóia, parafrenia (E.<br />
Kraepelin), esquizofrenia (E. Bleuler), autismo (E. Bleuler), etc., enquanto<br />
que na tradição francesa predominava a preocupação temática – delírio de<br />
perseguição (Ch Lasègue), folie raisonnante (P. Serieux, J. Caprgas), delírio<br />
de imaginação (E. Dupré) etc. –, explicando assim a introdução tardia do<br />
significante paranóia e mesmo o de psicose na clínica psiquiátrica francesa.<br />
Mas nesta ruptura há um aspecto clínico que faz com que Lacan se debruce<br />
sobre a paranóia muito mais do que sobre a esquizofrenia: naquela há preservação<br />
de uma consistência da personalidade, e, por conseguinte, de um<br />
tipo de relação para com o outro que permite isolar os elementos estruturais<br />
de sua elaboração teórica. O estádio do espelho é uma das primeiras conseqüências<br />
neste sentido.<br />
Retornemos à ruptura no campo da psicanálise. Na concepção de<br />
uma organização da personalidade regida por uma parte psicótica e outra<br />
não psicótica, cujo equilíbrio repousaria no comércio de objetos internos e<br />
externos entre a instância egóica e a realidade exterior por meio de diferentes<br />
mecanismos como, por exemplo, a identificação projetiva, não há distinção<br />
entre neurose e psicose. A idéia é que aquela é uma defesa contra as<br />
angústias inexoráveis desta, existente em todo sujeito. Em outros termos,<br />
não haveria distinção estrutural psicopatológica entre neurose e psicose,<br />
mas, de um certo ponto de vista, continuidade. Isolar um mecanismo próprio<br />
da psicose, como fará Lacan, o leva para uma posição oposta a de seus<br />
contemporâneos.<br />
No seminário de 55-56, estamos a meio caminho da elaboração do<br />
conceito de forclusão (Verwerfung) do Nome-do-pai que assina a psicose.<br />
34 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />
C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />
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