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EDITORIAL<br />

Neste ano, além da já tradicional combinação da releitura de Freud,<br />

de conversarmos sobre a APPOA e do friozinho da Serra, muitas<br />

rememorações nos fizeram companhia. As memórias de Schreber<br />

(no “Relendo Freud”) e as lembranças associadas à história da Instituição<br />

(no “Conversando sobre a APPOA”) trabalharam lado a lado no último fim de<br />

semana de maio, em Canela.<br />

Esteve em causa o tempo: o implicado na constituição do sujeito, na<br />

realização de uma obra ou de uma Instituição, o do momento de concluir e o<br />

relacionado à autorização do analista.<br />

O conceito de forclusão, a Verwerfung freudiana, implica forçosamente<br />

na noção de tempo. Oriundo do discurso jurídico, o adjetivo forclusivo se<br />

refere a um direito não exercido no momento oportuno. Tempo inoportuno e<br />

falha na inscrição se mesclam no não advindo do significante na psicose,<br />

como o caso Schreber demonstra.<br />

Sobre o tempo, Lacan apresenta os momentos lógicos do instante de<br />

ver, tempo para compreender e momento de concluir, incluindo também três<br />

intervalos, um prévio e outros dois alternados entre os tempos: a hesitação e<br />

a urgência. Se a urgência de concluir está presente desde o primeiro momento,<br />

sem passar pela hesitação, pode se produzir o ato precipitado. De<br />

outro lado, se a hesitação é intensa demais, pode chegar a congelar a ação.<br />

No encadeamento lógico dos três tempos, portanto, é preciso que cada<br />

momento produza seus efeitos, condição para que se consiga chegar à conclusão.<br />

Nem na precipitação do cedo demais, nem na hesitação paralisante,<br />

o tempo acompanha a inscrição das marcas que a história pode vir a produzir.<br />

A rememoração da história prévia à APPOA, sua fundação e as duas<br />

décadas que se seguiram, revelaram, mais uma vez, uma Instituição atenta<br />

a seu tempo e suas inscrições.<br />

Por ter presente tal imbricação entre tempo, encadeamento lógico,<br />

ato e inscrição significante, bem como as condições para concluir, que a<br />

APPOA busca transmitir a seus associados as diferenças em relação ao<br />

tempo de formação de cada um, assim como almeja proporcionar as condi-<br />

C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

1


EDITORIAL<br />

NOTÍCIAS<br />

ções necessárias para que, de modo singular, cada integrante da Instituição<br />

produza e se deixe afetar pelas marcas que vem com o tempo.<br />

TESOURARIA<br />

A Associação Psicanalítica de Porto Alegre informa que, a partir do<br />

mês de julho, haverá um acréscimo nas mensalidades de membros, participantes<br />

e Percursos de Escola e de Crianças, em função da inflação acumulada<br />

no último ano. Seguem, abaixo, os novos valores:<br />

CATEGORIA VALOR R$<br />

Membros 190,00<br />

Participantes 145,00<br />

Percurso de Escola 225,00<br />

Percurso Psicicanálise de Crianças 170,00<br />

JORNADA DO PERCURSO<br />

Nos dias 7 e 8 de agosto de 2009 ocorrerá, em nossa sede, a Jornada<br />

do Percurso VIII da APPOA. Em breve estaremos divulgando a programação<br />

da mesma.<br />

ERRATA<br />

A autora da Resenha “Mãe Aranha” sobre o filme “Coraline”, publicada<br />

na página 41 do último número do Correio, é a psicanalista Diana Corso.<br />

2 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

3


SEÇÃO TEMÁTICA<br />

OGIBA, S. M. M. Infância e discurso...<br />

INFÂNCIA E DISCURSO EM SCHREBER<br />

Sonia Mara Moreira Ogiba<br />

Infância e Discurso em Schreber apresenta algumas notas de leituras<br />

realizadas no cartel preparatório ao Relendo Freud. O tema da Infância,<br />

agora interrogado pela formação que venho realizando na Appoa, exige<br />

uma tarefa de escrita que ainda me sinto insegura de realizar. Sei que pensar<br />

de outro modo exige escrever de outro modo! Em virtude deste fato, estas<br />

anotações não possuem a forma de um texto-escrito, mas antes compõem<br />

um roteiro orientador. Do contato com o Caso Schreber, através do texto<br />

freudiano e do estudo que vimos realizando este ano do Seminário de Lacan,<br />

Livro 3, As Psicoses, surgem algumas das interrogações que apresento aqui.<br />

Dedico-me a recolher alguns dados biográficos sobre a criança do<br />

Presidente Schreber, sobre a sua constelação familiar e busco interrogar um<br />

certo material infantil que destes dados se pode inferir. Para tanto, sigo as<br />

contribuições das pesquisas efetuadas por William Niederland, psiquiatra e<br />

psicanalista norte-americano.<br />

A articulação do tema infância e discurso em Schreber, se tece por<br />

referência à noção de Discurso, estudada na obra de Michel de Foucault, de<br />

modo especial, em A Ordem do Discurso, A Historia da Sexualidade, Vol.1,<br />

e em Vigiar e Punir, como, da mesma forma, a partir dos trabalhos desenvolvidos<br />

em seus cursos no Collège de France, reunidos sob o titulo<br />

Problematização do Sujeito: Psicologia, Psiquiatria e Psicanálise.<br />

A título inicial, ao modo de uma hipótese provisória, aproximo-me do<br />

ensaio de Giorgio Agambem, sobre Infância e Historia, para pensar a relação<br />

Língua, Discurso e Inconsciente, no sistema delirante de Schreber.<br />

1. INFÂNCIA – RECONSTITUIÇÃO ... CONSTELAÇÃO FAMILIAR<br />

1. A reconstituição da infância de Schreber foi possível pelo longo e<br />

minucioso trabalho de pesquisa realizado por William Niederland, pesquisas<br />

essas iniciadas no ano de 1951 e que se estenderam até 1972. Além de<br />

Franz Baumeyer, psiquiatra-psicanalista, até 1955, William Niederland,<br />

Maurits Katan e H.Nunberg, são os únicos no âmbito da Psicanálise a apresentar<br />

trabalhos específicos sobre Schreber. Melanie Klein, em 1952, faz<br />

referência às Memórias para ilustrar os chamados mecanismos<br />

esquizoparanóides.<br />

2. Essas pesquisas, inspiradas em Freud, buscam descobrir o chamado<br />

núcleo de verdade no delírio. Niederland, por sua vez, realiza um amplo<br />

estudo da obra médico-educacional do pai de Schreber, Daniel Gottlieb<br />

Moritz Schreber, e, por esse caminho, encontra algumas peças com as quais<br />

reconstitui a infância de Schreber.<br />

3. O pai Schreber (1808 – 1861) – médico, ortopedista, pedagogo,<br />

descendia de família de Burgueses e Protestantes. Autor de vários (20, ao<br />

que parece!) livros sobre ginástica, higiene e educação das crianças. Seus<br />

antepassados deixaram obra escrita sobre Direito, Economia, Pedagogia e<br />

Ciências Naturais, em que são recorrentes as preocupações com a moralidade<br />

e com o bem da humanidade. Acreditava que seu trabalho contribuiria para<br />

aperfeiçoar a obra de Deus e a sociedade humana.<br />

4. Para garantir a postura ereta do corpo da criança em todos os<br />

momentos do dia, inclusive durante o sono, o Dr. Moritz Schreber, projetou e<br />

construiu vários aparelhos ortopédicos de ferro e couro. A retidão do espírito<br />

era fruto do aprendizado precoce de todas as formas de contenção emocional<br />

e da supressão radical dos chamados sentimentos imorais, entre os<br />

quais, naturalmente, todas as manifestações da sexualidade.<br />

5. Nas palavras do Presidente Schreber, presente nas Memórias ....<br />

“Poucas pessoas cresceram com princípios morais tão rigorosos como eu e<br />

poucas (...) se impuseram ao longo de toda sua vida tanta contenção de<br />

acordo com esses princípios, principalmente no que se refere à vida sexual”.<br />

6. O pai Schreber orgulhava-se de ter aplicado, pessoalmente, nos<br />

filhos os próprios métodos educacionais e afirmava que “os resultados tinham<br />

sido excelentes!” Em 1859, sofre um grave acidente: uma barra de<br />

ferro de um aparelho de ginástica cai sobre a sua cabeça, resultando em<br />

comprometimento cerebral irreversível. Retira-se da vida profissional e da<br />

4 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

5


SEÇÃO TEMÁTICA<br />

OGIBA, S. M. M. Infância e discurso...<br />

convivência diária com a família. Viveu fechado em seu quarto e em tratamento<br />

durante 03 anos. Morreu no ano de 1861.<br />

7. Quanto à mãe, quase não há referência à mesma pelos biógrafos<br />

de Schreber, apenas que parecia ser uma mulher pouco afetiva, deprimida e<br />

dominada pelo marido. Soube-se que seu nome era Pauline, contrastando<br />

com o nome do filho que se chamava Daniel Paul Schreber. Pauline parece<br />

ter vivido até os 92 anos!<br />

8. Daniel Schreber é o terceiro, dos cinco filhos do casal. O<br />

primogênito, três anos mais velho que Schreber, chamava-se Gustav e,<br />

segundo os registros encontrados, sofria de paralisia e suicidou-se aos 36<br />

anos de idade. Maurits Katan (p.102 e 109), por exemplo, ao analisar o<br />

material infantil, comenta sobre a relação de Schreber, ainda bem menino,<br />

com esse seu irmão mais velho e com a sua mãe. De posse desse material<br />

sugere uma interpretação para o que chamou de “medula do conflito<br />

infantil” atuante no sistema delirante de Schreber, através do tema da conspiração.<br />

“... o irmão maior deve tê-lo atraído bastante, já que Schreber estava<br />

em conflito acerca de quem era seu preferido: seu pai ou seu irmão”.<br />

“... Schreber formou uma dependência masoquista feminina com respeito<br />

a seu pai. Resulta evidente que estava em perigo de fazer o mesmo em<br />

relação ao seu irmão”.<br />

2. INFÂNCIA E DISCURSO(S)<br />

1. Sabemos muito pouco sobre a infância de Schreber; entretanto,<br />

talvez nos seja possível saber algo da criança Schreber tendo por referência<br />

os efeitos discursivos da obra educacional do Dr. Moritz Schreber. Niederland,<br />

como mencionado antes, ao tomar o caminho da investigação da obra educacional<br />

do pai, pôde vir a contribuir com a reconstituição dessa infância,<br />

situando a criança Schreber em sua constelação familiar. No entanto, gostaria<br />

de interrogar essa obra, uma obra de educação moral e física na perspectiva<br />

de um Guia, ao revelar seus dispositivos de poder-saber voltados para a<br />

produção da subjetividade infantil. Dispositivos atuantes sobre e no corpo,<br />

tornando-o um “corpo dócil e submisso”, expressão emblemática de uma<br />

leitura foucaultiana dos mecanismos de funcionamento do poder na sociedade<br />

moderna – uma série de tecnologias atuantes no corpo e nele produzindo<br />

inscrições discursivas que virão dizer da realidade psíquica, estrutural e sintomática<br />

do Sujeito.<br />

2. A criança Schreber, diz-se, foi um aluno aplicado. Ele próprio, em<br />

suas Memórias, se apresenta como “de natureza tranqüila, quase sóbria,<br />

sem paixão, com pensamento claro, cujo talento individual se orientava mais<br />

para a crítica intelectual fria do que para a atividade criadora de uma imaginação<br />

solta”. Tudo indica, conforme menciona Marilene Carone, na introdução<br />

das Memórias..., que Schreber, em sua infância, submeteu-se com<br />

docilidade ao despotismo pedagógico do pai.<br />

3. No entanto, a obra do pai Schreber, ao ser concebida como dispositivo<br />

discursivo, é ela mesma produzida por outros tantos discursos veiculados<br />

no âmbito do social e da cultura do seu tempo. Se tomarmos o início do<br />

séc. XIX, em suas primeiras décadas, época do nascimento do Dr. Moritz, e<br />

refletirmos sobre as condições sociais, cientificas e filosóficas, em desenvolvimento<br />

desde o século XVIII, chegaremos a certo espírito do tempo, marcado<br />

pelas idéias iluministas e pela crença no progresso da razão. Século<br />

das Luzes como assim o chamamos, o século XVIII, foi, de fato, o solo para<br />

a reforma humanista do mundo ocidental no século XIX.<br />

4. Buscando seguir a investigação de Niederland sobre a obra do pai<br />

Schreber, visando à descoberta do núcleo da verdade do sistema delirante<br />

do Schreber filho, e, tomando o cuidado para não cair na simplificadora relação<br />

de causa-efeito, acredito que se possa ver essa obra em seus efeitos de<br />

sentido produtores de discurso parental. E, por esta via, poder pensar o<br />

sistema delirante de Schreber, como sendo causado por efeitos de uma rede<br />

de discursos, assim como apresentar a infância de Schreber, implicada e<br />

estruturada por séries discursivas, cuja produção é, sobretudo, da ordem do<br />

discurso e do acontecimento. Dessa perspectiva, colaborar com a investigação<br />

de Niederland, situando a infância na ordem dos discursos: social, cultural,<br />

parental, por um lado, e , por outro, constituindo-a (a infância) no<br />

6 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

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SEÇÃO TEMÁTICA<br />

OGIBA, S. M. M. Infância e discurso...<br />

atravessamento destes discursos na cadeia de significantes que irão marcar<br />

e atravessar o corpo do infans.<br />

5. Penso, porém, nessa infância, como uma primeira infância, aquela<br />

que podemos tomar pela temporalidade cronológica e afetada pelas redes de<br />

discursos em seus dispositivos de poder-saber, acima delineados. Algo como<br />

a infância das neuroses! Haverá outras Bem, a aproximação ao ensaio de<br />

Agamben – Infância e História -, parece ter o efeito de uma bússola conduzindo-me<br />

ao entendimento da implicação infância, discurso, corpo e inconsciente,<br />

no âmbito do sistema delirante de Schreber. Haverá aí, nos delírios do<br />

Presidente Schreber, algo a nos informar de uma relação outra com a linguagem,<br />

isto é, com a língua Será a este acontecimento que Schreber se refere<br />

quando nos situa em relação à língua fundamental Temo por estas indagações,<br />

mas as formulo visando, sobretudo, discuti-las. Na quarta parte destas<br />

considerações, apresento, sucintamente, o principal argumento de Agamben.<br />

Isto posto, o que aqueles efeitos “causam” no corpo e nos modos de<br />

estruturação do sujeito será da ordem de uma nova ordenação desses discursos,<br />

no âmbito da língua. No caso do nosso presidente Schreber, a sua<br />

produção delirante parece querer buscar essa tão propalada Ordem do Mundo<br />

através de uma reordenação daquela rede discursiva dentro da qual sua<br />

estruturação subjetiva e psíquica se realizam.<br />

6. Rede de discursos e seus impactos subjetivos... Falta mencionar,<br />

no entanto, outra Série discursiva, aquela instaurada no sec. XX pela psicanálise<br />

freudiana e pelo retorno que a ela faz Jacques Lacan. Como um saber<br />

moderno e contemporâneo, que tem algo a dizer sobre os modos de constituição<br />

subjetiva da criança, o discurso analítico é aquele que nos informa<br />

sobre o modo de funcionamento do sujeito do inconsciente, re-situando, de<br />

modo radical, as relações do Eu com o Outro, do Corpo com o(s) Discurso(s),<br />

entre outros elementos constitutivos do campo do sujeito e do campo do<br />

outro. Dentre os vários acontecimentos discursivos, tornados práticas, que<br />

tecem, então, essa rede de historia, ou histórias, a Psicanálise, por tomar<br />

os discursos em seus efeitos significantes parece ser o fio que desrealiza<br />

aquela estruturação subjetiva, psíquica e corporal.<br />

3. INFÂNCIA, DISCURSO E CORPO<br />

1. O corpo enunciado como discurso de vários discursos – parece ser<br />

isto que o Presidente Schreber enuncia quando nos diz em suas Memórias,<br />

ao abrir seu cap.XI:<br />

“Que pode ser mais definitivo para um ser humano que aquilo que foi<br />

sentido e vivido em seu próprio corpo”.<br />

2. Por volta de 1800, quando nasce o Dr. Moritz Schreber – para<br />

Foucault essa época é mesmo um limiar na história, quando a consideramos<br />

do ponto de vista do poder -, é aí que vemos surgir os verdadeiros<br />

fundamentos da sociedade moderna. Foucault critica as operações filosóficas<br />

da ideologia das luzes. (Adorno e W.Benjamin por outros caminhos também<br />

o fazem!)<br />

3. Temas universalizantes, universalistas: verdade, justiça, liberdade<br />

– mostram o caráter coercitivo das luzes, caráter coercitivo do pensamento<br />

identificante que tende a subsumir o particular.<br />

4. Sociedades modernas são sociedades totalitárias! Adorno, por exemplo,<br />

apreende as operações totalitárias nas manipulações psíquicas<br />

provocadas pelos mass-media, produzidas pelas agências da indústria cultural.<br />

Para Foucault, as operações integrativas são, antes, asseguradas pelos<br />

procedimentos que visam disciplinar o corpo e que são, portanto, produzidos<br />

por instituições mais ou menos ligadas entre si: a escola, a fábrica ou<br />

a prisão.<br />

5. Todas as práticas pelas quais o sujeito é definido e transformado<br />

são acompanhadas pela formação de certos tipos de conhecimento. Sobre o<br />

corpo, sobre a sexualidade e sobre o Si mesmo. O Guia do Dr. Moritz parece<br />

ter essa função.<br />

6. Uma das imagens do sistema delirante do Presidente Schreber –<br />

os Homúnculos – informa-nos o quanto a teoria do Homúnculo esteve articulada<br />

na forma de discurso parental. Teoria na qual a criança era vista como<br />

um adulto em miniatura. Ainda que essa representação de criança viesse<br />

sofrendo mudanças desde o século XV, justamente com a emergência das<br />

figuras intelectuais, como as dos padres, juristas, moralistas, entre<br />

8 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

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SEÇÃO TEMÁTICA<br />

OGIBA, S. M. M. Infância e discurso...<br />

outros,quase quatro séculos depois, temos um desses intelectuais do século<br />

XV figurado na pessoa do Dr. Moritz, pai de Schreber.<br />

7. Interrogo-me sobre essa “descontinuidade” no discurso social, educacional<br />

e médico. Quase chego a pensá-la em sua eficácia emolduradora<br />

de um discurso parental, na família schrebiana. Sim, o sentimento de cuidado,<br />

de cultivo da vida da criança como seres diferentes dos adultos foi atuante<br />

nas múltiplas séries discursivas, e nas práticas de cuidado daquele pai,<br />

cuja tamanha desmesura leva-nos a inferir sobre o quanto o mesmo se exercia<br />

também como “mãe”.<br />

8. Este “Pai que sabia demais”, como nos apresenta Eric L. Santner,<br />

em seu livro A Alemanha de Schreber, através dos “seus cuidados”, parece<br />

ter deslocado a senhora Pauline do seu lugar-função materna. Bem, enfim,<br />

considero arriscada uma formulação como esta, no entanto, à luz dos poucos<br />

dados obtidos sobre a mãe de Schreber e da sua posição naquela constelação<br />

familiar, é possível percebermos a figura da senhora Pauline como<br />

sendo apagada, submissa ao Dr. Moritz, sobretudo, alienada ao discurso de<br />

um outro. A essa posição da sua mãe na constelação familiar, Schreber,<br />

parece ter aludido em seu conteúdo delirante sob o tema da conspiração,<br />

pois que nas interpretações de Katan e Nierderland, a senhora Pauline tratou,<br />

por um período, de “esconder” as relações “tumultuadas” entre o menino<br />

Schreber e seu irmão mais velho, as quais, aqui nesta ocasião, não terei o<br />

tempo para esmiuçar.<br />

9. São pois as experiências da sua infância (aquela tomada na<br />

temporalidade cronológica, aludida antes) que aparecem em forma de delírios<br />

milagrosos, durante, por exemplo, o processo psicótico, fazendo com<br />

que se possa dizer da existência de um núcleo, certa essência “realista”<br />

presente no material de seus delírios. Toda uma linguagem arcaica típica<br />

dos processos primários aí aparece. Dito, talvez, de outro modo, o material<br />

psicótico converte em milagres as primeiras experiências infantis. Toda uma<br />

instrumentalizada, e instrumentalizadora, manipulação (“a criança<br />

regimentada”, formulada por Eric Santner) foi-lhe, vou usar a força mesmo da<br />

palavra e dizer imposta, como forma de cuidado. Cuidados realizados através<br />

da vigilância, da coação e, por vezes, com doçura; fazendo com que<br />

certo dito poético, produzido na poesia contemporânea, já lá estivesse no<br />

séc. XIX, a mostrar-se com toda contundência objetificante, a saber: “Te<br />

odeio com doçura”, tema titulo do livro de poemas de Antônio Mariano. Um<br />

tema libelo do amor eterno ...<br />

4. INFÂNCIA E HISTÓRIA... LÍNGUA, DISCURSO E INCONSCIENTE<br />

1. Das análises sobre o Caso Schreber que Lacan formula no Seminário<br />

As Psicoses, destaco o tema da Foraclusão: essa falha no Outro. O que<br />

o acontecimento da foraclusão do Nome-do-Pai virá a produzir na relação do<br />

sujeito com os discursos Pois bem, encontro uma passagem no referido<br />

Seminário, na qual Lacan parece querer nos advertir sobre a singular posição<br />

que o sujeito se encontra na rede dos discursos e, da mesma forma, apontando<br />

para a singularização da psicanálise enquanto uma série discursiva,<br />

dentre as outras tantas que aludimos antes. Diz Lacan, à página 190:<br />

“Se digo que tudo o que pertence à comunicação analítica tem estrutura<br />

de linguagem, isso não quer dizer que o inconsciente se exprima no<br />

discurso. A Traumdeutung, a Psicopatologia da vida cotidiana e o Chiste<br />

tornam isso transparente – nada dos rodeios de Freud é explicável, salvo que<br />

o fenômeno analítico como tal, seja ele qual for, é, não uma linguagem no<br />

sentido em que isso significaria ser um discurso – eu nunca disse que é um<br />

discurso – , mas estruturado como uma linguagem.” (grifo nosso)<br />

2. Há outras passagens no Seminário As Psicoses, onde Lacan vai<br />

nos informando sobre essa particular relação do sujeito com a linguagem, e<br />

da linguagem tomada em sua duplicidade essencial do significante e do<br />

significado, no caso das neuroses e da psicose, em particular, no Caso<br />

Schreber. Em outro momento, as revisarei, buscando discutir de modo mais<br />

abrangente as implicações acima referidas.<br />

3. Assim como, também vai informando-nos, em vários outros dos<br />

seus seminários, sobre o que é o Discurso para ele, para a Psicanálise.<br />

Fundamentalmente, nos diz que o Discurso é o Grande Outro e tem, então,<br />

uma condição superlativa de gozar sobre nós. No caso das psicoses, ou<br />

10 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

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SEÇÃO TEMÁTICA<br />

OGIBA, S. M. M. Infância e discurso...<br />

mesmo pensando, no sistema delirante de Schreber, motivo deste trabalho,<br />

a relação que vemos com o discurso é da ordem de uma distorção, alterando,<br />

assim, a ordem do saber. O que observamos no sistema delirante de<br />

Schreber parece ser, assim, uma fala que se estrutura não mais sob a lógica<br />

do discurso, mas antes, pela própria língua.<br />

4. Do ensaio de Agamben, apresento alguns recortes, visando apresentar<br />

sucintamente o foco da sua indagação em Infância e História.<br />

Agamben, seguindo com Walter Benjamin em seu projeto de uma<br />

filosofia que vem, nos informa de início que “a infância encontra o seu lugar<br />

lógico em uma exposição da relação entre experiência e linguagem.” E experiência,<br />

no projeto benjaminiano, definido como algo nos termos “de uma<br />

experiência transcendental”, transcendental, neste contexto indicando “alternativamente,<br />

uma experiência que se sustém somente na linguagem, um<br />

experimentum linguae no sentido próprio do termo, em que aquilo de que se<br />

tem experiência é a própria língua”.<br />

“A in-fância que está em questão no livro não é simplesmente um fato<br />

do qual seria possível isolar um lugar cronológico, nem algo como uma idade<br />

ou um estado psicossomático que uma psicologia ou uma paleoantropologia<br />

poderiam jamais construir como um fato humano independente da linguagem.<br />

(...) o conceito de infância é, então, uma tentativa de pensar estes<br />

limites (os da linguagem) em uma direção que não é aquela, trivial, do inefável<br />

(...)” (p.10)<br />

“... o lugar de uma tal experiência transcendental encontra-se naquela<br />

diferença entre língua e fala (ou antes, nos termos de Benveniste, entre<br />

semiótico e semântico) que permanece o incontornável com o qual toda<br />

reflexão sobre a linguagem deve confrontar-se.”<br />

“Pois é óbvio que, para um ser cuja experiência da linguagem não se<br />

apresentasse desde sempre cindida em língua e discurso (grifo), um ser que<br />

já fosse, portanto, sempre falante e estivesse sempre em uma língua indivisa,<br />

não existiriam nem conhecimento, nem infância, nem história”.<br />

5. Estes poucos recortes, são, certamente, insuficientes para abranger<br />

a complexidade e ao mesmo tempo apontar as possibilidades de uma<br />

frutífera discussão sobre as implicações a que me propus seguir nesta parte<br />

do trabalho. Mas, estes mesmos recortes me parecem quase suficientes,<br />

digamos assim, para que possamos produzir certa “torção” neste tema da<br />

infância e discurso, quando fustigados pela advertência lacaniana antes<br />

mencionada. Uma hipótese provisória esta, de procurar o lugar da experiência<br />

com a língua enquanto infância do homem. O que significa então, poder<br />

pensar, no âmbito das psicoses e dos sistemas delirantes que aí se montam<br />

pelo sujeito, na sua relação de experiência com a língua (cindida com o<br />

discurso), em uma idéia de infância para além de uma substância psíquica.<br />

6. Pois bem, para “finalizar”, um outro recorte:<br />

“É a infância, a experiência transcendental da diferença entre língua e<br />

fala, a abrir pela primeira vez à história o seu espaço(...). É a este problema<br />

que a teoria da infância possibilita dar uma resposta coerente. A dimensão<br />

histórico-transcendental, que designamos com este termo, na realidade situa-se<br />

precisamente no hiato entre semiótico e semântico, entre língua pura<br />

e discurso, e fornece por assim dizer, a sua razão. Na medida em que possui<br />

uma infância, em que não é sempre já falante, o homem não pode entrar na<br />

língua como sistema de signos sem transformá-la radicalmente, sem constituí-la<br />

como discurso”. (p.65)<br />

Teria sido esta uma das diferenças entre a produção literária e filosófica<br />

(e delirante!) do “paranóico genial”, Jean J.Rousseau, assim chamado<br />

por Lacan, e o sistema delirante do nosso Presidente Schreber, apresentado<br />

por ele mesmo, em suas Memórias<br />

Rousseau, no século XVIII, e Schreber, na Alemanha do século XIX,<br />

ambos re-inventam, re-tomam a (suas) infância, a Infância do homem, através,<br />

então, do hiato, da beância, entre língua e discurso.<br />

Desta perspectiva, ocorreu-me, então, situar a interrogação que formulam<br />

Jean Bergès e Gabriel Balbo sobre se Há um infantil da psicose ,<br />

nos termos de que parece atuar aí nas psicoses, à luz do que se pôde<br />

conhecer sobre o Caso Schreber, por meio das pesquisas realizadas por<br />

Nierderland e outros, aquela outra Infância, para a qual o sujeito falante estará<br />

sempre reentrando.<br />

12 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

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SEÇÃO TEMÁTICA<br />

TREVISAN, E. Schreber (não) é um livro.<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

Agamben, Giogio. Infância e História. Belo Horizonte, Ed.UFMG, 2008.<br />

Foucault, Michel. A ordem do discurso. São Paulo, Loyola, 1996.<br />

___. Historia da Sexualidade, Vol. 1, Rio de Janeiro,Graal, 1985<br />

___. Vigiar e Punir. Petropolis, Vozes, 1987.<br />

___. Problematização do sujeito: psicologia, psiquiatria e psicanálise. Rio de<br />

Janeiro, Forense Universitaria, 1999.<br />

Lacan, Jacques. O Seminário, Livro 3, As psicoses. Rio de Janeiro, Zahar Ed.,<br />

2002.<br />

Niederland, William G. e outros. Los casos de Sigmund Freud – El caso Schreber.<br />

Buenos Aires, Ed. Nueva Visión, 1980.<br />

Revista de Comunicação e Linguagens. Michel Foucault – uma analítica da experiência.<br />

Lisboa, Portugal, Ed.Cosmos, 1993.<br />

Santner, Eric L. A Alemanha de Schreber. R.J., Zahar, 1997.<br />

Schreber, Daniel Paul. Memórias de um Doente dos Nervos. R.J, Paz e Terra,<br />

2006.<br />

Soler, Colette. A psicanálise na civilização. Rio de janeiro, Contra Capa, 1998.<br />

SCHREBER (NÃO) É UM LIVRO<br />

Ester Trevisan<br />

“(...) l’intransmissible est au coeur du désir de transmettre, non pas comme<br />

ineffable perdu dans les sables mais seuil à l’invention 1 ”.<br />

Schreber é um livro. Um livro autobiográfico, mas um livro. Apesar dele<br />

nunca ter encontrado psicanalistas, veio a ser “o paciente mais citado<br />

da história da psicanálise” 2 . O fato é que o livro despertou o interesse<br />

de Freud, levando-o a afirmar que reconhecia nas “Memórias” o melhor<br />

manual de psicologia e psiquiatria já escrito.<br />

Eduardo Prado de Oliveira, na leitura que faz da relação de Freud com<br />

Schreber, chega a afirmar que “Freud não leu o livro de Schreber: encontrando<br />

ali a sua teoria ele se releu” 3 . O próprio Freud explicita em seu texto ter<br />

edificado a sua teoria da paranóia muito antes de saber do livro de Schreber.<br />

O livro chega a Freud por volta de 1908, pelas mãos de seu amigo e<br />

interlocutor Carl Gustav Jung, por quem Freud nutria certas expectativas<br />

quanto à divulgação de suas idéias fora do círculo de Viena. O livro interpela<br />

Freud, que encontra, na pena deste “doente dos nervos”, elementos que de<br />

certo modo estão presentes nas suas elaborações psicanalíticas. O fato de<br />

ser autobiográfico fez com que o considerasse como um caso exemplar,<br />

“porta de entrada para o reino da paranóia”. No seu artigo sobre o caso, é<br />

onde Freud vai dizer a sua conhecida frase: “tive sucesso lá onde o paranóico<br />

fracassou”.<br />

1<br />

Porge, E. Transmettre la clinique psychanalytique. Freud, Lacan, aujourdhui. Ed. Érès,<br />

Ramonville-Saint-Ange, 2005. p.12. « (…)o intransmissível está no cerne do desejo de<br />

transmitir, não como inominável perdido nas areias, mas como abertura à invenção”. (Tradução<br />

livre do autor)<br />

2<br />

De Oliveira, Eduardo Prado (Org). Le Cas Schreber. Contributions psychanalytiques.<br />

Recueil organisé, traduit avec présentation, introduction et notes de Eduardo Prado de<br />

Oliveira sous l’orientation de Jean Laplanche. P.U.F, Paris 1979.<br />

3<br />

Idem p.13. Grifos nossos.<br />

14 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

15


SEÇÃO TEMÁTICA<br />

TREVISAN, E. Schreber (não) é um livro.<br />

Sabemos que Freud veio da neurologia, Flechsig, o médico que tratara<br />

Schreber na primeira crise e que se tornou figura central de seu delírio, era<br />

um eminente neurólogo. O próprio Freud utiliza termos da neurologia ou toma<br />

dela metáforas para explicar os fenômenos psíquicos que tenta desvendar. A<br />

questão do pai e da religião, da relação entre sonho e delírio, seus estudos<br />

tomando referências literárias como apoio, enfim, são inúmeros aspectos da<br />

obra de dois grandes homens que parecem ter se encontrado. Poderíamos<br />

dizer que “os nervos” de Schreber encontraram certa ressonância em Freud,<br />

levando-o a apontar, como o faz ao final de seu texto, certas semelhanças<br />

entre as hipóteses que lança para a compreensão da paranóia e alguns<br />

aspectos da formação delirante de Schreber.<br />

Schreber toca Freud em pontos que lhe são caros naquele momento:<br />

o de pesquisador que quer transmitir a psicanálise e desvendar elementos<br />

que possam ancorar decisões propriamente analíticas:<br />

“Vejo uma certa quantidade de paranóicos (e de dementes) e aprendo<br />

deles tanto quanto outros psiquiatras aprendem de seus casos, mas em<br />

regra geral isto não é o suficiente para produzir decisões analíticas.” 4<br />

O período entre 1908 e 1911 5 é o período em que Freud lê e redige,<br />

então, o seu texto sobre “As Memórias”, que vai ser publicado na primeira<br />

Revista de psicanálise, co-dirigida por ele e Bleuler 6 .<br />

A partir da transferência de Freud com o texto de Schreber, algo da<br />

relação transferencial dos psicanalistas com Freud se coloca em curso neste<br />

trabalho de transformar Schreber em um caso. Ele produz sua narrativa do<br />

“caso” articulando-a aos seus pontos de reflexão, pontos que faziam parte<br />

de um trabalho compartilhado com os psicanalistas que frequentavam o seu<br />

círculo.<br />

Enquanto preparávamos esta jornada, fui levada a ler algumas das<br />

“Minutas da Sociedade Psicanalítica de Viena”, e é interessante o que podemos<br />

encontrar nos comentários de Freud e seus colegas nas reuniões das<br />

quartas-feiras, nos debates daqueles primeiros psicanalistas às voltas com<br />

as questões em que estavam trabalhando. O trabalho em torno de Schreber,<br />

a transferência com o texto produziu em mim este efeito de “busca das<br />

origens”. O que me interessou nesta leitura foi o enorme trabalho de<br />

compartilhamento na construção dos conceitos psicanalíticos, que me parece<br />

ser o grande legado freudiano: o analista não pode prescindir do diálogo<br />

com os pares.<br />

Trago brevemente, a título ilustrativo, alguns temas tratados nestas<br />

reuniões que, além de abordarem escritos que poderíamos chamar de mais<br />

“técnicos”, eram especialmente ricas em comentários de obras literárias. É<br />

o caso, por exemplo, da sessão de 24 de outubro de 1906 7 , em que O. Rank<br />

faz uma exposição intitulada “O drama do Incesto”. O debate acontece basicamente<br />

a partir de referências literárias contendo o tema do incesto para<br />

abordar a questão do recalcamento e do retorno do recalcado nas neuroses.<br />

A sessão seguinte 8 vai tratar da leitura do livro de Bleuler que se chama<br />

“Afetividade, sugestibilidade e paranóia”. Freud critica Bleuler por “concordar<br />

somente em parte com sua teoria, que não compreende nada de suas teorias<br />

sexuais” 9 , e ressalta como ponto importante o fato de Bleuler defender a<br />

questão do afeto, pois, segundo Freud: “é preciso elucidar a origem do afeto<br />

na idéia delirante. (...) O mecanismo da paranóia é relativamente claro, mas<br />

o processo que leva à paranóia ainda não foi estudado”. 10<br />

4<br />

Freud,S. Le Président Schreber. Remarques psychanalytiques sur un cas de paranöia<br />

(dementia paranoides) décrit sous forme autobiographique. Paris, France, Quadrige/P.U.F,<br />

1995. p.7.<br />

5<br />

Cf Thierry,V. La psychose freudienne. L’Invention psychanalytique des psychoses. Paris,<br />

Éd. Arcanes, 1995. p. 85.<br />

6<br />

O Jahrbuch für psychopathologische und psycho-analytische Forshungen.<br />

7<br />

Pontalis, J.B. (Org). Les Premiers Psychanalystes : Minutes de la Société de Vienne Tome<br />

I 1906-1908. Paris, Éditions Gallimard, 1976. p.45-56.<br />

8<br />

Idem, Sessão de 31 de outubro de 1906.p.57-62.<br />

9<br />

.Idem, p. 60.<br />

10<br />

Idem, p. 60.<br />

16 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

17


SEÇÃO TEMÁTICA<br />

TREVISAN, E. Schreber (não) é um livro.<br />

Em fevereiro de 1907, Stekel faz um comentário de duas obras: “A<br />

psicopatologia do errante” 11 , estudo clínico de Willmanns e “A psicologia da<br />

demência precoce” de Jung. Sabemos que o debate em torno da demência<br />

precoce vai ser um pivô na indisposição com Jung, e nesta sessão vemos<br />

uma manifesta discordância diagnóstica do caso apresentado, para Freud,<br />

um caso de paranóia. Posteriormente, ao escrever o seu Schreber, Freud vai<br />

fazer também um diálogo com Bleuler a respeito da demência precoce para<br />

afirmar a paranóia “como um tipo clínico autônomo, mesmo se o seu quadro<br />

é complicado por traços esquizofrênicos” 12 . É nesta sessão ainda que ele<br />

menciona a hipocondria e sua relação com a paranóia:<br />

“Se é justo que a neurose de angústia é o equivalente somático da<br />

histeria, deve haver um estado somático em que há uma relação<br />

análoga com a paranóia que é a hipocondria. Produz-se um retorno<br />

da libido em direção ao eu, retorno ao qual correspondem sempre<br />

transformações em sensações penosas”. 13<br />

Ele retoma este ponto em seu escrito de Schreber. Talvez possamos<br />

dizer que a relação da hipocondria à paranóia passa a ser “lida” na clínica a<br />

partir de Freud. Não é incomum encontrarmos pacientes com uma pregnância<br />

de delírios corporais, mostrando-nos o quanto a questão do corpo está<br />

implicada de um modo particular nas psicoses. Lacan vai falar da hipocondria<br />

da primeira crise de Schreber como sendo da ordem dos “fenômenos elementares”<br />

que aparecem nas psicoses.<br />

É como comentador de um texto que Freud estuda o delírio de Schreber.<br />

Ele se atém ao escrito, ao enunciado – diferente de outros que vão lê-lo<br />

11<br />

É curioso encontrar entre estes primeiros psicanalistas esta questão que é tão atual e<br />

relativamente pouco explorada entre os psicanalistas. Faz-se já ali toda uma crítica ao tipo<br />

de abordagem feita nos asilos, chega-se a falar em “sadismo médico” relativamente aos<br />

casos referidos.<br />

12<br />

Freud,S. Le Cas Schreber, p. 74.<br />

13<br />

Freud, Op. cit. p. 132.<br />

buscando referências biográficas. É a partir do testemunho de Schreber que<br />

ele estabelece noções sobre a paranóia que são muito vivas ainda hoje,<br />

apesar de calcadas na clínica das neuroses. A análise que Freud faz do<br />

delírio permite-nos ler as “Memórias” com Freud. A escrita de Schreber pode<br />

produzir um efeito de sideração, impedindo a sua leitura. Não é fácil ler<br />

Schreber, é um texto de uma alteridade absoluta. Octave Mannoni, ao abordar<br />

a questão de pensarmos o valor literário do escrito de Schreber, diz que<br />

o considera<br />

“louco por causa de sua insistência em descrever o que para ele é<br />

objetivo, desvelando assim a falha que permite passar da cena da<br />

escrita, onde reina o autor, à cena do sujeito, onde, para Schreber,<br />

reinam o inconsciente e o delírio. (...) Schreber transforma em psiquiatra<br />

qualquer leitor, por mais ignorante que seja no assunto”.<br />

Alfredo Jerusalinky, em um comentário após a entrevista de um paciente<br />

paranóico há alguns anos no CAPS, alertava-nos para o fato de que o<br />

que falta ao psicótico é o espaço ficcional. Espaço este que é diferente do<br />

imaginário, que é circunscrito, tem uma extensão limitada. No delírio nos<br />

deparamos com um imaginário ilimitado, como o constatamos na leitura das<br />

“Memórias”.<br />

A estabilização de Schreber se dá a partir de sua transformação em<br />

mulher e é algo que ele mantém do seu delírio. Henriquez ressalta a “admirável<br />

coincidência: ao mesmo tempo que ele inscreve sobre o seu corpo as<br />

marcas de sua feminização, Schreber começa a escrever” 14 .<br />

Schreber inicialmente jogava algumas notas sobre o papel, numa transcrição<br />

desordenada de idéias e palavras, e é somente a partir de 1897, ou<br />

seja, quatro anos após sua internação, que passa a escrever um diário e<br />

concebe o plano futuro de suas “Memórias”.<br />

14<br />

Henriquez, M. Aux carrefours de la haine : paranoia-masochisme-apathie. Paris, Éd. ÉPI,<br />

1984. p. 60.<br />

18 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

19


SEÇÃO TEMÁTICA<br />

TREVISAN, E. Schreber (não) é um livro.<br />

Henriquez destaca também :<br />

“o quanto a aceitação de se ver e de se exibir com traços femininos,<br />

colocando-se em cena como uma mulher, olhando-se no espelho<br />

(...) leva a uma cessação das sensações dolorosas de transformação<br />

do corpo e do cortejo de angústia persecutória que as acompanhavam<br />

(...) Às preocupações hiponcondríacas e aos ataques<br />

do corpo, sucedem uma idealização, uma reunificação do corpo,<br />

uma retomada narcísica em uma imagem especular”. 15<br />

Em suas observações, o Dr Weber, médico assistente de Schreber,<br />

assinala que “na primavera de 1897, pode-se observar uma mudança no paciente,<br />

quando teve início uma viva troca de cartas entre ele e sua esposa”. 16<br />

A catástrofe do mundo que encontramos em Schreber durante o estádio<br />

“tempestuoso” de sua doença, não é rara de ser encontrada em outras<br />

histórias de doentes, dirá Freud, o que podemos constatar na clínica. Ele<br />

dirá, ainda, que “o paranóico o reconstrói [o mundo] (...) de modo que possa<br />

aí viver. Ele o edifica pelo trabalho de seu delírio. O que tomamos por produção<br />

da doença, a formação delirante, é na realidade a tentativa de cura, a<br />

reconstrução”. 17 No que Schreber escreve podemos perceber a sua busca<br />

de representações dele mesmo e de identificações que o permitissem se<br />

inscrever no campo de um possível.<br />

Quando propus o título “Schreber (não) é um livro”, pensava na dificuldade<br />

que é o encontro com o paranóico, na diferença de posição em que<br />

estamos quando encontramos o texto e quando encontramos o paciente às<br />

voltas com a sua paranóia.<br />

15<br />

Idem, p. 60.<br />

16<br />

Schreber, D. P. Memórias de um doente dos nervos. Trad. e org. Marilene Carone. São<br />

Paulo, Ed Paz e Terra, 3ª ed., 2006. p. 288.<br />

17<br />

Freud op. cit. p.70.<br />

18<br />

Memórias, p. 297.<br />

É muito diferente “ler” o escrito de um paranóico e “estar na presença”<br />

de alguém no momento em que está vivendo o seu delírio em toda a sua<br />

força e ali tentarmos produzir uma intervenção clínica. Certamente avançamos<br />

na clínica da paranóia depois de Freud, mas não creio que possamos<br />

dizer que o trabalho psicanalítico com o paranóico tenha se tornado mais<br />

fácil. O próprio Schreber retorna ao asilo em 1907, para dele nunca mais sair.<br />

O seu retorno ao asilo se dá no mesmo ano em que morre sua mãe e que<br />

sua esposa fica afásica devido a um derrame, dando-nos mostra do quão<br />

frágil é o equilíbrio na paranóia.<br />

No seu relatório, o Dr. Weber escreve que apesar da grande crise ter<br />

passado, em determinados momentos o paciente não conseguia controlar<br />

certos gestos: “as violentas contorções da face, resmungos, pigarros,<br />

risadinhas” e que “o que mais tornava perturbador era o estado de urros.” 18<br />

Schreber, ao redigir a sua apelação, contesta categoricamente um a um os<br />

argumentos do Dr. Weber e, em particular este, dizendo que, caso ocorressem,<br />

não seriam de responsabilidade médica, mas deveriam ser tratados<br />

com um caso de polícia. Ele alega que, naquele momento, o “estado de<br />

urros” só acontecia quando estava no hospital, entre os loucos, e sobretudo<br />

quando lhe faltava oportunidade de “conversar com pessoas cultas”. 19 É muito<br />

interessante ler a sua argumentação, a clareza com que expõe todos os<br />

seus pontos de vistas e contesta as afirmações do perito. Tomo este exemplo<br />

apenas para mostrar a sua coerência argumentativa e para pensarmos<br />

nos limites do que chamamos de cura quando estamos diante de um grande<br />

paranóico. Schreber, apesar de ter conseguido escrever sua experiência,<br />

permaneceu terrivelmente só, a sua verdade era incompartilhável.<br />

Gostaria de concluir trazendo um fragmento clínico de um caso que<br />

venho acompanhando há mais ou menos 6 anos. Trata-se de um homem de<br />

47 anos, extremamente delirante, que desencadeou sua paranóia há 25 anos.<br />

19<br />

Memórias, p. 318.<br />

20 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

21


SEÇÃO TEMÁTICA<br />

TREVISAN, E. Schreber (não) é um livro.<br />

Ele apresentou sua grande crise logo após ter passado no vestibular e começado<br />

a cursar duas universidades. Até o momento da crise, ele trabalhava.<br />

De origem alemã, é proveniente do interior do estado em região de típica<br />

colonização. O pai, alcoolista, era um homem que se tornava violento quando<br />

alcoolizado. Sua crise parece também conter elementos de sua tentativa<br />

de defender a mãe da agressividade paterna. Digo parece, porque ele fala<br />

muito pouco de sua história. Percebo que ele tem muito cuidado em não<br />

mostrar os seus sintomas para a mãe, não quer “preocupá-la”, sente que a<br />

decepcionou.<br />

No início do tratamento, ele era completamente impermeável a qualquer<br />

colocação que eu pudesse fazer acerca do que dizia. Nos primeiros<br />

tempos do atendimento, ele vinha com uma agressividade enorme, gritava a<br />

qualquer interpelação que eu fizesse, cada palavra proferida por mim era<br />

tomada como absurdo, ele ficava furioso, levando-me a encerrar a sessão.<br />

Nestas ocasiões, eu dizia a ele que gostaria de continuar a recebê-lo, porém<br />

não daquele modo, eu não estava ali para ser agredida, que o esperava em<br />

seu próximo horário. Confesso que ele me causava medo.<br />

Aos poucos, parece que minha presença não lhe era mais tão ameaçadora,<br />

ele fazia algumas questões sobre as coisas das quais eu gostava e,<br />

percebendo que eu me interessava por literatura, passou a trazer cadernos<br />

que escrevera ao longo de muitos anos e lia seus poemas para mim. Lembro-me<br />

que me impressionava a forma como descrevia a mulher: idealizada,<br />

inatingível. Ele queria que eu fizesse “crítica literária”, e se eu ousasse colocar<br />

qualquer questão de ordem pessoal, que pudesse levá-lo a falar de sua<br />

história, ele novamente ficava furioso. Era-me extremamente difícil suportar<br />

estas sessões, eu me sentia literalmente pregada à cadeira, qualquer gesto<br />

meu era tomado dentro de seu sistema interpretativo, enfim eu me perguntava<br />

sempre até que ponto o que eu fazia – ou melhor, o que conseguia fazer –<br />

teria alguma função.<br />

Ele é Deus, tem mais de 2000 anos, múltiplas vidas, ele é vários. Dizse<br />

um erudito, que começou a ler aos três meses de idade, sabe todas as<br />

línguas, inclusive as mortas. Queixa-se de ter que se contentar com o seu<br />

trabalho simples, ele que tem um destino grandioso: foi treinado e trabalhou<br />

com a KGB e a CIA, escreveu milhares de poemas – que estão com os<br />

escribas (ele pode prová-lo), traduziu a bíblia em todas as línguas, já nasceu<br />

inúmeras vezes, é um grande cineasta (Steven Spielberg deve seus filmes a<br />

ele), é um eminente cientista, enfim, eu poderia citar vários temas do seu<br />

“gigantismo” que é como nomeia este ilimitado do delírio que falamos acima.<br />

A sua grande questão sempre foi com a psiquiatria e, dado seu<br />

acúmulo de conhecimento, os psiquiatras obviamente não sabem tanto quanto<br />

ele. Houve um momento em que ele chegou a sair do serviço por não suportar<br />

a psiquiatra que o atendia: ela o recebia com a mãe e ele se sentia<br />

extremamente ameaçado. Naquele momento, ele passou por uma internação<br />

e, quando saiu, pediu para retornar ao serviço porque queria continuar se<br />

tratando comigo, porém não com ela. Ele passou a ser assistido, então, por<br />

um outro médico, mas no momento em que este fez um gesto de conduzi-lo<br />

até a porta do consultório, ele interpretou como assédio e os problemas com<br />

o psiquiatra novamente recomeçaram. Ele, atualmente, vem sendo acompanhado<br />

por um psiquiatra mais experiente, mas não são poucas as críticas<br />

que escuto: ele o chama de “filosofozinho barato”, “psiquiatra de manual”,<br />

“homicida químico” pelos medicamentos que lhe prescreve. Porém, algo se<br />

modificou: ele tem restringido os seus momentos de briga com o psiquiatra<br />

à sessão que antecede sua avaliação mensal e passou a reivindicar uma<br />

psiquiatra que ele encontrou em uma de suas internações. Queixa-se do<br />

conselho de medicina e do Estado, que “absurdamente” não o escutam em<br />

sua reivindicação. Esta psiquiatra o avaliou em uma de suas internações e<br />

ele diz que ela teria conversado com ele como nenhum outro psiquiatra o fez.<br />

Ultimamente, ele vem falando da possibilidade de passar “de caso<br />

ambulatorial para caso clínico”. Isto quer dizer: ser atendido por ela e por<br />

mim. Por que A psicanálise para ele é para que possa falar de seu futuro,<br />

dos seus projetos, porque desde seu encontro comigo ele passou novamente<br />

a “ter esperanças de vir a ter uma vida normal”. Com essa psiquiatra ele<br />

falaria dos seus traumas, pois para ele “a verdadeira psiquiatria é a que trata<br />

dos traumas, não é esta que tenta intoxicá-lo”. Falar do futuro é porque, o<br />

22 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

23


SEÇÃO TEMÁTICA<br />

TREVISAN, E. Schreber (não) é um livro.<br />

que ele quer, é a cura. A cura “é poder casar, ter uma vida em que seja<br />

respeitado”.<br />

Entrementes, o que temos feito Conversado. De um modo estranho,<br />

mas pode-se dizer que conseguimos ter algumas conversas. Ele me fala<br />

“dos paranóicos que o perseguem”, que hoje se restringem a “um certo casal”<br />

e à “família postiça” que o atrapalham: eles o impedem de ler, de retomar<br />

os estudos, trabalhar.<br />

Há mais ou menos um ano ele me falou de um livro escrito “sobre” ele:<br />

é um livro em cujo título encontramos as iniciais de seu nome. Perguntou-me<br />

se eu gostaria de lê-lo e eu disse que sim, que me interessaria muito. Ele me<br />

trouxe o livro e me emprestou com muitas recomendações, o livro precisava<br />

ser devolvido “intacto”.<br />

A partir daí, como eu “cuidei muito bem do livro”, ele “decidiu” que eu<br />

deveria ler a “Comédia Humana” de Balzac, todos os 17 volumes. Ele quer<br />

me tornar uma profunda conhecedora da psiqué dos franceses, porque soube<br />

que morei na França. Eu estou no terceiro volume, ele diz que eu não<br />

preciso ter pressa, pois, afinal, “teremos muito tempo, ainda, juntos”. Eu<br />

confesso que achei perturbador fazer parte deste seu “projeto”, mas de todo<br />

modo, eu não tinha escolha. No início, eu tinha dúvidas se ele realmente<br />

tinha lido e é com surpresa que constato que ele os leu. Tem sido um modo<br />

interessante de conseguir dialogar com ele através destes contos, ele consegue<br />

permitir que eu lhe faça algumas questões a respeito de sua história.<br />

O que percebo é que, apesar de ele já conseguir suportar que eu<br />

pergunte, que o interrompa em alguns momentos, que suporte falar de sua<br />

vida, de sua história ele tem uma rigidez e uma necessidade imperiosa de<br />

“estar no controle”. Não é qualquer dia em que eu posso intervir. Muitas<br />

vezes ele vem, traz o seu discurso pronto, diz o que preparou para dizer,<br />

pergunta se pode ir, e vai. É curioso também como ele começa a referir que<br />

não é sempre que tem necessidade de preparar o que vai falar com antecedência,<br />

que não precisa mais fazer isto, podendo se permitir o improviso.<br />

Hoje ele aceita quando eu o incito a ficar e falar mais um pouco, mas confesso<br />

que, muitas vezes, a sua fala é tão fantástica que eu nem mesmo consigo<br />

fazer o convite. Ele vem rigorosamente a todas as sessões, reclama se eu<br />

falto por algum motivo.<br />

Fico me perguntando se esta seria a sua “cura”, a sua “estabilização”.<br />

Ele diz que “precisa” vir, é o único lugar onde pode conversar “com” alguém e<br />

não só “por telepatia ou com as paredes”. Ele se queixa de ser só. Um<br />

grande avanço para ele foi a construção de um Shopping, próximo à sua<br />

casa, lugar onde se tornou um assíduo freqüentador. Um dia eu o encontrei<br />

ali, por acaso, e ele veio me cumprimentar dizendo: “podes ficar à vontade e<br />

vir sempre que quiseres ao meu shopping”.<br />

Para terminar: Freud conclui a sua leitura do caso dizendo: “pertence<br />

ao futuro decidir se há mais delírio em minha teoria do que gostaria, ou se há<br />

mais verdade no delírio de Schreber que estejamos preparados para acreditar.”<br />

20 Penso que esta dúvida de Freud está sempre presente também no vivo<br />

do trabalho, pois com estes pacientes nós vamos tateando, aprendendo,<br />

num trabalho de construção incessante, perguntando-nos muitas vezes se<br />

nossas hipóteses não seriam também um pouco delirantes. O paciente que<br />

acompanho não é um livro, mas as suas construções neste espaço com o<br />

analista tem se tornado compartilháveis através dos livros.<br />

20<br />

Freud, op. cit p. 77.<br />

24 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

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SEÇÃO TEMÁTICA<br />

POLI, M. C. Uma paranóia freudiana.<br />

UMA PARANÓIA FREUDIANA<br />

Maria Cristina Poli<br />

Existem muitos aspectos surpreendentes na leitura que Freud faz das<br />

“Memórias”. Ele parte de um livro – uma autobiografia, é certo, mas<br />

assim mesmo um livro – para interpretar seu autor e transformá-lo<br />

em um caso clínico. Uma das “cinco psicanálises”, indicadas na bibliografia<br />

tradicional. Não deixa de ser curioso que seja este texto que conste no rol de<br />

clássicos, e não outros, de pacientes acompanhados diretamente por Freud,<br />

como, por exemplo, o da jovem homossexual.<br />

Mas o aspecto surpreendente que eu gostaria de destacar é o lugar<br />

de leitor e intérprete que Freud assume em seu texto e as possibilidades e<br />

impasses que tal posição acarreta. Freud chega ao texto de Schreber antecedido<br />

por Jung e Abraham e incentivado por ambos. Ele reconhece essa<br />

influência nas cartas que escreve a eles e a Ferenczi nesse mesmo período,<br />

situando seu interesse pelo caso com base em uma questão identificatória:<br />

a paranóia de Schreber com Flechsig lhe evoca o episódio da acusação de<br />

plágio proferida por Fliess em torno do tema da bissexualidade.<br />

Porge aborda esse tema no livro “Um roubo de idéias”. Ele menciona<br />

alguns recortes dessa correspondência que testemunham da presença desse<br />

episódio no interesse de Freud por Schreber:<br />

“Desde o caso Fliess, em cuja superação, precisamente, você me<br />

viu ocupado, essa necessidade [de abertura da personalidade] se<br />

extinguiu em mim. Uma parte do investimento homossexual foi<br />

retirada e utilizada para o crescimento do meu eu próprio. Tive êxito<br />

ali onde o paranóico fracassa.” (carta a Ferenczi, 06/10/1910).<br />

“Meu amigo de então, Fliess, desenvolveu uma bela paranóia depois<br />

de se ter desembaraçado de sua inclinação por mim, que<br />

decerto não era pequena. É a ele, ou seja, a seu comportamento,<br />

com efeito, que devo essa idéia.” (12/07/1908 carta a Jung)<br />

“Não se esqueça de que nós dois aprendemos com ele [Fliess] a<br />

compreender o mistério da paranóia.” (carta a Abraham, 03/03/1911)<br />

É, portanto, em Fliess que Freud primeiro interpreta a relação entre<br />

paranóia e homossexualidade: seu amigo atuou suas pulsões homossexuais,<br />

rechaçadas, acusando-o paranoicamente de plágio. Freud mesmo reconhece<br />

no texto sobre Schreber que sua teoria sobre a paranóia antecede a<br />

leitura das memórias. Como ele escreve ao final do texto de 1911: “Posso,<br />

não obstante, invocar um amigo e colega especialista para testemunhar que<br />

desenvolvi minha teoria da paranóia antes de me familiarizar com o conteúdo<br />

do livro de Schreber.” (p. 85)<br />

Porém, não passa desapercebido que Freud também se reconhece<br />

em Schreber. Como menciona na correspondência com Ferenczi: “tive êxito<br />

ali onde o paranóico fracassa”. Também no texto sobre Schreber tal colocação<br />

tem a conotação do bem sucedido de suas elaborações teóricas que ele<br />

desconfia serem tão delirantes quanto as do presidente da corte.<br />

Esses elementos presentes na leitura de Freud são enfatizados por<br />

Santner, no livro “A Alemanha de Schreber”, que aponta neles um substrato<br />

histórico interessante: a época da publicação do texto de Freud é contemporânea<br />

da fundação da Associação Psicanalítica Internacional. O texto de<br />

Freud é carregado, portanto, da preocupação do autor com a transmissão da<br />

psicanálise, para além da sua pessoa, e inclui suas percepções sobre a<br />

fragilidade da função simbólica a qual seu nome e o da psicanálise estão<br />

sujeitos. Cito Santner:<br />

“Aqueles foram anos cruciais na consolidação do movimento psicanalítico,<br />

frente a divisões internas cada vez mais profundas – o<br />

rompimento final com Adler viria em 1911, e com Jung, dois anos<br />

depois, as quais, é claro, só faziam intensificar e complicar a luta<br />

continua pelo reconhecimento por parte da comunidade cientifica<br />

e intelectual mais ampla. A instituição da psicanálise achava-se,<br />

poderíamos dizer, num estado de emergência (emergency), no<br />

sentido de um estado de surgimento (emergence [estar emergin-<br />

26 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

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SEÇÃO TEMÁTICA<br />

POLI, M. C. Uma paranóia freudiana.<br />

do]), de vir-a-ser, bem como de crise e exposição a perigos. Esse<br />

foi um período em que as palavras e conceitos fundantes – o que<br />

poderíamos chamar, com Schreber de Grundsprache ou ‘lingua<br />

fundamental’ da psicanálise – que viriam a estabelecer a forma e a<br />

direção intelectual dessa nova e estranha ciência, em que as fronteiras<br />

que determinariam o interior e o exterior do pensamento<br />

psicanalítico propriamente dito, estavam sendo acalorada e asperamente<br />

contestados.” (p. 39)<br />

E Santner continua um pouco mais adiante com essa instigante proposição:<br />

“Será minha tese nesse livro que os aspectos cruciais da ‘doença<br />

nervosa’ de Daniel Paul Schreber, inclusive a fantasia central de feminização,<br />

só se tornam inteligíveis quando cotejados com o contexto dos problemas e<br />

questões gerados por esses estados de emergência institucionais e políticos.”<br />

(p. 39). Da mesma forma – podemos acrescentar seguindo sua indicação<br />

– a identificação maciça a Schreber, nesse contexto de crise políticoinstitucional,<br />

ou, como denomina o autor, de “crise de investidura”, precisa<br />

ser incluída na leitura do texto de Freud.<br />

De fato, como observa Santner, encontra-se em Freud, e reconhecida<br />

por ele, angústias de influência e anseio por originalidade que se precipitam<br />

em hesitações na “transferência” de poder na psicanálise. A história culmina,<br />

como sabemos, nas rupturas com Adler e Jung. Assim, afirma o autor:<br />

“Se de fato há uma dimensão transferencial no envolvimento apaixonado<br />

de Freud com o material de Schreber, ela diz respeito não<br />

apenas a questões de paixão pelo mesmo sexo, mas também a<br />

questões de originalidade e influência, questões pertinentes à<br />

transferência de conhecimento e autoridade no próprio campo que<br />

Freud estava demarcando como seu.” (Santner, p. 35-36)<br />

Enfim, recorro a esse expediente de leitura do texto freudiano no contexto<br />

de sua produção não para sobrepor uma interpretação a outra; não se<br />

trata de propor que a verdade do caso Schreber estaria numa outra cena na<br />

qual Freud é o ator principal. Contudo, penso ser importante identificá-la para<br />

abordar uma dificuldade de leitura do caso Schreber, que continua a nos<br />

interrogar, e que se refere à interpretação da paranóia como realização sintomática<br />

de um fantasma homossexual.<br />

A pergunta, difícil de ser respondida, é: afinal, qual a relação entre<br />

paranóia e homossexualidade Poderíamos responder rapidamente que se<br />

trata de uma leitura equivocada de Freud, uma interpretação movida pela<br />

contratransferência (no sentido lacaniano, isto é, da atuação dos preconceitos<br />

do analista). Nas “Memórias”, Schreber expressa suas fantasias inconscientes<br />

“a céu aberto”, como se costuma dizer, e ele jamais referiu ter desejos<br />

homossexuais. Trata-se antes de transformar-se em mulher, o que é<br />

outra coisa. O que ele realiza em seu delírio é até mesmo a realização da<br />

fantasia heterossexual por excelência: ser a mulher de Deus. Ou ainda, em<br />

outra faceta da mesma fantasia, ser homem e mulher em um mesmo corpo,<br />

realizando assim a impossível relação sexual. Conforme o próprio Schreber:<br />

“(...) represento a mim mesmo como homem e mulher numa só<br />

pessoa, consumindo o coito comigo mesmo, realizando comigo<br />

mesmo certas ações que visam a excitação sexual, ações que de<br />

outra forma seriam consideradas indecorosas, e das quais se deve<br />

excluir qualquer idéia de onanismo ou coisas do gênero.” (p. 218)<br />

No entanto, é bem verdade – ou como diria Charcot, “ça n’empêche<br />

pas d’exister” – que podemos identificar na clínica a existência de algum<br />

parentesco entre homossexualidade e paranóia. Mas não seria talvez o caso<br />

de se dizer “a fantasia paranóica do homossexual” e não o contrário Pensei<br />

nisso a partir de um caso clínico no qual as fantasias paranóicas do paciente<br />

se sobrepunham a um exercício homossexual recusado. “Recusado” no sentido<br />

de não encontrar suporte na enunciação do desejo, sendo a nominação<br />

“homossexual” percebida como injuriosa.<br />

É pela via da injuria que podemos identificar, talvez, o ponto de encontro<br />

entre o exercício sexual e posição de objeto de gozo do Outro. A<br />

28 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

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SEÇÃO TEMÁTICA<br />

POLI, M. C. Uma paranóia freudiana.<br />

sobreposição dessas inscrições, na fantasia e no delírio, aproxima paranóia<br />

e neurose obsessiva. Em Schreber, tal elemento se expressa no episódio<br />

bem conhecido da nominação que recebe do deus Ariman: Luder (que pode<br />

ser traduzido por puta, vagabunda ou podre). Nas “Memórias”, ele descreve<br />

assim esse momento:<br />

“Acredito poder dizer que nesse momento, e só nesse momento, vi<br />

a onipotência de Deus em toda sua pureza. À noite – e até onde me<br />

recordo, em uma única noite – apareceu o deus inferior (Ariman). A<br />

imagem resplandecente de seus raios – estando eu deitado, não<br />

dormindo, mas acordado – ficou visível para o meu olho espiritual,<br />

isso é, refletiu-se no meu sistema nervoso interno. Ao mesmo<br />

tempo eu o ouvi em sua língua; mas essa não era – como sempre<br />

foi o caso da conversa das vozes antes e depois dessa época – um<br />

leve sussurro, mas ecoava, por assim dizer, bem em frente a minha<br />

janela como um poderoso tom de baixo. A impressão era tão<br />

imponente que ninguém teria deixado de tremer dos pés a cabeça,<br />

a não ser que, como eu, já estivesse calejado pelas terríveis impressões<br />

provocadas pelos milagres. O que era dito também não<br />

tinha um tom amistoso; tudo parecia calculado para me inspirar<br />

medo e terror e ouvi várias vezes a palavra “puta” [Luder] – uma<br />

expressão muito comum na língua fundamental quando se trata<br />

de fazer com que uma pessoa que vai ser aniquilada por Deus<br />

sinta o poder divino. Mas tudo o que se dizia era autêntico, sem<br />

frases decoradas, como mais tarde, tão somente a expressão direta<br />

de sentimentos verdadeiros. Por esse motivo, a impressão<br />

que prevaleceu em mim não foi a de pavor, mas a de admiração<br />

pelo grandioso e sublime; também por essa razão, apesar das<br />

injurias em parte contidas nas palavras, o efeito sobre meus nervos<br />

foi benéfico (...).”(p. 119-120)<br />

No contexto da formação delirante de Schreber a nomeação injuriosa<br />

é recebida como benéfica, como encontro com um significante que faz suplência<br />

à forclusão da castração, ponto de basta na deriva da significação.<br />

Ela inscreve ao mesmo tempo, e no mesmo ponto, os registros da filiação e<br />

da sexuação. Tal como o Édipo o faz na neurose. Porém, nesta, o efeito do<br />

recalque incide justamente nessa sobreposição de registros. Assim que a<br />

injuria é aí recebida como interpelativa e insuportável. Ela é signo da condenação<br />

moral pela qual o sujeito fica à mercê do gozo do supereu. O efeito é<br />

paranóico, mas a estrutura é a da neurose.<br />

É, pois, no âmbito da neurose e, mais especificamente, na<br />

obsessividade, que a homossexualidade pode se apresentar primeiramente<br />

como injuriosa, sendo portanto sujeita ao recalque: ela atualiza a fantasia de<br />

incesto, na qual exercício sexual e objeto do gozo do Outro se confundem.<br />

Retomando o trabalho de Santner, ele nos traz elementos que, como<br />

já assinalei, propõe o desencadeamento da psicose de Schreber como uma<br />

“crise de investidura”. Freud menciona o excesso de trabalho, referido por<br />

Schreber, como precipitador de sua hipocondria, mas não chega a associála<br />

ao ato de nomeação como presidente da corte. É Lacan que vai trazer<br />

esse elemento, permitindo que se aborde a semelhança no estatuto do objeto<br />

na obsessão e na paranóia, pela identificação com o objeto resto e sua<br />

sobreposição à cena incestuosa, ali onde o significante do Nome-do-pai<br />

(forcluído na psicose e excessivamente imaginarizado – quase forcluído – na<br />

obsessão grave) depõe suas armas.<br />

O efeito injuntivo da nomeação é, no entanto, como vimos, bastante<br />

distinto na paranóia e na obsessão. Na primeira, a inconsistência simbólica<br />

da inscrição do Nome-do-pai lança o sujeito na busca delirante de um signo<br />

que faça consistir, no mesmo ponto, filiação e sexuação. Já na obsessão, é<br />

justo esse o ponto insuportável, de desencadeamento de angústia, – a possibilidade<br />

de se identificar a um significante que situe esses dois registros<br />

como sobrepostos.<br />

Nesse sentido, portanto, apesar do equívoco, Freud nos indica um<br />

caminho a perseguir. Para além de suas motivações identificatórias, podemos<br />

acompanhar Santner, no argumento de que se trata de uma questão de<br />

ideologia: homossexual, assim como femininilidade/passividade, entram para<br />

Freud (e para o seu tempo) na linha associativa de Luder. Santner indica<br />

30 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

31


SEÇÃO TEMÁTICA<br />

GIL, A. Uma questão preliminar...<br />

ainda nessa série o significante “judeu” que teria propiciado de forma mais<br />

direta a identificação de Freud a Schreber. Podemos também incluir o termo<br />

psicótico ou louco nessa série.<br />

Estaríamos, então, ai na linha fronteiriça entre discurso e estrutura<br />

Entre ideologia e efeito de sujeito São questões que deixo em aberto e que<br />

buscam retomar a íntima relação que se estabeleceu na tradição pós-freudiana<br />

entre sexuação e estruturas clínicas. Se elas estão sujeitas às ideologias,<br />

são, então, historicamente modificáveis. Como concebê-las hoje Como incluir<br />

em nossa prática os efeitos políticos que a interpretação psicanalítica<br />

acarreta<br />

Referências Bibliográficas:<br />

FREUD, S. (1911/1996). Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de<br />

um caso de paranóia (dementia paranoides). In: Obras completas. V. XII. Rio<br />

de Janeiro: Imago.<br />

SANTNER, E. (1903/1997) A Alemanha de Schreber – uma história secreta da<br />

modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.<br />

SCHREBER, D.P. (1995) Memórias de um doente dos nervos. Rio de Janeiro: Paz<br />

e Terra.<br />

PORGE, E. (1998) Roubo de idéias Rio de Janeiro: Companhia de Freud.<br />

UMA QUESTÃO PRELIMINAR DE J. LACAN:<br />

RUPTURAS E ALGUMAS CONSEQÜÊNCIAS CLÍNICAS<br />

Alfredo Gil<br />

Os anos 50 marcam uma ruptura no tratamento da doença mental,<br />

nos seus estudos e nas suas elaborações teóricas, tanto do ponto<br />

de vista psiquiátrico quanto do psicanalítico, dois campos que, aliás,<br />

andavam de mãos dadas sem dificuldade nessa época, e que, diria mesmo,<br />

se enriqueciam mutuamente como se viu nas instituições psiquiátricas<br />

européias e americanas com a criação de novas formas de abordagem terapêutica.<br />

O DSM I nasce em 1952 e, com ele, seu primeiro derivado medicamentoso<br />

neuroléptico. Em 1955, a confirmação de sua eficácia, incontestável<br />

no trabalho com psicóticos, desde que corretamente administrado, é confirmada<br />

no I Colóquio Internacional sobre este tipo de tratamento.<br />

Neste mesmo ano de 1955, no que concerne à concepção da psicose<br />

no âmbito da psicanálise, a ruptura, é J. Lacan que a opera em seu seminário<br />

dedicado a este tema, tendo como pano de fundo as memórias do Presidente<br />

Schreber. Mas ruptura com relação a quê Ruptura com o debate<br />

anglo-saxônico 1 em torno do caso Schreber, debate que já se encontrava,<br />

aliás, bem mais avançado e que tinha o mérito e o privilégio de poder contar<br />

neste mesmo ano com a primeira tradução inglesa das Memórias, enquanto<br />

que a primeira versão francesa só viria vinte anos depois.<br />

A ruptura é estrutural. A concepção anglo-saxônica, a começar pelos<br />

tradutores das Memórias – I. Malcapine e R. Hunter – mas também M. Katan,<br />

W. G. Niederland e outros, todos criticados por Lacan ao longo do seminário,<br />

é herdeira da tradição kleiniana. Essa, resumindo grosseiramente, propõe o<br />

seguinte: a fraqueza da instância egóica, confrontada com a parte psicótica<br />

1<br />

Le cas Schreber. Contributions psychanalytiques de langue anglaise. Paris : Puf, 1979.<br />

32 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

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SEÇÃO TEMÁTICA<br />

GIL, A. Uma questão preliminar...<br />

da personalidade, fende-se, causando os sintomas psicóticos que preponderam<br />

sobre a parte não psicótica da personalidade. Esta dinâmica explicaria,<br />

para os autores em questão, os sintomas esquizofrênicos de Schreber,<br />

que não hesitam em tratá-lo como um caso de esquizofrenia.<br />

A este respeito, a questão diagnóstica nesses anos é importante e<br />

exige algumas observações antes de avançarmos sobre a ruptura propriamente<br />

psicanalítica, pois é por esta razão que Lacan abre seu seminário<br />

indicando que se esperavam nesta época muito mais resultados da terapia<br />

com esquizofrênicos do que com paranóicos.<br />

Mas o que Lacan não indica é que os anos 50 são o início da era<br />

internacional das esquizofrenias 2 , tanto para os psiquiatras quanto para os<br />

psicanalistas anglo-saxões (os citados acima, mas outros de grande envergadura<br />

como W. Bion e H. Rosenfeld). Nesta época, a esquizofrenia é a<br />

porta-bandeira do projeto estatístico DSM. Ela encarna, nos anos 50 e 60, a<br />

busca do projeto de uma língua única. A crítica de Lacan, nas duas primeiras<br />

aulas do seminário “As psicoses”, sobre o fato que a designação de paranóia<br />

recobre, em grande parte do século XIX, 70% das vesânias na clínica alemã,<br />

valeria para a esquizofrenia neste período.A esquizofrenia nos intercâmbios<br />

clínicos é a língua falada nesta Torre de Babel internacional : designação<br />

solvente que dilui suas particularidades ao mesmo tempo em que engloba o<br />

conjunto das psicoses. Em 1950, o I Congresso Mundial de Psiquiatria acontecia<br />

em Paris, e a esquizofrenia, onipresente, atravessava os diferentes<br />

colóquios, seja na perspectiva organogênica ou psicogênica. Vale lembrar<br />

que, neste período pan-esquizofrênico, as pesquisas na busca etiológica<br />

passam a ser multifatoriais e a esquizofrenia é o quadro clínico que se aplica<br />

aos diferentes fatores: biológico, psicológico e/ou sociocultural. Equívoco<br />

chama equívoco, e nisto o movimento antipsiquiátrico trazia consigo um duplo<br />

equívoco. Exemplo da perspectiva sociocultural, a antipsiquiatria, quer<br />

seja americana, inglesa ou italiana, recusava a existência da doença mental,<br />

2<br />

GARRABÉ, J. Histoire de la schizophrénie, Paris : Seghers, 1992.<br />

sinônimo de esquizofrenia, pois esta era concebida como um mito, produto<br />

da sociedade. A partir desse contexto histórico, é possível constatar que a<br />

primeira ruptura feita por Lacan está no fato de abordar as psicoses pelo<br />

ângulo da paranóia, ruptura iniciada já em 1932 na sua tese de doutorado,<br />

como ele mesmo indica em sua primeira aula do seminário ao adotar esta<br />

nominação. Como lembrava freqüentemente G. Lantéri-Laura em seu seminário,<br />

na tradição germânica as nominações clínicas davam-se freqüentemente<br />

pela criação de neologismos de origem grega: paranóia, parafrenia (E.<br />

Kraepelin), esquizofrenia (E. Bleuler), autismo (E. Bleuler), etc., enquanto<br />

que na tradição francesa predominava a preocupação temática – delírio de<br />

perseguição (Ch Lasègue), folie raisonnante (P. Serieux, J. Caprgas), delírio<br />

de imaginação (E. Dupré) etc. –, explicando assim a introdução tardia do<br />

significante paranóia e mesmo o de psicose na clínica psiquiátrica francesa.<br />

Mas nesta ruptura há um aspecto clínico que faz com que Lacan se debruce<br />

sobre a paranóia muito mais do que sobre a esquizofrenia: naquela há preservação<br />

de uma consistência da personalidade, e, por conseguinte, de um<br />

tipo de relação para com o outro que permite isolar os elementos estruturais<br />

de sua elaboração teórica. O estádio do espelho é uma das primeiras conseqüências<br />

neste sentido.<br />

Retornemos à ruptura no campo da psicanálise. Na concepção de<br />

uma organização da personalidade regida por uma parte psicótica e outra<br />

não psicótica, cujo equilíbrio repousaria no comércio de objetos internos e<br />

externos entre a instância egóica e a realidade exterior por meio de diferentes<br />

mecanismos como, por exemplo, a identificação projetiva, não há distinção<br />

entre neurose e psicose. A idéia é que aquela é uma defesa contra as<br />

angústias inexoráveis desta, existente em todo sujeito. Em outros termos,<br />

não haveria distinção estrutural psicopatológica entre neurose e psicose,<br />

mas, de um certo ponto de vista, continuidade. Isolar um mecanismo próprio<br />

da psicose, como fará Lacan, o leva para uma posição oposta a de seus<br />

contemporâneos.<br />

No seminário de 55-56, estamos a meio caminho da elaboração do<br />

conceito de forclusão (Verwerfung) do Nome-do-pai que assina a psicose.<br />

34 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

35


SEÇÃO TEMÁTICA<br />

GIL, A. Uma questão preliminar...<br />

Lembramos que é em 1953, debatendo com J. Hypollite, que Lacan começa<br />

a isolar o “Ver” freudiano que seria o próprio desta clínica. Temos que ao<br />

menos sublinhar, sem aqui poder tirar todas as conseqüências, que sua<br />

porta de entrada não foi Schreber, mas o episódio do dedo cortado do Homem<br />

dos Lobos, que tendemos muito rapidamente a considerar como uma<br />

alucinação à semelhança dos exemplos a que recorre Lacan em 55-56. Se é<br />

nos “Escritos técnicos de Freud” que se situa o início desta construção, seu<br />

encerramento só ocorrerá em 1958 em “De uma questão preliminar a todo<br />

tratamento possível da psicose”, com duas representações topológicas. A<br />

primeira é a do esquema R, apresentado no seminário do mesmo ano 3 e<br />

retomado nesse texto. Ela dá conta da estruturação do sujeito que atravessa<br />

a castração pela via edipiana com a instauração do significante Nome-do-pai<br />

simbolizando o desejo da mãe e barrando, assim, este Outro primordial. A<br />

outra, a do esquema I, que procura dar conta da experiência schreberiana, é<br />

uma anomalia do esquema R, por causa da forclusão do Nome-do-pai (Po).<br />

Notemos, assim, que os elementos estruturais que Lacan isola progressivamente<br />

nesses anos são os mesmos na delimitação dos campos da<br />

neurose e da psicose. Do lado da neurose, temos S, A, a, a’ dispostos num<br />

triângulo imaginário, duplicado por um triângulo simbólico, quando a realidade<br />

enquadrada é organizada pelo significante fálico. Do lado da psicose, a<br />

forclusão do Nome-do-pai (Po) no simbólico, com a elisão do falo em um<br />

ponto correlativo, mas imaginário, precipita Schreber num “puro e simples furo”.<br />

Temos assim duas estruturas psicopatológicas radicalmente distintas<br />

rompendo completamente com o modelo anglo-saxônico abordado acima,<br />

pelo “simples” fato de que Lacan escutou e diferenciou os dois modos<br />

pelos quais o falasser pode ser parasitado pelo significante.<br />

A questão preliminar assim introduzida não apenas distingue Lacan<br />

em relação à teoria vigente das psicoses, mas abre novas perspectivas na<br />

apreensão da estrutura psicótica que hoje conhecemos bem. Por esta razão,<br />

preferimos correr o risco e fazer alguns comentários, que aqui só poderemos<br />

apresentar de modo alusivo, sobre certos efeitos da dita questão preliminar.<br />

Apesar da prudência de Lacan, que pode ser percebida no título que<br />

propõe “uma questão preliminar” para um “possível” tratamento das psicoses,<br />

o aforismo da forclusão do Nome-do-pai não escapará a um destino que<br />

lembra o desenvolvimento feito anteriormente a respeito da esquizofrenia.<br />

Para começar, extrapolando de um modo quase caricatural, encontravam-se<br />

na França, no início dos anos 70, em alguns certificados médicos<br />

psiquiátricos, observações do tipo: “persistência da forclusão em tal...” De<br />

uma vez por todas, por mais subversivo que possa ser um pensamento num<br />

momento histórico dado, momento de Aufhebung, ele pode rapidamente se<br />

tornar uma síntese sem vigor se não formos vigilantes.<br />

Neste mesmo sentido, um outro efeito, inesperado talvez, foi o destino<br />

funesto do registro Imaginário que reduziu-se (reduz-se às vezes ainda)<br />

ao Eu, lugar do desconhecimento, da alienação e do sintoma. Que nos anos<br />

50 Lacan, no seu “retorno a Freud”, tenha sido obrigado a criticar a teorização<br />

dos anglo-saxões que fundava-se em grande medida no registro Imaginário,<br />

visando restabelecer a função da fala e o campo da linguagem na experiência<br />

analítica, ou seja, da primazia do Simbólico sobre o Imaginário, nem por<br />

isso ele prescrevia um tal destino para o registro Imaginário. Tratava-se antes<br />

de agenciar sua consistência (ou não) diante da determinação Simbólica.<br />

Na progressão do ensino de Lacan, dirigindo-se cada vez mais para uma<br />

clínica do Real como “o que retorna sempre ao mesmo lugar” 4 , ou mais tarde<br />

como “impossível que não cessa de não se escrever” 5 , associada à sua<br />

crítica bem conhecida sobre as questões de fim de análise pela via da iden-<br />

3<br />

Formações do inconsciente, 1957-1958.<br />

4<br />

LACAN, J. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,<br />

1985, aula do 05/02/64.<br />

5<br />

LACAN, J. Les Non-dupent errent. Paris, 1981, aula do 19/01/1974, inédito.<br />

36 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

37


SEÇÃO TEMÁTICA<br />

GIL, A. Uma questão preliminar...<br />

tificação com o analista, o Imaginário será relegado cada vez mais ao segundo<br />

plano, mas não pelo próprio Lacan. Por outro lado, paradoxalmente, alimentou-se<br />

uma concepção da psicose como inteiramente reduzida ao eixo<br />

Imaginário na medida em que se lia a forclusão do Nome-do-pai como<br />

erradicação total do (sujeito) psicótico do registro Simbólico.<br />

Ora, na experiência com pacientes psicóticos é difícil esquivar-se de<br />

momentos transferenciais bem conhecidos em que o analista, como pequeno<br />

outro, encontra-se justaposto ao Outro persecutório. No esquema I podemos<br />

indicar este pólo transferencial em M, que Lacan designa como “figuras<br />

do outro imaginário nas relações de agressão erótica”. Que este tipo de<br />

situação se produza em um dado momento de uma cura é efeito de estrutura<br />

e não necessariamente uma fausse manobra da parte do analista. Ao “não<br />

recuar diante da psicose”, como recomendava Lacan, o psicanalista só poderá<br />

operar no interior do eixo que lhe é imposto pelo paciente, no intuito de<br />

amenizar o gozo ao qual ele mesmo – o paciente – é submetido.<br />

É no interior desse debate que se pode entender a pertinência da<br />

analise de C. Calligairs 6 quando ele afirma que a forclusão do Nome-do-pai é<br />

um conceito negativo, que funda um “universal negativo” daquilo que a psicose<br />

não é, a saber, a neurose. Esta leitura introduz uma bifurcação na apreensão<br />

da psicose como estrutura: de um lado, e que fará a quase totalidade de<br />

contribuições de grande importância nesta área, tratar-se-á de trabalhos sobre<br />

os efeitos da forclusão, pois a única apreensão possível deste mecanismo<br />

se dá pelos seus efeitos, ou seja, pelas manifestações positivas, em<br />

particular o delírio e a alucinação. Por outro lado, a via aberta pela hipótese<br />

de C. Calligaris consiste em poder diagnosticar a psicose numa temporalidade<br />

aquém dos efeitos da forclusão, ou seja, anterior a uma situação que injunge<br />

um sujeito a referir-se à função paterna que para ele não foi simbolizada.<br />

6<br />

CALLIGARIS C. Qu’est-ce que guerir une psychose in Le Bulletin Freudien n° 5, Belgique,<br />

octobre 1985 ; e Introdução a uma clinica diferencial das psicoses , Porto Alegre : Artes<br />

Médicas, 1989.<br />

Entre estas duas perspectivas, que não estão necessariamente em<br />

oposição, propomos uma nuance direcionando nosso questionamento para<br />

um fato clínico, que são as dificuldades de diagnóstico diferencial, e, sobretudo,<br />

insistindo aqui na direção do tratamento. O Homem dos Lobos é um<br />

exemplo paradigmático. Doze anos após a sua análise – se não contarmos<br />

aquela “breve pós-cura”, a pedido de Freud, que durará de outubro 1919 a<br />

abril 1920 – ele deve ainda responder a Freud 7 nos seguintes termos: “Estou<br />

quase certo de ter sonhado o sonho dos lobos exatamente como eu tinha<br />

contado na época”. 8 Freud continuava a insistir em querer saber. Em outubro<br />

do mesmo ano, 1926, Freud é obrigado a endereçá-lo a Ruth Mack Brunswick<br />

para tratar aqueles “resíduos da transferência” 9 , que, segundo ele, seriam a<br />

causa do que nomeou de “caráter paranóico” 10 do Homem dos Lobos.<br />

Ao contrário da perspectiva freudiana de querer saber, a perspectiva<br />

lacaniana pode visar à suspensão do significante, apontando sua polissemia,<br />

sua sobredeterminação, como dizia Freud, jogando com o equívoco inerente<br />

a ele mesmo. Assim, um paciente que, ao falar de um lugar de predileção de<br />

sua infância e de origem da família paterna, a saber, um morro, 11 recebe do<br />

analista em retorno o equívoco que indica a passagem do substantivo ao<br />

verbo, conjugado na primeira pessoa. Na conjunção da tríade sexo, morte e<br />

nominação relativa ao pai, o que poderia parecer uma forte inibição obsessiva<br />

desdobrar-se-á nos primeiros sinais de uma desamarração significante,<br />

com a entrada do paciente na psicose manifesta.<br />

Alguns pacientes parecem encontrar vias de proteção “natural”. Foi o<br />

caso de um jovem de 17 anos que veio consultar trazido pela sua mãe. Ela<br />

começava a mostrar sinais de cansaço, diante das múltiplas solicitações do<br />

7<br />

Carta de 6 de junho de 1926.<br />

8<br />

L’Homme aux loups par ses psychanalystes et par lui-même. Éditions Gallimard, Paris,<br />

1981, p. 282.<br />

9<br />

FREUD, S. L’analyse avec fin et l’analyse sans fun (1937) in Résultats, idées, problèmes.<br />

Paris, Puf, 1985.<br />

10<br />

FREUD, S. Ibid., p. 233.<br />

11<br />

Cujo o nome não daremos mas que alude ao sexo.<br />

38 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

39


SEÇÃO TEMÁTICA<br />

GIL, A. Uma questão preliminar...<br />

filho ao longo do dia, ao ter que participar de seus diferentes rituais obsessivos.<br />

Ele sempre evitou dizer por que não podia renunciar à ação, mas sabia<br />

que se não executasse os ditos rituais algo de ruim aconteceria. Estávamos<br />

em um ponto de imbricação clássico, nesta idade sobretudo, entre manifestações<br />

obsessivas numa estrutura neurótica do mesmo nome ou de uma<br />

sintomatologia que tem por função defensiva de regulação de uma economia<br />

psicótica, esquizofrênica em particular, mas ainda sem evidência. O que me<br />

inclinava a pensar nesta última era a seriedade deste jovem tendo como<br />

reverso um “desinteresse e intolêrancia a todo relativismo”, como ele mesmo<br />

dizia. Ele estava preparando um concurso que lhe daria acesso a uma Grande<br />

École, supra-sumo do ensino francês, para as ciências ditas duras, a<br />

física no seu caso. Mostrando-se brilhante neste campo, dizia que nos estudos<br />

de filosofia (obrigatório para passar o equivalente ao vestibular) ele trabalhou<br />

o mínimo necessário, pois não “suportava o relativismo metafísico filosófico”.<br />

Em realidade, esta intolerância estendia-se para os estudos das<br />

letras em geral tendo também feito o mínimo de leituras exigido em literatura<br />

francesa. “Na física, dizia ele, não existe este relativismo, a aplicação de<br />

uma fórmula uma vez conhecida (o que não era um obstáculo para ele) temos<br />

o resultado, um, e um único resultado”. Acompanhei este jovem durante<br />

seis meses. Com sua carga horária de estudos associada à resistência da<br />

mãe que, apesar do cansaço, não estava disposta a renunciar ao gozo de<br />

situar-se como receptáculo do sintoma do filho – entre os quais, por exemplo:<br />

“Boa noite mamãe. Boa noite meu filho”, repetindo três vezes, quartos<br />

lado a lado, a porta aberta – a interrupção do tratamento foi inevitável. A<br />

última informação que tive a seu respeito, um ano depois, me veio, infelizmente,<br />

de uma colega do setor de psiquiatria: meu paciente havia sido hospitalizado<br />

em um estado gravemente confusional depois de sua mãe ter sido<br />

também hospitalizada devido a um acidente de carro, sem graves conseqüências.<br />

Não é o primeiro paciente que encontro, em uma vertente mais<br />

esquizofrênica, para quem a relação com o raciocínio matemático, a<br />

materialidade do número, parece ter valor de antídoto contra os efeitos de<br />

todo equívoco significante. Há um esboço de hipótese que poderia ser desenvolvido<br />

a respeito de alguns pacientes, mesmo se outros tantos poderiam<br />

contradizê-la. Trata-se da tese de S. Leclaire 12 , demasiadamente<br />

esquemática, como ele mesmo admitirá, e que foi contemporânea ao período<br />

de elaborações que aqui nos interessa, ou seja, metade dos anos 50.<br />

Leclaire avançava a tese de que, para o paranóico, tratar-se-ia de simbolizar<br />

o imaginário, de onde, em alguns casos, a importância da escrita, como foi<br />

o caso de Schreber, e para o esquizofrênico, tratar-se-ia de imaginarizar o<br />

simbólico, o número sendo talvez representação deste último em estado<br />

bruto. Mas para o meu paciente, se não fosse sua dependência à presença<br />

materna, a lógica matemática aplicada às leis da física teria sido um suporte<br />

suficiente, protegendo-o contra os equívocos inerentes ao uso da língua, e<br />

toda iniciativa que apontasse para um além disto poderia levá-lo a responder<br />

a uma divisão que lhe era estruturalmente inviável.<br />

À guisa de conclusão a estas questões preliminares, diríamos que,<br />

se um tratamento é possível com o paciente psicótico seja no trabalho de<br />

cura individual seja no dispositivo institucional (no qual a hospitalização pode<br />

fazer parte num momento dado), ou muitas vezes os dois articulados, ele só<br />

será “possível” tecendo os três registros ( R,S,I ) que são próprios ao falasser<br />

e respeitando a tensão e o entrelaçamento destes registros em cada sujeito.<br />

12<br />

LECLAIRE, S. Principes d’une psychothérapie des psychoses. Paris : Fayard, 1999 ; e À<br />

la recherche des principes d’une psychothérapie des psychoses, in L’Évolution<br />

psychiatrique, n°11, 1958, p. 377-419.<br />

40 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

41


SEÇÃO DEBATES<br />

QUINET, A. Lições de Stonewall...<br />

LIÇÕES DE STONEWALL A SÃO PAULO 1<br />

Antonio Quinet 2<br />

1969, Stonewall, Nova York. 2009, atentado com bomba na Parada Gay<br />

em São Paulo. Após sucessivas batidas policiais com humilhação e<br />

prisão no Bar Stonewall, reduto gay do Greenwich Village em NY, os<br />

homossexuais reagiram e se rebelaram contra a polícia; a rebelião ganhou o<br />

apoio dos passantes e os policiais recuaram. É o marco histórico do início<br />

do movimento de emancipação e liberação dos homossexuais e do combate<br />

à homofobia. No ano seguinte, deu-se a primeira Parada Gay. Em São Paulo,<br />

além da bomba atirada numa sacola do alto de um prédio, outras agressões<br />

deixaram rapazes feridos. Um deles morreu. Aos 40 anos de Stonewall,<br />

ataques como o de São Paulo estão além da homofobia. São atos de<br />

homoterrorismo. Apesar das transformações nos costumes e leis e da maior<br />

liberdade de expressão da opção sexual, prevalece, mundo afora, a repressão<br />

através de atos de guerra. No Brasil, o número de assassinatos de<br />

homossexuais aumentou 55% em 2008 em relação ao ano anterior, revela a<br />

pesquisa anual sobre crimes com motivação homofóbica, do Grupo Gay da<br />

Bahia (GGB).<br />

Como se explica o homoterrorismo Como a homofobia, termo que<br />

designa medo, se transforma em ódio Por um lado, podemos pensar a<br />

partir da lógica da exclusão do diferente e situar o homossexual ao lado do<br />

negro e do judeu, vítimas de discriminação e intolerância (o<br />

triângulo gay era cor-de-rosa nos campos de concentração) e também, como<br />

se tem visto, aqueles que frequentam religiões “fora da norma”, como a<br />

Umbanda, alvos de agressões em seus templos. As mulheres, acrescentese,<br />

continuam a ser discriminadas. Essa norma mítica, que se confunde<br />

com o “normal”, é a do “branco, masculino, jovem, heterossexual, cristão,<br />

1<br />

Artigo publicado no Jornal O Globo no dia 21 de junho de 2009. No dia 26 de junho ocorrerá<br />

na Universidade Veiga de Almeida (RJ) o Colóquio “Homossexualidades na psicanálise”.<br />

2<br />

Psicanalista e doutor em filosofia.<br />

financeiramente seguro e magro” (cf. Dollimore). O homossexual provoca o<br />

imaginário de um gozo outro, tão diferente, e ao mesmo tempo tão semelhante.<br />

Para a consciência da norma, é melhor qualificá-lo de pervertido, nãoconfiável,<br />

pois um gozo periférico, daí ser perigoso. Como disse Arnaldo<br />

Jabor, os gays “ (...) sempre foram uma fonte de angústia, pois atrapalham<br />

nosso sossego, nossa identidade `clara´. O gay é duplo, é dois, o viado tem<br />

algo de centauro, de ameaçador para a unicidade do desejo... o gay sério<br />

inquieta... o gay de terno, o gay forte, o gay caubói são muito próximos de<br />

nós (...).”<br />

Ao responder a uma mãe extremamente preocupada com a homossexualidade<br />

de seu filho, Sigmund Freud (que assinara uma petição pela<br />

descriminalização da homossexualidade) aponta, em 1935, que não é nenhuma<br />

desvantagem, nem vantagem, “não é motivo de vergonha, não é uma<br />

degradação, não é um vício e não pode ser considerada uma doença”. Apesar<br />

disso, só em 1973 a American Psychiatric Association (APA) deixou de<br />

classificar a homossexualidade como doença. E depois que ativistas gays,<br />

por duas vezes (1970 e 1971), invadiram seu encontro anual.<br />

A psicanálise, na mesma direção, se opõe à pedagogia do desejo,<br />

pois esta é uma falácia. Não se pode educar a pulsão sexual, desviá-la para<br />

acomodá-la aos ideais da sociedade. A pulsão segue os caminhos traçados<br />

pelo inconsciente, individual e singular. A pulsão não é louca: obedece à<br />

lógica de uma lei simbólica a que todos estamos submetidos. Para a psicanálise,<br />

o interesse exclusivo de um homem por uma mulher também merece<br />

esclarecimento. A investigação psicanalítica, diz Freud em seu texto premiado<br />

sobre Leonardo da Vinci, opõe-se à tentativa de separar os homossexuais<br />

dos outros seres como um “grupo de índole singular”, pois “todos os<br />

seres humanos são capazes de fazer uma escolha de objeto homossexual e<br />

que de fato a consumaram no inconsciente”. Ou seja, a bissexualidade é<br />

constitutiva de todos, seja a escolha homossexual praticada ou não. O complexo<br />

de Édipo, que cai no esquecimento, comporta também a ligação libidinal<br />

do filho para com o pai e da menina para com a mãe, além das ligações do<br />

filho com a mãe e da filha com o pai. Assim, o número de homossexuais que<br />

42 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

43


SEÇÃO DEBATES<br />

RESENHA<br />

se proclamam como tais, diz Freud, “não é nada em comparação com os<br />

homossexuais latentes”. Há uma diversidade enorme na homossexualidade<br />

tanto na praticada quanto na latente e sublimada. Devemos falar, portanto,<br />

de “homossexualidades”. As sexualidades são tantas quanto existem os<br />

sujeitos, determinadas pelas fantasias de cada um. A questão que se coloca<br />

nesse episódio de terror é como cada um lida com sua homossexualidade<br />

(patente ou latente) que se materializa nas amizades, nas relações entre<br />

parentes do mesmo sexo e em todo ajuntamento social.<br />

Segundo Freud, a libido homossexual é o cimento dos grupos e da<br />

massa, assim como a raiz dos ideais subjetivos de cada um se encontra em<br />

seu narcisismo (do amor por si mesmo e até a auto-estima). O “amar aos<br />

outros como a si mesmo” tem claramente fundamento homo (igual) erótico.<br />

A aceitação da homossexualidade do outro se encontra na dependência de<br />

como o sujeito lida com a sua própria. Quanto mais ele a rejeita em si mesmo,<br />

menos saberá lidar com ela, podendo fazer desse outro um objeto de<br />

ódio, de agressões e até de assassinato. Dentro de uma cultura machista e<br />

falocêntrica (existe no ocidente alguma que não o seja) parece mais fácil<br />

para a mulher lidar com sua homossexualidade do que o homem. Não é à<br />

toa que o lipstick lesbian virou moda entre as meninas. O que está longe de<br />

ser o caso para os meninos que cedo, muitas vezes na escola, aprendem a<br />

prática do homoterrorismo. A aceitação do outro como sexuado, diferente e<br />

independente, podendo fazer suas próprias escolhas de gozo sem ter que se<br />

desculpar, é um índice de civilização. O contrário é a barbárie.<br />

AS POSIÇÕES FEMININA E<br />

MASCULINA NA PSICANÁLISE<br />

CONTEMPORÂNEA<br />

POLI, Maria Cristina. Feminino/Masculino – a diferença<br />

sexual em psicanálise. Jorge Zahar, 76p.<br />

“...A identidade sexual é frágil; as vicissitudes<br />

da vida – o casamento, a maternidade e a paternidade,<br />

as mudanças do esquema corporal que<br />

a idade acarreta etc. – estão constantemente a nos<br />

demandar provas de nossa consistência identitária.<br />

Pode-se passar a vida buscando encontrar o outro<br />

complementar que, pelo amor, garantiria a identidade...”<br />

p.56<br />

Com essa afirmação, podemos antever um pouco do que a leitura do<br />

texto “Feminino/Masculino”, de Maria Cristina Poli nos oferece. Percorrendo<br />

os caminhos da elaboração freudiana sobre o desejo inconsciente<br />

e a sexuação humana, a autora leva-nos a visitar os principais<br />

textos de Freud sobre o tema. Tomando os “Três ensaios para uma teoria<br />

sexual”, trabalho publicado por Freud em 1905, a autora resgata as bases da<br />

teoria psicanalítica e a contextualiza, em companhia de Lacan, e alertada<br />

pelas recomendações de Michel Foucault: é preciso “ler Freud sem elidir a<br />

sua própria posição de autor na produção da teoria e da prática da psicanálise.”<br />

Poli esclarece não se tratar de servir-se da biografia para explicar a<br />

obra, mas considerar que toda a teorização está sujeita a uma posição de<br />

enunciação, incluindo o sujeito que a produz. O código cultural, ou ainda o<br />

campo do Outro, incidem sobre as condições de enunciação do desejo, são<br />

as condições de alienação do autor. Desse encontro e do movimento possível<br />

de separação, surge a obra. Freud não está livre disso, é o que a autora<br />

afirma. As descobertas freudianas, não são construtos teóricos sem base na<br />

experiência. A clínica de sua época, o tornava testemunha das fantasias e<br />

44 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

45


RESENHA<br />

RESENHA<br />

dos ideais vigentes. Por exemplo, havia a extrema valorização da maternidade,<br />

idealizada pelas mulheres e homens de sua época. Ser mulher na virada<br />

do século XIX para o século XX era uma condição solidamente vinculada à<br />

assunção da maternidade.<br />

O discurso vigente nesse período concebia a diferença entre os sexos<br />

como consequência da diferença anatômica. A ausência ou a presença do<br />

pênis determinava o destino sexuado do sujeito. Era o que Freud escutava e<br />

disso ele depreendeu algo verdadeiramente precioso: os adultos concebiam<br />

a diferença sexual nos mesmos moldes das fantasias das crianças. Para<br />

essas, nas suas tentativas de interpretar a diferença, inicialmente haviam os<br />

seres com pênis e aqueles aos quais falta o órgão. Para os meninos, já que<br />

o tinham, restava o medo de perder uma parte tão valiosa de seu corpo. Às<br />

meninas, restava a inveja daqueles que o tinham.<br />

Se pensarmos nas condições sociais do exercício da cidadania, vamos<br />

perceber que ter o pênis na época de Freud, significava ter uma vida<br />

pública, instruir-se, eleger os próprios representantes no campo político, isto<br />

é, ir além da vida doméstica. Restava às mulheres uma certa compensação<br />

através dos filhos, de preferência homens, para amenizar a inveja de que<br />

caiam vítimas. Nesse contexto, dizer que a “anatomia era destino” não seria<br />

uma interpretação errônea.<br />

Um dos grandes méritos deste livro é o de lembrar que a leitura do<br />

complexo de Édipo, promovida por Lacan, privilegia situar a referência sexuada<br />

na enunciação do desejo e não nas bases anatômicas, como o fazem as<br />

crianças e o faziam os adultos contemporâneos de Freud. Mas a autora nos<br />

lembra a leitura lacaniana de forma muito consistente e assim como percorre<br />

os textos freudianos fundamentais sobre o tema da diferença sexual, Poli<br />

expõe as contribuições lacanianas sobre a função significante do falo, este<br />

sim, operador da diferença, uma vez que introduz a falta (castração)<br />

concernente a todo sujeito humano. Nossas identificações estão muito mais<br />

sujeitas ao desejo, do Outro em primeira mão, o que indica o quanto na<br />

leitura lacaniana da estruturação psíquica devemos muito mais ao desejo<br />

alheio inscrito em nós, do que à estrita percepção anatômica do nosso cor-<br />

po. Só integramos o corpo que temos, depois que ele foi integrado, “fisgado”<br />

no campo do Outro.<br />

Não vou repetir o que está escrito, já o fiz em alguma medida, mas<br />

quero renovar o convite de percorrê-lo. Trata-se de um livro denso, o que<br />

confirma que tamanho não é <strong>documento</strong>. O início leva o leitor a acompanhar<br />

a contextualização feita pela autora, depois a visitar ou a revisitar os textos<br />

clássicos freudianos e finalmente a entrar numa seara pouco conhecida do<br />

público que é a leitura lacaniana da sexuação. É um livro que além de constituir<br />

um certo roteiro de estudos e um convite ao aprofundamento, nos trabalha,<br />

no sentido de que sua leitura concerne ao que nos é mais íntimo: àquilo<br />

que somos ou ao que pensamos ser.<br />

Roséli Maria Olabarriaga Cabistani<br />

46 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />

47


AGENDA<br />

Capa: Manuscrito de Freud (The Diary of Sigmund Freud 1929-1939. A chronicle of events<br />

in the last decade. London, Hogarth, 1992.)<br />

Criação da capa: Flávio Wild - Macchina<br />

JULHO – 2009<br />

Dia<br />

02, 09,<br />

Hora<br />

19h30min<br />

Local<br />

Sede da APPOA<br />

Atividade<br />

Reunião da Comissão de Eventos<br />

16, 23 e 30<br />

09 21h Sede da APPOA Reunião da Mesa Diretiva<br />

10 e 17 8h30min Sede da APPOA Reunião da Comissão de Aperiódicos<br />

03, 10, 14h30min Sede da APPOA Reunião da Comissão da Revista<br />

17, 24 e 31<br />

06 e 20 20h30min Sede da APPOA Reunião da Comissão do Correio<br />

23 21h Sede da APPOA Reunião da Mesa Diretiva aberta aos<br />

Membros da APPOA<br />

23 19h30min Sede da APPOA Reunião da Comissão da Biblioteca<br />

ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGRE<br />

GESTÃO 2009/2010<br />

Presidência: Lúcia Alves Mees<br />

1 a Vice-Presidência: Nilson Sibemberg<br />

2 a Vice-Presidência: Marieta Luce Madeira Rodrigues<br />

1 a Secretária: Maria Elisabeth Tubino<br />

2 ° Secretários: Otávio Augusto Winck Nunes e Ieda Prates da Silva<br />

1 a Tesoureira: Maria Beatriz de Alencastro Kallfelz<br />

2 a Tesoureira: Liz Nunes Ramos<br />

MESA DIRETIVA<br />

Alfredo Néstor Jerusalinsky, Ana Costa, Ana Laura Giongo, Beatriz Kauri dos Reis,<br />

Carmen Backes, Emília Estivalet Broide, Inajara Erthal Amaral, Lucia Serrano Pereira,<br />

Márcia da Rocha Lacerda Zechin, Maria Ângela Cardaci Brasil, Maria Ângela Bulhões,<br />

Maria Elisabeth Tubino, Nilson Sibemberg, Norton Cezar dal Follo da Rosa Júnior,<br />

Regina de Souza Silva, Robson de Freitas Pereira, Sandra Djambolakdjian Torosian,<br />

Siloé Rey, Simone Goulart Kasper, Tatiane Reis Vianna.<br />

EXPEDIENTE<br />

Órgão informativo da APPOA - Associação Psicanalítica de Porto Alegre<br />

Rua Faria Santos, 258 CEP 90670-150 Porto Alegre - RS<br />

Tel: (51) 3333 2140 - Fax: (51) 3333 7922<br />

e-mail: appoa@appoa.com.br - home-page: www.appoa.com.br<br />

Jornalista responsável: Jussara Porto - Reg. n 0 3956<br />

Impressão: Metrópole Indústria Gráfica Ltda.<br />

Av. Eng. Ludolfo Boehl, 729 CEP 91720-150 Porto Alegre - RS - Tel: (51) 3318 6355<br />

PRÓXIMO NÚMERO<br />

INSTITUTO APPOA<br />

Comissão do Correio<br />

Coordenação: Fernanda Breda e Norton Cezar Dal Follo da Rosa Júnior<br />

Integrantes: Ana Laura Giongo, Ana Paula Stahlschmidt, Gerson Smiech Pinho,<br />

Márcia Lacerda Zechin, Marcia Helena de Menezes Ribeiro,<br />

Marta Pedó, Mercês Gazzi e Robson de Freitas Pereira.<br />

C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.


S U M Á R I O<br />

EDITORIAL 1<br />

NOTÍCIAS 3<br />

SEÇÃO TEMÁTICA 4<br />

INFÂNCIA E DISCURSO EM SCHREBER<br />

Sonia Mara Moreira Ogiba 4<br />

SCHREBER (NÃO) É UM LIVRO<br />

Ester Trevisan 15<br />

UMA PARANÓIA FREUDIANA<br />

Maria Cristina Poli 26<br />

UMA QUESTÃO PRELIMINAR DE<br />

J. LACAN: RUPTURAS E ALGUMAS<br />

CONSEQUÊNCIAS CLÍNICAS<br />

Alfredo Gil 33<br />

N° 181 – ANO XVI JULHO – 2009 ISSN 1983-5337<br />

RELENDO FREUD:<br />

“O CASO SCHREBER”<br />

SEÇÃO DEBATES 42<br />

LIÇÕES DE STONEWALL A SÃO PAULO<br />

Antonio Quinet 42<br />

RESENHA 45<br />

AS POSIÇÕES FEMININA E MASCULINA<br />

NA PSICANÁLISE CONTEMPORÂNEA<br />

Roséli Maria Olabarriaga Cabistani 45<br />

AGENDA 48

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