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RESENHA<br />
RESENHA<br />
dos ideais vigentes. Por exemplo, havia a extrema valorização da maternidade,<br />
idealizada pelas mulheres e homens de sua época. Ser mulher na virada<br />
do século XIX para o século XX era uma condição solidamente vinculada à<br />
assunção da maternidade.<br />
O discurso vigente nesse período concebia a diferença entre os sexos<br />
como consequência da diferença anatômica. A ausência ou a presença do<br />
pênis determinava o destino sexuado do sujeito. Era o que Freud escutava e<br />
disso ele depreendeu algo verdadeiramente precioso: os adultos concebiam<br />
a diferença sexual nos mesmos moldes das fantasias das crianças. Para<br />
essas, nas suas tentativas de interpretar a diferença, inicialmente haviam os<br />
seres com pênis e aqueles aos quais falta o órgão. Para os meninos, já que<br />
o tinham, restava o medo de perder uma parte tão valiosa de seu corpo. Às<br />
meninas, restava a inveja daqueles que o tinham.<br />
Se pensarmos nas condições sociais do exercício da cidadania, vamos<br />
perceber que ter o pênis na época de Freud, significava ter uma vida<br />
pública, instruir-se, eleger os próprios representantes no campo político, isto<br />
é, ir além da vida doméstica. Restava às mulheres uma certa compensação<br />
através dos filhos, de preferência homens, para amenizar a inveja de que<br />
caiam vítimas. Nesse contexto, dizer que a “anatomia era destino” não seria<br />
uma interpretação errônea.<br />
Um dos grandes méritos deste livro é o de lembrar que a leitura do<br />
complexo de Édipo, promovida por Lacan, privilegia situar a referência sexuada<br />
na enunciação do desejo e não nas bases anatômicas, como o fazem as<br />
crianças e o faziam os adultos contemporâneos de Freud. Mas a autora nos<br />
lembra a leitura lacaniana de forma muito consistente e assim como percorre<br />
os textos freudianos fundamentais sobre o tema da diferença sexual, Poli<br />
expõe as contribuições lacanianas sobre a função significante do falo, este<br />
sim, operador da diferença, uma vez que introduz a falta (castração)<br />
concernente a todo sujeito humano. Nossas identificações estão muito mais<br />
sujeitas ao desejo, do Outro em primeira mão, o que indica o quanto na<br />
leitura lacaniana da estruturação psíquica devemos muito mais ao desejo<br />
alheio inscrito em nós, do que à estrita percepção anatômica do nosso cor-<br />
po. Só integramos o corpo que temos, depois que ele foi integrado, “fisgado”<br />
no campo do Outro.<br />
Não vou repetir o que está escrito, já o fiz em alguma medida, mas<br />
quero renovar o convite de percorrê-lo. Trata-se de um livro denso, o que<br />
confirma que tamanho não é <strong>documento</strong>. O início leva o leitor a acompanhar<br />
a contextualização feita pela autora, depois a visitar ou a revisitar os textos<br />
clássicos freudianos e finalmente a entrar numa seara pouco conhecida do<br />
público que é a leitura lacaniana da sexuação. É um livro que além de constituir<br />
um certo roteiro de estudos e um convite ao aprofundamento, nos trabalha,<br />
no sentido de que sua leitura concerne ao que nos é mais íntimo: àquilo<br />
que somos ou ao que pensamos ser.<br />
Roséli Maria Olabarriaga Cabistani<br />
46 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />
C. da APPOA, Porto Alegre, n. 181, jul., 2009.<br />
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