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EDITORIAL Oideal de uma educação para todos, após três ... - APPOA

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<strong>EDITORIAL</strong><strong>Oi<strong>de</strong>al</strong> <strong>de</strong> <strong>uma</strong> educação <strong>para</strong> <strong>todos</strong>, após três séculos <strong>de</strong> ter sidoformulado, está muito longe <strong>de</strong> ser realida<strong>de</strong>. Ainda formulado comopromessa, como <strong>uma</strong> conseqüência natural do progresso, no fimdos oitocentos, leva cento e cinqüenta anos <strong>de</strong> frustração.Culpam-se sistemas, vasculham-se mé<strong>todos</strong>, reviram-se teorias. Masevita-se o confronto com o ponto que revela a hipocrisia: as crianças sópo<strong>de</strong>m saber aquilo que o discurso social lhes <strong>de</strong>manda. E quando a <strong>de</strong>mandaé <strong>de</strong> ignorância esse princípio se cumpre também. É o discurso socialque precisa ser interrogado e não os mé<strong>todos</strong>. Em todo caso nestes navegam– <strong>de</strong> modo mascarado – as nuanças da <strong>de</strong>manda social.Que no mundo global a educação tenha ficado reduzida à transmissãoda leito-escrita e a lógica, <strong>de</strong>monstra o pouco caso que se faz dasquestões relativas ao laço social. A contraposição <strong>de</strong> culturas <strong>de</strong> al<strong>de</strong>ias ou<strong>de</strong> subgrupos contra-culturais, impondo modos educacionais ultra religiososou formações i<strong>de</strong>ológicas fanáticas (veja-se a experiência das madrassasdos talibãs, ou as escolas dos grupos radicais <strong>de</strong> direita <strong>de</strong> Moçambique,assim como as práticas educativas das seitas que hoje proliferam) constitui<strong>uma</strong> formação reativa ao reducionismo pragmático proposto por <strong>uma</strong>globalização oci<strong>de</strong>ntalista.Interrogar hoje a educação requer – além do questionamento dosmé<strong>todos</strong> e teorias – que nos situemos nesse difícil panorama.C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 20021


NOTÍCIASNOTÍCIASSÃO PEDRO CIDADÃO: NOVOS OLHARES E LUGARESEm 1995, a <strong>APPOA</strong>, em parceria com a Secretaria Municipal da Saú<strong>de</strong><strong>de</strong> Porto Alegre, foi promotora <strong>de</strong> um evento marcante na cida<strong>de</strong>, o Convivendocom a loucura, que reuniu nos salões do Clube do Comércio, porvários sábados ao longo <strong>de</strong> meses, centenas <strong>de</strong> pessoas, entre estudantese profissionais, interessadas no tema da clínica das psicoses e engajadasna constituição <strong>de</strong> <strong>uma</strong> re<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços substitutiva ao mo<strong>de</strong>lo manicomial.No ano 2001, a <strong>APPOA</strong> é convidada pela direção do Hospital PsiquiátricoSão Pedro a compor parceria, juntamente com o Centro <strong>de</strong> EstudosPsicanalíticos e o Fórum Gaúcho <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Mental, <strong>para</strong> a realização <strong>de</strong> umencontro abordando saberes e práticas do campo da saú<strong>de</strong> mental consoantescom a proposta <strong>de</strong> <strong>de</strong>sinstitucionalização e inserção social da populaçãoque fora tradicionalmente alvo <strong>de</strong> internamento nos asilos manicomiais. O evento,<strong>de</strong>nominado São Pedro Cidadão – um novo olhar, ocorreu <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> novembro a1 o <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001, nas <strong>de</strong>pendências do próprio Hospital 1 .As questões que nos ocu<strong>para</strong>m num e noutro evento guardam, certamente,gran<strong>de</strong> proximida<strong>de</strong>, mas o encontro no Hospital São Pedro pô<strong>de</strong>assinalar os avanços e os impasses transcorridos ao longo <strong>de</strong>sses anos, nolento processo <strong>de</strong> consolidação <strong>de</strong> diretrizes políticas, administrativas e clínicas<strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong> mental na perspectiva que a reforma psiquiátrica ea luta antimanicomial vêm apontar.O encontro teve início abordando as diferentes concepções da loucuraao longo da história, ao que se seguiu o tema dos direitos h<strong>uma</strong>nos e aspectoslegais. Se essa discussão preten<strong>de</strong>u enfocar a complexida<strong>de</strong> das questõessuscitadas pelo ato jurídico da interdição, através do <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong><strong>uma</strong> usuária, acabou centrando-se sobre a polêmica da regulamentação ounão do uso <strong>de</strong> eletroconvulsoterapia – polêmica que convém tomar comoemblema do tipo <strong>de</strong> questões, <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m ética, que perpassam todo e qual-1Tiveram participação no evento os seguintes colegas, membros da <strong>APPOA</strong>: AlfredoJerusalinsky, Rosane Ramalho, Maria Ângela Bulhões (pelo HPSP), Nilson Sibemberg (peloCAIS Mental 08) e Analice Palombini (pela UFRGS e Escola <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Pública).quer trabalho dirigido ao campo das psicoses. Ocorre que, nesse campo,encontramo-nos diante <strong>de</strong> alguém cuja condição psíquica facilmente o colocan<strong>uma</strong> relação <strong>de</strong> submetimento à <strong>de</strong>manda que vem do Outro.Esse foi um tema que percorreu a mesa seguinte, sobre a clínica emdiscussão na reforma psiquiátrica, on<strong>de</strong> Alfredo Jerusalinsky apontava <strong>para</strong>o fato <strong>de</strong> que a psicose, especialmente situada na or<strong>de</strong>m do real, encontrasealém das fronteiras do que po<strong>de</strong>mos saber e controlar. A angústia quelidar com o real provoca produz <strong>de</strong>fesas que levam a instituir verda<strong>de</strong>s únicase absolutas como resposta ao seu enigma. Ou seja, à condição propícia aosubmetimento do lado do usuário vem somar-se a posição <strong>de</strong> certeza que seconstitui como <strong>de</strong>fesa do lado <strong>de</strong> quem o aten<strong>de</strong>. Os riscos que corremos,portanto, não são poucos. O assinalamento <strong>de</strong>sses riscos perpassou todo oencontro.Assim, a conferência <strong>de</strong> Benilton Bezerra Jr., da UERJ, abordou o queseria a ampliação da clínica a partir da territorialização do atendimento prestado,implicando, por parte dos serviços, <strong>uma</strong> posição ativa e <strong>de</strong> responsabilizaçãocom respeito ao território (físico, geográfico, mas também subjetivo)em que se encontram inseridos. A noção <strong>de</strong> território, porém, comportao risco <strong>de</strong> transformar-se num braço sutil e po<strong>de</strong>roso <strong>de</strong> medicalização capilarda socieda<strong>de</strong>, voltado a um i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> normalização. Valendo-se <strong>de</strong> Winnicott,Benilton chamava a atenção <strong>para</strong> a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que os serviçossubstitutivos pu<strong>de</strong>ssem operar como espaços suficientemente bons <strong>para</strong>seus usuários, permitindo, através do estabelecimento <strong>de</strong> relações regularese estáveis, alternando presença e ausência, a constituição <strong>de</strong> um espaçotransicional que possibilitasse a vivência <strong>de</strong> estados <strong>de</strong> integração e nãointegraçãodo eu e o exercício da agressivida<strong>de</strong>, autonomia e criativida<strong>de</strong>.E, na mesa sobre formação <strong>de</strong> recursos h<strong>uma</strong>nos e trabalho interdisciplinar,enquanto se escutava o <strong>de</strong>poimento da Direção <strong>de</strong> Ensino e Pesquisado Hospital sobre os entraves e avanços na constituição <strong>de</strong> <strong>uma</strong> ResidênciaIntegrada em Saú<strong>de</strong> Mental, convocando outros saberes e profissões<strong>para</strong> compor, com o saber médico, o fazer da clínica, Marta Zappa, do InstitutoPhilippe Pinel-RJ, afirmava a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> levar em conta, na consti-2 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 20023


NOTÍCIASNOTÍCIAStuição <strong>de</strong> <strong>uma</strong> prática interdisciplinar, também os saberes e fazeres própriosaos usuários dos serviços.Essa foi, sem dúvida, a marca maior do encontro, on<strong>de</strong>, mais do queum discurso sobre a diferença, tratou-se <strong>de</strong> torná-la presente. A realizaçãodo evento no interior do Hospital, se po<strong>de</strong> ser tomada como razão <strong>para</strong> apouca afluência <strong>de</strong> público externo, foi <strong>de</strong>terminante <strong>para</strong> a participação <strong>de</strong>seus profissionais, e, principalmente, <strong>de</strong> seus moradores. A apresentação<strong>de</strong> serviços e modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho integrados à proposta <strong>de</strong> re<strong>de</strong>substitutiva necessária ao processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sinstitucionalização preconizadopelo projeto São Pedro Cidadão não passou imune à palavra dos usuários eseus familiares, que retornavam aos profissionais o seu olhar com respeitoa essas experiências.Mas, foi na mesa <strong>de</strong> encerramento que essa participação se intensificou,quando foi apresentado o Projeto Morada São Pedro, envolvendo, alémdo Hospital São Pedro, as Secretarias <strong>de</strong> Habitação, <strong>de</strong> Educação e <strong>de</strong>Trabalho, Cidadania e Ação Social, n<strong>uma</strong> conjunção <strong>de</strong> esforços que temcomo objetivo a reinserção social dos internos do Hospital, através da garantia<strong>de</strong> moradia, acesso ao estudo e geração <strong>de</strong> renda <strong>para</strong> aqueles que seencontram aptos e <strong>de</strong>sejosos <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar o asilo, mas que não têm <strong>para</strong> on<strong>de</strong> ir.Foram vários os <strong>de</strong>poimentos, então, dando testemunho <strong>de</strong> percursosque, <strong>de</strong>sgovernados, tomados <strong>de</strong> assalto pelo real da psicose, em algumponto da re<strong>de</strong> encontraram ancoragem, teceram novos laços, refazendo,assim, sobre o tramado do tecido social, o fio <strong>de</strong> sua própria história. Portavam<strong>uma</strong> palavra própria, através da qual eram manifestadas as expectativase o afã por um novo espaço <strong>de</strong> vida. Mas, havia também aqueles que, a<strong>de</strong>ridossubjetivamente ao espaço do Hospital, limitados em suas capacida<strong>de</strong>sfísicas, psíquicas ou cognitivas, faziam-se presentes ao evento <strong>de</strong> modopeculiar, fazendo eco – com o corpo, a voz, o olhar – aos discursos que ali seapresentavam. A escuta sensível e atenta <strong>de</strong>ssa pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gestos e <strong>de</strong>vozes impôs-se como exercício necessário e <strong>de</strong>sejável à produção <strong>de</strong> novosolhares e lugares <strong>para</strong> aqueles que buscam fazer, do Hospital São Pedro,<strong>uma</strong> passagem <strong>para</strong> a pólis.Analice Palombini2ª REUNIÃO PREPARATÓRIA DO COLÓQUIO“A CONSTRUÇÃO PSÍQUICA DOESPAÇO URBANO NA PASSAGEM ADOLESCENTE”“Até por volta <strong>de</strong> 16 anos, sempre que alguém me perguntava sobrequem eram meus pais, invariavelmente eu respondia: o Governo. É óbvio queeu não tinha clareza suficiente <strong>para</strong> enten<strong>de</strong>r quem era esse meu pai nem oque ele fazia, mas isso ficou mais fácil quando tive <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r quem eraentão minha mãe: a Febem.” (Silva, 1997, p.11) Este é o início da contun<strong>de</strong>ntenarrativa <strong>de</strong> Roberto da Silva, que orientou nosso <strong>de</strong>bate na reunião ocorridano dia 24 <strong>de</strong> novembro.A leitura <strong>de</strong> Os filhos do governo introduziu um elemento a mais nadiscussão em torno da parentalida<strong>de</strong> e os lugares rua/casa: a instituição.No que se refere a este livro, cabe um comentário prévio. Ele é resultante<strong>de</strong> <strong>uma</strong> Dissertação <strong>de</strong> Mestrado em Educação na USP. Dentreincontáveis livros, dissertações e teses que se <strong>de</strong>dicam ao mesmo assunto,este tem <strong>uma</strong> particularida<strong>de</strong> que chama a atenção <strong>de</strong> qualquer leitor e dospsicanalistas em especial: o interesse pelo tema surgiu a partir da própriaexperiência do autor enquanto interno da Febem dos cinco anos até a maiorida<strong>de</strong>.O autor tematiza a criação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> criminosa em crianças órfãse abandonadas, que viveram sob a tutela <strong>de</strong> Estado no período por ele <strong>de</strong>nominado<strong>de</strong> institucionalização. Sistematiza o <strong>de</strong>senvolvimento do pensamentoassistencial em fases ao longo da história e mostra-nos que a cada fasesempre correspon<strong>de</strong>u <strong>uma</strong> postura político-científica e filosófica, a qual, porsua vez, traduziu-se na edição <strong>de</strong> leis que estabeleceram alguns parâmetros<strong>para</strong> o tratamento e assistência à infância. Agrega, ainda, a relação específicado interno com a instituição, correspon<strong>de</strong>nte a cada período, conforme oquadro abaixo:4 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 20025


NOTÍCIASNOTÍCIASFASES INTERNO INSTITUIÇÃOFilantrópica (1500-1874) Bastardo BeneméritaFilantrópica-Higienista (1872-1922) Exposto Entida<strong>de</strong> SanitaristaAssistencial (1924-1964) Assistido Promotoria SocialInstitucional (1964-1990) “Menor” “Institucionalização”Desinstitucionalização-ECA (1990-?) Detentor <strong>de</strong> Direitos Asseguradora <strong>de</strong> DireitosO trabalho e as conclusões <strong>de</strong> Roberto da Silva vão centrar-se sobreos efeitos da institucionalização: a perda da singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada um dosque estiveram sob os efeitos das instituições totais, incluindo-se aí diversasgerações <strong>de</strong> internos, técnicos, funcionários e o próprio autor. Isto explicariao alto índice <strong>de</strong> reingresso, agora em instituições prisionais, <strong>de</strong> ex-internosdas Febens à diferença da inexistência <strong>de</strong> incidência criminal dos <strong>de</strong> períodosanteriores. O processo <strong>de</strong> criminalização da criança órfã e abandonadafoi um fenômeno histórico, temporal e espacialmente localizado na fase <strong>de</strong>nominada“institucionalização”, que foi a característica predominante e particulardo sistema Funabem/Febem, i<strong>de</strong>alizado sob o espírito da doutrina dasegurança nacional, a partir <strong>de</strong> 1964. Não obstante, a <strong>de</strong>rrocada da i<strong>de</strong>ologiapolítico-militar, que sustentava e se beneficiava do mecanismo das instituiçõestotalizantes, o autor alerta que a “cultura institucionalizada” ainda sobrevivee sua extinção <strong>de</strong>finitiva constitui o principal <strong>de</strong>safio do Estatuto daCriança e do Adolescente.Isto posto, é <strong>de</strong>snecessário dizer que o tema das instituições totaisfoi o que animou o nosso acalorado <strong>de</strong>bate nesta segunda reunião. Emboranem <strong>todos</strong> os que lá estiveram possuam experiência institucional, <strong>todos</strong>sofremos os efeitos <strong>de</strong>sta “cultura” e nos vemos convocados a incluir-nos aí<strong>para</strong> que algo <strong>de</strong>ssa “máquina discursiva” se rompa. E, neste sentido, esteparece ser o gran<strong>de</strong> diferencial <strong>de</strong>ste livro <strong>de</strong> Roberto da Silva: mesmo cientedos limites do alcance <strong>de</strong> seu trabalho nos rumos da política, legislação eassistência dispensadas às crianças órfãs e abandonadas, isto não o eximeda responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>, como sujeito da própria história, pôr em discussão ahistória assistencial brasileira <strong>para</strong> aí reconstruir a sua história e a <strong>de</strong> tantosoutros Robertos da Silva. Aliás, esse tema da responsabilida<strong>de</strong> individualversus a responsabilida<strong>de</strong> social, inaugurado por Hanna Arendt, é um temaque sempre se atualiza a cada vez que nos <strong>de</strong><strong>para</strong>mos com as “falhas” <strong>de</strong>nossa organização social. É, justamente, nas brechas da História coletiva,que cada um <strong>de</strong> nós se sente chamado a falar, a dar seu testemunho, aincluir-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua história individual. Ante a História que nos antece<strong>de</strong>,ultrapassa e segue seu <strong>de</strong>stino, o que fazer?Falar... Permitam-nos aqui um parênteses. É no mínimo curioso observarcomo, na cultura contemporânea, o pensar e o falar per<strong>de</strong>ram seuvalor na oposição ao fazer. Lembremo-nos, por exemplo, <strong>de</strong> O banquete, <strong>de</strong>Platão, em que presenciamos as longas meditações <strong>de</strong> Sócrates inerte àsoleira <strong>de</strong> <strong>uma</strong> casa, frente à porta, com um dos pés fora do solo, como numpasso interrompido. Neste sentido, po<strong>de</strong>ríamos pensar que o impulso ao atoe ao fazer é característico da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>? Fecha parênteses.Voltando à reunião, pusemo-nos a falar sobre as instituições totais,enten<strong>de</strong>ndo-as como um fato discursivo, como um discurso que se caracterizariapor um saber total, um saber sobre o objeto que se preten<strong>de</strong> totalizante.Do lado do objeto, isso não lhe <strong>de</strong>ixa outra saída senão a constituição <strong>de</strong><strong>uma</strong> subjetivida<strong>de</strong> justamente na produção <strong>de</strong> falhas <strong>de</strong>sse saber, como, porexemplo, no caso dos filhos do governo, a <strong>de</strong>linqüência. E, assim, o circuitose mantém, pois já vimos como, ante a falha, somos levados a produzir umsaber total que a obture.A partir da discussão, ficou claro como esses lugares, o do saber e odo objeto, são lugares <strong>de</strong> <strong>uma</strong> estrutura discursiva, razão pela qual são particularmentecambiáveis e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> a quem se en<strong>de</strong>reça aquele quefala. Por isso, se em um <strong>de</strong>terminado contexto o perito institucional po<strong>de</strong>sustentar o saber perante um interno; em outro, ele po<strong>de</strong> se ver nesta condiçãoobjetal perante os dispositivos técnico-burocráticos e políticos da instituição.Guardadas as <strong>de</strong>vidas proporções, o que isso teria a ver com o infantilque anima a cada um <strong>de</strong> nós? Não seria essa a mesma estrutura discursivaencenada no fantasma neurótico, no qual é justamente naquilo que ao objetofalta <strong>para</strong> fazer gozar o Outro que se constitui um sujeito? Qual a diferença6 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 20027


NOTÍCIASNOTÍCIASentre A Mãe e a instituição? Pois sabemos que A Mãe, na psicanálise, é<strong>uma</strong> das representações do gozo do Outro, realização da relação incestuosamãe/filho.Mas, é claro que, no que se refere às possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> subjetivação,faz muita diferença se essa estrutura é suportada pelos pais ou pela instituição.É no particular <strong>de</strong> cada relação que vão se dar as condições <strong>de</strong> emergênciado <strong>de</strong>sejo. É sabido que o Complexo <strong>de</strong> édipo introduz o pai e o falona relação dual mãe/criança, enquanto portador <strong>de</strong> um saber sobre a origeme a diferença sexual (por isso, um saber parcial) que remeteria do <strong>de</strong>sejomaterno. Desta forma, o ser é arrancado da sua posição mítica <strong>de</strong> falo materno,objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> um Outro materno totalizante.Mas, e quando, como dizia o menino Roberto da Silva, “o meu pai é oGoverno e a minha mãe é a Febem”? Qual é o <strong>de</strong>sejo em jogo n<strong>uma</strong> instituição?Quem sabe sobre ele?Nas instituições, os saberes técnico-científicos ocupam a cena, sejameles psicológicos, pedagógicos, sociológicos, jurídicos, etc. Não seriamestes saberes parciais, já que especializados? Sim e não. Pois trazem emsi <strong>uma</strong> condição enunciativa anônima, sem sujeito – a mesma i<strong>de</strong>alizadapela ciência positivista –, que ten<strong>de</strong> a arrastar <strong>para</strong> o anonimato aquele quefala, <strong>de</strong>simplicando-o do <strong>de</strong>sejo na relação com o Outro.Com certeza não é por acaso que, sob o pano <strong>de</strong> fundo <strong>de</strong> nosso<strong>de</strong>bate, a polarida<strong>de</strong> impotência/potência se tornou tão presente.O afazer próprio às instituições parece favorecer <strong>uma</strong> condiçãoenunciativa anônima dos seus participantes, como se este afazer implicassea <strong>de</strong>stituição <strong>de</strong> todo posicionamento subjetivo. De fato, em resposta àseventuais manifestações <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m subjetiva que ocorrem nos contextosinstitucionais, um saber total ten<strong>de</strong> a ser evocado. Tal evocação exclui todapossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enunciação em nome próprio.Neste ponto <strong>de</strong> nossa discussão, abre-se <strong>uma</strong> questão acerca dosprocessos psíquicos pelos quais se mantêm o discurso e o afazerinstitucionais. O processo <strong>de</strong> recalcamento é <strong>uma</strong> operação efetivada emnome próprio, que requer um posicionamento subjetivo. Surge a pergunta:qual processo será privilegiado em contextos institucionais totais, na medidaem que este implica a exclusão <strong>de</strong> toda possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recalcamento?Pensamos que, nessas circunstâncias, o processo <strong>de</strong> forclusão seria privilegiado.Trata-se do processo pelo qual os referenciais <strong>de</strong> <strong>uma</strong> enunciação emnome próprio ficam ‘fechados fora’ das formações discursivas subsequentes.Como diz Freud, no caso do Homem dos lobos, a forclusão é um processodiferente do recalcamento.Em que medida a operação <strong>de</strong> forclusão se dá, diferentemente dorecalcamento, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>uma</strong> posição <strong>de</strong> anonimato? E a partir <strong>de</strong> um privilégio<strong>de</strong>ssa posição, como se constróem as certezas do juízo <strong>de</strong> existência e asdas noções como a do ‘<strong>de</strong>ntro’ e a do ‘fora’, com as quais o sujeito conta<strong>para</strong> a sua orientação no espaço?Roberto da Silva nos lembra da chamada ‘Roda do expostos’, atravésdas quais as crianças não <strong>de</strong>sejadas eram acolhidas pela Santas Casas <strong>de</strong>Misericórdia. Com um giro <strong>de</strong>sta roda, as crianças passavam do lado <strong>de</strong> fora<strong>para</strong> o <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da Santa Casa. Estas eram chamadas <strong>de</strong> expostas, graçasà invenção <strong>de</strong>ssa roda que permitia, a elas, ficarem ou não fechadas do lado<strong>de</strong> fora. O objetivo <strong>de</strong>ssa invenção era evitar que essas crianças aparecessemem <strong>de</strong>pósitos <strong>de</strong> lixo ou em qualquer canto, pela rua. A ‘Roda dosexpostos’ nos faz pensar, portanto, na diferença entre o retorno do forcluído(fechado fora) e o retorno do recalcado, bem como na diferença entre asnoções do ‘<strong>de</strong>ntro’ e do ‘fora’ constituídas a partir <strong>de</strong> processos psíquicosdistintos, um que se realiza n<strong>uma</strong> condição <strong>de</strong> anonimato e outro somenterealizável em nome próprio.A reunião <strong>de</strong> janeiro será no dia 17, quinta-feira, às 20h30min, na se<strong>de</strong>da <strong>APPOA</strong>. Lembramos que as reuniões são abertas a <strong>todos</strong> os interessadospelo tema.Coor<strong>de</strong>nação do Colóquio8 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 20029


NOTÍCIASNOTÍCIASNOTÍCIAS DA XXIII JORNADA DO CEAPIAENIGMAS CLÍNICOS E MATRIZES DA SUBJETIVIDADEADOLESCÊNCIA NA ERA DAS SENSAÇÕESA <strong>APPOA</strong> tem mantido interlocuções com instituições do campo psicanalíticoe com esse propósito participei da jornada anual do CEAPIA .A Jornada tinha como convidado especial Jurandir Freire Costa, quetrabalhou alguns dos temas dos quais vem se ocupando ultimamente. Váriasoutras instituições se fizeram presentes e alg<strong>uma</strong>s <strong>de</strong>las foram convidadasa <strong>de</strong>bater os temas propostos. Foi <strong>uma</strong> interessante oportunida<strong>de</strong> assistira exposição <strong>de</strong> diferentes pontos <strong>de</strong> vista e <strong>de</strong> como essas instituiçõesfazem leituras diversas das questões que a contemporaneida<strong>de</strong> coloca àPsicanálise, seja no âmbito da clínica, seja no âmbito social mais amplo.Para tomar um exemplo bastante eloqüente <strong>de</strong>ssas diferenças, cito aparticipação da Socieda<strong>de</strong> Psicanalítica <strong>de</strong> Porto Alegre (SPPA), on<strong>de</strong> a fala<strong>de</strong> dois <strong>de</strong> seus membros <strong>de</strong>ixou evi<strong>de</strong>nte que, mesmo <strong>de</strong>ntro da ortodoxia“ipeana”, po<strong>de</strong>mos encontrar psicanalistas mais sensíveis a pensar o sofrimentopsíquico em nossos dias e as novas exigências colocadas aos analistashoje, bem como po<strong>de</strong>mos encontrar posições reveladoras <strong>de</strong> extremasur<strong>de</strong>z e impregnadas <strong>de</strong> conservadorismo, que impe<strong>de</strong>m qualquer produçãoteórica mais criativa no campo psicanalítico.Os trabalhos apresentados por membros do CEAPIA, refenciavam-sepredominantemente na clínica e eram bastante reveladores da reflexão quetemos feito na <strong>APPOA</strong>, <strong>de</strong> que a construção do caso clínico é <strong>uma</strong> produçãodo analista, a partir das referências que guiam sua escuta, suas intervenções,suas possibilida<strong>de</strong>s e limites.Gostaria <strong>de</strong> <strong>de</strong>ter-me um pouco mais a comentar <strong>uma</strong> das mesas dajornada, que tratou do tema: A função fraterna – solidarieda<strong>de</strong> e cultura.Nessa mesa, Jurandir F. Costa trabalhou mais <strong>de</strong>tidamente o texto que escreveu<strong>para</strong> o prefácio do livro “Função fraterna”, organizado por Maria RitaKehl. Justificou a preocupação <strong>de</strong>sse escrito a partir das mudanças no perfilclínico dos sujeitos, colocando entre parêntesis o mo<strong>de</strong>lo teórico do recalque.Cito <strong>uma</strong> passagem <strong>de</strong>sse texto na tentativa <strong>de</strong> ser o mais fiel possível àinterrogação colocada:“Mas o que dizer <strong>de</strong> formações subjetivas nas quais o “recalcado” – seé que ainda é “o recalcado” – pouco tem em comum com o “recalcado” das histerias,das fobias ou das obsessões? O que é “recalcado” nas síndromes <strong>de</strong> pânico,nas fobias sociais, nas <strong>de</strong>pressões distímicas, nos distúrbios na imagem corporal(bulimias, anorexias, exercícios físicos compulsivos e iatrogênicos),nas diversas adições (drogas, sexo, consumo) ou nas diversas modalida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> atos “anti-sociais” (bandos <strong>de</strong> adolescentes e adultos jovens, votados à <strong>de</strong>predaçãodo ambiente físico urbano ou às agressões contra grupos semelhantes)?Temos realizado um esforço consi<strong>de</strong>rável, na <strong>APPOA</strong>, <strong>para</strong> pensaressas novas formas clínicas, e não me parece que o resultado <strong>de</strong>sse esforçovenha colocando em questão o edifício conceitual que constitui o cerne dateoria psicanalítica, mas com certeza vem produzindo teoria, como forma <strong>de</strong>respon<strong>de</strong>r ao <strong>de</strong>sconforto que o novo, o não saber, coloca ao conhecimentoestabelecido. Acho que é instigante o trabalho <strong>de</strong> leitura do texto citado,bem como <strong>de</strong> todo o livro – “Função fraterna”.Ainda na mesma mesa, assisti um trabalho muito interessante da psicanalistaRosana Gailhard (CEAPIA), que trouxe consi<strong>de</strong>rações precisas, apartir <strong>de</strong> um referencial freudo-lacaniano, sobre as formas <strong>de</strong> apresentação dolaço fraterno na abordagem clínica <strong>de</strong> famílias ditas tradicionais e das famíliasque, na nomenclatura antropológica, ganham o nome <strong>de</strong> “famílias ampliadas”.Como questão final, coloco a pergunta provocadora, feita a Jurandir FreireCosta pelo atual presi<strong>de</strong>nte do CEAPIA, Abraham Turkenicz: A Psicanálise doséc. XXI passa por Rorthy, Hanna Arendt e Wittegnstein? A que Jurandir respon<strong>de</strong>u:Eles não são a Psicanálise, eles estimulam a pensar, oferecem perspectiva.A esse questão eu gostaria, então, <strong>de</strong> agregar outra: será que, <strong>para</strong>avançar em sua construção teórica, <strong>para</strong> dialogar com outros campos <strong>de</strong>saber, a condição é que a Psicanálise <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> ser o que é, ou seja, será queciclicamente os psicanalistas vão repetir as tentativas <strong>de</strong> abandono da Psicanálise<strong>para</strong> torná-la mais palatável aos novos tempos?Roséli Maria Olabarriaga Cabistani10 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200211


NOTÍCIASNOTÍCIASTEMA DO PRÓXIMO Nº DA REVISTA DA <strong>APPOA</strong>O ESPAÇO DA FOBIAO que a fobia teria a nos ensinar sobre a construção do espaço?Des<strong>de</strong> as propostas freudiana e lacaniana, sabemos que a construçãodo espaço é inseparável da constituição <strong>de</strong> lugares, ou seja, inseparáveldo estabelecimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> limites. Nesse sentido, a construção<strong>de</strong>ntro/fora po<strong>de</strong> constituir as amarrações e se<strong>para</strong>ções <strong>de</strong> corpo/objeto/outro <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que um referente se estabeleça. Em relação a este caminho,a fobia é exemplar. Nela, emergem questões que vão instituir esta ligaçãoentre espaço e lugar:– na fobia <strong>de</strong> animais, como em Hans, retorna o momento fundante do estabelecimentoda referência ao totem; ligação originária entre a coisa e o nome,que permite a referência a um traço unário, na construção <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong>igualda<strong>de</strong>/diferença, responsável por <strong>uma</strong> contagem: é a constituição <strong>de</strong> umentre outros;– na fobia do espaço, o retorno da dissolução do lugar da contagem leva osujeito a um plus sintomático <strong>para</strong> tentar restabelecer os limites do própriocorpo, logo, do objeto e do outro;– no acompanhante contrafóbico, a necessida<strong>de</strong> da encarnação do espelho<strong>para</strong> recuperar o traço <strong>de</strong> referência, que une/se<strong>para</strong>.Isso que se presentifica como falta no plus da fobia, talvez apareçacomo excesso nos actings que fazem parte da construção <strong>de</strong> espaço/lugar,na “saída <strong>de</strong> casa” do adolescente. Assim, por exemplo, o traço do animaltotêmico retorna na tatuagem, o grupo funciona como acompanhantecontrafóbico e o espaço transborda <strong>para</strong> além do meio-fio das calçadas, domeio da rua, <strong>para</strong> além dos lugares fechados, por on<strong>de</strong> se espalham oslugares <strong>de</strong> reuniões. Nesse sentido, a adolescência parece retomar a questãocrucial do sujeito colocada em causa pela fobia: como incluir-se na relaçãoao <strong>de</strong>sejo do Outro sem aí se per<strong>de</strong>r?Talvez um ponto <strong>de</strong> investigação possa tomar o rumo <strong>de</strong> precisar osdiferentes tempos lógicos, nessa dialética da falta e do excesso – da negaçãoe afirmação – que aparecem necessariamente relacionados, tanto nadialética entre gerações quanto nos diferentes momentos da vida individual.Uma outra questão que diz respeito ao ato – logo, à inscrição <strong>de</strong><strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>s – está colocada na produção sublimatória. Necessáriopensar, aqui, na proposta abordada por Rassial da relação entre i<strong>de</strong>alização(referência a um traço da contagem) e sublimação (referência à produção <strong>de</strong>objeto como necessária à realização pulsional).Essas são apenas interrogações e reflexões <strong>para</strong> mais um <strong>de</strong>bateque se inicia.Os textos <strong>para</strong> apreciação <strong>de</strong>vem ser enviados até 30 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2002à Comissão da Revista da <strong>APPOA</strong> através do e-mail appoa@appoa.com.br,conforme normas abaixo.RESUMO DAS NORMAS PARA PUBLICAÇÃOOs textos <strong>de</strong>verão incluir os créditos do autor (em nota <strong>de</strong> rodapé),contendo títulos acadêmicos, publicações <strong>de</strong> livros, formação profissional,inserção institucional, en<strong>de</strong>reço postal e e-mail; resumo (até 90 palavras);palavras-chaves (<strong>de</strong> 3 a 5), abstract e keywords.Po<strong>de</strong>rão conter, no máximo, 45.000 caracteres ou 15 páginas, emfonte tamanho 12 e espaço simples. A referência a autores no corpo do texto<strong>de</strong>ve mencionar o sobrenome e o ano da obra referida. Citações textuais<strong>de</strong>verão ser seguidas <strong>de</strong> autor, ano e página. As referências bibliográficas<strong>de</strong>vem ser listadas no final do texto.Comissão <strong>de</strong> PublicaçõesTOXICOMANIASO Grupo <strong>de</strong> Trabalho das Toxicomanias terá su próxima reunião no dia09 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2002, às 20h30min. Na ocasião, Walter Cruz apresentaráseu projeto <strong>de</strong> mestrado abordando a questão da toxicomania, fracassosterapêuticos e exclusão social. O Grupo <strong>de</strong> Toxocomanias é aberto.12 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200213


NOTÍCIASNOTÍCIASENSINO 2002A partir <strong>de</strong>sta edição, o Correio começa a publicar as propostas dosSeminários e Grupos encaminhadas à Comissão <strong>de</strong> Ensino.SEMINÁRIOSMOMENTOS CRUCIAIS DA CLÍNICA:os tempos lógicos <strong>de</strong> <strong>uma</strong> análiseA passagem das entrevistas preliminares à transferência propriamenteanalítica. A passagem da narrativa à interrogação do Inconsciente. Ostempos <strong>de</strong> rememoração, regressão, elaboração, interpretação e construção:o balanço entre o simbólico e o imaginário. A angústia própria <strong>de</strong> aproximaçãoao fantasma. Não há resolução do sintoma sem interpretação dofantasma. A torção do Sujeito suposto saber atribuído ao analista <strong>para</strong> a livreerrância do Sujeito suposto saber: o fim <strong>de</strong> análise.Coor<strong>de</strong>nador: Alfredo JERUSALINSKYFreqüência: quinzenalData: 1 a e 3 a quartas-feiras do mêsHorário: 20h30minInício: MarçoSEMINÁRIO: A PERSISTÊNCIA DO SINTOMA“O analista é sintoma da psicanálise” (J. LACAN)O lugar <strong>de</strong> partida sempre está referido a prática psicanalítica. Comocada analista elabora um dizer <strong>de</strong> sua escuta e as transformações que vaisofrendo como efeito <strong>de</strong>sta “prática <strong>de</strong> <strong>uma</strong> ética”.Alg<strong>uma</strong>s questões a respeito <strong>de</strong> como se autoriza um analista, reconhecendoque toda análise inicia-se pela escuta <strong>de</strong> <strong>uma</strong> <strong>de</strong>manda, vestidacom o discurso do sofrimento.A clínica psicanalítica, citando Lacan: “é o que se diz em <strong>uma</strong> análise”.Nos interessa a persistência e mudanças no sintoma. Alg<strong>uma</strong>s mudançasacontecem, outras parecem ter <strong>uma</strong> consistência que lhes dá <strong>uma</strong>particularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> parecer imutável. Queixas versus estilo?Persistência, insistência, resistência. Perseverar <strong>para</strong> não recuar frenteao real e suas articulações imaginárias e simbólicas.Será o <strong>de</strong>sejo do psicanalista <strong>uma</strong> forma <strong>de</strong> per-severar?Nos interessa percorrer estas e outras indagações. Não tanto <strong>para</strong>encontrar <strong>uma</strong> <strong>de</strong>finição estrita do sintoma analítico, mas <strong>uma</strong> maneira <strong>de</strong>dizer como lidamos com seus efeitos.Um <strong>de</strong>les: a própria disposição à prática da psicanálise. Outro, percorrerconceitos <strong>de</strong>senvolvidos a partir da tomada do sintoma como estrutura,cotejados com alg<strong>uma</strong>s idéias <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>adas no “Eu na teoria <strong>de</strong> Freu<strong>de</strong> na técnica da psicanálise”.O sintoma articulado como inibição da função simbólica, foi um dospontos <strong>de</strong> partida. Vamos tentar <strong>de</strong>senvolver esta interrogação sobre a dimensãoSimbólica e sua articulação com Real e Imaginário.Coor<strong>de</strong>nação: Robson <strong>de</strong> Freitas PEREIRAInício: segundo semestre <strong>de</strong> 2002.A TOPOLOGIA DO OBJETO NA PSICANÁLISENo “Seminário O objeto da psicanálise”, <strong>de</strong> 1965-66, também conhecidocomo Seminário XIII, Lacan faz <strong>uma</strong> retomada <strong>de</strong> todas as questões datopologia que vinha apresentando <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primórdios <strong>de</strong> seu ensino.Vindo na esteira dos “Problemas cruciais da psicanálise”, este semináriodá seqüência a questões muito importantes <strong>para</strong> compreensão da Lógicado Sentido, que viria a seguir, e da teoria dos nós, que seria introduzidanos anos seguintes.Tendo em vista a pre<strong>para</strong>ção e tradução do “Seminário O objeto daPsicanálise”, <strong>de</strong> J. LACAN, <strong>para</strong> o próximo Seminário <strong>de</strong> Verão da Associa-14 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200215


NOTÍCIASNOTÍCIASção freudiana (AFI), que vimos <strong>de</strong>senvolvendo junto com o “Grupo <strong>de</strong> traduçõesfrancês-português AFI – <strong>APPOA</strong> – CEF Recife – Tempo freudiano RJ”,proponho este assunto como tema do Seminário <strong>de</strong> Topologia <strong>para</strong> 2002.Será retomada a topologia e a lógica das i<strong>de</strong>ntificações, através <strong>de</strong>superfícies como o toro e a banda <strong>de</strong> Mœbius. Avançaremos, com Lacan, noaprofundamento da análise do conceito <strong>de</strong> objeto a , <strong>de</strong>cifrando o quadro LasMeninas, <strong>de</strong> Velasquez, e através do estudo das estruturas do plano-projetivo,do cross-cap e da garrafa <strong>de</strong> Klein.Coor<strong>de</strong>nador: Ligia VICTORAFreqüência: quinzenalData: 1 a e 3 a sextas-feiras do mêsHorário: 18hPSICOSSOMÁTICA: interdisciplina e transdisciplinaA psicossomática é, hoje, um tema abordado por múltiplas disciplinas– inclusive a psicanálise – geralmente <strong>de</strong> forma isolada, com pouca ounenh<strong>uma</strong> interlocução e questionamento recíproco entre elas. A abordagemmultidisciplinar é, por isto, empobrecida e reducionista, pois cada disciplinacuida <strong>de</strong> seu objeto <strong>de</strong> estudo, sem levar em consi<strong>de</strong>ração as <strong>de</strong>mais, vendoo sujeito que está sendo atendido <strong>de</strong> forma fragmentada.Este seminário visa a constituição <strong>de</strong> um espaço comum, on<strong>de</strong> osparticipantes (<strong>de</strong> diferentes especialida<strong>de</strong>s), partindo do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> interdisciplinarida<strong>de</strong>,possam construir <strong>uma</strong> re<strong>de</strong> <strong>de</strong> significações que articule asrespectivas disciplinas e transcenda as fronteiras dos saberes <strong>de</strong> cada <strong>uma</strong>.Isso não implica <strong>uma</strong> <strong>de</strong>scaracterização <strong>de</strong> cada disciplina, mas sim a construção<strong>de</strong> um saber compartilhado a partir do trabalho das diversas especialida<strong>de</strong>s,em função <strong>de</strong> intervenções clínicas específicas dos participantes.A psicanálise, neste contexto, é o fio condutor da comunicação interdisciplinar,através <strong>de</strong> <strong>uma</strong> concepção compartilhada (a ser construída no<strong>de</strong>scorrer do seminário) a respeito do sujeito do <strong>de</strong>sejo e do posicionamentoético comum que <strong>de</strong>corre da mesma, o que permite a convergência dasdiferentes especialida<strong>de</strong>s na transdisciplinarieda<strong>de</strong>.Com este objetivo, serão trabalhados textos psicanalíticos <strong>de</strong> diferentesautores, bem como contribuições das disciplinas dos participantes presentesou <strong>de</strong> convidados, centrados em torno <strong>de</strong> intervenções clínicas.Dirigido a profissionais <strong>de</strong> diferentes áreas interessados no tema.Coor<strong>de</strong>nador: Jaime BETTSFreqüência: mensalData: sábadoHorário: das 10h às 12hLocal: Novo HamburgoInformações: fone (51) 594.1561A CLÍNICA DA NEUROSE: fantasia e sintomaNeste seminário, serão trabalhados conceitos freudianos a partir daexperiência clínica contemporânea. É um seminário sobre a clínica psicanalítica,visando especialmente ao tratamento das neuroses. Para tanto, serãoutilizados textos <strong>de</strong> Freud, contribuições <strong>de</strong> Lacan e <strong>de</strong> outros autores, assimcomo fragmentos clínicos clássicos. Os textos freudianos escolhidos<strong>para</strong> este trabalho permitirão abordar questões clínicas relevantes, tais como:fantasia inconsciente, sintoma, tra<strong>uma</strong> e tra<strong>uma</strong>tismo, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e i<strong>de</strong>ntificações,questões da técnica analítica, transferência enquanto hipótese sobreo saber no outro, interpretação e ato analítico. Isso visa exclusivamenteà elaboração <strong>de</strong> operadores da clínica da neurose. A formação psicanalíticase dá na composição singular entre a análise pessoal, a supervisão, o estudo,e dar conta a seus pares <strong>de</strong> sua prática, na Instituição Psicanalítica.Este seminário está situado nesse contexto.Coor<strong>de</strong>nador: Mário FLEIGFreqüência: quinzenalData: 1 a e 3 a quartas-feiras do mêsHorário: 19h30minLocal: Caxias do SulInformações: fone (51) 3222.3275 ou (51) 9968.720016 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200217


NOTÍCIASNOTÍCIASGRUPOS TEMÁTICOSDIAGNÓSTICO DA ESTRUTURAÇÃOSUBJETIVA NOS PRIMÓRDIOS DA INFÂNCIAEsta é <strong>uma</strong> proposta <strong>para</strong> realizar um trânsito pela leitura clínica daestruturação do <strong>de</strong>senvolvimento do recém-nascido, do lactente e do bebênos seus aspectos diacrônicos e sincrônicos, efetuando tanto o <strong>de</strong>ciframentoda produção dos bebês “ditos normais” quanto a leitura dos valores sintomáticosdas alterações na inscrição e na constituição <strong>de</strong>sejante, assim como,das alterações orgânicas.Na leitura, feita a partir da análise dos registros escritos e <strong>de</strong> filmagens<strong>de</strong> produções dos recém nascidos, lactentes e bebês no laço parental,abordaremos:A formação do fantasma a partir:– da sexuação– da i<strong>de</strong>ntificação primária– da filiaçãoA formação do sinthome: (modos <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> artifícios <strong>para</strong> suportara conexão com a realida<strong>de</strong> (sintomas <strong>de</strong> estrutura).As filmagens e os registros escritos enfocarão:a ativida<strong>de</strong> espontânea dos recém-nascidos e dos lactentes nos ritmosda vida cotidiana instaurados através da especificida<strong>de</strong> da lógica dasfunções parentais:– na escolha do nome– na montagem do colo– na alimentação– na higiene e no banho– nos rituais indutores do sono– na administração dos momentos livres da vigília, por parte dos adultoscuidadores– na comunicação: o “manhês” e o brincar (neste momento sustentados pelaprodução simbólica materna)– na mostração <strong>de</strong> objetos, assim como na sua construção e na relação com osoutros.Em relação aos bebês e ao registro da vida cotidiana, acrescentaremos:o registro da progressiva complexida<strong>de</strong> da sua ativida<strong>de</strong> psicomotora(ampla e fina) no brincar com objetos. Ativida<strong>de</strong>s que, enquanto expressões<strong>de</strong> comunicação e linguagem, constituem os dois âmbitos <strong>de</strong> leitura possíveis:a- da or<strong>de</strong>m subjetiva: (lógica do processo primário)b- da or<strong>de</strong>m cognitiva: (lógica do processo secundário)Sendo que, a partir da experiência da escuta <strong>de</strong> mulheres grávidas ou<strong>de</strong> casais que esperam um filho, faremos a leitura clínica da especificida<strong>de</strong>da lógica das funções parentais <strong>de</strong>s<strong>de</strong> qual a futura mãe e/ou os futuros paisirão inscrever o bebê na sincronia. Exercício que nos permitirá montar subsídiosteórico-clínicos <strong>para</strong> conseguirmos operar preventivamente na construçãodo <strong>de</strong>senvolvimento na diacronia.Também pensaremos a incidência que os sintomas clínicos formadosnestas épocas da vida po<strong>de</strong>rão ter no psiquismo do adulto e suas conseqüênciasna operação clínica.Coor<strong>de</strong>nação: Silvia MOLINAFreqüência: quinzenalData: segundas-feirasHorário: 20hA ULTRAPASSAGEM DO PAI NA PASSAGEM ADOLESCENTEA partir da obra freudiana, tanto a subjetivida<strong>de</strong> quanto a cultura organizam-sen<strong>uma</strong> polarida<strong>de</strong> exceção-i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. E os diferentes <strong>de</strong>slocamentosdo lugar <strong>de</strong> exceção que se produzem na História dizem respeito a umtrabalho <strong>de</strong> representação <strong>de</strong>sses dois lugares. Na civilização antiga, o lugar<strong>de</strong> exceção era ocupado pela transcendência, a qual se fazia representarpelos <strong>de</strong>uses. A originalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Freud foi ter percebido que esse lugar, apartir da universalização da religião monoteísta, passou a ser ocupado pelo18 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200219


NOTÍCIASNOTÍCIASCLÍNICA PSICANALÍTICA: ALGUNS CONCEITOS FUNDAMENTAISDefrontar-se com o início da prática clínica faz gerar inúmeras questõesque o <strong>de</strong>safio da condução do trabalho coloca. Da mesma forma, introduzir-senas primeiras leituras dos pressupostos teóricos da psicanálise trazinterrogações. A pesquisa freudiana, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu início, passou por váriastransformações no que se refere ao método, à técnica e à construção dosconceitos. O trabalho <strong>de</strong>ste grupo <strong>de</strong> estudos visa resgatar os principaispontos da construção <strong>de</strong> alguns conceitos que estruturam o corpo teórico dapsicanálise enquanto essenciais à prática clínica e com ela fazendo suaarticulação. Este estudo será também orientado por <strong>uma</strong> releitura das contribuições<strong>de</strong> Lacan em seus Seminários. A trajetória inclui questões relativasao início do tratamento, aos conceitos <strong>de</strong> transferência e i<strong>de</strong>ntificação, comotambém aos quadros clínicos. Preten<strong>de</strong>-se que a introdução ao estudo <strong>de</strong>stestemas possa ser articulado à prática, a partir <strong>de</strong> exemplos clínicos. É<strong>de</strong>stinado a <strong>todos</strong> os que se sentem convocados pela discussão <strong>de</strong>stestemas e também àqueles aos quais a prática clínica psicanalítica e seuspressupostos teóricos suscita interrogantes.Coor<strong>de</strong>nação: Carmen BackesFreqüência: QuinzenalDia/Horário: Quartas-feiras, às 18hInício: março/2002 em dia a ser combinadoLocal: se<strong>de</strong> da <strong>APPOA</strong>ADOLESCÊNCIA, INSTITUIÇÕES EDUCATIVAS E ESPAÇO URBANOEste seminário visa trabalhar com o processo adolescente na suarelação com a polis, especialmente em duas direções: 1)na relação problemática,embora necessária e estruturante do adolescente com as instituições,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a família até o juizado <strong>de</strong> menores, passando por escolas, conselhostutelares e abrigagens e 2) na sua relação com o espaço urbano, consi<strong>de</strong>randoque a re<strong>de</strong> significante oferecida por este po<strong>de</strong> ou não ser toma-da pelo adolescente como nova possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reinscrições do Nome-do-Pai. Sustenta esta proposta a intenção em trabalhar com a condição adolescentecomo processo <strong>de</strong> crise i<strong>de</strong>ntitária isto é, como condição <strong>de</strong> sujeito<strong>de</strong> passagem, <strong>para</strong>digmática do sujeito mo<strong>de</strong>rno, cujos i<strong>de</strong>ais estão expressosnesta condição adolescente. Examinar novas possibilida<strong>de</strong>s i<strong>de</strong>ntitáriasa partir do “transitar” pelas instituições, praças, esquinas e abrigos nospossibilita não só encontrarmo-nos com os próprios i<strong>de</strong>ais transmitidos àsnovas gerações, mas também com o que há <strong>de</strong> novo e surpreen<strong>de</strong>n<strong>de</strong> nestaconstrução do sujeito mo<strong>de</strong>rno e sua relação com o tempo e o espaço.Coor<strong>de</strong>nação: Ângela Lângaro BeckerFrequência: quinzenalHorário: das 16h às 18h, sextas-feirasInício: 15 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2002Local: se<strong>de</strong> da <strong>APPOA</strong>VULNERABILIDADE SOCIAL:inclusão/exclusão, n<strong>uma</strong> perspectiva psicanalíticaFreqüentemente, os profissionais que atuam em saú<strong>de</strong> mental têmsido convocados a dar sua “contribuição” na promoção do reconhecimento,organização e participação <strong>de</strong> minorias (no sentido representativo mas nãonecessariamente numérico), nos diversos dispositivos institucionais <strong>de</strong> nossasocieda<strong>de</strong>. Saú<strong>de</strong> mental e inclusão social nunca estiveram tão associadas,a tal ponto que nos perguntamos como foi possível pensar <strong>uma</strong> sem a outra.O trabalho com usuários e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> substâncias psicoativastem mostrado o quanto um discurso “terapêutico” po<strong>de</strong> fracassar quandopropõe a inclusão em um sistema, cujo ato <strong>de</strong> nomeação vem, antes, reafirmaro po<strong>de</strong>r daquele que o confere. Neste sentido, o jogo do engano estádado e a inclusão po<strong>de</strong> assumir o aspecto perverso da anulação do diferente.Coor<strong>de</strong>nador: Walter Firmo <strong>de</strong> Oliveira-CRUZFreqüência: quinzenalData: 1 a e 3 a quartas-feiras do mêsHorário: 20h30min22 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200223


NOTÍCIASNOTÍCIASPor sua própria especificida<strong>de</strong> este espaço permanece sempre aberto,dirigindo-se também àqueles que só <strong>de</strong>sejem nele transitar enquantoforem tratados assuntos <strong>de</strong> seu interesse .Coor<strong>de</strong>nador: Maria Auxiliadora Pastor SUDBRACKFreqüência: semanalData: sextas-feirasHorário: 16hJORNADA DE ABERTURA 2002“A BEIRA DA LOUCURA”A psicanálise cunhou um termo <strong>para</strong> consumo próprio que ganhouinusitado espaço clínico e social: a neurose. Ela <strong>de</strong>fine um quadro <strong>de</strong> gravida<strong>de</strong>relativa, embora possa ser profunda quanto ao sofrimento, já que suaporção <strong>de</strong> loucura, <strong>de</strong> <strong>de</strong>s-razão, ficaria <strong>de</strong>ntro do controlável. A neurose é<strong>uma</strong> loucura reservada, bem comportada e quase sinônimo <strong>de</strong> normalida<strong>de</strong>.Reservamos <strong>para</strong> o pior da <strong>de</strong>sagregação subjetiva o termo <strong>de</strong> psicose. Tudoisto funcionaria bem se não fossem nossos pacientes que insistem em rompercom nossos <strong>para</strong>digmas.Mas... as pessoas <strong>de</strong>liram sem serem psicóticas, fazem pequenas egran<strong>de</strong>s loucuras po<strong>de</strong>ndo voltar ao mal estar neurótico crônico em seguida.O senso comum, e boa parte dos clínicos inventaram um estado intermediário,comumente chamado <strong>de</strong> bo<strong>de</strong>rline. Com imenso barulho, passagens aoato, fantasias suicidas, arroubos místicos, perdas amorosas incuráveis, surtos<strong>de</strong> ninfomania ou don-juanismo, e outras tantas manifestações, inva<strong>de</strong>mvidas estruturadas por trabalho, família e outras certezas. Ao calar, o gritoestri<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>stas vivências <strong>de</strong>strói <strong>para</strong> sempre o silêncio que havia, a memóriadaquele episódio barulhento macula a certeza do silêncio.Nossa questão é justamente <strong>de</strong>stampar esta classificação fácil e repensarquais os limites que po<strong>de</strong>mos pensar a loucura hoje. Uma via possível<strong>de</strong> discussão é a <strong>de</strong> que hoje estaríamos encontrando mais subjetivida<strong>de</strong>scom fraturas no simbólico.Infelizmente as ficções psicopatológicas, embora úteis <strong>de</strong> <strong>uma</strong> formageral, pouco ajudam na direção <strong>de</strong> <strong>uma</strong> cura por que se a<strong>de</strong>cuam muito malà diversida<strong>de</strong> das subjetivida<strong>de</strong>s dos nossos pacientes.Se muitos pacientes apresentam novida<strong>de</strong>s – criamos um nome. Semuitos psicanalistas passam a dizer que seus pacientes estão mais frágeis,que as transferências são constantemente convocadas à ortopedia – o quefazemos? Uma jornada <strong>de</strong> abertura, <strong>para</strong> <strong>de</strong>bater com os que se sentiremconvocados por este tema.PROGRAMA9hA beira da loucura – Liliane Froemming(título a confirmar) – Ângela Lângaro Becker15hFora da casinha – Maria Lúcia Müller SteinAlém da neurose, aquém da psicose – Alfredo JerusalinskyData: 06 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2002Local: Hotel Continental Porto Alegrelnformações e inscrições: se<strong>de</strong> da <strong>APPOA</strong>26 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200227


SEÇÃO TEMÁTICAEm outubro <strong>de</strong> 2001, Porto Alegre foi se<strong>de</strong> do Fórum Mundial <strong>de</strong> Educação, espaço plural <strong>de</strong> reflexão e discussão sobre A Educação nomundo globalizado, pre<strong>para</strong>ndo a participação sobre esse tema no IIFórum Social Mundial que acontece em breve. A <strong>APPOA</strong>, tomando comoreferência o enlace do sujeito à cultura, esteve presente neste evento, n<strong>uma</strong>interlocução com o campo da educação, expressa através da participação<strong>de</strong> alguns colegas que apresentaram relatos e acompanharam as conferênciase <strong>de</strong>bates propostos. Adiante, o leitor se encontrará com os trabalhosapresentados ou ainda com textos que <strong>de</strong>sdobram questões que o Fórumsuscitou.A pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interrogantes que o campo da Educação faz aflorarse vê contemplada na diversida<strong>de</strong> dos artigos. Eles percorrem temas comoadolescência, inclusão escolar e o que há <strong>de</strong> possível na transmissão que aEducação aposta em operar...O trabalho com a adolescência se elabora em torno das indagaçõescom que a escola se vê confrontada ao constatar que o adolescente, hoje,encontra fora <strong>de</strong>la espaços <strong>de</strong> aprendizagem <strong>de</strong> maiores i<strong>de</strong>ntificações queem seu interior.A inclusão escolar, abordada em um painel, é pensada a partir dos<strong>de</strong>safios que o convívio com a diferença produz e que requer, como resposta,não a padronização dos comportamentos (i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> um mundo tecnológico egloba-lizado), mas <strong>uma</strong> atitu<strong>de</strong> que tem, na reflexão ética sobre o h<strong>uma</strong>no, oseu fundamento.O painel sobre o que há <strong>de</strong> possível e <strong>de</strong> impossível na transmissãofaz trabalhar <strong>uma</strong> série <strong>de</strong> interrogações, a partir da perspectiva própria àpsicanálise, que leva em conta a articulação do sujeito com o momento dacultura: neste tempo que se mundializa/globaliza, qual o impacto sobre asubjetivida<strong>de</strong> das pessoas? E sobre a ação educativa? Como pensar suaviabilida<strong>de</strong> e seus impasses? Como pensar a relação dos professores, crianças,adolescentes, instituições com a escola? E as manifestações <strong>de</strong>agressivida<strong>de</strong> e violência que eclo<strong>de</strong>m crescentemente?Enfim, o leitor po<strong>de</strong>rá percorrer <strong>uma</strong> série <strong>de</strong> textos instigantes sobretão vasto tema e, <strong>de</strong> quebra, aquecer os motores <strong>para</strong> o Fórum Social Mundialque se inicia no dia 30 <strong>de</strong> janeiro, on<strong>de</strong> a <strong>APPOA</strong> reeditará a sua participação.Analice <strong>de</strong> Lima PalombiniSimone Moschen Rickes28 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200229


SEÇÃO TEMÁTICAPALOMBINI, A. <strong>de</strong> L. Os estigmas em nós.O PORTADOR: INSÍGNIA DA DIFERENÇASob este título foi apresentado painel sobre o tema da inclusão escolar,com a participação <strong>de</strong> Analice Palombini, Denise Teresinha daRosa Quintão e Clarisse Trombka. A inclusão escolar implica buscar,<strong>para</strong> cada criança, a sua forma própria <strong>de</strong> inclusão, a que lhe permitetomar lugar no mundo como sujeito, o que produz efeitos que ultrapassam oâmbito pedagógico. No que diz respeito aos portadores <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>seducativas especiais, PNEEs, a possibilida<strong>de</strong> da sua singularização esbarrano traço que a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> porta, como insígnia da diferença que vemmarcar o modo <strong>de</strong> constituição dos laços sociais. Os educadores enfrentamaí <strong>uma</strong> situação <strong>para</strong>doxal, diante <strong>de</strong> crianças que reproduzem mo<strong>de</strong>losi<strong>de</strong>ntitários propostos pela globalização e pelos avanços tecnológicos e que,ao mesmo tempo, na sua diferença remetem a esse estranho/familiar querequer, como resposta, não a padronização dos comportamentos, mas <strong>uma</strong>atitu<strong>de</strong> que tem na reflexão ética sobre o h<strong>uma</strong>no o seu fundamento. É naarticulação entre os campos da saú<strong>de</strong> e da educação, entre cultura e subjetivida<strong>de</strong>,entre o espaço social e o mundo psíquico que propomos enfrentaras tensões que esse <strong>para</strong>doxo gera.OS ESTIGMAS EM NÓSAnalice <strong>de</strong> Lima PalombiniNas múltiplas experiências <strong>de</strong> trabalho por que já passei, em instituiçõesdiversas, e naquelas em que hoje me encontro engajada, otema da diferença se faz sempre presente, ainda que em graus variados,representado por crianças, adolescentes e adultos com necessida<strong>de</strong>sespeciais dirigidas à clínica, à escola ou à abrigagem. Mais particularmente,no trânsito entre a clínica e a escola, pu<strong>de</strong> acompanhar, por um lado, aintensa mobilização que produz, na comunida<strong>de</strong> escolar, a presença <strong>de</strong> <strong>uma</strong>criança com um transtorno grave no seu <strong>de</strong>senvolvimento, exigindo, <strong>para</strong>além da assessoria ao professor em sala <strong>de</strong> aula, também um trabalho como coletivo <strong>de</strong> professores, serviços, direção, às vezes com o grupo <strong>de</strong> pais ecom a turma <strong>de</strong> alunos – um trabalho árduo, que, muitas vezes, ressente-seda ausência <strong>de</strong> suporte dos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>para</strong> a sua realização; poroutro lado, enfrentei as limitações <strong>de</strong> um trabalho clínico que, incidindo sobreo processo mesmo <strong>de</strong> constituição psíquica da criança ou buscandoconsolidar e ampliar os seus recursos simbólicos, <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> contar com o<strong>de</strong>sdobramento e sustentação <strong>de</strong>sse trabalho no espaço social da escola eno campo das aprendizagens. Quase sempre a clínica tornava-se o únicolugar <strong>de</strong> circulação social permitido a essas crianças e jovens. A escolamesma, sem um maior suporte técnico e impotente <strong>para</strong> lidar com as dificulda<strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua inserção, indicava-lhes o espaço terapêutico como aquele quevinha substituir o pedagógico.A prevalência, hoje, <strong>de</strong> propostas por <strong>uma</strong> educação inclusiva, nãoevita o fato <strong>de</strong> que a dissociação entre o campo clínico e o pedagógico oumesmo a relação <strong>de</strong> exclusão estabelecida entre ambos (ou clínica ou escola)continua can<strong>de</strong>nte, tanto mais can<strong>de</strong>nte quanto mais grave o quadro apresentadopelo sujeito em questão. Alijado da escola ou alijado na escola,durante a infância e adolescência, tal sujeito se vê impedido do acesso aessa zona intermediária <strong>de</strong> sociabilização, situada entre a família e o vasto30 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200231


SEÇÃO TEMÁTICAPALOMBINI, A. <strong>de</strong> L. Os estigmas em nós.sindrômicos que, nesse momento, passam a ser distinguidos em categoriaspróprias.Em nosso século, a psicanálise, embora tendo origem nessa ciênciamédica positivista, ao instituir a escuta em substituição ao olhar como métodoclínico, transforma a relação ética estabelecida com a loucura, resgatandoa tradição do Renascimento, que a interpreta como modo <strong>de</strong> o sujeitodizer a verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>sejo. Mas a exclusão, o internamento, segue sendoa prática corrente no tratamento da doença mental, compulsória e vitalícia.É na década <strong>de</strong> cinqüenta, com a aceleração industrial e o surgimen<strong>todos</strong> primeiros psicofármacos, que tem início <strong>uma</strong> transformação no locus <strong>de</strong>vida daquelas pessoas intituladas <strong>de</strong> doentes mentais, impulsionada pelosmovimentos político-sociais. Segue sendo um <strong>de</strong>safio, porém, a efetiva consolidação<strong>de</strong> práticas substitutivas aos manicômios, capazes <strong>de</strong> oferecerreferências, possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> tratamento e perspectivas <strong>de</strong> vida aos ditosdoentes mentais, levando em conta o sujeito psíquico aí implicado, mastranspondo o âmbito restrito dos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e lançando-se no espaçoaberto do urbano.O <strong>de</strong>safio é o mesmo quando se toma a questão da diferença inscritaenquanto dano orgânico, como marca que se carrega no corpo, como <strong>de</strong>sempenhoque não alcança o esperado. Pois os processos <strong>de</strong> exclusãoinci<strong>de</strong>m sobre os <strong>de</strong>ficientes da mesma forma que sobre a loucura. Já noséculo XVII, o saber jurídico elabora alg<strong>uma</strong>s categorias <strong>de</strong> <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong> mental<strong>de</strong> acordo com a adaptação ou o rendimento social, no interesse <strong>de</strong>assinalar aos seus portadores <strong>uma</strong> situação jurídica, com o intuito <strong>de</strong> salvaguardarbens <strong>de</strong> família. Essas categorias, mais tar<strong>de</strong>, são retomadas pelamedicina.Escreve Maud Mannoni (1983; p.201):Quando o adulto se encontra em face <strong>de</strong> um semelhante que não é àimagem do que ele crê po<strong>de</strong>r esperar, oscila entre <strong>uma</strong> atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> rejeição e<strong>de</strong> carida<strong>de</strong>. O problema não se coloca ao nível das boas intenções, mas aomuito mais obscuro que as sustém. Todo ser h<strong>uma</strong>no que, por seu estado,torna impossíveis certas projeções provoca no outro um mal-estar – malmundo,que, no entanto, constitui <strong>uma</strong> experiência tão fundamental na vida<strong>de</strong> cada criança e <strong>de</strong> seus pais.Se nós tomarmos, porém, a figura do louco como <strong>para</strong>digma da diferençana relação com o outro, veremos, com Michel Foucault (1978), queessa experiência foi exuberante e polimorfa até meados do século XVII, tendo,até essa época, circulado <strong>de</strong> modo livre, fazendo parte do cenário e dalinguagem cotidiana. É certo que a valorização do físico, na Grécia Antiga,levava ao sacrifício dos mutilados do corpo, lançados do alto <strong>de</strong> penhascos,tão logo eram nascidos. É certo também que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a medicina grega, alg<strong>uma</strong>sformas <strong>de</strong> loucura eram tomadas como patologias e submetidas a práticas<strong>de</strong> cura. Mas restava ainda <strong>uma</strong> ampla extensão do campo da loucurafora do domínio médico (Foucault, 1975). Uma extensão cujos contornos evalor vão sofrer variações conforme as épocas, mas on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacarduas vertentes: <strong>uma</strong>, que atravessa a Ida<strong>de</strong> Antiga e Média, é a concepçãoda loucura como manifestação dos <strong>de</strong>uses, como graça ou castigo, <strong>para</strong> obem ou <strong>para</strong> o mal, possessão divina ou <strong>de</strong>moníaca; outra vertente, própriaao renascimento, em que experiência da loucura é tomada ou como expressão<strong>de</strong> forças da natureza, do in<strong>uma</strong>no, revelando a verda<strong>de</strong> e os mistériosdo mundo, ou como o h<strong>uma</strong>no naquilo que é o seu limiar, a razão em seunecessário avesso, <strong>uma</strong> das suas formas, enfim, carregada <strong>de</strong> secreta verda<strong>de</strong>.A situação altera-se radicalmente a partir do século XVII, quando omundo da loucura vai tornar-se o mundo da exclusão. E é o contexto asilar,então, social e juridicamente <strong>de</strong>terminado, que vem dar nascimento e circunscrevero espaço da clínica, da pesquisa e da produção teórica no campoda psiquiatria e da psicopatologia, num amálgama em que vão confundir-sepráticas médicas e sanções morais. No século XIX, a loucura vê-se incorporadaà noção <strong>de</strong> doença mental, como objeto da ciência positiva, num esforçoclassificatório em que o semelhante é reunido ao semelhante, em que oburburinho e a complexida<strong>de</strong> da vida são evitados, on<strong>de</strong> as variáveis sãocontroladas. O louco, <strong>de</strong>signado como doente mental, vê ser suprimido ovalor <strong>de</strong> sua palavra, sendo-lhe imposto o silêncio dos pacientes (Cunha,apud A Casa, 1991). Igualmente são silenciados os lesionados, <strong>de</strong>ficientes,32 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200233


SEÇÃO TEMÁTICAPALOMBINI, A. <strong>de</strong> L. Os estigmas em nós.estar negado, cujos efeitos vão produzir-se no plano imaginário; esses efeitos,po<strong>de</strong>mos ao longo da história medir-lhes o caráter absurdo...No que diz respeito a esses efeitos, é possível observar o modo comovão sobrepondo-se, no imaginário social, as diferentes versões que, à cadaépoca, a socieda<strong>de</strong> oferece da loucura, do diferente, do estranho, <strong>de</strong> talforma que na contemporaneida<strong>de</strong> nos encontramos com práticas que vão daexclusão, do confinamento, às interpretações místicas, à visão romântica daloucura, ou mesmo o seu abandono em um lugar à <strong>de</strong>riva, pelas ruas, semporto <strong>de</strong> chegada, tal como a nau dos loucos renascentista. O louco, odiferente, o <strong>de</strong>ficiente são ou i<strong>de</strong>ntificados ao infantil, ao selvagem, largadosàs forças da natureza (<strong>de</strong> on<strong>de</strong> pressupõe-se nele <strong>uma</strong> sexualida<strong>de</strong> eagressivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>senfreada), ou são consi<strong>de</strong>rados gênios, dotados <strong>de</strong> umdom sublime, cuja palavra é portadora <strong>de</strong> <strong>uma</strong> verda<strong>de</strong> não revelada e muitasvezes perigosa. Mas, dominando o cenário em que se presentificam essasexperiências, situa-se o saber médico e científico. Se esses saberes produzemintervenções que se mostram eficazes na potencialização das capacida<strong>de</strong>sh<strong>uma</strong>nas, se fornecem argumentos que justificam os movimentos eas políticas inclusivas, são também capazes <strong>de</strong> travestir em cientificismo asatitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> rejeição com que nos <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos daquilo que no outro se apresentacomo diferença. E então, novamente, o semelhante é reunido ao semelhante,controlam-se as variáveis, evitam-se o burburinho e a complexida<strong>de</strong>da vida. As conseqüências sabem ser nefastas. Mutilados <strong>de</strong> corpo seguemsendo lançados do alto <strong>de</strong> penhascos, mas, agora, em gestos cujaaparência guarda a assepsia e a acuida<strong>de</strong> técnica <strong>de</strong> um procedimento cirúrgico;<strong>de</strong>satinados permanecem atados em camisas <strong>de</strong> força, mas que sãoinvisíveis aos olhos, guardadas em frascos <strong>de</strong> comprimidos; clínicas ditasterapêuticas propagan<strong>de</strong>iam mé<strong>todos</strong> científicos revolucionários que, no entanto,não fazem mais do que repetir a segregação e o tratamento moral dosvelhos asilos <strong>de</strong> loucos.Enfim, o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> enfrentar a exclusão exige, primeiro, enfrentar emnós mesmas o estranhamento que a diferença provoca, reconhecer nossosmedos, mitos e superstições, suportar a angústia do encontro com alguémcuja lógica foge àquela que nos orienta. O saber, então, <strong>de</strong> que se po-<strong>de</strong>fazer uso aí, não tem como função o apagamento da diferença, a anulaçãodo espanto, a antecipação do que não se dá a ver, mas, ao contrário, tornasesustentáculo <strong>de</strong> <strong>uma</strong> relação ao outro on<strong>de</strong> a diferença po<strong>de</strong> incluir-secomo espaço <strong>de</strong> criação e expressão <strong>de</strong> singularida<strong>de</strong>s.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASA CASA, Equipe <strong>de</strong> Acompanhantes Terapêuticos do Hospital-Dia (org.). A ruacomo espaço clínico: acompanhamento terapêutico. São Paulo: Escuta, 1991,247p.CAMARGO, Elisa M. <strong>de</strong> C. “O acompanhante terapêutico e a clínica” em: A CASA,Equipe <strong>de</strong> Acompanhantes Terapêuticos do Hospital-Dia (org.). A rua comoespaço clínico: acompanhamento terapêutico. São Paulo: Escuta, 1991, p.51-60.FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Ida<strong>de</strong> Clássica. São Paulo: Perspectiva,1978, 551p. Originalmente publicado em 1972.________ Doença mental e psicologia. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975.MANNONI, Maud. A criança, sua “doença” e os outros. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar,1983. Originalmente publicado em 1967.34 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200235


SEÇÃO TEMÁTICAQUINTÃO, D. T. da R. O “portador”: insígnia...ção <strong>de</strong> alguém: é preciso um Outro que lhe atribua significados. Da mesmaforma, há um contraponto entre o que seja valor cultural e, portanto, coletivoe aquilo que seja da experiência própria, singular, ou melhor dizendo, comoo sujeito irá significar e o que irá fazer com os signos que ele possa reconhecercomo seus.Busco, mais <strong>uma</strong> vez, alguns recursos da clínica. Com freqüência, noato <strong>de</strong> brincar das crianças nas sessões, estas <strong>de</strong>monstram um interesseparticular por bonecos que representam a figura do herói e suas insígnias –policiais, bombeiros, até figuras montadas a partir <strong>de</strong> conceitos mitológicos,como os Pokemóns e os Digimons, nos nossos dias – que passam a incorporarum valor social, ao menos durante algum período, <strong>para</strong> este público (játiveram outros). E acredito ser importante mencionar que, frente a este brincar,estão <strong>todos</strong> incluídos, os “portadores” e os “normais”, pois o que estáem jogo é sua condição <strong>de</strong> crianças.Ao perguntar <strong>para</strong> <strong>uma</strong> criança o que ela entendia por insígnia, <strong>uma</strong>vez que me falava sobre os Pokemóns, escuto que “insígnia é como umprêmio <strong>de</strong> <strong>uma</strong> batalha, tem várias insígnias e o Pokemón vai ganhando e vaificando mais forte e po<strong>de</strong> evoluir”.Outra informação interessante sobre estes personagens é que cadaum <strong>de</strong>stes pequenos seres tem um tipo <strong>de</strong> arma especial e, na batalha,cada um vai fazendo uso <strong>de</strong> suas virtu<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> suas capacida<strong>de</strong>s, obtendonovas insígnias, brasões, etc... que po<strong>de</strong>m ser da Coragem, do Amor(Digimons), <strong>para</strong> <strong>de</strong>senvolver.Se tomarmos a insígnia como um sinal distintivo a partir <strong>de</strong> <strong>uma</strong>“batalha” e suas conquistas, cujos “heróis” buscam um reconhecimento, talvezpossamos atribuir à diferença justamente este caráter que distingue umser <strong>de</strong> outro e consi<strong>de</strong>rar, nesta diferença, sua condição h<strong>uma</strong>na.e Desenvolvimento Infantil. Porto Alegre, Artes e Ofícios, 1999.JERUSALINSKY, Alfredo e PÁEZ, Stella Maria C.. Carta Aberta aos Pais acerca daEscolarização das Crianças com Problemas <strong>de</strong> Desenvolvimento. In: Escritosda Criança. Centro Lydia Coriat – Porto Alegre – 2001 – nº 6.TAVARES, Eda Estevanell. O Brincar na Clínica com Crianças. In: Ato & Interpretação.Revista da Associação Psicanalítica <strong>de</strong> Porto Alegre – nº 14. Porto Alegre,Artes e Ofícios, 1988.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASDiretrizes Nacionais <strong>para</strong> a Educação Especial na Educação Básica. Ministérioda Educação. Parecer nº 17/2001 <strong>de</strong> 03/07/2001.JERUSALINSKY, Alfredo. A Escolarização <strong>de</strong> Crianças Psicóticas. In: Psicanálise40 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200241


SEÇÃO TEMÁTICATROMBKA, C. Um mundo por fazer...UM MUNDO POR FAZERClarisse TrombkaEste trabalho é <strong>uma</strong> síntese do original, apresentado no Fórum Mundial<strong>de</strong> Educação, cujas idéias versaram sobre os seguintes eixos:inclusão e singularida<strong>de</strong>; instituição escolar e projetos educacionais;professores inclusivos e ética; mudança <strong>de</strong> <strong>para</strong>digmas e mentalida<strong>de</strong> escolar;função social da escola (LDBEN); programas especiais <strong>para</strong> excluídosda escola; educação especial e educação geral (Política Nacional <strong>de</strong> EducaçãoEspecial do MEC); questões econômicas como obstáculos à saú<strong>de</strong> eeducação e a escola especial. Foi realizado a partir da experiência <strong>de</strong> atendimentointerdisciplinar com crianças e adolescentes portadores <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>seducacionais especiais (NEEs), <strong>de</strong>senvolvido em <strong>uma</strong> ONG comprometidacom sua inclusão social e escolar.Aceitarmos a singularida<strong>de</strong> implica reconhecermos que acontemporaneida<strong>de</strong>, marcada pela globalização, apesar <strong>de</strong> trazer em seubojo a diversida<strong>de</strong>, também produz a padronização. Assim, não po<strong>de</strong>mosesperar que a abertura ao novo implique a abertura à tolerância nem ao estranho,pois os i<strong>de</strong>ais massificadores do nosso tempo geram <strong>uma</strong> proposta <strong>de</strong>referência i<strong>de</strong>ntitária.Sabemos que o máximo que as culturas conhecidas conseguiramconquistar foi certa tolerância à diversida<strong>de</strong> e à convivência com a diferença,o que não implica aceitação. Abrirmos mão <strong>de</strong> <strong>uma</strong> idéia pré-fabricada <strong>de</strong>sujeito, portanto, é tarefa difícil.Trabalhamos com o sujeito do <strong>de</strong>sejo, com todas as dificulda<strong>de</strong>s queisso acarreta, e procuramos um mo<strong>de</strong>lo que o simplifique (proposta dos projetoseducacionais baseados em conceitos normativos, que reduzem o complexoao simples, tentando eliminar contradições) constitui-se em <strong>uma</strong> tentativa<strong>de</strong> neutralizar as concepções mais complexas sobre esse sujeito. Osujeito do <strong>de</strong>sejo estará sempre presente com suas surpresas, caprichos,imprevisibilida<strong>de</strong>s, criações.Também enten<strong>de</strong>mos que o acesso do sujeito ao conhecimentoin<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>uma</strong> única estrutura lógica, <strong>uma</strong> vez que o sujeito não se explicanem se <strong>de</strong>fine somente como sujeito epistemológico, tão pouco pelodualismo cognição e afetivida<strong>de</strong>.Ao valorizarmos o processo <strong>de</strong> ensino-aprendizagem <strong>de</strong> cada criança,não o reduzindo àquele apresentado por outra, como faz o mo<strong>de</strong>lo baseadoem antigos <strong>para</strong>digmas, <strong>de</strong>fensor <strong>de</strong> grupos homogêneos, reconhecemos aheterogeneida<strong>de</strong> existente em todo o grupo h<strong>uma</strong>no (Colli e Amâncio, 2000).Falarmos em inclusão, hoje, implica reconhecer a luta pelos direitosda população com NEEs, fazendo frente a um processo histórico <strong>de</strong> exclusão,forçando sua entrada, muitas vezes a partir da lei, nas escolas, notrabalho, na cultura, no lazer, no exercício da sexualida<strong>de</strong>. Para que issoocorra, as instituições precisam passar por um processo <strong>de</strong> reestruturaçãoque exige <strong>uma</strong> mudança <strong>de</strong> <strong>para</strong>digmas e também investimento em formaçãoe equipamento, como, aliás, está previsto nos relatórios oficiais do MEC.I<strong>de</strong>ntificar seus professores com condições inclusivas po<strong>de</strong> ajudar aescola a reconhecer as singularida<strong>de</strong>s presentes em seu corpo docente,po<strong>de</strong>ndo oferecer–lhes espaços diferenciados <strong>de</strong> trabalho. Além disso, acreditamosser <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância a valorização da experiência <strong>de</strong>sses,incentivando-os a escrever e falar sobre sua caminhada na construção <strong>de</strong> umespaço inclusivo.A busca <strong>de</strong> novas produções apartadas do pensamento tradicionalexige que nos encontremos em <strong>uma</strong> interlocução com outros campos dosaber, proposta da interdisciplina, on<strong>de</strong> possamos quebrar o projetonormatizador/padronizador da razão técnica.A perplexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>uma</strong> professora que trabalha com inclusão, <strong>de</strong><strong>para</strong>ndo-secom <strong>uma</strong> situação na qual seu aluno se encontrou no meio <strong>de</strong> <strong>uma</strong>rodinha <strong>de</strong> colegas que diziam: “Tu é burro mesmo! Prá que tu tá aqui ?”,convocou-nos a trazer alg<strong>uma</strong>s reflexões.Ela vem trabalhando com inclusão há pouco tempo, porém o faz commuita consi<strong>de</strong>ração pela singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus alunos, observando e ajudando-osa construir, muitas vezes <strong>de</strong> forma lúdica, <strong>uma</strong> posição curiosa em42 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200243


SEÇÃO TEMÁTICATROMBKA, C. Um mundo por fazer...COLLI, Fernando A.G. e AMÂNCIO, Valéria. Continuando a Travessia Pela Ponte.Estilos da Clínica. Revista sobre a Infância com Problemas, V(9), 69-81. SãoPaulo, SP. Escuta, 2000.JERUSALINSKY, Alfredo e PÁEZ, Stella Maris C. Carta Aberta aos Pais Acerca daEscolarização das Crianças com Problemas <strong>de</strong> Desenvolvimento. Estilos daClinica. Revista sobre a Infância com Problemas, V(9), 118-123. São Paulo.SP. Escuta, 2000.MAZZOTTA, Marcos José da Silveira e SOUSA, Sandra M. Zákia. Inclusão Escolare Educação Especial: Consi<strong>de</strong>rações sobre a Política Educacional Brasileirelaçãoao mundo e incentivadora do conhecimento. Além disso, busca discutirsistematicamente com nossa equipe sobre o percurso <strong>de</strong> seu aluno.Oferecemos a ela um espaço <strong>de</strong> escuta do qual se apropria, dizendo sentirserespeitada em seu trabalho.Pensamos que o <strong>para</strong>doxo colocado pela professora é: como lidarcom a inclusão <strong>de</strong> alunos com NEEs, educando <strong>para</strong> a diversida<strong>de</strong>, propondo<strong>uma</strong> reflexão ética diante dos problemas h<strong>uma</strong>nos e, ao mesmo tempo,com alunos que reproduzem mo<strong>de</strong>los i<strong>de</strong>ntitários propostos por <strong>uma</strong> socieda<strong>de</strong>cada vez mais elitista, competitiva, atravessados pela rapi<strong>de</strong>z das novastecnologias e por exigências <strong>de</strong> eficiência e eficácia ?Stella Páez (2001, p. 131), po<strong>de</strong> ajudar com <strong>uma</strong> possível resposta:“Aten<strong>de</strong>r à diversida<strong>de</strong> na escola é justamente procurar romper com esses<strong>de</strong>stinos previamente <strong>de</strong>terminados, procurar dar igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s,ou seja, oferecer a cada um o que necessita <strong>para</strong> construir o seu melhorprojeto <strong>de</strong> vida. É justamente, não se resignar a aceitar mo<strong>de</strong>los assentadosem <strong>uma</strong> concorrência feroz e comprometer-se a dar cotidianamente a <strong>todos</strong>os alunos <strong>uma</strong> experiência <strong>de</strong> vida solidária”.Mazzotta e Sousa (2000, p.104) relatam que o “novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> gestãoassumido pelo Estado transpõe a lógica da gestão privada <strong>para</strong> a educaçãopública com reflexos nos processos <strong>de</strong> trabalho da educação básica,em que as iniciativas <strong>de</strong> avaliação educacional têm centralida<strong>de</strong>, constituindoo elemento capaz <strong>de</strong> induzir a competitivida<strong>de</strong>, em consequência, a qualida<strong>de</strong>,tal como no mercado“.Os autores observam que, no Brasil, não se tem, até o momento, aprática <strong>de</strong> associar a premiação ou punição aos resultados da avaliação,porém, pensam que a prática já vigente <strong>para</strong> os programas <strong>de</strong> pós- graduaçãoe o exemplo <strong>de</strong> países que servem <strong>de</strong> inspiração aos brasileiros <strong>para</strong> o<strong>de</strong>lineamento da utilização dos sistemas <strong>de</strong> avaliação <strong>de</strong>ve servir <strong>de</strong> alertaResta-nos torcer <strong>para</strong> que, caso sejam realmente implantados no país,esses sistemas <strong>de</strong> avaliação possam valorizar as escolas inclusivas, invertendoa lógica do mercado em favor da heterogeneida<strong>de</strong>, da construção <strong>de</strong>espaços <strong>de</strong> criação e <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>. Seria esperar <strong>de</strong>mais?Jerusalinsky e Páez, em Carta Aberta aos Pais Acerca da Escolarizaçãodas Crianças com Problemas <strong>de</strong> Desenvolvimento (2000), <strong>de</strong>ixamclaro que a inclusão não <strong>de</strong>ve se transformar num ato <strong>de</strong> mera aparência,sendo necessário certificarmo-nos das condições subjetivas das crianças<strong>para</strong> enfrentarem as resistências institucionais que venham a se colocar.Precisamos reconhecer que há momentos problemáticos na vida dascrianças e adolescentes com NEEs que não admitem que sejam submetidasà <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> freqüentarem <strong>uma</strong> escola regular. Nesses momentos, aescola especial po<strong>de</strong> ser <strong>uma</strong> boa alternativa.Por fim, alertam-nos <strong>para</strong> que a inclusão não venha a se transformarem ban<strong>de</strong>ira incondicional, nem <strong>para</strong> os pais, nem <strong>para</strong> os advogados ououtros profissionais, almejando <strong>uma</strong> vitória colocada em <strong>uma</strong> questãonarcísica que acredita que as aparências e o real externo po<strong>de</strong>m recuperar aposição do sujeito que ali está em jogo (Jerusalinsky e Paéz, 2000).Gostaria <strong>de</strong> finalizar sublinhando que se espera <strong>de</strong> um professor inclusivoa possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> romper com idéias instituídas, fazer-se escutar emseu <strong>de</strong>sejo e ser também, <strong>de</strong> alg<strong>uma</strong> forma, diferente.Como brasileiros, vivemos, mesmo não querendo ser otimistas <strong>de</strong>mais,a promessa <strong>de</strong> um futuro melhor. Afinal, somos o país do futuro, temosmuito por fazer!REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS44 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200245


SEÇÃO TEMÁTICAMELLO, E. D. <strong>de</strong>. A escola, o tempo...ra. Estilos da Clínica. Revista sobre a Infância com Problemas, V(9), 96-108.São Paulo, SP. Escuta, 2000.PÁEZ, Stella Maris C. As Pessoas com Necessida<strong>de</strong>s Especiais, a Comunida<strong>de</strong>e suas Instituições. Estilos da Clínica. Revista sobre a Infância com Problemas.Política Nacional <strong>de</strong> Educação Especial: livro I / MEC / SEESP- Brasília, 1994.VI(10), 129-140. São Paulo. SP. Escuta, 2001.RHODEN, Kuno Paulo e GOUVÊIA, Sylvia Figueiredo. Diretrizes Nacionais <strong>para</strong> aEducação Especial na Educação Básica. Parecer nº 17/ 2001 <strong>de</strong> 03. 07. 2001.Ministério da Educação, Conselho Nacional <strong>de</strong> Educação.A ESCOLA, O TEMPO E O LUGAR DO PROFESSOREliana Dable <strong>de</strong> MelloPara nós, h<strong>uma</strong>nos, a idéia da passagem do tempo sempre será inspiração<strong>de</strong> sabedoria <strong>para</strong> <strong>todos</strong> que suportarmos encará-la. Passado,presente e futuro são noções elementares a quem quer que seproponha a buscar algum entendimento sobre qualquer coisa: seja um pratoculinário, <strong>uma</strong> casa, <strong>uma</strong> obra <strong>de</strong> arte, <strong>uma</strong> teoria científica, <strong>uma</strong> colheita,<strong>uma</strong> re<strong>de</strong> <strong>de</strong> informação, etc. Todas as disciplinas do conhecimento h<strong>uma</strong>no,<strong>de</strong> <strong>uma</strong> forma ou <strong>de</strong> outra, precisam traçar seus princípios incluindo anoção <strong>de</strong> temporalida<strong>de</strong>. Dela ninguém escapa, embora seja o que <strong>todos</strong><strong>de</strong>sejamos, o que atesta nossa estruturação neurótica possível: não queremosenvelhecer, supomos ilusoriamente um tempo infinito e, como diz Freud,da morte não temos representação.A escola está, em <strong>todos</strong> os seus vetores, sinalizada por esta condição.Destina-se ao ser h<strong>uma</strong>no e sua formação: da escola infantil à universida<strong>de</strong>,ela acompanha um sujeito que nunca é o mesmo no transcorrer <strong>de</strong>steprocesso e que é único neste mundo em <strong>todos</strong> os tempos, cuja constituição,contudo, estará sujeita aos i<strong>de</strong>ais transmitidos pela cultura <strong>de</strong> sua épocaque o referenciará a como ser criança, jovem e adulto.A Escola também tem sua história e, obviamente, não tem sido semprea mesma. Foi instituída no séc. XIV <strong>para</strong> apresentar aos que chegavam oconhecimento acumulado pelas gerações anteriores além <strong>de</strong> transmitir preceitoscivilizatórios éticos e morais: talvez possamos pensá-la como um dosprimeiros ícones realizados da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> que, como sabemos, substitui,ou pelo menos problematiza severamente, a referência tradicional à comunida<strong>de</strong>e ao saber parental. A configuração <strong>de</strong> <strong>uma</strong> nova esfera pública, osocial, vai estabelecendo <strong>uma</strong> gradativa disjunção entre conjugalida<strong>de</strong> eparentalida<strong>de</strong> ; ou seja, o que diz respeito ao conjugal, ao casal, as escolhassexuais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o surgimento da afirmação do amor cortês – rompendo coma tradição <strong>de</strong> sustentar alianças políticas através <strong>de</strong> contratos conjugais46 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200247


SEÇÃO TEMÁTICAMELLO, E. D. <strong>de</strong>. A escola, o tempo...feitos em nome da autorida<strong>de</strong> paterna –, vem sendo cada vez mais do âmbitoprivado; já o saber e a responsabilida<strong>de</strong> quanto ao bem estar das crianças ea transmissão entre as gerações vai sendo, cada vez mais, encampada pelocampo social, encarnado nas figuras <strong>de</strong> professores, pediatras, psicólogos,assistentes sociais, juizes da infância e da juventu<strong>de</strong>, e hoje acompanhamosa emergência da figura dos conselheiros tutelares.A escola absorve boa parte <strong>de</strong>sta transferência, já que é a instituiçãomatriz <strong>para</strong> os assuntos da infância e da juventu<strong>de</strong>, apesar <strong>de</strong> <strong>todos</strong> osabalos sofridos com a queda da autorida<strong>de</strong> característica <strong>de</strong> nosso tempo. Éatravés <strong>de</strong>la, que outros saberes serão convocados a respon<strong>de</strong>r sobre omelhor <strong>para</strong> o bem estar das crianças. Resposta esta que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá dalente <strong>de</strong> leitura utilizada – graduada nos diferentes enfoques teóricos – eque, inevitavelmente, <strong>de</strong>ixará sua marca em estruturações subjetivas emcurso. Para a viabilização <strong>de</strong> sujeitos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo cada simples quesito focalizadojá fará muita diferença: em que estatuto o bem e o mal são utilizados?Como são consi<strong>de</strong>radas as verda<strong>de</strong>s subjetivas? E os pais, on<strong>de</strong> se colocam?On<strong>de</strong> os colocamos?Uma das falas mais escutadas nas escolas, da parte dos professores,é que os pais estão se <strong>de</strong>sresponsabilizando pela educação <strong>de</strong> seusfilhos, transferindo à escola esta tarefa. O que, afinal, coinci<strong>de</strong> com o avançarda mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> que imageia um i<strong>de</strong>al autofundado, <strong>de</strong>sorganizando asreferências generacionais. Concordamos que os pais não <strong>de</strong>veriam abdicarda transmissão <strong>de</strong> seu patrimônio <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ais e <strong>de</strong> apontar <strong>para</strong> sua <strong>de</strong>scendênciaum posicionamento na ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> gerações; a escola, neste sentido,tem razão em proclamar sua impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> arcar com <strong>todos</strong> os saberes.A distinção se per<strong>de</strong>, contudo, quando a escola e seus “peritos sociais”,na expressão <strong>de</strong> Philippe Julien, toma <strong>para</strong> si a missão da salvação dascrianças, <strong>de</strong>sautorizando ainda mais os pais perante seus filhos, agudizandoa confusão entre o que é da or<strong>de</strong>m pública e o que é <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m privada. Acena que muitas vezes acaba prevalecendo é o encontro do funcionamentoburocrático, como arremedo <strong>de</strong> <strong>uma</strong> ética pública e arrasador <strong>de</strong> qualquersingularida<strong>de</strong>, com a ansieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontrar respostas imediatas caracte-rística do cotidiano privado. Como fornecer referências que possibilitem olaço social a sujeitos em formação, a partir <strong>de</strong>ste lugar? Resgatar o saberparental possível, quando possível, po<strong>de</strong> ser um bom norte <strong>para</strong> as intervençõesprofissionais, seguindo por esta lógica. Para Julien, a lei do<strong>de</strong>sejo, que permite fundar <strong>uma</strong> nova família, precisa se fundar primeiramenten<strong>uma</strong> conjugalida<strong>de</strong> privada, já que nem a socieda<strong>de</strong> nem aparentalida<strong>de</strong> sozinhas a sustentam.A educação, <strong>para</strong> Hanna Arendt, é <strong>uma</strong> das ativida<strong>de</strong> mais elementarese necessárias da socieda<strong>de</strong> h<strong>uma</strong>na, on<strong>de</strong> se joga nossa atitu<strong>de</strong> frente ànatalida<strong>de</strong> e à responsabilida<strong>de</strong> que estamos dispostos a assumir pelasnovas gerações, que têm, por sua vez, a tarefa <strong>de</strong> renovar um mundo comum.As mudanças transcorridas no tempo trouxeram novas questões, po<strong>de</strong>mosabordá-las a partir <strong>de</strong> sua análise sobre a crise da educação namo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. De um mo<strong>de</strong>lo autoritário e conteudista, a escola não teriaexagerado sua pauta <strong>de</strong> transformações, basculando no exato oposto? Aautorida<strong>de</strong> do professor, <strong>para</strong> ela necessária, estaria ameaçada a partir <strong>de</strong><strong>uma</strong> formação pedagógica <strong>de</strong>masiado generalista, emancipada da matéria aser ensinada. Tal fato o que produziria <strong>uma</strong> relação professor-aluno por <strong>de</strong>maissimétrica, n<strong>uma</strong> hegemonia da noção pragmática <strong>de</strong> que só é possívelconhecer e compreen<strong>de</strong>r aquilo que nós mesmos fazemos, substituindoradicalmente o aprendizado pelo fazer e o trabalho pelo brincar, o que manteriaa criança mais velha o mais próximo possível da primeira infância (valeaqui consi<strong>de</strong>rar a magnitu<strong>de</strong> do ato que o adolescente <strong>de</strong>verá fazer <strong>para</strong>mudar <strong>de</strong> posição).Em síntese, sua preocupação é com o “pathos do novo”, que traz orisco <strong>de</strong> abafar a oportunida<strong>de</strong> dos jovens “<strong>de</strong> eles próprios empreen<strong>de</strong>remalg<strong>uma</strong> coisa nova e imprevista <strong>para</strong> <strong>todos</strong> nós”. É importante esclarecerque, <strong>para</strong> Hanna Arendt, o conceito <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> envolve obediência masexclui a coerção; <strong>para</strong> ela, quando existe o uso da força não existe autorida<strong>de</strong>legítima, apenas autoritarismo e violência. A questão que propomos éjustamente esta: o que legitimaria a autorida<strong>de</strong> necessária a algum atoeducativo nos dias <strong>de</strong> hoje?48 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200249


SEÇÃO TEMÁTICAMELLO, E. D. <strong>de</strong>. A escola, o tempo...Sabemos que os maiores problemas com a autorida<strong>de</strong> que a escolaenfrenta colocam-se ao término da infância <strong>de</strong> seus alunos. Efeito damo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, a adolescência, na compreensão psicanalítica, é a operaçãopsíquica <strong>de</strong> validação do valor <strong>de</strong> um sujeito, on<strong>de</strong> o abandono da posiçãoinfantil põe a prova sua viabilida<strong>de</strong> enquanto <strong>de</strong>sejante. Torna-se necessáriaexatamente quando os dispositivos societários presentes nas socieda<strong>de</strong>stradicionais, <strong>para</strong> sustentar esta passagem, per<strong>de</strong>m sua eficácia em garantira simbolização do real do impacto pubertário (Ruffino, 1996). Em tempo presente,o adolescente precisa se arriscar em manifestações que buscaminscrever um traçado que <strong>de</strong>limite novas bordas no corpo ficcional da infância(Costa, 1998), num trabalho <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> <strong>uma</strong> nova imagem <strong>de</strong> corpo, quelhe permita se representar simbolicamente na comunida<strong>de</strong> dos adultos. Precisa,portanto, afirmar sua singularida<strong>de</strong> e, ao mesmo tempo, reconhecer-secomo um igual perante seus pares: além do que, percebe o imenso fascínioque a socieda<strong>de</strong> lhe consagra “por ser quem melhor encarna o sonho <strong>de</strong>liberda<strong>de</strong> do sujeito contemporâneo”, nas palavras <strong>de</strong> Contardo Calligaris, oque ainda alimenta seu narcisismo e lhe serve <strong>de</strong> trunfo nas suas relaçõessociais.Para que sua travessia tenha êxito é necessário que, por alg<strong>uma</strong> via,a socieda<strong>de</strong> ofereça elementos simbólicos que possam referenciá-lo nestemomento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> perigo real, simbólico e imaginário, <strong>para</strong> <strong>todos</strong>, já que aviolência das pulsões <strong>de</strong>sorganizadas encontra-se com a violência <strong>de</strong> <strong>uma</strong>socieda<strong>de</strong> em crise <strong>de</strong> valores. A escola, enquanto instituição h<strong>uma</strong>na voltada<strong>para</strong> a cultura, tem a tarefa precípua <strong>de</strong> veicular estes elementos. A relaçãoprofessor-aluno constitui-se em palco privilegiado <strong>para</strong> este encontrosempre que o professor não sucumbir à tentação do doutrinamento ou, pelocontrário, da estéril indiferença, e suportar a sustentação <strong>de</strong> um lugar on<strong>de</strong> ojovem sujeito possa introduzir sua marca singular nos valores e nos objetosdo conhecimento transmitidos, reinventando-os a seu modo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que <strong>de</strong>sejarpossa.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASARENDT, H. Entre o Passado e o Futuro. Perspectiva, SP, 1970.CALLIGARIS, C. A Adolescência. Publifolha, SP, 2000.COSTA, A. M.M. A Ficção <strong>de</strong> si mesmo. Companhia <strong>de</strong> Freud, 1998.JULIEN, P. Abandonarás teu pai e tua mãe. Companhia <strong>de</strong> Freud. RJ, 2000.RUFFINO, R. “Fragmentos em torno da epopéia do sujeito sob a operação doadolescer”. In Mais tar<strong>de</strong>... é agora. Ágalma, Salvador, 1996.50 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200251


SEÇÃO TEMÁTICACABISTANI, R. M. O. Autorida<strong>de</strong> e violência.AUTORIDADE E VIOLÊNCIARoséli Maria Olabarriaga CabistaniPreten<strong>de</strong>mos pensar como se situa a queixa do incremento da violênciana escola hoje. Isto implica analisar as condições <strong>de</strong> sua enunciação,coisa que tem sido negligenciada ao tomarmos esse enunciadocomo verda<strong>de</strong>iro, <strong>de</strong>mandando, então, medidas <strong>para</strong> acabar com tal estado<strong>de</strong> coisas. Via <strong>de</strong> regra, quando a questão se coloca, imediatamentechegamos a conclusão <strong>de</strong> que falta lei, ou falta “pai”. Hoje, vamos encontrarorganizações familiares diversificadas. Os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> família tradicionaisapresentam-se ampliados, em muitas <strong>de</strong>ssas famílias, <strong>de</strong> fato, falta o pai.Mas será que essa constatação é suficiente <strong>para</strong> justificar ou violência?Queremos sustentar aqui o conceito <strong>de</strong> função, que permite pensar osreferenciais necessários à constituição psíquica, mais além <strong>de</strong> <strong>uma</strong> conformação<strong>de</strong> grupo familiar “a<strong>de</strong>quado”. Se trabalhamos com o conceito <strong>de</strong>função, também po<strong>de</strong>mos refletir quais as funções que a escola é chamada aocupar e quais os efeitos sociais possíveis do atendimento <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>manda.***Agressivida<strong>de</strong> e violência são temas recorrentes no âmbito da educação,os quais, muitas vezes, tomamos como equivalentes. Para a Psicanálise,a agressivida<strong>de</strong> é constitutiva <strong>de</strong> nosso processo <strong>de</strong> estruturação subjetivaprimária e <strong>uma</strong> parte <strong>de</strong>la acompanha e presi<strong>de</strong> nossa vida , isto é, asarticulações imaginárias e simbólicas que permitem situarmo-nos no mundo.As fronteiras entre o que <strong>de</strong>nominamos agressivida<strong>de</strong> ou violência po<strong>de</strong>mser tênues, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo dos efeitos que os atos geram no outro. Comoseres <strong>de</strong> linguagem, interpretamos a realida<strong>de</strong> e, com freqüência, o que predominaé o imaginário, terreno se<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossas ilusões cotidianas. São inúmerosos exemplos <strong>de</strong> passagens ao ato violento, quando a reação do outro é tomadacomo risco à própria integrida<strong>de</strong>. Sujeitos que nunca praticaram um crime e umbelo dia, ao serem abordados por um pedinte que é visto como tendo aspectoameaçador, matam-no, sem que <strong>uma</strong> palavra alí faça a mediação <strong>de</strong>ssa ação.Crianças que são contidas nas escolas por estarem brigando e quando conseguemse explicar, dizem que estavam “brincando <strong>de</strong> lutinha”.Então, temos que a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não sucumbir à barbárie, passapor valorizar a palavra, tanto do lado <strong>de</strong> quem supostamente pratica um ato,quanto do lado <strong>de</strong> quem o interpreta. Sabemos que a violência existe, tododia ela mostra sua face, mas queixar-se <strong>de</strong>la e pedir mais segurança nãotem mudado as coisas. Aqueles que somos comprometidos com a educaçãotemos o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> refletir sobre isso, <strong>para</strong> buscar novas saídas, <strong>para</strong> nãoficarmos na posição <strong>de</strong> impotência em que essa atitu<strong>de</strong> queixosa nos lança.Do ponto <strong>de</strong> vista da i<strong>de</strong>ntificação das causas da violência, encontramosexplicações que apontam à falta <strong>de</strong> limites nas crianças e jovens e,imediatamente, esse raciocínio leva à conclusão <strong>de</strong> que se falta limite éporque a função <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> está falhando em algum lugar. Perguntamos,então, quem é o agente da autorida<strong>de</strong> em nossa socieda<strong>de</strong>? Como estafunção se constitui no âmbito público e no âmbito privado?Em nossa organização social atual, a Escola é a primeira instânciado mundo público da qual a criança faz parte. Mas isto não foi sempre assim,Philippe Ariès <strong>de</strong>scobriu que o reconhecimento da infância como <strong>uma</strong>etapa diferenciada da vida adulta foi responsável pela “...crescente percepçãoda família como um grupo natural que abriga <strong>uma</strong> classe especial <strong>de</strong>seres – as crianças – fixou limites mais abrangentes na questão da expressãopública” (SENNET,1976, p.120). O interessante foi que a gênese dalimitação da vida pública aos adultos, em parte provém da gradual distinçãoentre as formas <strong>de</strong> jogos infantis e jogos adultos. Por volta do séc.XVIII, osacontecimentos dos centros cosmopolitas começaram a ser refletidos pelaspessoas ditas maduras, isto é, a reflexão sobre a vida pública implicavacomplexida<strong>de</strong>, postura e habituais encontros com estranhos, coisa que sóos adultos po<strong>de</strong>riam suportar, segundo escreve SENNET(1976).Essas mudanças, então, trouxeram alterações quanto à responsabilida<strong>de</strong>da família. O reconhecimento das fragilida<strong>de</strong>s “naturais “da criança52 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200253


SEÇÃO TEMÁTICACABISTANI, R. M. O. Autorida<strong>de</strong> e violência.trouxe como conseqüência <strong>uma</strong> valorização maior da família também, e daparticipação <strong>de</strong> ambos os pais da criança. Era <strong>uma</strong> recomendação pediátricaque as mulheres cuidassem elas mesmas <strong>de</strong> seus bebês e que os pais não<strong>de</strong>legassem sua autorida<strong>de</strong> a colégios.O dicionário Aurélio (p.204) <strong>de</strong>fine autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diversas maneiras.Selecionei aquelas que penso po<strong>de</strong>r articular a esta reflexão: 1- Direito oupo<strong>de</strong>r <strong>de</strong> se fazer obe<strong>de</strong>cer, <strong>de</strong> dar or<strong>de</strong>ns, <strong>de</strong> tomar <strong>de</strong>cisões, <strong>de</strong> agir.... 2-Aquele que tem por encargo fazer respeitar as leis, representante do po<strong>de</strong>rpúblico. 3- Influência, prestígio, crédito. 4- Indivíduo <strong>de</strong> competência indiscutívelem <strong>de</strong>terminado assunto.Com a valorização da família enquanto instituição privada, o pai emnossa civilização passou a ocupar a função <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> junto aos filhos,isto é, aquele que faz valer a lei, que representa o público no espaço privadoda família, responsável pela formação da moralida<strong>de</strong> inicial da criança antesque ela enfrente a socialização secundária representada pela Escola, ou emtermos psicanalíticos, o responsável pela castração.Em Freud, a teoria do Complexo <strong>de</strong> Édipo remete ao lugar do pai, oumelhor dizendo, a função <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> se confun<strong>de</strong> com a temática do pai,situando como palco privilegiado o drama edípico, conforme diz COSTA(2000,p.87). Lacan chama “Nome-do-pai” a função simbólica paterna e afirma que“...se o nome do pai assegura essa função,Em nossa civilização, isso é <strong>de</strong>corrente da influência do monoteísmo,nada tendo <strong>de</strong> obrigatório nem <strong>de</strong> universal. O mito edípico é ativo no inconscientedo indivídio oci<strong>de</strong>ntal, masculino ou feminino, porém, em outras civilizações,as africanas por exemplo, o Édipo po<strong>de</strong>rá ser nada mais do que “umpormenor, em um mito imenso”, outras estruturas simbólicas encontrandosenele, em posição <strong>de</strong> promover a castração.” CHEMAMA(1995, p.57).Este recorrido permite afirmar que quando nossa cultura <strong>de</strong>nuncia afalta <strong>de</strong> limites, a agressivização das relações sociais e a própria violência,i<strong>de</strong>ntificando como causa a ausência <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> paterna, ela está apenasinterpretando um mal estar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o mito edípico, sem consi<strong>de</strong>rar que a autorida<strong>de</strong>,enquanto <strong>uma</strong> função simbólica, po<strong>de</strong> ser ocupada por diferentesinstâncias e atores. Se essa mesma socieda<strong>de</strong> muda, no sentido <strong>de</strong> queoutros laços sociais se constituem, a função <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> também muda,ou circula, po<strong>de</strong>mos dizer mais apropriadamente.Uma pesquisa realizada em 1998 pela Datafolha, sobre o perfil dafamília brasileira, traz dados muito significativos, que nos permitem avançarem relação a essa análise.No que diz respeito à estrutura, a pesquisa mostra que a organizaçãobásica da família brasileira segue sendo a nuclear (pai, mãe e filhos), masesse mo<strong>de</strong>lo vem per<strong>de</strong>ndo espaço <strong>para</strong> outro mo<strong>de</strong>lo, o matrifocal (filhosque moram apenas com as mães). Para os entrevistados, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte danatureza dos laços que a <strong>de</strong>termina, a família é a instituição social maispresente na vida das pessoas. Apresenta-se cada vez mais mutifacetada,on<strong>de</strong> aumenta o número <strong>de</strong> grupos familiares diferentes da estrutura tradicional:os casados sem filhos, os solteiros com filhos, os solteiros com filhosque moram com os pais, os se<strong>para</strong>dos, ou viúvos com filhos, que constituiramnovos casamentos ou não.Outro dado importante é o <strong>de</strong> que a mãe assumiu papéis que eramtradicionalmente exercidos pelo pai, como por exemplo prover o sustento dafamília. Houve <strong>de</strong> fato <strong>uma</strong> redução do papel do pai na família, e esse incorporououtras responsabilida<strong>de</strong>s, porém são ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> caráter mais lúdico.Os pais fazem ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lazer com as crianças e até compras, mas nãolavam roupas, nem ajudam os filhos com a lição <strong>de</strong> casa. Isto significa queas tarefas <strong>de</strong> caráter mais privado continuam sendo realizadas pelas mães.Estas, além <strong>de</strong> serem i<strong>de</strong>ntificadas como mais próximas dos filhos, <strong>de</strong> abarcarnovos papéis na vida famíliar, também <strong>de</strong>têm um certo po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> fazer valer asregras e princípios da casa. Porém, um dado bastante significativo na pesquisamostra que o pai é a segunda instância na criação dos filhos, isto é,quando as questões mais difíceis não são resolvidas na primeira instância(mãe), entra o pai, a segunda instância. Sabe-se que no nível da justiça, asegunda instância é a que resolve as disputas que perduram após <strong>uma</strong> <strong>de</strong>cisãoem primeira instância. Esse é um indicador da autorida<strong>de</strong> paterna, queprecipitadamente po<strong>de</strong>ríamos interpretar como <strong>uma</strong> função em <strong>de</strong>clínio.54 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200255


SEÇÃO TEMÁTICACABISTANI, R. M. O. Autorida<strong>de</strong> e violência.Gostaria <strong>de</strong> trazer muitos outros dados que nos ajudariam a pensar,mas por hora nos bastam esses.A instituição escolar é um espaço privilegiado on<strong>de</strong> essas mudançasnos papéis sociais <strong>de</strong>ntro da família, se fazem sentir. Será que temos hoje<strong>uma</strong> compreensão aprofundada <strong>de</strong>ssas mudanças, no campo educacional?Tendo a pensar que ainda estamos buscando explicações reducionistas epsicologizantes <strong>para</strong> atos que nos causam inquietu<strong>de</strong> e que <strong>de</strong>safiam nossaignorância.Escutei reclamações <strong>de</strong> professoras <strong>de</strong> séries iniciais ao relatar queos pais lhes pe<strong>de</strong>m <strong>para</strong> exercer funções que seriam <strong>de</strong>les. Exemplos: “–Um pai teve a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pedir que eu fizesse seu filho vestir o casaco,porque ele não tinha conseguido” ou “–...pe<strong>de</strong>m que a gente recomen<strong>de</strong> queos filhos durmam mais cedo, porque eles não conseguem se fazer obe<strong>de</strong>cer,mas nós não somos pais, somos professores”.Vimos anteriormente que nos séc. XVII e XVIII a Escola tinha suafunção bastante <strong>de</strong>marcada enquanto espaço público, mas a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>,com o fortalecimento do individualismo, foi trazendo <strong>para</strong> o campo educacionalas questões que antes eram da esfera privada. Qualquer dificulda<strong>de</strong> escolarera analisada do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> um fracasso pessoal do aluno, cujascausas eram rapidamente buscadas na família. Dessa forma, as fronteirasentre escola e família foram atenuando-se e hoje, quando escutamos as<strong>de</strong>mandas familiares dirigidas à Escola, <strong>de</strong>vemos ir mais além do aparentepedido que se apresenta. Os pais pe<strong>de</strong>m autorida<strong>de</strong> por parte da escola.Retomando <strong>uma</strong> das <strong>de</strong>finições <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> abordadas anteriormente, nocaso da escola: instituição <strong>de</strong> competência indiscutível em <strong>de</strong>terminado assunto.Transmitir conhecimentos, é a isso que a escola se <strong>de</strong>stina? Educarcertamente é a resposta, e educar não se reduz a transmitir conhecimentos.Em que, então, se sustenta a autorida<strong>de</strong> da Escola? Na tradição, a Escolasustentava-se na experiência, no testemunho, que lhe conferiam reconhecimento.Será muito precipitado interpretar a <strong>de</strong>manda familiar supondo o seguinteenunciado subjacente?– As mudanças que vêm acontecendo conosco (família) geraram muitaconfusão, não sabemos mais quem é o porta-voz do sistema <strong>de</strong> regras(TANIS,1998, in: pesquisa Datafolha). Vocês (Escola) não po<strong>de</strong>riam ajudar aaplacar essa confusão, não po<strong>de</strong>riam nos dizer como ser pais eficientes<strong>para</strong> nossos filhos, já que durante tanto tempo disseram que fazíamos tudoerrado?– Se não sabemos mais o que fazer, a Escola que temos no nossoimaginário, fonte do saber e da transmissão da cultura entre gerações, <strong>de</strong>vesaber. Respondam então: Como fazemos nossos filhos vestirem seus casacos?Vocês ensinaram nossos pais, e ensinaram os pais <strong>de</strong> nossos pais,por que não querem ensinar a nós e a nossos filhos? Quando eles (crianças)perguntam como fazer algo, respon<strong>de</strong>m: façam do jeito <strong>de</strong> vocês.Para o que vocês estão aqui afinal <strong>de</strong> contas?REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICACHEMAMA, Roland (org.). Dicionário <strong>de</strong> psicanálise. Tradução Francisco FrankeSettineri – Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1995.COSTA, Ana Maria Me<strong>de</strong>iros da. Autorida<strong>de</strong> e legitimida<strong>de</strong>. In : KHEL, Maria Rita.et al. Função Fraterna. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Relume D<strong>uma</strong>rá, 2000.FERREIRA, Aurélio B. H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Nova Fronteira S. A. 1986. 2 a ed. Revista e aumentada.PAULINO, Mauro Francisco. et al. Família. Pesquisa Datafolha. Jornal Folha <strong>de</strong>São Paulo, São Paulo, 20 setembro 1998. Ca<strong>de</strong>rno Especial A.56 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200257


SEÇÃO TEMÁTICAESPIG, A. S. O papel social do aluno...O PAPEL SOCIAL DO ALUNOADOLESCENTE E A FUNÇÃO DA ESCOLA 1Ana Sílvia EspigNosso interesse pelo adolescente transformou-se em reflexão e pesquisa,a partir dos trabalhos que temos <strong>de</strong>senvolvido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a nossadissertação <strong>de</strong> mestrado, fazendo confluir a prática clínica psicanalíticacom a explicitação do papel social do adolescente. O gran<strong>de</strong> <strong>para</strong>doxoque temos encontrado <strong>de</strong> contínuo é que, aos adolescentes, estão ligadasas maiores preocupações sociais – aumento da <strong>de</strong>linqüência, da violência,do uso <strong>de</strong> drogas, prostituição, a dificulda<strong>de</strong> em ter limites – e o estilo <strong>de</strong>vida do adolescente como a possibilida<strong>de</strong> da realização dos sonhos do adulto.Como a maioria dos pesquisadores sobre a adolescência, nós tambémacreditávamos conhecer o adolescente. A literatura especializada nosfazia acreditar n<strong>uma</strong> etapa pré-estabelecida da vida, com data <strong>de</strong> entrada e<strong>de</strong> saída, outorgando características variadas e previsíveis, comportamentosjustificados <strong>de</strong>vido à faixa etária, isto é, as crises e/ou conflitos apresentadoseram aceitos como sinônimos da ida<strong>de</strong>. Hoje, no entanto, a adolescêncianos parece mais <strong>uma</strong> passagem necessária e menos <strong>uma</strong> questão <strong>de</strong>ida<strong>de</strong> do que <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>.Aqui preten<strong>de</strong>mos apresentar cinco aspectos essenciais, que ocorrem<strong>de</strong> maneira integrada na vida do adolescente (e que dizem respeito aoseu papel social), que em muito nos tem ajudado a pensar o nosso tema,<strong>para</strong> chegarmos a elaborar alg<strong>uma</strong>s idéias sobre o papel do aluno adolescentee a função da escola.1. O adolescente como mo<strong>de</strong>lo social e consumidor:O adolescente passou a ter um papel forte quanto ao estabelecimentoda moda e do mercado, tornando-se mo<strong>de</strong>lo e consumidor, lançando produtose estilo <strong>de</strong> vida. Estamos em <strong>uma</strong> socieda<strong>de</strong> que toma o adolescente1Este texto foi a base <strong>para</strong> a palestra proferida no Fórum Mundial <strong>de</strong> Educação.como mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> vida, o que vem se intensificando nas últimas décadas. Poroutro lado, n<strong>uma</strong> tentativa <strong>de</strong> retardar a velhice, a adolescência tornou-se<strong>uma</strong> espécie <strong>de</strong> i<strong>de</strong>al e imperativo a ser preservado e obe<strong>de</strong>cido, tanto físicocomo psicológico. Não se aspira mais à autorida<strong>de</strong> e à sabedoria da velhice– a própria autorida<strong>de</strong> passou a ser questionada – mas a velhice é algo a serpostergado sob as vestes da eterna juventu<strong>de</strong> adolescente.Essa “cultura” adolescente, integrada à socieda<strong>de</strong> capitalista, funcionasegundo a lei do mercado, voltada <strong>para</strong> a produção e o consumo <strong>de</strong>produtos que visam realizar os <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> toda a socieda<strong>de</strong>.Neste novo cenário sociocultural, as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s não mais se organizame se configuram em torno <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ais caros à mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> tais como acidadania, mas sob o império <strong>de</strong> um novo senhor: o consumo. Nesta perspectiva,o adolescente torna-se um expoente, assumindo um lugar privilegiadocomo representante e mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> consumo a ser seguido.2. Indiferença às questões sociais:Surge <strong>uma</strong> nova imagem <strong>de</strong> cidadão, que assume comportamentosconectados mais pelo imaginário do consumo e menos pelos <strong>de</strong>sejos comunitários.Per<strong>de</strong>-se o i<strong>de</strong>al coletivo e assume-se <strong>uma</strong> postura narcísica eindividual, que por sua vez acaba por atuar como um mo<strong>de</strong>lo homogenizante.Esta nova geração não carrega sonhos <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> social, mas <strong>de</strong> bemestar individual.O posicionamento reivindicatório do adolescente, <strong>de</strong> maneira geral,<strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ter as características das reivindicações dos anos 70 e agora po<strong>de</strong>ser lido como <strong>uma</strong> tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-se <strong>de</strong> um impasse, na realida<strong>de</strong>sem buscar sua resolução, como <strong>uma</strong> posição produzida por um projetonarcisista em busca <strong>de</strong> auto-satisfação, cuja extensão social não vai alémdos amigos.3. Valorização da liberda<strong>de</strong> e dos direitos:N<strong>uma</strong> socieda<strong>de</strong> baseada na expressão e na afirmação da personalida<strong>de</strong>individual, a obrigação junto aos pais per<strong>de</strong> irremediavelmente sua for-58 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200259


SEÇÃO TEMÁTICAESPIG, A. S. O papel social do aluno...ça, cada indivíduo se reconhece livre e vive em primeiro lugar <strong>para</strong> si mesmo.Além da valorização da liberda<strong>de</strong> individual, o adolescente <strong>de</strong>ve buscar a suafelicida<strong>de</strong>, obtendo-a através da liberda<strong>de</strong>. O sacrifício <strong>de</strong> si, em benefíciodos <strong>de</strong>sejos dos pais, não tem eco no social. E os pais sentem-se frágeisdiante da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> impor obrigações, as mesmas às quais foramsubmetidos no seu próprio passado.A liberda<strong>de</strong> individual torna-se <strong>uma</strong> faca <strong>de</strong> dois gumes. Nas matériasligadas à escolha profissional, ao relacionamento afetivo e sexual, à escolha<strong>de</strong> residência, ao tipo <strong>de</strong> educação dos filhos, cada um tem que <strong>de</strong>cidir <strong>de</strong>acordo com sua liberda<strong>de</strong> e arcar sozinho pelos resultados.Na cultura individualista, se repudia a retórica do <strong>de</strong>ver e se consagramos direitos individuais, que não excluem as reivindicações intransigentes.É o privilégio da construção individual <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los éticos pelo própriosujeito que se constitui como sujeito, e on<strong>de</strong> predominam os direitos e os<strong>de</strong>veres são minimalistas.4. Necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>:Há <strong>uma</strong> tendência dos pais <strong>de</strong> não impor <strong>uma</strong> autorida<strong>de</strong> por nãomais acreditarem no seu valor. Limites tornaram-se tabus e, <strong>de</strong> algum modo,as figuras maternas e paternas acabam por se confundir ou se anular. Aautorida<strong>de</strong> do adulto tem um significado <strong>de</strong> reconhecimento <strong>para</strong> o adolescente,na medida em que o adulto ao assumir este lugar perante o adolescente,postula e reconhece sua capacida<strong>de</strong> e, mais importante ainda, a suaexistência.O que po<strong>de</strong>mos verificar, seja ao nível da pesquisa empírica, seja aonível da escuta clínica, são adolescentes abandonados sob a face dasuperproteção durante a infância, não encontrando na adolescência as imagensda Mãe autorida<strong>de</strong> envolvente e o Pai autorida<strong>de</strong> or<strong>de</strong>nadora. Em seulugar, os pais aparecem como irmãos mais velhos fragilizados. O adolescenteacaba por reivindicar este lugar <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>, seja pedindo proteção elimites, seja sob a forma nefasta da participação em grupos autoritários taiscomo se tem verificado em alguns grupos <strong>de</strong> extrema-direita.Esta mesma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconhecimento <strong>de</strong>ixa claro essa mistura<strong>de</strong> rebeldia e <strong>de</strong>pendência que vemos nos adolescentes. O adolescentepromove <strong>uma</strong> luta consigo mesmo, na tentativa <strong>de</strong> sentir-se real, a luta <strong>para</strong>estabelecer <strong>uma</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pessoal, a luta <strong>para</strong> viver o que <strong>de</strong>ve ser vividosem ter <strong>de</strong> conformar-se a um papel pré-estabelecido.5.I<strong>de</strong>ntificação entre pares:Os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação anteriormente apresentados pela famíliae pelo padrão <strong>de</strong> maturida<strong>de</strong> adulta foram transferidos <strong>para</strong> outro lugar quepo<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scartado sem culpa. Os referenciais tornam-se os próprios colegas<strong>de</strong> grupo, intercambiáveis, ou os ídolos fabricados continuamente pelaindústria cultural. Os substitutos da figura paterna, portanto, se encontramesfacelados no dia-a-dia <strong>de</strong>stes adolescentes e pouco tem a ver com o recursoà tradição ou à genealogia. Não há mais um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> vida adulta<strong>para</strong> o adolescente, mas ele próprio tornou-se um mo<strong>de</strong>lo seguido pelosadultos.O PAPEL DO ALUNO ADOLESCENTENa escola, o professor como o lugar daquele que sabe, per<strong>de</strong>u seupo<strong>de</strong>r, e contra isto os professores protestam. A escola pouco parece terevoluído nas últimas décadas e encontra-se ameaçada <strong>de</strong> ser ultrapassada.Os adolescentes, principalmente, e com o advento das tecnologias avançadas<strong>de</strong> comunicação, têm condições <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r-saber mais do que o próprioprofessor. Apren<strong>de</strong>r parece ter se tornado algo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da escola e doprofessor e cada vez é mais confusa no imaginário social a diferença entreinformação e educação.As chamadas novas tecnologias vieram <strong>para</strong> ficar e não são um modismocomo ainda insistem alguns. Elas têm quebrado <strong>para</strong>digmas, masainda não encontraram um <strong>para</strong>digma próprio, e vivem por entre adaptaçõese improvisos. Talvez, elas <strong>de</strong>ixem <strong>de</strong> ser tão interessantes e cativem menosos alunos quando começarem a ser utilizadas massivameste como recursonas escolas. Mas o que temos percebido é que elas têm aberto um universo60 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200261


SEÇÃO TEMÁTICAESPIG, A. S. O papel social do aluno...plural e heterogêneo <strong>para</strong> os alunos, universo nem mesmo sonhado pelosprofessores mais velhos quando estes eram crianças, e que esta aberturatem rompido com as barreiras impostas pelos currículos escolares. É bemprovável que, hoje, seja possível apren<strong>de</strong>r mais fora da escola do que naescola.Os educadores precisam reconhecer e mobilizar-se frente às mudançascada vez mais rápidas e a explosão <strong>de</strong> novas informações. Afirma-seque a base <strong>de</strong> informações do mundo dobra a cada cinco anos, ao mesmotempo em que elas se encontram prontamente acessíveis em bibliotecas eem recursos <strong>de</strong> multimídia. Isto é <strong>de</strong>masiado <strong>para</strong> que qualquer pessoa sefamiliarize com tudo. Ninguém precisa saber tanto a respeito <strong>de</strong> tudo. Tornou-semais importante promover a habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensar. Pensar e interagir.Isto se torna a função da educação e da aprendizagem.No caso da adolescência, pensamos que a aprendizagem do tipo sócio-afetivo<strong>de</strong>ve ser privilegiada, formalmente, frente às aprendizagenscognitivas. O discurso do adulto <strong>de</strong>ve, portanto, dar conta da formação, transmitirvalores e referências, ser um valor e referência, estruturar relações,ensinar a sonhar. O professor não necessita i<strong>de</strong>ntificar-se com o aluno, agire pensar como seus alunos – como temos verificado através das queixas <strong>de</strong>adolescentes – mas ele tem que ocupar este lugar <strong>de</strong> professor.O adolescente busca nos adultos <strong>uma</strong> sincronia entre a fala e a ação.Na medida em que as regras existentes não são seguidas pelos professorescomo cobrá-las dos alunos? Neste contexto, o direito à confusão, ou aonomeado “<strong>de</strong>sinteresse” presente nas avaliações docentes, torna-se compreensível.O maior entrave <strong>para</strong> a educação, a causa do mal existente na educação,é buscada, geralmente, num lugar em que ela não se encontra, porqueenquanto se buscam fórmulas e mé<strong>todos</strong> pedagógicos melhores, disfarçamosa tragédia <strong>de</strong> um corpo discente que não quer mais exercer seu ofícionem ocupar seu lugar.Ora, na medida em que o adolescente encontra fora da escola espaços<strong>de</strong> aprendizagem com os quais se i<strong>de</strong>ntifica mais, o espaço da escolaganha outro sentido na vida do adolescente. Cabe, então, ao adulto trabalhareste novo sentido. Diante da pergunta pelo sentido da escola na vida doadolescente, ficamos com <strong>uma</strong> tentativa <strong>de</strong> resposta que se esvai na própriadúvida.62 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200263


SEÇÃO DEBATESKESSLER, C. H. Entre a esperança...ENTRE A ESPERANÇA E A FRUSTRAÇÃOCarlos Henrique KesslerNão trarei propriamente o texto apresentado durante o painel proposto<strong>para</strong> o Fórum Mundial <strong>de</strong> Educação, <strong>uma</strong> vez que o argumento que<strong>para</strong> lá levei foi já publicado na revista nº 16 da <strong>APPOA</strong>. Achei que aproposta que fizera do “professor como agente/agitador cultural” seria pertinente<strong>para</strong> o Fórum, que possuía como subtítulo “A educação em um mundoglobalizado”. Confesso que tinha <strong>uma</strong> certa curiosida<strong>de</strong> sobre a possívelacolhida que ela po<strong>de</strong>ria ter, como provocação que é. Cabe apenas <strong>de</strong>stacarque, talvez por que se tratava <strong>de</strong> um encontro <strong>de</strong> professores, busquei sintetizara idéia através <strong>de</strong> <strong>uma</strong> fórmula, evocando aquelas que se estuda emmatemática no 2º grau:∃ x / x ∈ {professores} ⇔ x ∈ {professores}, x ≡ “agitador cultural”(Ou seja: existe x, tal que x pertence ao conjunto dos professores, se e somentese, <strong>para</strong> todo x pertencente ao conjunto dos professores, x é idêntico a “agitadorcultural”)Sendo assim que, apenas na medida em que o professor não se tomecomo um burocrata dos conteúdos, mas como alguém que busca ampliar ointeresse e o campo da cultura, é que ele terá <strong>uma</strong> chance <strong>de</strong> ser levado emconsi<strong>de</strong>ração por seus alunos e então conseguir ensinar, mesmo que sejaaquele “seu conteúdo”. Mas que educar, certamente, vai bem além disto.Não vou me esten<strong>de</strong>r novamente sobre o assunto, quem por ventura tivercuriosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acompanhar como chego aí, remeto ao texto referido, on<strong>de</strong>os <strong>de</strong>sdobramentos mínimos foram feitos.Penso ser oportuno, cumprindo <strong>de</strong> certa forma minha função <strong>de</strong> <strong>de</strong>legadoda Associação, tecer alguns comentários, compartilhando alg<strong>uma</strong>simpressões surgidas durante o acompanhamento do evento com os <strong>de</strong>maisinteressados pelo que ali se passou.Esperança e frustração. Estas foram as palavras que me ocorreramna noite do dia 24 <strong>de</strong> Outubro, durante a abertura do Fórum Mundial daEducação, ocorrida em um Gigantinho superlotado <strong>de</strong> educadores e correlatos.Entrevia-se, <strong>de</strong>ntre os passantes, <strong>uma</strong> categoria sofrida, mas esperançosa,como que em busca <strong>de</strong> reconhecimento. Cena que, <strong>de</strong> certa forma, não éinédita, pelo contrário, já é quase praxe os ginásios e auditórios lotados emeventos <strong>de</strong> educação, parecendo com um formigueiro h<strong>uma</strong>no. Nota-se <strong>de</strong>stamaneira que os educadores se movimentam em busca <strong>de</strong> supostas referências<strong>de</strong> como melhor <strong>de</strong>senvolver seu trabalho. Este evento, <strong>de</strong>sdobramentodo Fórum Social Mundial (Um Outro Mundo é Possível), mesmo quefazendo parte da série, parecia-me estar em um lugar especial.Destaco dois momentos que foram particularmente tocantes e quepo<strong>de</strong>m auxiliar a perceber o que quero apontar:1º) Na abertura, se apresenta um grupo <strong>de</strong> dança, constituído das“crianças <strong>de</strong> <strong>uma</strong> escola <strong>para</strong> as classes populares”. Passada a músicaerudita <strong>de</strong> praxe, se <strong>de</strong>staca <strong>uma</strong> dançarina, sambando, sorriso aberto, revelando-sehábil passista, com <strong>uma</strong> vivacida<strong>de</strong> realmente impressionante. Seguea apresentação até quando o grupo todo, envolvendo muitos dos queestavam nas arquibancadas, dançam e cantam o “viver é não ter a vergonha<strong>de</strong> ser feliz”, <strong>de</strong> Gonzaguinha;2º) É feita a proposta da biblioteca dos povos. Cada participante, emtese <strong>de</strong> diversos lugares do mundo, é instado a doar um livro, sendo evocadoo espírito da biblioteca universal <strong>de</strong> Alexandria. São feitas várias doações notranscorrer do fórum (evi<strong>de</strong>ntemente também doamos alg<strong>uma</strong>s publicaçõesda <strong>APPOA</strong>). Cabe <strong>de</strong>stacar a doação inaugural – o manuscrito original <strong>de</strong>“Pedagogia do Oprimido” (in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da maior ou menor simpatiateórica as teses propostas na obra, isso indica que Paulo Freire teria conseguidotransmitir aos seus her<strong>de</strong>iros, as condições <strong>de</strong> perceber a dimensãoda aposta que se coloca).Diria que por aí, então, surgiu a inexorável ligação que a educaçãotem com os i<strong>de</strong>ais e com a utopia. I<strong>de</strong>ais relativos a um vir-a-ser; i<strong>de</strong>ais aserem resgatados daquilo que a h<strong>uma</strong>nida<strong>de</strong> construiu em seus milênios <strong>de</strong>64 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200265


SEÇÃO DEBATESKESSLER, C. H. Entre a esperança...existência. Certamente isso já tinha sido lido, escutado, pensado, seja porfontes psicanalíticas ou pedagógicas. Mas, neste momento, tomou <strong>uma</strong> dimensãodistinta, com <strong>uma</strong> consistência até então inédita.Freud, e sua já batida afirmação da “Educação impossível”, apontava<strong>para</strong> isto. Eis que agora estávamos diante <strong>de</strong> um evento em que esta se uniaa outro impossível freudiano, a política. Bem, e acrescentamos também ali o3º impossível freudiano, <strong>uma</strong> vez que estávamos presentes na condição <strong>de</strong>integrantes <strong>de</strong> <strong>uma</strong> instituição psicanalítica. Seria <strong>de</strong> se perguntar que operaçãopreten<strong>de</strong>ríamos produzir neste fórum? Que fazer com um triplo impossível?Cabe aqui <strong>uma</strong> lembrança, que marcou o então pequeno aluno Sartre(vi<strong>de</strong> “As Palavras”) confrontado à estratégia/postulado/invenção dos matemáticos<strong>para</strong> resolver um cálculo impossível. Mesmo elemento, aliás, queLacan veio a recorrer buscando dar conta do traço unário. Proce<strong>de</strong>m a arbitragemdo “número imaginário”, que seria aquele número que, multiplicadopor ele mesmo (como <strong>todos</strong> sabem, “menos com menos dá mais”), resultariaem -1 (don<strong>de</strong> i = √⎺⎺-1). Condição que é indispensável <strong>para</strong> que se consigaconstruir pontes, sobre as quais passam pessoas, carros, trens. Criandocaminhos e, portanto, ligando lugares antes impossíveis <strong>de</strong> serem transpostos.Provavelmente também <strong>para</strong> que se construam arquibancadas e ginásioscomo aquele on<strong>de</strong> ocorreu o FME. Sólidas construções que, <strong>para</strong> serempossíveis, precisam ser erigidas sobre um número que não existe!Assim, se <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ais é que se constitui a matéria prima com a qual oeducador trabalha, bem como se este é o combustível que o move e por aíele é enganchado, po<strong>de</strong>-se talvez vislumbrar o porquê esta categoria se apresentasofrida, mas que ao mesmo tempo insiste, não se abate/não <strong>de</strong>siste.Apenas que não seria <strong>de</strong>mais se os professores, mesmo sabendo que precisamsempre ir em busca do i<strong>de</strong>al, tivessem presente que nunca irão encontrálosenquanto tais, eventualmente, num relance ou por seus efeitos.Esse, talvez, o sentimento <strong>de</strong>spertado no FME. Pois se educaçãoremete a impossíveis, é na direção em que as utopias (“não lugares” queservem <strong>de</strong> referência), os i<strong>de</strong>ais o são. O que então já estava aí, mas que se<strong>de</strong>sencobriu é que o material com que a educação efetivamente trabalha sãoou <strong>de</strong>veriam ser os i<strong>de</strong>ais, que norteiam nossa existência e que sãoconstitutivos <strong>de</strong> nossa(s) subjetivida<strong>de</strong>(s). Voltaria a minha proposição inicial,aquela que retomei na mesa proposta pela Associação, pois a “matéria”,o “conteúdo”, seja do ensino, ou mais precisamente da educação, não seriaa ortografia, a álgebra, a análise sintática. Isso po<strong>de</strong> até vir “a mais”, mesmoque pragmaticamente possibilite concretizar os prédios e <strong>de</strong>mais construçõesque a h<strong>uma</strong>nida<strong>de</strong> tem produzido. Por aí, nada mais a<strong>de</strong>quado queeste fórum, <strong>uma</strong> aposta no processo civilizatório. Uma outra via, tivemos<strong>uma</strong> <strong>de</strong>monstração a 11 <strong>de</strong> setembro, é a do obscurantismo.Nota final quanto a babel dos trabalhos, que infelizmente se realizou.Todos falando ao mesmo tempo, sem se escutar, <strong>uma</strong> vez que ficou reservadoapenas um turno <strong>para</strong> apresentação <strong>de</strong> trabalhos propostos por aquelesque não fossem os conferencistas/painelistas escolhidos pela organizaçãocentralizada. Há muito a ser feito. Voltamos às utopias.66 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200267


SEÇÃO DEBATESRICKES, S. M. Alg<strong>uma</strong>s impressões sobre...ALGUMAS IMPRESSÕES SOBREO FÓRUM MUNDIAL DE EDUCAÇÃOSimone Moschen RickesDurante quatro dias, Porto Alegre viveu clima <strong>de</strong> cida<strong>de</strong> cosmopolita,abrigando pessoas <strong>de</strong> vários estados e países, dispostas a pensar aEducação como um bem público. Começamos a aquecer os motores<strong>para</strong> a segunda edição do Fórum Social Mundial, que terá início no final<strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2002. Aliás, a iniciativa do Fórum Mundial <strong>de</strong> Educação foimotivada pelo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> dar lugar a algo que pareceu, a muitos, não terrecebido a necessária atenção durante o primeiro FSM. Objetivou-se fazertrabalhar algo que restou como <strong>uma</strong> lacuna, ao mesmo tempo que lançar esubsidiar novos <strong>de</strong>bates que po<strong>de</strong>rão encontrar um segundo tempo <strong>de</strong> elaboraçãoem janeiro.As críticas a <strong>uma</strong> Educação tecnocrática e mercantilista, voltada unicamente<strong>para</strong> as necessida<strong>de</strong>s do mercado perpassaram o encontro. Dentro <strong>de</strong>staperspectiva, a escola tem se direcionado no sentido <strong>de</strong> instrumentalizar, cadavez mais, os indivíduos <strong>para</strong> aten<strong>de</strong>r as <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> dito mercado. Esqueceseque a própria <strong>de</strong>manda é algo que <strong>de</strong>riva da posição que a palavra ocupa,que ela não é um jacaré perene, <strong>de</strong> boca aberta, disposto a abocanhar o quelhe venha pela frente. Não é <strong>de</strong> se estranhar que a política <strong>de</strong> investimentos doBanco Mundial e do BID <strong>para</strong> a América Latina e outros países, ditos em<strong>de</strong>senvolvimento, seja a <strong>de</strong> incentivar e investir na Educação Básica. EducaçãoBásica <strong>para</strong> aten<strong>de</strong>r às expectativas dos mercados. Ao contrário, nos países ditos<strong>de</strong>senvolvidos, a Educação Secundária e Superior recebe investimentos maciços.Na perspectiva <strong>de</strong> <strong>uma</strong> política <strong>de</strong> Educação Básica, vemos a escolacada vez mais reduzir o espaço <strong>para</strong> aquilo que não <strong>de</strong>monstra utilida<strong>de</strong>direta na formação profissional, – básica, frisemos. Os espaços <strong>para</strong> a poesia,a arte, a filosofia, a literatura diminuíram a olhos vistos nos últimosanos, chegando, em alg<strong>uma</strong>s escolas, à extinção. São disciplinas que nãosão <strong>de</strong>cisivas na hora do vestibular.Não nos admira que, cada vez mais, recebamos em nossos consultórioscrianças e adolescentes que resistem às proposições escolares com oargumento <strong>de</strong> que não vão usar isso em sua vida profissional. “Para quêapren<strong>de</strong>r história, eu quero mesmo é ser administrador, não vou usar isso nomeu trabalho”, dizia um adolescente cursando o primeiro ano do segundograu. O absurdo <strong>de</strong> seu próprio argumento, que <strong>uma</strong> vez examinado internamentenão se sustenta, pelo simples fato <strong>de</strong> que os processos históricostem laço direto com as modalida<strong>de</strong>s administrativas, po<strong>de</strong> nos fazer tomá-locomo <strong>uma</strong> <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> algo, muito mais extenso do que aquilo que a<strong>de</strong>ntrao cotidiano escolar: nossa impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar lugar àquilo que, num primeiromomento, não se mostre útil aos objetivos produtivos. Ocupados queestivemos com o tema do luto durante este ano que passou, pu<strong>de</strong>mos constatare <strong>de</strong>sdobrar as conseqüências <strong>de</strong> um estreitamento do tempo, muitasvezes chegando a sua anulação, <strong>de</strong>dicado a este trabalho. A utilida<strong>de</strong> emtermos da produção dos objetos é argumento conclusivo e suficiente <strong>para</strong>que se <strong>de</strong>cida por <strong>uma</strong> coisa e não por outra.Como forma <strong>de</strong> incluir <strong>uma</strong> diferença nesta proposição, a da utilida<strong>de</strong>, oFórum foi unânime: é preciso ser intransigente no que se refere a não tomar aEducação <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>uma</strong> perspectiva custo/benefício. A Educação precisa serpensada fora <strong>de</strong> um sentido <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong>, precisa ser <strong>de</strong>salojada <strong>de</strong>ste lugar.A experiência que tivemos no Fórum, em muitos momentos comovente,<strong>de</strong> assistirmos a alunos, em sua maioria <strong>de</strong> escolas públicas, nas apresentaçõesque abriam os momentos <strong>de</strong> trabalho, inclui-se <strong>de</strong> forma inelutávelnesta perspectiva. Na verda<strong>de</strong>, penso que esta divisão apresentação dosalunos/trabalho dos conferencistas é falsa, pois, ao assistirmos os alunos,experienciávamos os efeitos <strong>de</strong> <strong>uma</strong> Educação cujo fim primeiro não é aprodução do útil. Uma Educação que possibilita, a cada <strong>uma</strong> das crianças,tomar a palavra, expressando-se através da dança e da música. Creio que ainclusão dos pequenos e dos adolescentes em <strong>uma</strong> condição <strong>de</strong> fala, <strong>de</strong> dara ver sua a produção com o efeito <strong>de</strong> reconhecimento que disto <strong>de</strong>rivou, foium dos pontos altos do trabalho.A cada gran<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> – as conferências aconteceram no Gigantinhoe as mesas simultâneas em locais como o salão <strong>de</strong> Atos da UFRGS ou68 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200269


SEÇÃO DEBATESRICKES, S. M. Alg<strong>uma</strong>s impressões sobre...Auditório Araújo Viana – as crianças se apresentavam dançando, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> oballet clássico até o contemporâneo. Nesses momentos, entusiasmavam opúblico que, não raras vezes, acompanhou o espetáculo <strong>de</strong> pé, dançandoou, ainda, aplaudindo efusivamente. Aplauso que creio se dirigia não só aomomento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> beleza, mas à esperança que com estes trabalhos se(re)fundava. A esperança <strong>de</strong> <strong>uma</strong> Educação que tome a formação profissionalcomo <strong>uma</strong> conseqüência e não como um fim em si. Esperança que caimuito bem com aquilo <strong>de</strong> que <strong>uma</strong> Educação se sustenta: <strong>uma</strong> aposta.As apresentações dos meninos e meninas, em essência singelas,po<strong>de</strong>m também nos fazer redimensionar a i<strong>de</strong>alização que, em muitas discussões,tem o efeito <strong>de</strong> produzir <strong>uma</strong> <strong>para</strong>lisia e não um relançamento dopercurso. Aquilo que se constitui como um horizonte <strong>de</strong> trabalho i<strong>de</strong>al, umtempo em que investimentos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte seriam feitos na Educação, emque professores teriam sua ativida<strong>de</strong> valorizada e bem remunerada, em queos currículos não mais respon<strong>de</strong>riam exclusivamente às <strong>de</strong>mandas do mercado,mas apostariam na formação total das crianças – o total aqui tem seupeso –, po<strong>de</strong> cair como <strong>uma</strong> bigorna sobre a cabeça dos que se ocupamcom a Educação, tornando qualquer iniciativa muito menor do que aquilo quese quer alcançar, transformando qualquer iniciativa em um passo inútil frenteao po<strong>de</strong>rio dos interesses macro-econômicos, que ditam o compasso <strong>de</strong>nossas vidas. Mas não é justamente disso que se trata, <strong>de</strong> não pautar osatos por sua utilida<strong>de</strong>, nem mesmo que seja a <strong>de</strong> finalmente alcançar oobjetivo <strong>de</strong> <strong>uma</strong> educação global? Trata-se <strong>de</strong> cindir o global, <strong>de</strong> macular ototal, <strong>de</strong> redimensionar o i<strong>de</strong>al como aquilo que constitui um horizonte inatingível,<strong>uma</strong> bússola a orientar nossos passos, e não <strong>uma</strong> imagem a qual ouestamos colados ou não valemos nada, ou triunfamos cruzando o ponto <strong>de</strong>chegada ou nada que façamos tem sentido. Trata-se, no vernáculo psicanalítico,<strong>de</strong> fazer com que as propostas operem como i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> eu e não como<strong>de</strong> eu i<strong>de</strong>al.O encontro <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> educadores no Fórum – quinze mil –, talveztenha sido um momento <strong>de</strong> refundar <strong>uma</strong> aposta. A aposta <strong>de</strong> que ummundo mais solidário é possível e <strong>de</strong> que a Educação tem aí seu papel.Papel que hoje se mostra atravessado por um impossível <strong>de</strong> difícil <strong>de</strong>sdobra-mento. Impossíveis sempre fizeram parte da Educação, não foi à toa queFreud a tomou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> esta perspectiva. Hoje, aos impossíveis que habitam ocotidiano <strong>de</strong>ste campo, agregou-se mais um: à escola se <strong>de</strong>manda que incluaaqueles que a socieda<strong>de</strong> e o mercado acabam por excluir. É a escolaquem diz a seu aluno: “te esforça e triunfarás”, te esforça pois, ao fim e aocabo, receberás tua recompensa. Porém, na vida, as crianças e os adolescentesse encontram com situações em que “apren<strong>de</strong>m” que <strong>de</strong>vem tomar<strong>para</strong> si o que pu<strong>de</strong>rem, pois, se não o fizerem, nada lhes será dado. A escolape<strong>de</strong> à criança que abandone a lógica do mundo lá fora, ofertando-lhe umoutro horizonte que não po<strong>de</strong> sustentar. Um horizonte que, mais do que nãopo<strong>de</strong>r sustentar, não se materializa nem mesmo <strong>para</strong> os seus professores,tão <strong>de</strong>svalidos que estão em sua autorida<strong>de</strong>, ou ainda em seu po<strong>de</strong>r econômico.Esta mensagem que se apresenta quase como <strong>uma</strong> recusa –verleugnung –, na medida em que vela aquilo que <strong>todos</strong> testemunham, temcomo um dos seus efeitos a violência que se observa contra a própria escola.Violência que expressa a indignação compartilhada pelo engodo veiculadona promessa <strong>de</strong> um futuro triunfante.A última conferência do Fórum foi aberta por um grupo <strong>de</strong> jovens <strong>de</strong>São Paulo que, em sua apresentação, fizeram questão <strong>de</strong> <strong>de</strong>nominar-secomo habitando a periferia. Em suas músicas cantavam seu cotidiano <strong>de</strong>discriminação. Traziam à dimensão da palavra as agruras do dia-a-dia naperiferia. A opção por esse não apagamento das experiências, bem como dapertença – são, como dizem, jovens da periferia – mas, ao contrário, por<strong>de</strong>sdobrar meios <strong>de</strong> simbolização das mesmas através da música, atualiza<strong>uma</strong> posição contrária a da recusa, contrária a da servilida<strong>de</strong> à república doútil.Nessa mesma esteira trilhou o trabalho, que alguns tiveram o prazer<strong>de</strong> testemunhar no Primeiro Fórum Social Mundial, apresentado por EsmeraldaOrtiz, que durante aquele encontro foi chamada a falar sobre sua experiência<strong>de</strong> escrita que redundou na publicação <strong>de</strong> um livro em que testemunha<strong>de</strong> sua trajetória <strong>de</strong> menina <strong>de</strong> rua. Escrita que, segundo ela, possibilitou-lhe<strong>uma</strong> outra saída que não a da vida, na medida em que não lhe impingiu70 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200271


SEÇÃO DEBATESCUMIOTTO, C. R. Uma escuta analítica...a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recalcar sua experiência, mas, ao contrário, permitiuinscrevê-la escrevendo-a.Quanto ao lugar do inútil, da sua centralida<strong>de</strong> em nossa h<strong>uma</strong>nização,a Psicanálise tem muito a dizer. Quem sabe não possa ser essa <strong>uma</strong> dasvias <strong>de</strong> nossa contribuição neste processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> <strong>uma</strong> Educação<strong>para</strong> um mundo mais solidário.“UMA ESCUTA ANALÍTICAEM UMA INSTITUIÇÃO ESCOLAR”Carla Regina CumiottoNa travessia <strong>de</strong> um trabalho institucional, nos primeiros contatos écomum a instituição (normalmente representada pela diretora), nosperguntar: “Qual é a sua linha?, Qual a sua técnica <strong>de</strong> trabalho?”E, ao respon<strong>de</strong>rmos que nossa linha <strong>de</strong> trabalho é a linha da escuta(<strong>de</strong>slizando o significante “linha” – linha <strong>de</strong> costurar, “costurar” as ca<strong>de</strong>iassignificantes que representam esta escola, linha telefônica, estabelecer <strong>uma</strong>linha <strong>de</strong> transferência com esta escola...), inúmeras vezes, recebemos comoretorno a seguinte pergunta: “Mas, como é escutar? Que efeitos esta escutapo<strong>de</strong> trazer <strong>para</strong> o nosso trabalho?”Enten<strong>de</strong>mos que a escola tem razão em nos perguntar sobre o quefaremos a partir das queixas e do não aprendizado <strong>de</strong> seus alunos, dosprofessores <strong>de</strong>scontentes, dos relatos <strong>de</strong> alunos agressivos, e que garantiaspo<strong>de</strong>mos dar a ela que nosso trabalho trará efeitos no que está interessada,ou seja, no processo <strong>de</strong> ensino e aprendizagem. E o nosso lugar é o <strong>de</strong>po<strong>de</strong>r escutar esta <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> garantias e promessas, mas não respon<strong>de</strong>rpor esta via, ou seja, é preciso acolher a <strong>de</strong>manda sem atendê-la.É necessário situar ainda, que enten<strong>de</strong>mos a escola não como <strong>uma</strong>instituição abstrata, ou como um papel i<strong>de</strong>ológico do Estado, e sim, comoum conjunto <strong>de</strong> significantes que falam da subjetivida<strong>de</strong> da mesma, on<strong>de</strong> osprofessores, os pais, as crianças se fazem representantes <strong>de</strong>stessignificantes. Quando estes significantes se sintomatizam, a escola sofre, ea partir <strong>de</strong> seus sofrimentos e queixas, sempre singulares, é que somosconvocados a intervir. E, <strong>uma</strong> das especificida<strong>de</strong>s do lugar do psicanalistaestá na posição <strong>de</strong> ignorância que ele se coloca diante do que faz verda<strong>de</strong>iramentea escola sofrer, ou seja, tomamos o sofrimento como um significante,algo que só teremos notícia, quando este fizer ca<strong>de</strong>ia e se articular comoutros significantes, outras representações.72 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200273


SEÇÃO DEBATESCUMIOTTO, C. R. Uma escuta analítica...Em nossa prática, po<strong>de</strong>mos constatar a existência <strong>de</strong> significantesfundadores que <strong>de</strong>terminaram o modo <strong>de</strong> subjetivação, o modo do fazerpedagógico<strong>de</strong>sta escola.Para ilustrar a forma como estas construções vão se <strong>de</strong>lineando noespaço escolar, relataremos <strong>uma</strong> experiência em <strong>uma</strong> escola on<strong>de</strong>, na implantação<strong>de</strong> seu projeto, houve toda <strong>uma</strong> i<strong>de</strong>alização <strong>de</strong> que esta escolaseria a melhor, a mais completa da cida<strong>de</strong>. Na época <strong>de</strong> sua implantação,muitas reuniões foram realizadas com a comunida<strong>de</strong> que iria ser atendidapor esta instituição, além do oferecimento <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong> treinamento <strong>para</strong>professores, recursos materiais e técnicos à disposição assim como <strong>uma</strong>excelente estrutura física. A i<strong>de</strong>alização em relação a esta escola apareciano discurso político e social, sob a forma: “A escola que viria dar segurançae alimentação aos filhos <strong>de</strong> pais trabalhadores”. E ao longo do trabalho,po<strong>de</strong>mos constatar que um dos significantes fundadores <strong>de</strong>sta escola era aalimentação, on<strong>de</strong> o discurso emitido pelos i<strong>de</strong>alizadores da mesma (ospolíticos, os pedagogos), fez eco, fez ca<strong>de</strong>ia, discurso que aparecia da seguintemaneira: “A primeira tarefa pedagógica <strong>de</strong>sta escola é a alimentação”,ou “saco vazio não <strong>para</strong> em pé”. Embora tais discursos sejam comuns emnosso país, no que se refere às políticas públicas educacionais, aqui preten<strong>de</strong>mosnos ater às particularida<strong>de</strong>s do discurso <strong>de</strong>sta escola, e como esteproduziu efeitos <strong>de</strong>terminantes na sua prática pedagógica referente.Por significantes fundadores, enten<strong>de</strong>mos ser aquilo que aliado a outrossignificantes, constituíram, subjetivaram esta escola, ou seja, há algoda re<strong>de</strong> simbólica que vai além da boa intenção, do conhecimento teórico edidático dos educadores e que <strong>de</strong>termina o seu fazer pedagógico.Nos interessa investigar, como estes significantes fundadores pre<strong>para</strong>ramo campo <strong>de</strong> seus futuros sintomas; sem é claro, que os professores<strong>de</strong>sta instituição se <strong>de</strong>ssem conta. É interessante situar que quando fuichamada a intervir, dois anos após a implantação <strong>de</strong>sta unida<strong>de</strong> escolar, jáhavia um mal estar em relação ao nível <strong>de</strong> aprendizagem, on<strong>de</strong> os pedagogosse perguntavam: “Mas como que nossa escola, possuindo <strong>todos</strong> os equipamentos,profissionais e especialistas, possui um nível <strong>de</strong> aprendizagem atémais baixo do que as outras?” Será que é culpa dos pais, que não incentivaramas crianças a estudar? Para não falar dos esforços pedagógicos (mé<strong>todos</strong>,diferentes técnicas motivacionais, seleção dos estímulos mais favoráveis...)Somente no <strong>de</strong>correr do trabalho com toda a escola, é que pu<strong>de</strong>mosescutar que esse sintoma (a não aprendizagem), revelava a verda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssaescola. É claro que o objetivo daqueles que a i<strong>de</strong>alizaram ou ali trabalharam,não era apenas a alimentação, mas, a repetição do significante alimentaçãofoi fazendo ca<strong>de</strong>ia, a ponto <strong>de</strong> fazer obstáculo à tarefa <strong>de</strong> aprendizagem, àrevelia do <strong>de</strong>sejo e das boas intenções das pessoas envolvidas.Este significante “alimentação” foi sendo “pescado”, nos seus retornosem diferentes situações, tais como: aniversários, trabalhos escolares ouem momentos informais, on<strong>de</strong> as crianças diziam: “Nossa escola é bonita etem comida boa”. E nos grupos <strong>de</strong> trabalho com professores, o significantealimentação aparecia em forma <strong>de</strong> queixa: “Parece que os alunos vêm aquisó <strong>para</strong> comer”.Queixa esta que retornava nas entrevistas com os pais e <strong>de</strong> tantorepetir, os professores se <strong>de</strong>ram conta do quanto este lugar da escola comoum lugar <strong>para</strong> comer insistia, e se propuseram a trabalhar o discurso tãoemitido pelos políticos, técnicos e i<strong>de</strong>alizadores <strong>de</strong>sta escola: “Saco vazionão <strong>para</strong> em pé!”, o que ao longo do trabalho, culminou em um semináriointerno, on<strong>de</strong> os professores convidaram os políticos, os pais e a comunida<strong>de</strong><strong>para</strong> discutirem os efeitos <strong>de</strong>ste significante imperativo na escola, propondoa seguinte reflexão: “Se saco vazio não <strong>para</strong> em pé, saco cheio tambémnão anda!”. Tal apontamento visava alertar que <strong>para</strong> o sujeito, <strong>para</strong> oapren<strong>de</strong>nte, não basta só comer, ele tem outras necessida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>sejos.A partir <strong>de</strong>stas produções, buscou-se um novo posicionamento frenteàs aprendizagens naquela escola; manteve-se o grupo <strong>de</strong> discussões, masos efeitos <strong>de</strong>sse significantes continuam até hoje, e o que mudou foi a relaçãoda comunida<strong>de</strong> escolar em relação a esse significante.Dessa forma, o trabalho da Psicanálise na escola vem apontar a existência<strong>de</strong> algo – o inconsciente – que vem ultrapassar a boa vonta<strong>de</strong> dospartícipes do processo ensino-aprendizagem, e se intrometer no planeja-74 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200275


SEÇÃO DEBATESRESENHAEm “História da infância sem fim”, obranascida <strong>de</strong> sua tese <strong>de</strong> doutorado emEducação, Sandra Corazza combina<strong>uma</strong> pesquisa <strong>de</strong> ampla extensão com <strong>uma</strong>reflexão consistente e rigorosa. Ao longo dotexto, somos convidados a percorrer com <strong>de</strong>talhediversos territórios que compõe os discursosa respeito da criança, da infância e dainfantilida<strong>de</strong>. Pouco a pouco, vemos <strong>de</strong>senrolar-se,através das páginas, a história das relações<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r-saber e das formas <strong>de</strong> subjetivação do modo mo<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> serinfantil.Para trabalhar estas questões, a autora utiliza como instrumental teóricoa “caixa <strong>de</strong> ferramentas” produzida por Michel Foucault e selecionacomo coor<strong>de</strong>nadas <strong>para</strong> orientar seu estudo as noções <strong>de</strong> dispositivo e <strong>de</strong>história do presente. Com esta última, diferencia-se das monótonas versõesda história que Foucault chamava <strong>de</strong> “histórias dos historiadores”, procurandoprivilegiar a problematização da singularida<strong>de</strong> dos acontecimentos, suas<strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>s e rupturas <strong>para</strong> configurar o “dispositivo <strong>de</strong> infantilida<strong>de</strong>”,consi<strong>de</strong>rado como um dos dispositivos concretos da história genealógica dosujeito oci<strong>de</strong>ntal.Ao contar esta história, a autora <strong>de</strong>limita o aparecimento do “infantil”na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, a partir das modificações operadas no campo das representações.À medida em que se <strong>de</strong>scobriu limitado pela morte, pelo tempo epela contingência, o h<strong>uma</strong>no encontrou na figura da criança <strong>uma</strong> base <strong>para</strong>perpetuar seu sonho <strong>de</strong> infinitu<strong>de</strong> e fazer um <strong>de</strong>svio em relação ao “nada” <strong>de</strong>sua existência. Nesse contexto, a pedagogia e as instituições escolarespassaram a <strong>de</strong>limitar um mundo à parte <strong>para</strong> as crianças, no qual elas estamentodas aulas, no rendimento e nos i<strong>de</strong>ais comportamentais, almejadospelo professor e pelo aluno.E a cada escola, a cada trabalho, é nossa escuta que colocamos àdisposição. Através da transferência a ser construída passo a passo e mantidaao longo do trabalho, nosso objetivo é permitir que as associações, as representaçõesquanto ao fazer pedagógico <strong>de</strong> cada escola emerjam. Nossa escutase dirige sobre o discurso da escola, sobre o seu mal estar, abrindo aqueixa, escutando o gozo que acompanha esta queixa, construindo saberespróximos à verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada sujeito envolvido no fazer pedagógico <strong>de</strong> <strong>uma</strong><strong>de</strong>terminada escola.Se a aplicação da Psicanálise à Pedagogia (ou vice-versa) não é possível,estamos certos <strong>de</strong> que é possível em escuta analítica do espaço escolar,enten<strong>de</strong>ndo que <strong>uma</strong> escola estás tramada n<strong>uma</strong> re<strong>de</strong> simbólica <strong>de</strong> representações,significantes fundadores, dos quais professores e os pais,querendo ou não serão representantes, havendo aí um espaço <strong>de</strong> intervenção.Quanto aos efeitos <strong>de</strong>ssa intervenção – a especificida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>uma</strong> escutaanalítica a <strong>uma</strong> instituição – quanto ao fenômeno transferencial e o se<strong>uma</strong>nejo no trabalho com grupos <strong>de</strong> professores, quanto ao inconsciente comoalgo particular e <strong>de</strong> como tomá-lo num grupo são questões que permanecem<strong>para</strong> serem aprofundadas num outro momento, pois consi<strong>de</strong>ramos o trabalhoda psicanálise em instituições escolares <strong>uma</strong> intervenção ainda incipientee tímida nas suas elaborações e nos seus efeitos.HISTÓRIA DA INFÂNCIA SEM FIMCORAZZA, Sandra Mara. História da Infância sem Fim.Ijuí, Editora UNIJUÍ, 2000, 392 p.76 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200277


RESENHARESENHAriam isoladas e protegidas dos conflitos da vida dos adultos.Atualmente, tem-se falado do “fim da infância”: diz-se que a infânciavem se per<strong>de</strong>ndo, que as crianças têm sido tratadas como adultos e que asocieda<strong>de</strong> tem roubado sua possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser infantil. Este fim apareceassociado à privação da educação escolar e a escolarização é apontadacomo um dos remédios <strong>para</strong> a perda da infância, cujo efeito seria <strong>uma</strong> “infância-sem-fim”.Assim, a Educação aparece como um dispositivo social que,ao mesmo tempo que constitui a infância, é <strong>uma</strong> das únicas salvaguardascontra sua morte anunciada.O relato da autora sobre esta história da infância-sem-fim percorrediversos caminhos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as antigas práticas <strong>de</strong> infanticídio, passando pelaexposição das crianças, até a exposição na Roda. Este último mecanismo,em que as crianças eram <strong>de</strong>positadas e recolhidas em instituições, permitiuracionalizar, or<strong>de</strong>nar e centralizar a antiga prática <strong>de</strong> exposição indiscriminada.Tanto as práticas <strong>de</strong> salvar as crianças “expostas” pelo recolhimento nasruas, no século XVII, quanto através da Roda, no século XVIII, <strong>de</strong>ram lugar,nos séculos XIX e XX, às práticas <strong>de</strong> educação, as quais implicavam, também,na “salvação”, disciplina e regulamentação das crianças.Ao longo do livro, vamos acompanhando como o corpo infantil foi sendogradualmente marcado <strong>de</strong> história, precipitando significações que atravessarame atravessam a noção <strong>de</strong> infância: <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, servil, insignificante,pura, inocente, sagrada, louca, doente, primitiva, adulta.A autora também sublinha o caráter constituinte que a escolarizaçãoabrangente da socieda<strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntal teve em relação à infância. Ao analisaras idéias <strong>de</strong> outros autores a este respeito, <strong>de</strong>monstra que, com a invençãoda imprensa, por Gutmberg, em 1450, e com o surgimento da necessida<strong>de</strong>social <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r a ler e a escrever, é criada <strong>uma</strong> nova <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> adultez,baseada na capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ler, e também <strong>de</strong> infância, baseada na incapacida<strong>de</strong><strong>de</strong> fazê-lo.. Assim, os adultos passam a ter acesso a um meio <strong>de</strong>informação inacessível às crianças.Porém, com o surgimento <strong>de</strong> novos meios <strong>de</strong> comunicação, a partirda invenção do telégrafo, em 1844, esta divisão vai <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> ter importân-cia, já que os adultos e as crianças passam a ter acesso às mesmas informações,principalmente, através da televisão. Como afirma a autora, “dianteda televisão, as crianças e os adultos são iguais, abastecem-se na mesmafonte <strong>de</strong> notícias e <strong>de</strong> entretenimento. A televisão faz com que termine adistinção historicamente construída: entre duas culturas, <strong>uma</strong> infantil, outraadulta, e entre dois tipos <strong>de</strong> conhecimento, como a leitura e a escrita haviampromulgado.” (p. 193-4) Com a televisão, encontramos <strong>uma</strong> aceleração do<strong>de</strong>senvolvimento infantil e a <strong>uma</strong> infantilização do adulto, já que diante <strong>de</strong>laambos ficam situados em <strong>uma</strong> mesma posição. No interior <strong>de</strong>ste contexto,a escola aparece como a instituição que trabalha a partir do pressuposto <strong>de</strong>que existem diferenças importantes entre a infância e a vida adulta e que, poreste motivo, os adultos têm coisas <strong>de</strong> valor <strong>para</strong> ensinar às crianças. Emboraa escola não possa diluir os efeitos da mídia, aparece como <strong>uma</strong> últimaforma <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa contra o <strong>de</strong>saparecimento da infância.A autora também analisa as relações entre os dispositivos <strong>de</strong> infantilida<strong>de</strong>e sexualida<strong>de</strong>, os quais combinam-se, produzindo a sexualizaçãodo infantil e a infantilização do sexo. Demonstra que <strong>todos</strong> os dispositivos <strong>de</strong>saber e po<strong>de</strong>r relacionados à sexualida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>limitados por Foucault, possuemrelações com o dispositivo <strong>de</strong> infantilida<strong>de</strong>, integrando e implicando emseus processos, o infantil.No final do livro, precipitam-se cinco figuras <strong>de</strong> <strong>uma</strong> ética da infantilida<strong>de</strong>,as quais emergem como um “retrato” das figuras infantis que percorremos aolongo das páginas. Figuras que surgem como ponto <strong>de</strong> basta <strong>de</strong>sta históriada infantilida<strong>de</strong> e cuja função é apontar alg<strong>uma</strong> resposta à questão a respeitodo tempo presente <strong>de</strong>sta história.Gerson Smiech Pinho78 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200279


AGENDACapa: Manuscrito <strong>de</strong> Freud (The Diary of Sigmund Freud 1929-1939. A chronicle of eventsin the last <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>. London, Hogarth, 1992.)Criação da capa: Flávio Wild - MacchinaDEZEMBRO – 2001Dia Hora Local Ativida<strong>de</strong>20h30min Se<strong>de</strong> da <strong>APPOA</strong> Reunião da Comissão <strong>de</strong> Biblioteca15h Se<strong>de</strong> da <strong>APPOA</strong> Reunião da Comissão <strong>de</strong> Eventos07 e 1421h20h30min20h30min21hSe<strong>de</strong> da <strong>APPOA</strong>Se<strong>de</strong> da <strong>APPOA</strong>Se<strong>de</strong> da <strong>APPOA</strong>Se<strong>de</strong> da <strong>APPOA</strong>Reunião da Mesa DiretivaReunião da Comissão do Correio da <strong>APPOA</strong>Reunião do Serviço <strong>de</strong> Atendimento ClínicoReunião da Mesa Diretiva aberta aos membrosda <strong>APPOA</strong>ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGREGESTÃO 2001/2002Presidência - Maria Ângela Brasil1 a . Vice-Presidência - Lucia Serrano Pereira2 a . Vice-Presidência - Jaime Alberto Betts1 o . Tesoureira - Grasiela Kraemer2 a . Tesoureira - Simone Moschen Rickes1 o . Secretária - Carmen Backes2 a . Secretário - Gerson Smiech PinhoMESA DIRETIVAAlfredo Néstor Jerusalinsky, Ana Maria Gageiro, Ana Maria Me<strong>de</strong>iros da Costa,Analice Palombini, Ângela Lângaro Becker, Edson Luiz André <strong>de</strong> Sousa,Gladys Wechsler Carnos, Ieda Prates da Silva, Ligia Gomes Víctora,Liliane Fröemming, Maria Auxiliadora Pastor Sudbrack,Marta Pedó e Robson <strong>de</strong> Freitas Pereira.EXPEDIENTEÓrgão informativo da <strong>APPOA</strong> - Associação Psicanalítica <strong>de</strong> Porto AlegreRua Faria Santos, 258 CEP 90670-150 Porto Alegre - RSTel: (51) 3333 2140 - Fax: (51) 3333 7922e-mail: appoa@appoa.com.br - home-page: www.appoa.com.brJornalista responsável: Jussara Porto - Reg. n 0 3956Impressão: Metrópole Indústria Gráfica Ltda.Av. Eng. Ludolfo Boehl, 729 CEP 91720-150 Porto Alegre - RS - Tel: (51) 3318 6355PRÓXIMO NÚMEROPSICANÁLISE E LITERATURAComissão do CorreioCoor<strong>de</strong>nação: Maria Ângela Brasil e Robson <strong>de</strong> Freitas PereiraIntegrantes: Ana Laura Giongo Vaccaro, Francisco Settineri, Gerson Smiech Pinho,Henriete Karam, Liz Nunes Ramos, Luis Roberto Benia, Luzimar Stricher,Marcia Helena <strong>de</strong> Menezes Ribeiro e Maria Lúcia Müller Stein80 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002


S U M Á R I O<strong>EDITORIAL</strong> 1NOTÍCIAS 2SEÇÃO TEMÁTICA 28OS ESTIGMAS EM NÓSAnalice <strong>de</strong> Lima Palombini 31O “PORTADOR”: INSÍGNIADA DIFERENÇADenise T. da Rosa Quintão 36UM MUNDO POR FAZERClarisse Trombka 42A ESCOLA, O TEMPOE O LUGAR DO PROFESSOREliana Dable <strong>de</strong> Mello 47AUTORIDADE E VIOLÊNCIARoséli M. Olabarriaga Cabistani 52O PAPEL SOCIAL DO ALUNOADOLESCENTE E A FUNÇÃODA ESCOLAAna Silvia Espig 58SEÇÃO DEBATES 64ENTRE A ESPERANÇAE A FRUSTAÇÃOCarlos Henrique Kessler 64ALGUMAS IMPRESSÕESSOBRE O FÓRUM MUNDIALDE EDUCAÇÃOSimone Moschen Rickes 68UMA ESCUTA ANALÍTICA EMUMA INSTITUIÇÃO ESCOLARCarla Regina Cumiotto 73RESENHA 77“HISTÓRIA DAINFÂNCIA SEM FIM” 77AGENDA 80N° 98 – ANO IX JANEIRO – 2002FÓRUM MUNDIAL DE EDUCAÇÃO

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