SEÇÃO DEBATESKESSLER, C. H. Entre a esperança...existência. Certamente isso já tinha sido lido, escutado, pensado, seja porfontes psicanalíticas ou pedagógicas. Mas, neste momento, tomou <strong>uma</strong> dimensãodistinta, com <strong>uma</strong> consistência até então inédita.Freud, e sua já batida afirmação da “Educação impossível”, apontava<strong>para</strong> isto. Eis que agora estávamos diante <strong>de</strong> um evento em que esta se uniaa outro impossível freudiano, a política. Bem, e acrescentamos também ali o3º impossível freudiano, <strong>uma</strong> vez que estávamos presentes na condição <strong>de</strong>integrantes <strong>de</strong> <strong>uma</strong> instituição psicanalítica. Seria <strong>de</strong> se perguntar que operaçãopreten<strong>de</strong>ríamos produzir neste fórum? Que fazer com um triplo impossível?Cabe aqui <strong>uma</strong> lembrança, que marcou o então pequeno aluno Sartre(vi<strong>de</strong> “As Palavras”) confrontado à estratégia/postulado/invenção dos matemáticos<strong>para</strong> resolver um cálculo impossível. Mesmo elemento, aliás, queLacan veio a recorrer buscando dar conta do traço unário. Proce<strong>de</strong>m a arbitragemdo “número imaginário”, que seria aquele número que, multiplicadopor ele mesmo (como <strong>todos</strong> sabem, “menos com menos dá mais”), resultariaem -1 (don<strong>de</strong> i = √⎺⎺-1). Condição que é indispensável <strong>para</strong> que se consigaconstruir pontes, sobre as quais passam pessoas, carros, trens. Criandocaminhos e, portanto, ligando lugares antes impossíveis <strong>de</strong> serem transpostos.Provavelmente também <strong>para</strong> que se construam arquibancadas e ginásioscomo aquele on<strong>de</strong> ocorreu o FME. Sólidas construções que, <strong>para</strong> serempossíveis, precisam ser erigidas sobre um número que não existe!Assim, se <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ais é que se constitui a matéria prima com a qual oeducador trabalha, bem como se este é o combustível que o move e por aíele é enganchado, po<strong>de</strong>-se talvez vislumbrar o porquê esta categoria se apresentasofrida, mas que ao mesmo tempo insiste, não se abate/não <strong>de</strong>siste.Apenas que não seria <strong>de</strong>mais se os professores, mesmo sabendo que precisamsempre ir em busca do i<strong>de</strong>al, tivessem presente que nunca irão encontrálosenquanto tais, eventualmente, num relance ou por seus efeitos.Esse, talvez, o sentimento <strong>de</strong>spertado no FME. Pois se educaçãoremete a impossíveis, é na direção em que as utopias (“não lugares” queservem <strong>de</strong> referência), os i<strong>de</strong>ais o são. O que então já estava aí, mas que se<strong>de</strong>sencobriu é que o material com que a educação efetivamente trabalha sãoou <strong>de</strong>veriam ser os i<strong>de</strong>ais, que norteiam nossa existência e que sãoconstitutivos <strong>de</strong> nossa(s) subjetivida<strong>de</strong>(s). Voltaria a minha proposição inicial,aquela que retomei na mesa proposta pela Associação, pois a “matéria”,o “conteúdo”, seja do ensino, ou mais precisamente da educação, não seriaa ortografia, a álgebra, a análise sintática. Isso po<strong>de</strong> até vir “a mais”, mesmoque pragmaticamente possibilite concretizar os prédios e <strong>de</strong>mais construçõesque a h<strong>uma</strong>nida<strong>de</strong> tem produzido. Por aí, nada mais a<strong>de</strong>quado queeste fórum, <strong>uma</strong> aposta no processo civilizatório. Uma outra via, tivemos<strong>uma</strong> <strong>de</strong>monstração a 11 <strong>de</strong> setembro, é a do obscurantismo.Nota final quanto a babel dos trabalhos, que infelizmente se realizou.Todos falando ao mesmo tempo, sem se escutar, <strong>uma</strong> vez que ficou reservadoapenas um turno <strong>para</strong> apresentação <strong>de</strong> trabalhos propostos por aquelesque não fossem os conferencistas/painelistas escolhidos pela organizaçãocentralizada. Há muito a ser feito. Voltamos às utopias.66 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200267
SEÇÃO DEBATESRICKES, S. M. Alg<strong>uma</strong>s impressões sobre...ALGUMAS IMPRESSÕES SOBREO FÓRUM MUNDIAL DE EDUCAÇÃOSimone Moschen RickesDurante quatro dias, Porto Alegre viveu clima <strong>de</strong> cida<strong>de</strong> cosmopolita,abrigando pessoas <strong>de</strong> vários estados e países, dispostas a pensar aEducação como um bem público. Começamos a aquecer os motores<strong>para</strong> a segunda edição do Fórum Social Mundial, que terá início no final<strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2002. Aliás, a iniciativa do Fórum Mundial <strong>de</strong> Educação foimotivada pelo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> dar lugar a algo que pareceu, a muitos, não terrecebido a necessária atenção durante o primeiro FSM. Objetivou-se fazertrabalhar algo que restou como <strong>uma</strong> lacuna, ao mesmo tempo que lançar esubsidiar novos <strong>de</strong>bates que po<strong>de</strong>rão encontrar um segundo tempo <strong>de</strong> elaboraçãoem janeiro.As críticas a <strong>uma</strong> Educação tecnocrática e mercantilista, voltada unicamente<strong>para</strong> as necessida<strong>de</strong>s do mercado perpassaram o encontro. Dentro <strong>de</strong>staperspectiva, a escola tem se direcionado no sentido <strong>de</strong> instrumentalizar, cadavez mais, os indivíduos <strong>para</strong> aten<strong>de</strong>r as <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> dito mercado. Esqueceseque a própria <strong>de</strong>manda é algo que <strong>de</strong>riva da posição que a palavra ocupa,que ela não é um jacaré perene, <strong>de</strong> boca aberta, disposto a abocanhar o quelhe venha pela frente. Não é <strong>de</strong> se estranhar que a política <strong>de</strong> investimentos doBanco Mundial e do BID <strong>para</strong> a América Latina e outros países, ditos em<strong>de</strong>senvolvimento, seja a <strong>de</strong> incentivar e investir na Educação Básica. EducaçãoBásica <strong>para</strong> aten<strong>de</strong>r às expectativas dos mercados. Ao contrário, nos países ditos<strong>de</strong>senvolvidos, a Educação Secundária e Superior recebe investimentos maciços.Na perspectiva <strong>de</strong> <strong>uma</strong> política <strong>de</strong> Educação Básica, vemos a escolacada vez mais reduzir o espaço <strong>para</strong> aquilo que não <strong>de</strong>monstra utilida<strong>de</strong>direta na formação profissional, – básica, frisemos. Os espaços <strong>para</strong> a poesia,a arte, a filosofia, a literatura diminuíram a olhos vistos nos últimosanos, chegando, em alg<strong>uma</strong>s escolas, à extinção. São disciplinas que nãosão <strong>de</strong>cisivas na hora do vestibular.Não nos admira que, cada vez mais, recebamos em nossos consultórioscrianças e adolescentes que resistem às proposições escolares com oargumento <strong>de</strong> que não vão usar isso em sua vida profissional. “Para quêapren<strong>de</strong>r história, eu quero mesmo é ser administrador, não vou usar isso nomeu trabalho”, dizia um adolescente cursando o primeiro ano do segundograu. O absurdo <strong>de</strong> seu próprio argumento, que <strong>uma</strong> vez examinado internamentenão se sustenta, pelo simples fato <strong>de</strong> que os processos históricostem laço direto com as modalida<strong>de</strong>s administrativas, po<strong>de</strong> nos fazer tomá-locomo <strong>uma</strong> <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> algo, muito mais extenso do que aquilo que a<strong>de</strong>ntrao cotidiano escolar: nossa impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar lugar àquilo que, num primeiromomento, não se mostre útil aos objetivos produtivos. Ocupados queestivemos com o tema do luto durante este ano que passou, pu<strong>de</strong>mos constatare <strong>de</strong>sdobrar as conseqüências <strong>de</strong> um estreitamento do tempo, muitasvezes chegando a sua anulação, <strong>de</strong>dicado a este trabalho. A utilida<strong>de</strong> emtermos da produção dos objetos é argumento conclusivo e suficiente <strong>para</strong>que se <strong>de</strong>cida por <strong>uma</strong> coisa e não por outra.Como forma <strong>de</strong> incluir <strong>uma</strong> diferença nesta proposição, a da utilida<strong>de</strong>, oFórum foi unânime: é preciso ser intransigente no que se refere a não tomar aEducação <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>uma</strong> perspectiva custo/benefício. A Educação precisa serpensada fora <strong>de</strong> um sentido <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong>, precisa ser <strong>de</strong>salojada <strong>de</strong>ste lugar.A experiência que tivemos no Fórum, em muitos momentos comovente,<strong>de</strong> assistirmos a alunos, em sua maioria <strong>de</strong> escolas públicas, nas apresentaçõesque abriam os momentos <strong>de</strong> trabalho, inclui-se <strong>de</strong> forma inelutávelnesta perspectiva. Na verda<strong>de</strong>, penso que esta divisão apresentação dosalunos/trabalho dos conferencistas é falsa, pois, ao assistirmos os alunos,experienciávamos os efeitos <strong>de</strong> <strong>uma</strong> Educação cujo fim primeiro não é aprodução do útil. Uma Educação que possibilita, a cada <strong>uma</strong> das crianças,tomar a palavra, expressando-se através da dança e da música. Creio que ainclusão dos pequenos e dos adolescentes em <strong>uma</strong> condição <strong>de</strong> fala, <strong>de</strong> dara ver sua a produção com o efeito <strong>de</strong> reconhecimento que disto <strong>de</strong>rivou, foium dos pontos altos do trabalho.A cada gran<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> – as conferências aconteceram no Gigantinhoe as mesas simultâneas em locais como o salão <strong>de</strong> Atos da UFRGS ou68 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200269