SEÇÃO TEMÁTICAMELLO, E. D. <strong>de</strong>. A escola, o tempo...ra. Estilos da Clínica. Revista sobre a Infância com Problemas, V(9), 96-108.São Paulo, SP. Escuta, 2000.PÁEZ, Stella Maris C. As Pessoas com Necessida<strong>de</strong>s Especiais, a Comunida<strong>de</strong>e suas Instituições. Estilos da Clínica. Revista sobre a Infância com Problemas.Política Nacional <strong>de</strong> Educação Especial: livro I / MEC / SEESP- Brasília, 1994.VI(10), 129-140. São Paulo. SP. Escuta, 2001.RHODEN, Kuno Paulo e GOUVÊIA, Sylvia Figueiredo. Diretrizes Nacionais <strong>para</strong> aEducação Especial na Educação Básica. Parecer nº 17/ 2001 <strong>de</strong> 03. 07. 2001.Ministério da Educação, Conselho Nacional <strong>de</strong> Educação.A ESCOLA, O TEMPO E O LUGAR DO PROFESSOREliana Dable <strong>de</strong> MelloPara nós, h<strong>uma</strong>nos, a idéia da passagem do tempo sempre será inspiração<strong>de</strong> sabedoria <strong>para</strong> <strong>todos</strong> que suportarmos encará-la. Passado,presente e futuro são noções elementares a quem quer que seproponha a buscar algum entendimento sobre qualquer coisa: seja um pratoculinário, <strong>uma</strong> casa, <strong>uma</strong> obra <strong>de</strong> arte, <strong>uma</strong> teoria científica, <strong>uma</strong> colheita,<strong>uma</strong> re<strong>de</strong> <strong>de</strong> informação, etc. Todas as disciplinas do conhecimento h<strong>uma</strong>no,<strong>de</strong> <strong>uma</strong> forma ou <strong>de</strong> outra, precisam traçar seus princípios incluindo anoção <strong>de</strong> temporalida<strong>de</strong>. Dela ninguém escapa, embora seja o que <strong>todos</strong><strong>de</strong>sejamos, o que atesta nossa estruturação neurótica possível: não queremosenvelhecer, supomos ilusoriamente um tempo infinito e, como diz Freud,da morte não temos representação.A escola está, em <strong>todos</strong> os seus vetores, sinalizada por esta condição.Destina-se ao ser h<strong>uma</strong>no e sua formação: da escola infantil à universida<strong>de</strong>,ela acompanha um sujeito que nunca é o mesmo no transcorrer <strong>de</strong>steprocesso e que é único neste mundo em <strong>todos</strong> os tempos, cuja constituição,contudo, estará sujeita aos i<strong>de</strong>ais transmitidos pela cultura <strong>de</strong> sua épocaque o referenciará a como ser criança, jovem e adulto.A Escola também tem sua história e, obviamente, não tem sido semprea mesma. Foi instituída no séc. XIV <strong>para</strong> apresentar aos que chegavam oconhecimento acumulado pelas gerações anteriores além <strong>de</strong> transmitir preceitoscivilizatórios éticos e morais: talvez possamos pensá-la como um dosprimeiros ícones realizados da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> que, como sabemos, substitui,ou pelo menos problematiza severamente, a referência tradicional à comunida<strong>de</strong>e ao saber parental. A configuração <strong>de</strong> <strong>uma</strong> nova esfera pública, osocial, vai estabelecendo <strong>uma</strong> gradativa disjunção entre conjugalida<strong>de</strong> eparentalida<strong>de</strong> ; ou seja, o que diz respeito ao conjugal, ao casal, as escolhassexuais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o surgimento da afirmação do amor cortês – rompendo coma tradição <strong>de</strong> sustentar alianças políticas através <strong>de</strong> contratos conjugais46 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200247
SEÇÃO TEMÁTICAMELLO, E. D. <strong>de</strong>. A escola, o tempo...feitos em nome da autorida<strong>de</strong> paterna –, vem sendo cada vez mais do âmbitoprivado; já o saber e a responsabilida<strong>de</strong> quanto ao bem estar das crianças ea transmissão entre as gerações vai sendo, cada vez mais, encampada pelocampo social, encarnado nas figuras <strong>de</strong> professores, pediatras, psicólogos,assistentes sociais, juizes da infância e da juventu<strong>de</strong>, e hoje acompanhamosa emergência da figura dos conselheiros tutelares.A escola absorve boa parte <strong>de</strong>sta transferência, já que é a instituiçãomatriz <strong>para</strong> os assuntos da infância e da juventu<strong>de</strong>, apesar <strong>de</strong> <strong>todos</strong> osabalos sofridos com a queda da autorida<strong>de</strong> característica <strong>de</strong> nosso tempo. Éatravés <strong>de</strong>la, que outros saberes serão convocados a respon<strong>de</strong>r sobre omelhor <strong>para</strong> o bem estar das crianças. Resposta esta que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá dalente <strong>de</strong> leitura utilizada – graduada nos diferentes enfoques teóricos – eque, inevitavelmente, <strong>de</strong>ixará sua marca em estruturações subjetivas emcurso. Para a viabilização <strong>de</strong> sujeitos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo cada simples quesito focalizadojá fará muita diferença: em que estatuto o bem e o mal são utilizados?Como são consi<strong>de</strong>radas as verda<strong>de</strong>s subjetivas? E os pais, on<strong>de</strong> se colocam?On<strong>de</strong> os colocamos?Uma das falas mais escutadas nas escolas, da parte dos professores,é que os pais estão se <strong>de</strong>sresponsabilizando pela educação <strong>de</strong> seusfilhos, transferindo à escola esta tarefa. O que, afinal, coinci<strong>de</strong> com o avançarda mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> que imageia um i<strong>de</strong>al autofundado, <strong>de</strong>sorganizando asreferências generacionais. Concordamos que os pais não <strong>de</strong>veriam abdicarda transmissão <strong>de</strong> seu patrimônio <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ais e <strong>de</strong> apontar <strong>para</strong> sua <strong>de</strong>scendênciaum posicionamento na ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> gerações; a escola, neste sentido,tem razão em proclamar sua impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> arcar com <strong>todos</strong> os saberes.A distinção se per<strong>de</strong>, contudo, quando a escola e seus “peritos sociais”,na expressão <strong>de</strong> Philippe Julien, toma <strong>para</strong> si a missão da salvação dascrianças, <strong>de</strong>sautorizando ainda mais os pais perante seus filhos, agudizandoa confusão entre o que é da or<strong>de</strong>m pública e o que é <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m privada. Acena que muitas vezes acaba prevalecendo é o encontro do funcionamentoburocrático, como arremedo <strong>de</strong> <strong>uma</strong> ética pública e arrasador <strong>de</strong> qualquersingularida<strong>de</strong>, com a ansieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontrar respostas imediatas caracte-rística do cotidiano privado. Como fornecer referências que possibilitem olaço social a sujeitos em formação, a partir <strong>de</strong>ste lugar? Resgatar o saberparental possível, quando possível, po<strong>de</strong> ser um bom norte <strong>para</strong> as intervençõesprofissionais, seguindo por esta lógica. Para Julien, a lei do<strong>de</strong>sejo, que permite fundar <strong>uma</strong> nova família, precisa se fundar primeiramenten<strong>uma</strong> conjugalida<strong>de</strong> privada, já que nem a socieda<strong>de</strong> nem aparentalida<strong>de</strong> sozinhas a sustentam.A educação, <strong>para</strong> Hanna Arendt, é <strong>uma</strong> das ativida<strong>de</strong> mais elementarese necessárias da socieda<strong>de</strong> h<strong>uma</strong>na, on<strong>de</strong> se joga nossa atitu<strong>de</strong> frente ànatalida<strong>de</strong> e à responsabilida<strong>de</strong> que estamos dispostos a assumir pelasnovas gerações, que têm, por sua vez, a tarefa <strong>de</strong> renovar um mundo comum.As mudanças transcorridas no tempo trouxeram novas questões, po<strong>de</strong>mosabordá-las a partir <strong>de</strong> sua análise sobre a crise da educação namo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. De um mo<strong>de</strong>lo autoritário e conteudista, a escola não teriaexagerado sua pauta <strong>de</strong> transformações, basculando no exato oposto? Aautorida<strong>de</strong> do professor, <strong>para</strong> ela necessária, estaria ameaçada a partir <strong>de</strong><strong>uma</strong> formação pedagógica <strong>de</strong>masiado generalista, emancipada da matéria aser ensinada. Tal fato o que produziria <strong>uma</strong> relação professor-aluno por <strong>de</strong>maissimétrica, n<strong>uma</strong> hegemonia da noção pragmática <strong>de</strong> que só é possívelconhecer e compreen<strong>de</strong>r aquilo que nós mesmos fazemos, substituindoradicalmente o aprendizado pelo fazer e o trabalho pelo brincar, o que manteriaa criança mais velha o mais próximo possível da primeira infância (valeaqui consi<strong>de</strong>rar a magnitu<strong>de</strong> do ato que o adolescente <strong>de</strong>verá fazer <strong>para</strong>mudar <strong>de</strong> posição).Em síntese, sua preocupação é com o “pathos do novo”, que traz orisco <strong>de</strong> abafar a oportunida<strong>de</strong> dos jovens “<strong>de</strong> eles próprios empreen<strong>de</strong>remalg<strong>uma</strong> coisa nova e imprevista <strong>para</strong> <strong>todos</strong> nós”. É importante esclarecerque, <strong>para</strong> Hanna Arendt, o conceito <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> envolve obediência masexclui a coerção; <strong>para</strong> ela, quando existe o uso da força não existe autorida<strong>de</strong>legítima, apenas autoritarismo e violência. A questão que propomos éjustamente esta: o que legitimaria a autorida<strong>de</strong> necessária a algum atoeducativo nos dias <strong>de</strong> hoje?48 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200249