SEÇÃO TEMÁTICAMELLO, E. D. <strong>de</strong>. A escola, o tempo...Sabemos que os maiores problemas com a autorida<strong>de</strong> que a escolaenfrenta colocam-se ao término da infância <strong>de</strong> seus alunos. Efeito damo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, a adolescência, na compreensão psicanalítica, é a operaçãopsíquica <strong>de</strong> validação do valor <strong>de</strong> um sujeito, on<strong>de</strong> o abandono da posiçãoinfantil põe a prova sua viabilida<strong>de</strong> enquanto <strong>de</strong>sejante. Torna-se necessáriaexatamente quando os dispositivos societários presentes nas socieda<strong>de</strong>stradicionais, <strong>para</strong> sustentar esta passagem, per<strong>de</strong>m sua eficácia em garantira simbolização do real do impacto pubertário (Ruffino, 1996). Em tempo presente,o adolescente precisa se arriscar em manifestações que buscaminscrever um traçado que <strong>de</strong>limite novas bordas no corpo ficcional da infância(Costa, 1998), num trabalho <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> <strong>uma</strong> nova imagem <strong>de</strong> corpo, quelhe permita se representar simbolicamente na comunida<strong>de</strong> dos adultos. Precisa,portanto, afirmar sua singularida<strong>de</strong> e, ao mesmo tempo, reconhecer-secomo um igual perante seus pares: além do que, percebe o imenso fascínioque a socieda<strong>de</strong> lhe consagra “por ser quem melhor encarna o sonho <strong>de</strong>liberda<strong>de</strong> do sujeito contemporâneo”, nas palavras <strong>de</strong> Contardo Calligaris, oque ainda alimenta seu narcisismo e lhe serve <strong>de</strong> trunfo nas suas relaçõessociais.Para que sua travessia tenha êxito é necessário que, por alg<strong>uma</strong> via,a socieda<strong>de</strong> ofereça elementos simbólicos que possam referenciá-lo nestemomento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> perigo real, simbólico e imaginário, <strong>para</strong> <strong>todos</strong>, já que aviolência das pulsões <strong>de</strong>sorganizadas encontra-se com a violência <strong>de</strong> <strong>uma</strong>socieda<strong>de</strong> em crise <strong>de</strong> valores. A escola, enquanto instituição h<strong>uma</strong>na voltada<strong>para</strong> a cultura, tem a tarefa precípua <strong>de</strong> veicular estes elementos. A relaçãoprofessor-aluno constitui-se em palco privilegiado <strong>para</strong> este encontrosempre que o professor não sucumbir à tentação do doutrinamento ou, pelocontrário, da estéril indiferença, e suportar a sustentação <strong>de</strong> um lugar on<strong>de</strong> ojovem sujeito possa introduzir sua marca singular nos valores e nos objetosdo conhecimento transmitidos, reinventando-os a seu modo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que <strong>de</strong>sejarpossa.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASARENDT, H. Entre o Passado e o Futuro. Perspectiva, SP, 1970.CALLIGARIS, C. A Adolescência. Publifolha, SP, 2000.COSTA, A. M.M. A Ficção <strong>de</strong> si mesmo. Companhia <strong>de</strong> Freud, 1998.JULIEN, P. Abandonarás teu pai e tua mãe. Companhia <strong>de</strong> Freud. RJ, 2000.RUFFINO, R. “Fragmentos em torno da epopéia do sujeito sob a operação doadolescer”. In Mais tar<strong>de</strong>... é agora. Ágalma, Salvador, 1996.50 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200251
SEÇÃO TEMÁTICACABISTANI, R. M. O. Autorida<strong>de</strong> e violência.AUTORIDADE E VIOLÊNCIARoséli Maria Olabarriaga CabistaniPreten<strong>de</strong>mos pensar como se situa a queixa do incremento da violênciana escola hoje. Isto implica analisar as condições <strong>de</strong> sua enunciação,coisa que tem sido negligenciada ao tomarmos esse enunciadocomo verda<strong>de</strong>iro, <strong>de</strong>mandando, então, medidas <strong>para</strong> acabar com tal estado<strong>de</strong> coisas. Via <strong>de</strong> regra, quando a questão se coloca, imediatamentechegamos a conclusão <strong>de</strong> que falta lei, ou falta “pai”. Hoje, vamos encontrarorganizações familiares diversificadas. Os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> família tradicionaisapresentam-se ampliados, em muitas <strong>de</strong>ssas famílias, <strong>de</strong> fato, falta o pai.Mas será que essa constatação é suficiente <strong>para</strong> justificar ou violência?Queremos sustentar aqui o conceito <strong>de</strong> função, que permite pensar osreferenciais necessários à constituição psíquica, mais além <strong>de</strong> <strong>uma</strong> conformação<strong>de</strong> grupo familiar “a<strong>de</strong>quado”. Se trabalhamos com o conceito <strong>de</strong>função, também po<strong>de</strong>mos refletir quais as funções que a escola é chamada aocupar e quais os efeitos sociais possíveis do atendimento <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>manda.***Agressivida<strong>de</strong> e violência são temas recorrentes no âmbito da educação,os quais, muitas vezes, tomamos como equivalentes. Para a Psicanálise,a agressivida<strong>de</strong> é constitutiva <strong>de</strong> nosso processo <strong>de</strong> estruturação subjetivaprimária e <strong>uma</strong> parte <strong>de</strong>la acompanha e presi<strong>de</strong> nossa vida , isto é, asarticulações imaginárias e simbólicas que permitem situarmo-nos no mundo.As fronteiras entre o que <strong>de</strong>nominamos agressivida<strong>de</strong> ou violência po<strong>de</strong>mser tênues, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo dos efeitos que os atos geram no outro. Comoseres <strong>de</strong> linguagem, interpretamos a realida<strong>de</strong> e, com freqüência, o que predominaé o imaginário, terreno se<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossas ilusões cotidianas. São inúmerosos exemplos <strong>de</strong> passagens ao ato violento, quando a reação do outro é tomadacomo risco à própria integrida<strong>de</strong>. Sujeitos que nunca praticaram um crime e umbelo dia, ao serem abordados por um pedinte que é visto como tendo aspectoameaçador, matam-no, sem que <strong>uma</strong> palavra alí faça a mediação <strong>de</strong>ssa ação.Crianças que são contidas nas escolas por estarem brigando e quando conseguemse explicar, dizem que estavam “brincando <strong>de</strong> lutinha”.Então, temos que a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não sucumbir à barbárie, passapor valorizar a palavra, tanto do lado <strong>de</strong> quem supostamente pratica um ato,quanto do lado <strong>de</strong> quem o interpreta. Sabemos que a violência existe, tododia ela mostra sua face, mas queixar-se <strong>de</strong>la e pedir mais segurança nãotem mudado as coisas. Aqueles que somos comprometidos com a educaçãotemos o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> refletir sobre isso, <strong>para</strong> buscar novas saídas, <strong>para</strong> nãoficarmos na posição <strong>de</strong> impotência em que essa atitu<strong>de</strong> queixosa nos lança.Do ponto <strong>de</strong> vista da i<strong>de</strong>ntificação das causas da violência, encontramosexplicações que apontam à falta <strong>de</strong> limites nas crianças e jovens e,imediatamente, esse raciocínio leva à conclusão <strong>de</strong> que se falta limite éporque a função <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> está falhando em algum lugar. Perguntamos,então, quem é o agente da autorida<strong>de</strong> em nossa socieda<strong>de</strong>? Como estafunção se constitui no âmbito público e no âmbito privado?Em nossa organização social atual, a Escola é a primeira instânciado mundo público da qual a criança faz parte. Mas isto não foi sempre assim,Philippe Ariès <strong>de</strong>scobriu que o reconhecimento da infância como <strong>uma</strong>etapa diferenciada da vida adulta foi responsável pela “...crescente percepçãoda família como um grupo natural que abriga <strong>uma</strong> classe especial <strong>de</strong>seres – as crianças – fixou limites mais abrangentes na questão da expressãopública” (SENNET,1976, p.120). O interessante foi que a gênese dalimitação da vida pública aos adultos, em parte provém da gradual distinçãoentre as formas <strong>de</strong> jogos infantis e jogos adultos. Por volta do séc.XVIII, osacontecimentos dos centros cosmopolitas começaram a ser refletidos pelaspessoas ditas maduras, isto é, a reflexão sobre a vida pública implicavacomplexida<strong>de</strong>, postura e habituais encontros com estranhos, coisa que sóos adultos po<strong>de</strong>riam suportar, segundo escreve SENNET(1976).Essas mudanças, então, trouxeram alterações quanto à responsabilida<strong>de</strong>da família. O reconhecimento das fragilida<strong>de</strong>s “naturais “da criança52 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 2002 C. da <strong>APPOA</strong>, Porto Alegre, n. 98, jan. 200253