mobilizar desde já contra o “pacotaço” do governo lula - PCO
mobilizar desde já contra o “pacotaço” do governo lula - PCO
mobilizar desde já contra o “pacotaço” do governo lula - PCO
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
30 de maio de 2010<br />
CAUSA OPERÁRIA<br />
CULTURA B4<br />
a cultura negra no caribe francófono<br />
O SURGIMENTO DO<br />
CULTURALISMO<br />
NEGRO NO HAITI<br />
Joseph Anténor Firmin<br />
A rica tradição da literatura surgida<br />
nas colônias e ex-colônias francesas, e<br />
desenvolvida ao longo das décadas de 1920 e<br />
1930, teria como importante marco inicial, a<br />
atividade de teóricos culturais <strong>do</strong> movimento<br />
negro haitiano, um <strong>do</strong>s pontos de partida<br />
para o surgimento desta literatura<br />
Uma das primeiras conclusões<br />
a ser tiradas <strong>do</strong> movimento<br />
pan-africano, é que antes de ter<br />
se ergui<strong>do</strong> como uma influente<br />
corrente política <strong>do</strong>s negros em<br />
to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, ele foi um movimento<br />
cultural. Uma das ramificações<br />
mais importantes destas<br />
idéias se deu no Haiti, através<br />
<strong>do</strong> trabalho de importantes<br />
pensa<strong>do</strong>res negros que começaram<br />
a teorizar o problema da influência<br />
da cultura negra sobre<br />
seu país. Idéia que se estenderia<br />
para os demais países negros e<br />
se tornaria também outro <strong>do</strong>s<br />
importantes pontos de apoio sobre<br />
o qual se formaria a tradição<br />
literária <strong>do</strong>s negros.<br />
Uma das primeiras manifestações<br />
de afirmação <strong>do</strong> negro<br />
no mun<strong>do</strong> francófono surgiu<br />
em 1885, durante a reação direitista<br />
que se seguiu à abolição<br />
da escravidão. E em meio a uma<br />
ampla ofensiva de intelectuais<br />
racistas saí<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s mais diversos<br />
antros reacionários europeus,<br />
surgiria, no Haiti, um importante<br />
opositor destas idéias,<br />
o antropólogo negro Joseph-<br />
Anténor Firmin, pensa<strong>do</strong>r que<br />
publicara então seu influente<br />
trata<strong>do</strong> De l’égalité des Races Humaines<br />
(Da Igualdade das Raças<br />
Humanas). Nele Firmin lançava<br />
mão de um rigoroso méto<strong>do</strong><br />
científico para demonstrar o caráter<br />
supersticioso das teorias<br />
coloniais sobre a inferioridade<br />
<strong>do</strong> negro perante o branco, cujo<br />
raciocínio se erguia, não sobre<br />
provas concretas e fatos científicos,<br />
mas sobre um mecanismo<br />
de <strong>do</strong>minação política e social.<br />
Em seu trabalho, Firmin concluía<br />
que “to<strong>do</strong>s os homens são<br />
<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s com as mesmas qualidades<br />
e os mesmos defeitos,<br />
sem distinção de cor ou forma<br />
anatômica. As raças são iguais”.<br />
O haitiano refutava nesta obra,<br />
as teses racistas de um <strong>do</strong>s mais<br />
notórios reacionários <strong>do</strong> século<br />
XIX, O conde francês Arthur de<br />
Gobineau, que expôs suas idéias<br />
na obra Essai sur l’inégalité des<br />
Races Humaines (Ensaio sobre a<br />
Desigualdade das Raças Humanas),<br />
afirman<strong>do</strong> a superioridade<br />
<strong>do</strong>s brancos europeus diante<br />
das demais raças. Segun<strong>do</strong> pregava<br />
Gobineau, a miscigenação<br />
racial condenava a humanidade<br />
à decadência física e intelectual.<br />
Uma de suas citações mais conhecidas<br />
é a frase em que afirmava:<br />
“Não creio que viemos<br />
<strong>do</strong>s macacos mas creio que vamos<br />
nessa direção”, se referin<strong>do</strong><br />
à crescente miscigenação racial<br />
que se seguiu à libertação <strong>do</strong>s<br />
escravos negros. Escritor que,<br />
ao passar pelo Brasil, em finais<br />
<strong>do</strong> século XIX, afirmou esta população<br />
estava fadada ao desaparecimento<br />
em virtude de sua<br />
origem miscigenada.<br />
Firmin se formara como<br />
um importante intelectual <strong>do</strong><br />
movimento negro haitiano,<br />
país cuja história exemplar de<br />
luta <strong>do</strong>s povos negros serviria<br />
como um poderoso exemplo<br />
para a auto-afirmação <strong>do</strong> valor<br />
<strong>do</strong> homem negro. Particularmente<br />
a genialidade de Toussaint<br />
L´Ouverture, a principal<br />
personalidade política por trás<br />
da abolição da escravidão e da<br />
independência <strong>do</strong> Haiti, seria<br />
um importante modelo para os<br />
intelectuais negros <strong>do</strong> final <strong>do</strong><br />
século XIX em sua luta <strong>contra</strong> as<br />
teorias racistas. Em um de seus<br />
escritos, Firmin prestaria sua<br />
homenagem ao revolucionário<br />
negro, assassina<strong>do</strong> por Napoleão<br />
Bonaparte: “Certamente,<br />
quan<strong>do</strong> uma raça produz uma<br />
individualidade tão maravilhosamente<br />
<strong>do</strong>tada quanto era<br />
a de Toussaint L´Ouverture, é<br />
impossível admitir que ela seja<br />
inferior a outras sem que isso<br />
demonstre uma cegueira ou<br />
uma ausência de lógica inconcebíveis.(...)<br />
No momento mesmo<br />
em que todas as universidades<br />
européias se reuniam para defender<br />
a teoria da desigualdade<br />
das raças, a inferioridade nativa<br />
e especial <strong>do</strong> Nigritien [negro<br />
haitiano], eu não faria mais <strong>do</strong><br />
que virar-lhes a cabeça... e mostrar-lhes<br />
o exemplo deste solda<strong>do</strong><br />
ilustre”.<br />
A evolução da consciência negra na obra de Jean Price-Mars<br />
O trabalho de Anténor<br />
Firmin teria grande influência<br />
sobre as idéias de outro<br />
antropólogo haitiano, Jean<br />
Price-Mars, futuro funda<strong>do</strong>r<br />
da etnologia, considera<strong>do</strong> hoje<br />
o mais influente pensa<strong>do</strong>r<br />
haitiano <strong>do</strong> século XX. Price-<br />
Mars seria um <strong>do</strong>s primeiros<br />
intelectuais negros a destacar<br />
a importância da cultura original<br />
africana para os povos<br />
negros nas Américas. Em seu<br />
país, ele atacaria duramente<br />
a subserviência a burguesia<br />
haitiana diante da cultura<br />
francesa, destacan<strong>do</strong>, por outro<br />
la<strong>do</strong>, o valor da cultura original<br />
surgida no Haiti. Ali os<br />
índios foram quase que totalmente<br />
dizima<strong>do</strong>s pela colonização<br />
espanhola durante o século<br />
XVI, sen<strong>do</strong> substituí<strong>do</strong>s<br />
pela mão de obra escrava <strong>do</strong>s<br />
negros africanos, que constituiriam,<br />
ao longo <strong>do</strong>s séculos<br />
seguintes, a parcela majoritária<br />
dessa população.<br />
Sua defesa mais importante<br />
da cultura nacional haitiana<br />
estaria exposta na obra Ainsi<br />
parla l’oncle (Assim Fala o Tio),<br />
publicada em 1928, que teria<br />
uma influência enorme entre<br />
a alta intelectualidade haitiana.<br />
Era um estu<strong>do</strong> minucioso<br />
da cultura negra original que<br />
havia se desenvolvi<strong>do</strong> no Haiti<br />
com a chegada <strong>do</strong>s escravos<br />
africanos ao país em mea<strong>do</strong>s<br />
<strong>do</strong> século XVI. Ao contrário<br />
da ideologia vigente, que tratava<br />
o negro como um povo<br />
sem história, sem moral, sem<br />
religião, que vivia na África<br />
na mais pura barbárie, Price-<br />
Mars irá justamente analisar<br />
que, ao contrário, os povos<br />
africanos eram porta<strong>do</strong>res de<br />
uma cultura própria, com características<br />
originais. Analisa<br />
deste mo<strong>do</strong> toda a riqueza<br />
de sua literatura oral, seus<br />
costumes, suas tradições religiosas,<br />
e as modificações sofridas<br />
pelo dialeto africano ao<br />
chegar no Haiti. Tal obra de<br />
Price-Mars surgia em um momento<br />
particularmente crítico<br />
da vida política de seu país.<br />
Em 1915, os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s<br />
iniciavam uma intervenção<br />
militar no Haiti com o desembarque<br />
de milhares de marines<br />
na ilha. Esta ocupação<br />
era parte de sua política imperialista<br />
de expansionismo militar<br />
e <strong>do</strong>minação econômica<br />
que se manifestou de maneira<br />
particularmente agressiva nos<br />
países da América Central.<br />
Ganhava neste momento cada<br />
vez mais espaço em função da<br />
crise política em que vivia o<br />
imperialismo europeu <strong>desde</strong><br />
as últimas décadas <strong>do</strong> século<br />
XIX.<br />
O resgate da<br />
cultura nativa<br />
Para Price-Mars, a burguesia<br />
branca haitiana, política e<br />
culturalmente, era um mero<br />
apêndice da cultura burguesa<br />
européia, uma extensão <strong>do</strong><br />
antigo laço colonial branco<br />
em sua pátria negra por excelência.<br />
Ele veria, da mesma<br />
forma, a pequena-burguesia<br />
mulata de seu país, como uma<br />
elite igualmente afrancesada,<br />
cujo anseio era se “embranquecer”,<br />
esquecer de sua<br />
origem e se integrar à antiga<br />
metrópole colonial. Negavam<br />
assim ao mesmo tempo a necessidade<br />
de independência<br />
nacional e a cultura nacional<br />
haitiana, marcadamente negra.<br />
Baten<strong>do</strong> de frente com estes<br />
anseios, Price-Mars irá<br />
elaborar um programa confuso,<br />
mas que buscava resgatar<br />
o que ele considerava ser a<br />
verdadeira cultura haitiana, a<br />
defesa de suas raízes negras,<br />
das tradições folclóricas, a<br />
religião vodu, a origem africana,<br />
a vida rural, o dialeto<br />
kreyòl, seus mitos, lendas, a<br />
tradição da cultura oral, etc.<br />
Na África particularmente<br />
Price-Mars iria en<strong>contra</strong>r<br />
o mais rico sorve<strong>do</strong>uro cultural<br />
para a afirmação da<br />
nacionalidade de seu povo,<br />
em <strong>contra</strong>posição à chamada<br />
“cultura ocidental”, de origem<br />
greco-romana. O antropólogo<br />
irá estabelecer deste mo<strong>do</strong><br />
uma clara delimitação entre a<br />
“verdadeira” cultura <strong>do</strong> povo<br />
<strong>do</strong> Haiti, de origem africana;<br />
e os seus elementos exteriores,<br />
avessos ao caráter e ao<br />
temperamento de seu povo,<br />
manifestações da antiga <strong>do</strong>minação<br />
colonial francesa.<br />
Em sua obra clássica, em<br />
que levanta pela primeira vez<br />
esta questão, Assim Fala o Tio,<br />
Price-Mars escrevia: “Nossos<br />
antepassa<strong>do</strong>s? Mas em que<br />
posso eu sentir-me humilha<strong>do</strong><br />
de saber de onde viemos se<br />
levo minha marca de nobreza<br />
humana na fronte, como uma<br />
estrela radiante, e se em minha<br />
ascensão fizer mais luz,<br />
me sentir alivia<strong>do</strong> pela ferida<br />
sagrada <strong>do</strong> ideal?<br />
“Nossos antepassa<strong>do</strong>s?<br />
São antes de tu<strong>do</strong> os mortos<br />
cujos sofrimentos seculares,<br />
o valor, a inteligência e a sensibilidade<br />
se fundiram então<br />
no cadinho de São Domingos<br />
para nos fazer o que somos:<br />
seres livres?<br />
“Nossos antepassa<strong>do</strong>s? São<br />
os mortos cujos vícios e virtudes<br />
conjugadas falam muito<br />
baixo em nossos corações<br />
maus ou em nossa consciência<br />
heróica e altiva.<br />
“Nossos antepassa<strong>do</strong>s? São<br />
to<strong>do</strong>s aqueles que se levantaram<br />
lentamente da animalidade<br />
primitiva para desembocar<br />
no ser transitório que somos,<br />
ainda temerosos ante o desconheci<strong>do</strong><br />
que nos envolve, mas<br />
herdeiros da glória imarcescível<br />
de sermos homens. Porque<br />
nossos antepassa<strong>do</strong>s foram<br />
homens que padeceram, que<br />
amaram e ansiaram, e podemos,<br />
nós também, aspirar a<br />
plena dignidade de sermos<br />
homens apesar da brutal insolência<br />
<strong>do</strong>s imperialismos de<br />
toda laia”.<br />
Como fica absolutamente<br />
claro nesta passagem de sua<br />
obra, o senti<strong>do</strong> de sua defesa<br />
era resgatar o orgulho da raça<br />
negra, encaran<strong>do</strong> o passa<strong>do</strong><br />
de lutas, sofrimento e miséria<br />
de seu povo como um aspecto<br />
de nobreza <strong>do</strong>s negros, e não,<br />
como era visto antes, de barbárie,<br />
de estigma social.<br />
Em um <strong>do</strong>s capítulos finais<br />
de seu livro, o antropólogo<br />
analisará que no Haiti nunca<br />
se formou uma verdadeira literatura<br />
nacional, que mesmo<br />
os maiores expoentes <strong>do</strong> século<br />
XIX sucumbiram diante<br />
da influência da cultura francesa,<br />
esconden<strong>do</strong>, o mais que<br />
podiam, o verdadeiro Haiti,<br />
um país negro, de dentro de<br />
suas obras.<br />
Esta era uma faceta nova<br />
Jean Price-Mars<br />
e original da ideologia panafricana,<br />
que nas décadas<br />
posteriores se mesclaria às<br />
formulações políticas <strong>do</strong> movimento<br />
negro. O próprio Du<br />
Bois <strong>já</strong> havia descoberto indícios<br />
desta nova visão da África,<br />
que influenciaria por sua<br />
vez os escritores negros <strong>do</strong><br />
Harlem durante a Renascença<br />
cultural.<br />
Tais idéias e conclusões de<br />
Price-Mars, mais desenvolvidas<br />
e elaboradas <strong>do</strong> que qualquer<br />
outro pensa<strong>do</strong>r negro,<br />
teriam uma enorme repercussão<br />
em to<strong>do</strong>s os países <strong>do</strong><br />
Caribe francófono, cuja influência<br />
teria particular importância<br />
na obra <strong>do</strong>s escritores<br />
que formariam o mais importante<br />
movimento de literatura<br />
moderna <strong>do</strong> Haiti, o Indigenismo,<br />
que representava, em<br />
essência, a introdução destes<br />
temas na literatura haitiana,<br />
forman<strong>do</strong> a primeira tradição<br />
da literatura negra <strong>do</strong> Caribe.<br />
A ocupação imperialista de 1915 no Haiti<br />
Os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s assumiriam<br />
assim o controle de<br />
países como as Filipinas na<br />
Ásia; Panamá e Nicarágua na<br />
América Central continental;<br />
e Cuba, Porto Rico, República<br />
Dominicana e Haiti no Caribe.<br />
Estas ocupações, acompanhadas<br />
de um rígi<strong>do</strong> controle<br />
de seus <strong>governo</strong>s, desencadeariam<br />
uma onda de sucessivas<br />
crises políticas, geran<strong>do</strong><br />
grandes manifestações,<br />
revoltas populares, greves e<br />
revoluções, como foi o caso<br />
de Cuba em 1933 e Haiti em<br />
1934.<br />
No Haiti, as lutas políticas<br />
que se iniciavam deram lugar<br />
a um processo de despertar<br />
geral da consciência política e<br />
cultural da população negra,<br />
que constituía a maioria da<br />
nação haitiana. Este “despertar”,<br />
manifesto na forma de<br />
um grande movimento político<br />
nacionalista de libertação<br />
nacional, acentuaria as diversas<br />
tendências <strong>já</strong> latentes<br />
entre a população no senti<strong>do</strong><br />
de buscar um ponto de apoio<br />
no terreno cultural para esta<br />
luta política <strong>contra</strong> a <strong>do</strong>minação<br />
estrangeira.<br />
A ocupação militar norteamericana<br />
levantava por sua<br />
vez um problema anterior,<br />
expresso pela completa dependência<br />
da nação haitiana<br />
da cultura européia, particularmente<br />
a francesa que inicialmente<br />
colonizara o país.<br />
Este mesmo problema se manifestaria<br />
em diversos outros<br />
países por causas aparentemente<br />
diversas.<br />
De um ponto de vista geral,<br />
no entanto, todas elas<br />
expressavam uma tendência<br />
internacional de oposição à<br />
violenta <strong>do</strong>minação política<br />
e econômica <strong>do</strong> imperialismo<br />
sobre as nações oprimidas.<br />
No Brasil, Argentina, Chile,<br />
Cuba, México, etc., importantes<br />
movimentos modernistas<br />
se iniciariam como um resulta<strong>do</strong><br />
deste novo fenômeno<br />
internacional, parte da luta<br />
destas burguesias nacionais<br />
pela independência de suas<br />
nações também <strong>do</strong> ponto de<br />
vista da cultura. Daí viria a<br />
busca pela identidade nacional<br />
que nortearia to<strong>do</strong>s os<br />
modernismos latino-americanos.<br />
Assim, no Haiti, surgiriam<br />
importantes intelectuais que<br />
levantariam o problema da<br />
emancipação haitiana diante<br />
da cultura européia, levantan<strong>do</strong>,<br />
por outro la<strong>do</strong>, a necessidade<br />
de criação de uma<br />
arte que fosse a expressão<br />
mais direta de sua própria<br />
nacionalidade, independente<br />
<strong>do</strong>s modelos estrangeiros.