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mobilizar desde já contra o “pacotaço” do governo lula - PCO

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30 de maio de 2010<br />

CAUSA OPERÁRIA<br />

CULTURA B8<br />

A REVISTA O ESTUDANTE NEGRO E A<br />

FORMAÇÃO DO GRUPO NEGRITUDE<br />

Pintura africanista <strong>do</strong> cubano Wilfre<strong>do</strong> Lam<br />

Legítima Defesa encerrou<br />

suas atividades após um único<br />

exemplar lança<strong>do</strong> devi<strong>do</strong> à perseguição<br />

política francesa. O<br />

<strong>governo</strong> francês retirou a bolsa<br />

de estu<strong>do</strong>s destes estudantes<br />

devi<strong>do</strong> ao que ao que considerou<br />

uma afronta à França.<br />

O grupo, porém, organiza<strong>do</strong><br />

em torno dela, manteve-se<br />

uni<strong>do</strong>, com o afastamento apenas<br />

de alguns de seus colabora<strong>do</strong>res.<br />

A partir deste núcleo,<br />

e com a aproximação de novos<br />

poetas negros, se formaria a<br />

que certamente foi a mais representativa<br />

e influente vanguarda<br />

literária negra na Europa<br />

e na África, grupo que nos<br />

anos seguintes ficaria conheci<strong>do</strong><br />

como Negritude.<br />

O Negritude seria forma<strong>do</strong><br />

por Étienne Léro, Jules Monnerot,<br />

René Ménil, Aimé Césaire,<br />

Léon Damas, Léonard<br />

Sainville, Aristide Maugée, os<br />

irmãos Achille e os africanos<br />

Léopold Sedar Senghor, Osmane<br />

Socé e Birago Diop, to<strong>do</strong>s os<br />

três emigra<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Senegal.<br />

Este novo grupo se unificaria<br />

inicialmente em torno de<br />

uma nova revista, L’Edudient<br />

Noir (O Estudante Negro), revista<br />

que teria igualmente<br />

curta duração com apenas <strong>do</strong>is<br />

exemplares lança<strong>do</strong>s ao longo<br />

de 1935. Ecos <strong>do</strong> manifesto de<br />

Legítima Defesa en<strong>contra</strong>vamse<br />

impressos no manifesto publica<strong>do</strong><br />

no primeiro número de<br />

O Estudante Negro: “A história<br />

<strong>do</strong>s negros é um drama em três<br />

episódios. Os negros foram primeiramente<br />

escraviza<strong>do</strong>s (‘estúpi<strong>do</strong>s<br />

e brutos’, dizia-se...).<br />

Um olhar mais indulgente, depois,<br />

voltou-se pare eles. Disseram:<br />

‘eles valem mais que sua<br />

reputação’. Tentou-se <strong>do</strong>má-los<br />

e foram assimila<strong>do</strong>s. Foram à<br />

escola <strong>do</strong>s senhores; ‘crianças<br />

crescidas’ dizia-se, pois apenas<br />

a criança está perpetuamente<br />

na escola <strong>do</strong>s senhores (...).<br />

Os jovens negros de hoje não<br />

querem nem o assujeitamento<br />

nem a assimilação. Querem<br />

emancipação. ‘Homens’, dirse-a,<br />

pois, apenas o homem<br />

anda sem mestre nos grandes<br />

caminhos <strong>do</strong> pensamento.”<br />

Ainda neste número inaugural<br />

da revista, Léon Damas<br />

anunciava: “O Estudante Negro,<br />

jornal corporativo e de<br />

luta com o objetivo de colocar<br />

um fim na tribalização e <strong>do</strong><br />

sistema de clãs em vigor no<br />

Quartier Latin (bairro latino<br />

francês). Cessamos de ser um<br />

estudante martinicano, guadalupense,<br />

guianense, africano,<br />

malgache, para sermos um<br />

único e mesmo estudante negro.<br />

Terminan<strong>do</strong> assim com a<br />

vida em isolamento”.<br />

O pan-africanismo<br />

a serviço da literatura<br />

A iniciativa era em si <strong>já</strong> profundamente<br />

revolucionária.<br />

Unia pela primeira vez, não<br />

apenas escritores das Américas<br />

como fez A Revista <strong>do</strong><br />

Mun<strong>do</strong> Negro, mas também<br />

africanos e franceses buscan<strong>do</strong><br />

um intercâmbio cultural mais<br />

profun<strong>do</strong> em torno de seu objetivo<br />

comum, a criação de um<br />

movimento literário verdadeiramente<br />

negro.<br />

Por trás deste objetivo, estava<br />

o programa político <strong>do</strong> panafricanismo,<br />

alia<strong>do</strong> às teorias<br />

culturais de etnógrafos como o<br />

haitiano Jean Price-Mars, que<br />

estu<strong>do</strong>u profundamente a cultura<br />

negra de seu país; o francês<br />

Maurice Delafosse, responsável<br />

por diversas pesquisas<br />

importantes nas colônias francesas<br />

na África; e, sobretu<strong>do</strong>,<br />

o alemão Léo Frobénius, que<br />

viajou pela África e realizou<br />

diversas descobertas importantes<br />

acerca da cultura das<br />

tribos subsaarianas. Os poetas<br />

<strong>do</strong> Negritude tinham ambos os<br />

estudiosos em alta conta. Senghor<br />

elogiava Frobénius como<br />

o homem que havia “da<strong>do</strong> de<br />

volta a África a sua dignidade<br />

e identidade”. Enquanto que<br />

Aimé Césaire considerava que<br />

Frobénius finalmente havia<br />

prova<strong>do</strong> que os africanos eram<br />

“civiliza<strong>do</strong>s até a medula <strong>do</strong>s<br />

seus ossos”.<br />

O programa<br />

literário <strong>do</strong><br />

Negritude<br />

Os poetas <strong>do</strong> Negritude motiva<strong>do</strong>s<br />

pelos fortes sentimentos<br />

<strong>do</strong> nacionalismo pan-africanista,<br />

buscavam sobretu<strong>do</strong><br />

uma identidade comum aos<br />

povos negros de to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>.<br />

Manten<strong>do</strong> seu programa<br />

de luta <strong>contra</strong> o colonialismo<br />

europeu, veriam nestas descobertas<br />

da rica cultura autóctone<br />

africana, a fonte primordial<br />

de criação para sua literatura<br />

renova<strong>do</strong>ra. Um terreno de<br />

atuação comum para negros<br />

americanos, europeus e africanos.<br />

Seria basea<strong>do</strong> nestas considerações<br />

que se formularia o<br />

programa literário <strong>do</strong> Negritude,<br />

movimento verdadeiramente<br />

amplo que transcenderia<br />

os limites de seu próprio<br />

grupo e mesmo das fronteiras<br />

francesas para se tornar<br />

o mais influente movimento<br />

negro em toda a África.<br />

Este movimento servirá<br />

como ponto de partida fundamental<br />

para o despontar da<br />

literatura negra em dezenas<br />

de países. Daria deste mo<strong>do</strong><br />

um norte para a atividade literária<br />

de centenas de escritores<br />

negros das décadas seguintes,<br />

tanto na África, quanto na<br />

Europa e América. Se constituin<strong>do</strong><br />

como a última etapa de<br />

gestação da literatura negra<br />

e responsável por delinear os<br />

contornos que ela assumiria a<br />

partir de então e até os dias de<br />

hoje.<br />

O termo negritude, no entanto,<br />

surgiria apenas mais<br />

tarde, em 1939, utiliza<strong>do</strong> por<br />

Aimé Césaire para designar estes<br />

escritores em busca de uma<br />

identidade para o seu povo.<br />

Nas páginas de O Estudante<br />

Negro, ele explicaria, “Como os<br />

antilhanos tinham vergonha<br />

de ser negros (‘nègres’, termo<br />

utiliza<strong>do</strong> de forma ofensiva<br />

pelos brancos, <strong>já</strong> que em francês<br />

existe a palavra ‘noir’),<br />

procuravam to<strong>do</strong>s os tipos de<br />

perífrases para designar um<br />

negro.<br />

Dizia-se ‘um negro’ (‘un<br />

noir’), ‘um homem amorena<strong>do</strong>’<br />

e outras besteiras como essas...<br />

e então nós tomamos a palavra<br />

negro (nègre) como uma palavra<br />

desafio. Era um termo de<br />

desafio. Era um pouco a reação<br />

de um jovem em cólera. Já que<br />

tínhamos vergonha da palavra<br />

negro, retomamos a palavra<br />

negro. Devo dizer que quan<strong>do</strong><br />

fundamos L’Étudiant Noir,<br />

eu queria chamá-lo, na realidade,<br />

‘L’Étudiant Nègre’, mas<br />

houve uma grande resistência<br />

no meio antilhano... Alguns<br />

pensavam que a palavra nègre<br />

era por demais ofensiva, por<br />

demais agressiva. Então tomei<br />

a liberdade de falar de nègritude.<br />

Havia um desejo de desafio,<br />

de afirmação violenta de nós<br />

mesmos na palavra ‘nègre’ e na<br />

palavra ‘negritude’”.<br />

O desenvolvimento<br />

das idéias da<br />

negritude<br />

Durante seu desenvolvimento,<br />

a negritude acabaria<br />

se desenvolven<strong>do</strong> em duas correntes<br />

distintas.<br />

Uma delas, defendida por<br />

escritores que entendiam a<br />

negritude como uma corrente<br />

específica da literatura, e entendida<br />

como um problema<br />

Fac símile <strong>do</strong> primeiro número da revista O Estudante Negro<br />

cultural e histórico, uma manifestação<br />

específica de um<br />

programa político mais amplo<br />

de libertação <strong>do</strong> negro da<br />

opressão colonialista e emancipação<br />

geral no interior da sociedade<br />

capitalista.<br />

O senegalês Leopold Sedar Sengor, importante<br />

expoente <strong>do</strong> Negritude<br />

A outra corrente, por outro<br />

la<strong>do</strong>, encarava a negritude de<br />

um ponto de vista mais amplo,<br />

como toda uma política a ser<br />

seguida. Encarava o problema<br />

<strong>do</strong> negro, não como resulta<strong>do</strong><br />

unicamente de séculos de<br />

O poeta Aimé Césaire, um <strong>do</strong>s pincipais nomes<br />

<strong>do</strong> Negritude<br />

opressão política pelos brancos,<br />

mas também como uma<br />

questão biológica e espiritual.<br />

Segun<strong>do</strong> esta interpretação<br />

da negritude, os negros, to<strong>do</strong>s<br />

descendentes da África,<br />

seriam os porta<strong>do</strong>res de alguma<br />

“substância vital negra”,<br />

que apenas eles poderiam<br />

manifestar e que uniria toda<br />

a raça a priori e não em torno<br />

de um determina<strong>do</strong> programa<br />

de luta. Uma implicação óbvia<br />

desta visão específica <strong>do</strong> negro<br />

era encarar a questão deste<br />

povo como um problema de<br />

consciência. Daí seu interesse,<br />

sobretu<strong>do</strong>, pela cultura negra,<br />

encarada como a principal<br />

ferramenta de libertação <strong>do</strong>s<br />

povos negros. Segun<strong>do</strong> eles,<br />

se aproprian<strong>do</strong> das tradições<br />

próprias <strong>do</strong>s antepassa<strong>do</strong>s<br />

africanos, suas histórias, cultos<br />

religiosos, vestimentas e<br />

dialeto, o negro naturalmente<br />

conquistaria sua emancipação<br />

social.<br />

Tal concepção era uma reação<br />

às teorias racistas que cada<br />

vez mais se popularizavam na<br />

Europa, defendidas pelo nazismo<br />

e demais fascismos ao longo<br />

das décadas de 1920 e 1930.<br />

Representava, portanto, neste<br />

momento, também uma tentativa,<br />

ainda que equivocada, de<br />

defesa da dignidade <strong>do</strong> negro.<br />

Embasavam suas idéias na<br />

tradição da religiosidade negra,<br />

mas por seu forte conteú<strong>do</strong><br />

místico, no perío<strong>do</strong> seguinte,<br />

tenderia seriamente para<br />

uma política direitista no interior<br />

<strong>do</strong> movimento negro, freqüentemente<br />

descartan<strong>do</strong> os<br />

princípios da luta política prática<br />

em função desta unidade<br />

“espiritual” de to<strong>do</strong>s os negros.<br />

Ambas as correntes da negritude<br />

foram extremamente<br />

influentes em seu tempo, encabeçadas,<br />

cada uma delas,<br />

por importantes poetas que<br />

haviam inicia<strong>do</strong> o Negritude<br />

e, durante as décadas de 1930-<br />

40-50, se dividiam em seus<br />

campos específicos de combate.<br />

Enquanto o africano Leopold<br />

Sedar Séngor liderava a<br />

corrente “essencialista” da negritude,<br />

escritores caribenhos<br />

como Aimé Césare e Jacques<br />

Roumain situavam-se no campo<br />

oposto.<br />

A negritude no pósguerra<br />

As atividades <strong>do</strong> negritude<br />

se desenvolveriam sempre<br />

através de publicações literárias<br />

que seriam responsáveis<br />

por popularizar as idéias <strong>do</strong><br />

grupo.<br />

Outra importante revista<br />

<strong>do</strong> grupo seria a Présence Africaine<br />

(Presença Africana), que<br />

se tornaria a principal portavoz<br />

da negritude a partir de<br />

1947.<br />

Fundada pelo importante<br />

intelectual senegalês Alioune<br />

Diop, a Presença Africana representava<br />

uma nova etapa<br />

<strong>do</strong> movimento literário negro,<br />

incorporan<strong>do</strong> agora em seu<br />

corpo de colabora<strong>do</strong>res, não<br />

apenas proeminentes escritores<br />

negros, como Aime Cesaire,<br />

Léopold Sédar Senghor e<br />

Richard Wright, mas também<br />

destaca<strong>do</strong>s intelectuais e escritores<br />

franceses, defensores<br />

da literatura negra pan-africana,<br />

tais como Jean-Paul Sartre,<br />

Albert Camus, André Gide<br />

e Michel Leiris, entre outros.<br />

Esta revista participaria<br />

das mais importantes iniciativas<br />

políticas e culturais da negritude<br />

a partir de então, manten<strong>do</strong><br />

suas atividades até os<br />

dias de hoje, não apenas como<br />

revista mas também como editora.<br />

O movimento negritudista<br />

atingiria o ápice de sua popularidade<br />

como corrente literária<br />

durante os movimentos de<br />

libertação das colônias negras<br />

africanas e <strong>do</strong>s movimentos<br />

pelos direitos civis <strong>do</strong>s negros<br />

nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s durante as<br />

décadas de 1960 e 70.<br />

Eventos fundamentais marcariam<br />

claramente a expansão<br />

<strong>do</strong> movimento internacionalmente,<br />

como a realização de<br />

duas edições <strong>do</strong> Congresso<br />

Alioune Diop, funda<strong>do</strong>r da Presença Africana, ao<br />

la<strong>do</strong> de Aimé Césaire<br />

Internacional de Escritores e<br />

Artistas Negros. O primeiro<br />

realiza<strong>do</strong> em Paris, em 1956, e<br />

o segun<strong>do</strong> em Roma, em 1959.<br />

Ambos os congressos contaram<br />

com a presença <strong>do</strong>s mais<br />

importantes intelectuais, escritores<br />

e artistas negros e<br />

brancos, apoia<strong>do</strong>res <strong>do</strong> movimento<br />

cultural negro e da luta<br />

política travada nas metrópoles<br />

e colônias pela libertação<br />

<strong>do</strong>s países africanos. Entre os<br />

presentes, estariam figuras<br />

como o antropólogo haitiano<br />

Jean Price-Mars, o poeta malgache<br />

Jacques Rabemananjara,<br />

o antropólogo senegalês<br />

Cheikh Anta Diop, o romancista<br />

norte-americano Richard<br />

Wright, e o psiquiatra e escritor<br />

martinicano Franz Fanon.<br />

Além da participação e apoio<br />

de personalidades como o pintor<br />

espanhol Pablo Picasso.<br />

Este congresso literário retomava<br />

a tradição <strong>do</strong>s congressos<br />

pan-africanos promovi<strong>do</strong>s<br />

por W.E.B. Du Bois, cujos êxitos<br />

haviam de manifesta<strong>do</strong> na<br />

realização de sua quinta edição,<br />

no imediato pós-guerra,<br />

em 1945, onde realizou um<br />

balanço <strong>do</strong> desenvolvimento<br />

<strong>do</strong> pan-africanismo mais de<br />

duas décadas depois da realização<br />

<strong>do</strong> IV Congresso.<br />

As idéias que foram popularizadas<br />

através da atividade<br />

<strong>do</strong> Negritude, que nada mais<br />

eram <strong>do</strong> que a conclusão de<br />

to<strong>do</strong>s os movimentos culturais<br />

surgi<strong>do</strong>s anteriormente,<br />

nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s e Caribe,<br />

são hoje parte indissociável de<br />

qualquer movimento político<br />

negro, tanto em suas expressões<br />

como nacionalismo burguês,<br />

quanto como movimento<br />

socialista.

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