Barreiro - Fonoteca Municipal de Lisboa
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Com os<br />
pulmões<br />
cheios<br />
<strong>de</strong> pó<br />
Aos 27 anos, Bruce Springsteen arrisca tudo.<br />
Depois <strong>de</strong> uma contenda com o manager<br />
que o impedia <strong>de</strong> pôr os pés num estúdio,<br />
rejeita a cama <strong>de</strong> sucesso que tem à sua<br />
frente e foge a refugiar-se no passado<br />
e na vida das pequenas cida<strong>de</strong>s<br />
americanas. “Darkness on the Edge<br />
of Town”, <strong>de</strong> 1978, não é punk em<br />
som, mas é-o em espírito. A reedição<br />
acentua o peso histórico <strong>de</strong> um disco<br />
soberbo. Gonçalo Frota<br />
“Alugar ‘Badlands’”. A frase até parece<br />
estar em relevo, saltando à vista <strong>de</strong><br />
imediato da amarelada (mas não carcomida)<br />
folha <strong>de</strong> trabalho. Bruce<br />
Springsteen <strong>de</strong>ve ser um rapaz muito<br />
arrumadinho, para o ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong><br />
apontamentos <strong>de</strong> há mais <strong>de</strong> 20 anos,<br />
em que ia anotando pistas para aquele<br />
que viria a ser um dos discos mais<br />
importantes da sua carreira não ter<br />
morrido num qualquer sótão. Mas<br />
voltemos àquela curta nota: antes <strong>de</strong><br />
se lembrar a si mesmo <strong>de</strong> completar<br />
alguns temas ou experimentar novos<br />
arranjos para as músicas que o ocupavam,<br />
ver urgentemente o filme <strong>de</strong><br />
Terrence Malick sobre um jovem casal<br />
que repentinamente se <strong>de</strong>dicava ao<br />
crime e se fechava ao mundo. Era um<br />
mergulho físico, para se cobrir <strong>de</strong> pó<br />
e <strong>de</strong> mazelas nos costados, na verda<strong>de</strong>ira<br />
paisagem americana. Longe <strong>de</strong><br />
pontes sobre Brooklyn, florestas <strong>de</strong><br />
betão, estátuas com tochas ou passa<strong>de</strong>iras<br />
vermelhas. Depois <strong>de</strong> uma extraordinariamente<br />
bem-sucedida digressão<br />
<strong>de</strong> “Born to Run”, que <strong>de</strong>le<br />
tinha feito uma estrela rock, Springsteen<br />
<strong>de</strong>sembolsou 2000 notas <strong>de</strong> dólar,<br />
comprou um Ford e seguiu com<br />
o guitarrista Steve Van Zandt numa<br />
viagem pelo sul do país.<br />
No espelho retrovisor, sabia que<br />
queria ver o tom épico <strong>de</strong> “Born to<br />
Run”. O medo <strong>de</strong> acordar com as roupas<br />
do sucesso metia-lhe medo e, no<br />
meio <strong>de</strong> uma acesa disputa <strong>de</strong> três<br />
anos com o manager Mike Appel sobre<br />
o controlo artístico, sen-<br />
três anos<br />
tiu o chamamento súbito <strong>de</strong><br />
que mediou o<br />
se ligar novamente aos pais<br />
lançamento dos dois álbuns<br />
e à realida<strong>de</strong> do país, habitualmente<br />
varrida para <strong>de</strong>baixo do ta-<br />
Appel. E ficaram apenas as <strong>de</strong>z que<br />
e em que se <strong>de</strong>u a batalha judicial com<br />
pete, longe dos olhares fugazes <strong>de</strong> reflectiam por inteiro as suas narrativas<br />
<strong>de</strong> personagens que a vida tratava<br />
quem parava nas pequenas cida<strong>de</strong>s<br />
apenas <strong>de</strong> passagem, sem vencer a com um chicote mas a que oferecia<br />
<strong>de</strong>sconfiança local. Era um grito em sempre esperança suficiente para se<br />
esforço por genuinida<strong>de</strong>, rouco <strong>de</strong> levantarem, até ser altura <strong>de</strong> caírem<br />
tanta intensida<strong>de</strong>, em que o cinema novamente. Não era uma questão <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Malick era uma referência essencial,<br />
a par <strong>de</strong> Bob Dylan. Depois <strong>de</strong> que mantinha as suas gentes à beira<br />
losers. Era antes a vida castigadora,<br />
ter <strong>de</strong>scoberto em “Highway 61 Revisited”<br />
o eco do país a que sentia per-<br />
nervoso, sangrento, subterrâneo, fo-<br />
<strong>de</strong> uma qualquer explosão. Um país<br />
tencer na adolescência, Springsteen ra do alcance dos radares ares da normalida<strong>de</strong><br />
exigida e ditada a por maioria.<br />
mesmo fascinante retrato da América<br />
tomou por ambição chegar a esse<br />
que rompia com as histórias bonitinhas<br />
dos hits do Top 40 que lhe fe-<br />
Embrenhado nas músicas <strong>de</strong> Hank<br />
Nem açúcar nem adoçantes<br />
riam os ouvidos.<br />
Williams e Woody Guthrie – tal<br />
O apelo foi tão <strong>de</strong>vastador na sua como fizera Dylan –, a<br />
exigência que <strong>de</strong>itou fora, sem arrependimento,<br />
todas as muitas canções sava reduzir a cinzas<br />
Springsteen interes-<br />
“alegres” compostas no período <strong>de</strong> todas as camadas <strong>de</strong><br />
glamour que o sucesso<br />
<strong>de</strong> “Born to Run”<br />
O medo <strong>de</strong> acordar com as lhe tivesse acrescenta-ado<br />
à pele. Era uma re-<br />
medo e, no meio <strong>de</strong> uma acesa acção <strong>de</strong> estranheza, <strong>de</strong><br />
roupas do sucesso metia-lhe<br />
disputa <strong>de</strong> três anos com o quem usa os punhos para<br />
manager Mike Appel sobre o furar e alcançar a vitória,<br />
controlo artístico, sentiu o mas a quem os louros <strong>de</strong>sse<br />
mesmo feito não servem,<br />
novamente aos pais e à<br />
sendo mais <strong>de</strong>sconfortáveis<br />
realida<strong>de</strong> do país,<br />
do que o soco mais violento<br />
habitualmente varrida para que po<strong>de</strong>ria obter em respos-<br />
chamamento súbito <strong>de</strong> se ligar<br />
<strong>de</strong>baixo do tapete<br />
ta. O Springsteen <strong>de</strong> “Dark-<br />
FRANK STEFANKO<br />
Este “Darkness”<br />
traz um filme<br />
precioso<br />
(mais dois<br />
concertos)<br />
que<br />
<strong>de</strong>svenda as<br />
costuras do disco.<br />
O documentário,<br />
“The Promise”, passa<br />
88 minutos a lembrar<br />
quem era e o que<br />
fez este Springsteen<br />
que se tornaria<br />
campeão <strong>de</strong> êxitos<br />
16 • Sexta-feira 26 Novembro 2010 • Ípsilon