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Barreiro - Fonoteca Municipal de Lisboa

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lugar da cabeça<br />

Genet, Lorca, Müller, Shakespeare, entre outros – para perguntar se ainda vale<br />

nos, outra vez, no novo teatro do mundo. Tiago Bartolomeu Costa<br />

encontrar um outro, uma pessoa com<br />

quem esteja a dialogar, e que me fale<br />

a mesma linguagem. E aí é que é difícil<br />

conseguir isso com o público. Mas<br />

é menos difícil com uma pessoa com<br />

quem já tenha trabalhado há muito<br />

tempo.<br />

Preciso <strong>de</strong> um estímulo <strong>de</strong> outra<br />

pessoa. Mesmo na minha relação com<br />

o público sinto que estou sempre a<br />

reagir àquilo que sinto que é o viver<br />

das pessoas à minha volta. Sinto a<br />

temperatura da socieda<strong>de</strong> em que<br />

estou inserido e é a essa temperatura<br />

que tendo a reagir.<br />

Lemos os textos anteriores <strong>de</strong><br />

apresentação dos espectáculos e<br />

<strong>de</strong>scobrimos que o medo do impasse<br />

é uma i<strong>de</strong>ia que vem do início.<br />

Sim, mas isso é como na vida. Estou<br />

permanentemente a tentar viver e<br />

não a ficar instalado numa posição<br />

<strong>de</strong> reafirmação <strong>de</strong> uma personalida<strong>de</strong>.<br />

Há uma coisa qualquer no teatro<br />

que me fascina: a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> actualizar<br />

tudo a cada dia. Mesmo quando<br />

o espectáculo está pronto, temos<br />

que o renovar e reinventar. Um escritor<br />

quando escreve já esta a reflectir<br />

sobre o que aconteceu. A activida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> criar não é simultânea à activida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> viver. No teatro isso não acontece.<br />

O que está a pedir é que o público<br />

seja reactivo.<br />

O público <strong>de</strong>ve ter vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ver alguma<br />

coisa. Temos a sensação <strong>de</strong> que<br />

há uma superestrutura i<strong>de</strong>ológica que<br />

domina toda a socieda<strong>de</strong> e as pessoas<br />

estão integradas nisso, não tendo a<br />

disponibilida<strong>de</strong> e a curiosida<strong>de</strong> para<br />

uma novida<strong>de</strong>. Porque já estão com<br />

aquilo na cabeça.<br />

As pessoas têm o seu pensamento<br />

organizado, pessoas até <strong>de</strong> quem me<br />

sinto próximo e que não têm já espaço<br />

para qualquer esperança e conhecimento<br />

<strong>de</strong> uma linguagem nova ou<br />

<strong>de</strong> novas i<strong>de</strong>ias. O que queria era perceber<br />

nas pessoas mais novas e que<br />

vão continuar a vida <strong>de</strong>pois da minha<br />

alguma coisa que me interesse que<br />

eu não vivi. Isto acontece pouco na<br />

vida. As pessoas envelhecem, confirmando<br />

o seu estatuto, o seu pensamento<br />

e com sauda<strong>de</strong>s do passado.<br />

Eu não tenho sauda<strong>de</strong>s do passado,<br />

eu quero é ser estimulado com coisas<br />

que venham para a frente.<br />

"Na minha relação<br />

com o público sinto<br />

que estou sempre<br />

a reagir àquilo<br />

que sinto que é o viver<br />

das pessoas à minha<br />

volta. Sinto a<br />

temperatura da<br />

socieda<strong>de</strong> em que<br />

estou inserido e é a<br />

essa temperatura<br />

que tendo a reagir"<br />

Repugna-me nas pessoas da minha<br />

geração uma espécie <strong>de</strong> amargura por<br />

não receberem aquilo <strong>de</strong> que estavam<br />

à espera. Eu gosto dos gestos gratuitos,<br />

eu não lanço para <strong>de</strong>pois colher,<br />

eu lanço porque me apetece. Se <strong>de</strong>pois<br />

me vem uma prenda fico contente<br />

mas não estou a fazer um cálculo.<br />

Na minha geração havia mais invejas,<br />

mais competição a um nível mais profundo.<br />

Este género <strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong><br />

felizmente está a morrer.<br />

Mas o que acontece com a sua geração?<br />

A gente respeita o trabalho uns dos<br />

outros, há uma solidarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas<br />

que começaram já há muito e<br />

que têm experiência <strong>de</strong> muita coisa.<br />

Mas creio que cada um percebeu que<br />

tem um objectivo concreto que é diferente,<br />

uma concepção do teatro que<br />

é menos profunda que aquilo que<br />

existe entre as pessoas mais novas. E<br />

pesa muito os anos <strong>de</strong> experiência,<br />

pesa muito alguma <strong>de</strong>cepção em relação<br />

ao que a gente esperou que pu<strong>de</strong>sse<br />

acontecer.<br />

Isso faz com que a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> pares<br />

e cúmplices não se possa fechar<br />

numa i<strong>de</strong>ia geracional.<br />

Pois não. Mas isso faz parte da minha<br />

maneira <strong>de</strong> viver. Vivo muito por entusiasmo<br />

ou por paixão, para usar<br />

uma palavra grave. Vivo muito emotivamente.<br />

Quer no trabalho como<br />

actor quer na vida em geral, tenho<br />

que ter um sistema <strong>de</strong> autocrítica a<br />

funcionar. Portanto, funciona com a<br />

cabeça e o coração ao mesmo tempo.<br />

Mas o motor é o coração.<br />

Pensa numa Cornucópia pós-Luís<br />

Miguel Cintra?<br />

Não. Muitas pessoas insistem que não<br />

estou a preparar a minha <strong>de</strong>scendência,<br />

que não estou a saber passar a<br />

companhia a outras pessoas mais novas.<br />

Eu acho que esta companhia,<br />

quando <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> a dirigir com a Cristina<br />

[Reis, cenógrafa e figurinista], já<br />

não faz sentido. E acho que não <strong>de</strong>ve<br />

fazer sentido, correspon<strong>de</strong> a estas<br />

pessoas e a este grupo. Não estou interessado<br />

em conservar isto.<br />

Imagina o espectador dos seus espectáculos?<br />

Imagino um espectador que me responda<br />

com perguntas que nunca fiz<br />

a mim próprio. Que vá mais longe do<br />

que eu. Quando um espectáculo me<br />

dá essa possibilida<strong>de</strong> é uma alegria<br />

muito gran<strong>de</strong>. A socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> estamos<br />

a viver limita a personalida<strong>de</strong><br />

das pessoas e é preciso muita força<br />

para não se <strong>de</strong>ixar esmagar.<br />

www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv | T 220 120 220<br />

MECENAS CASA DA MÚSICA<br />

E em relação ao que tinham sido<br />

as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> como essa socieda<strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong>senvolvida?<br />

Para nós era importante a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

povo, e havia uma responsabilida<strong>de</strong><br />

em relação a isso, ao povo que sabia<br />

menos que nós, que tinha menos<br />

acesso a informação, e isso dava-nos<br />

uma responsabilida<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> em relação<br />

a essas pessoas. Actualmente<br />

na minha cabeça isso já não existe,<br />

povo já não há. Mas lamento que não<br />

haja a inocência e a disponibilida<strong>de</strong><br />

que uma pessoa do povo há 60 ou 50<br />

anos tinha. Foi agradável quando foi<br />

possível, como a recepção ao “Terror<br />

e Miséria no III Reich” [Brecht, 1974]<br />

nas campanhas <strong>de</strong> dinamização do<br />

MFA, isso é inesquecível, a sensação<br />

<strong>de</strong> encontrar pessoas virgens, com<br />

uma capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> análise do que<br />

lhes era posto à frente, não eram perturbadas<br />

por nenhum ruído. Hoje<br />

isso já não é possível, as pessoas têm<br />

que fechar o ruído se quiserem.<br />

Isso <strong>de</strong>ixa-vos com que responsabilida<strong>de</strong>?<br />

A mesma atitu<strong>de</strong> séria com que nos<br />

dirigimos aos outros. Mas faz parte<br />

<strong>de</strong>ssa responsabilida<strong>de</strong> perceber que<br />

não <strong>de</strong>vemos exercer influência sobre<br />

eles no sentido <strong>de</strong> transmitir uma i<strong>de</strong>ologia.<br />

Sente-se responsável por alguma<br />

coisa?<br />

Por tudo. As pessoas gozam comigo<br />

porque tenho um sentimento <strong>de</strong> culpa<br />

gigantesco e acho sempre que sou<br />

o culpado pelo que acontece <strong>de</strong> menos<br />

bom. Mas tudo o que se faça que<br />

me diz respeito. Acho que tem que<br />

me atingir <strong>de</strong> alguma maneira: se <strong>de</strong>cido<br />

fechar a porta e dizer que um<br />

assunto não me interessa, estou a ser<br />

responsável por isso. Espero e exijo<br />

muito <strong>de</strong> mim próprio.<br />

Mas tem medo <strong>de</strong> si, do que sabe<br />

que é capaz?<br />

Acho que não.<br />

Mas sente-se ou não capaz <strong>de</strong> tudo?<br />

Não, mas sinto que <strong>de</strong>via ser capaz<br />

[<strong>de</strong> tudo]. Há uma luta por fazer sempre<br />

aquilo que não sou capaz <strong>de</strong> fazer,<br />

mas se antigamente tinha vergonha<br />

<strong>de</strong> mostrar essa luta, hoje já não tenho.<br />

Se não conseguir fazer, não tenho<br />

nenhum problema.<br />

É assim no teatro como na vida?<br />

Na vida sou muito menos activo, tenho<br />

prazer em estar a receber o que<br />

os outros me querem dar, já tenho<br />

espaços diferentes que não são <strong>de</strong><br />

afirmação.<br />

E o Porto outra vez tão perto <strong>de</strong><br />

Sérgio Godinho. Antes <strong>de</strong> entrar para<br />

estúdio, o cantautor quer testar,<br />

junto do público da Casa da Música,<br />

alguns dos temas que farão parte do<br />

seu próximo álbum. Em primeiríssima<br />

mão, a partilha incluirá conversa<br />

sobre a génese das canções e a sua<br />

feitura, “dos primeiros acor<strong>de</strong>s<br />

ao final <strong>de</strong> rascunho”. Godinho vai<br />

também incluir no concerto três<br />

ou quatro poemas do livro O Sangue<br />

Por um Fio (Assírio & Alvim, 2009)<br />

e versões novas <strong>de</strong> temas antigos.<br />

Segundo o próprio, “será um<br />

concerto com muitas palavras e muita<br />

música, encenado e espontâneo,<br />

construído e imprevisível”.<br />

APOIO INSTITUCIONAL<br />

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Ípsilon • Sexta-feira 26 Novembro 2010 • 27

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