13.03.2015 Views

Barreiro - Fonoteca Municipal de Lisboa

Barreiro - Fonoteca Municipal de Lisboa

Barreiro - Fonoteca Municipal de Lisboa

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

música<br />

fim-<strong>de</strong>-semana<br />

especial<br />

3/4 Dezembro<br />

DANIEL ROCHA<br />

transgressão. Franzen aponta para o<br />

passado, para o Romance que o<br />

tempo esqueceu. Como qualquer<br />

mito nostálgico, isto é uma<br />

simplificação, uma tentativa <strong>de</strong><br />

falsificar uma verda<strong>de</strong> universal a<br />

partir <strong>de</strong> um impulso individual e<br />

saudosista. Mas qualquer artifício<br />

<strong>de</strong>ve ser julgado pelos seus efeitos, e<br />

a nostalgia <strong>de</strong> Franzen não produz<br />

sentimentalismo, contangiando o<br />

romance com compaixão, comédia e<br />

plausibilida<strong>de</strong>. Os Lambert persistem<br />

na memória com uma soli<strong>de</strong>z que a<br />

sensibilida<strong>de</strong> literária<br />

contemporânea só po<strong>de</strong> achar<br />

reminiscente <strong>de</strong> prazeres antiquados<br />

e semi-esquecidos: têm a urgência<br />

efusiva <strong>de</strong> estranhos interessantes, <strong>de</strong><br />

pessoas que julgamos conhecer.<br />

Apesar <strong>de</strong> ter sido escrito como<br />

confirmação prática <strong>de</strong> uma certa<br />

i<strong>de</strong>ia sobre o Romance, “As<br />

Correcções” é <strong>de</strong>masiado bom para<br />

servir <strong>de</strong> fórmula, <strong>de</strong>masiado<br />

idiossincrático para servir <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo.<br />

O que fez foi elevar as expectativas<br />

sobre um autor muito acima da<br />

média; e a única coisa que se arrisca<br />

a corrigir é o cânone contemporâneo.<br />

Toque<br />

<strong>de</strong> finados<br />

Trata-se aqui, obviamente,<br />

da Morte, a qual vai surgindo<br />

sob múltiplos disfarces e<br />

reclama no final as suas<br />

vítimas.<br />

Helena Vasconcelos<br />

Ao Entar<strong>de</strong>cer<br />

Michael Cunningham<br />

(Trad. Ana Falcão Bastos)<br />

Ed. Gradiva<br />

mmmmn<br />

Um táxi atravessa<br />

Manhattan,<br />

vagarosamente. O<br />

trânsito intenso<br />

torna-se ainda<br />

mais<br />

problemático<br />

<strong>de</strong>vido a um<br />

aci<strong>de</strong>nte: um<br />

automóvel matou<br />

um velho cavalo, daqueles que<br />

puxam carruagens para turistas.<br />

Enclausurados no automóvel, Peter<br />

e Rebecca falam da iminência da<br />

chegada <strong>de</strong> Ethan, mais conhecido<br />

por Mizzy, diminutivo <strong>de</strong> Mistake<br />

(Erro), o problemático, mimado e<br />

insuportável irmão mais novo <strong>de</strong><br />

Rebecca. Este início <strong>de</strong> “Ao Cair da<br />

Noite” do americano Michael<br />

Cunningham, prenuncia,<br />

evi<strong>de</strong>ntemente, o clima <strong>de</strong> <strong>de</strong>sastre<br />

que irá percorrer a narrativa. A<br />

melancolia quase surreal remete o<br />

leitor para “Mrs Dalloway”, o<br />

romance <strong>de</strong> Virgínia Woolf (cujo<br />

“fantasma” persegue Cunningham)<br />

que, aqui, é seguido quase passo a<br />

passo – o atropelamento do cavalo<br />

que realça o lado mortífero das<br />

máquinas e do progresso, o facto <strong>de</strong><br />

o casal Peter e Rebecca irem a<br />

caminho <strong>de</strong> uma festa, a referência à<br />

entrega <strong>de</strong> flores, mais tar<strong>de</strong> a<br />

atmosfera da própria festa, on<strong>de</strong> se<br />

cruzam conversas e se trocam<br />

olhares e insinuações não<br />

confirmadas que contribuem para a<br />

ambiguida<strong>de</strong> das relações e para o<br />

brilho crepuscular das aparências.<br />

Peter e Rebecca voltarão para<br />

casa, um casal <strong>de</strong> meia ida<strong>de</strong> com<br />

uma vida interessante e confortável<br />

– Rebecca dirige uma revista <strong>de</strong> Arte,<br />

Peter é dono <strong>de</strong> uma Galeria – em<br />

que o sexo é seguro e agradável, as<br />

habituais e vagas preocupações com<br />

a filha adulta, que vive sozinha em<br />

Boston, não constituem surpresa <strong>de</strong><br />

maior e o entendimento entre<br />

ambos flui naturalmente como uma<br />

máquina bem oleada.<br />

No entanto, Cunningham não<br />

tenciona <strong>de</strong>ixar o leitor entregue à<br />

confortável sensação <strong>de</strong> estar a<br />

contemplar um quadro, uma cena<br />

em que os intervenientes estão<br />

congelados no tempo. É preciso<br />

preparar o terreno para a chegada<br />

<strong>de</strong> Mizzy. Peter é obrigado a largar a<br />

sua paz domingueira, convocado<br />

para um almoço com uma amiga,<br />

dona <strong>de</strong> uma Galeria, visita com ela<br />

o Museu Metropolitan, contemplam<br />

juntos o “Tubarão” <strong>de</strong> Damien Hirst<br />

– uma epifania <strong>de</strong> morte – e regressa<br />

a casa para outro sobressalto: ouve a<br />

água do chuveiro e pensa que é a<br />

mulher a tomar banho. Mas não: é<br />

Mizzy, cujo corpo jovem, na<br />

enevoada atmosfera, se fun<strong>de</strong> com a<br />

recordação do <strong>de</strong> Rebecca, anos<br />

atrás. A agitação na mente <strong>de</strong> Peter é<br />

o reflexo da confusão geral, da<br />

perplexida<strong>de</strong> em relação ao sexo,<br />

aos géneros, à ida<strong>de</strong>, às ameaças<br />

como o cancro, a sida (que reclamou<br />

a vida do <strong>de</strong>slumbrante e irmão <strong>de</strong><br />

Peter, uma espécie <strong>de</strong> primeira<br />

encarnação <strong>de</strong> Mizzy), o terrorismo,<br />

o abandono e a incerteza. E Mizzy, o<br />

filho tardio, o pequeno génio que<br />

não se fixa em coisa alguma, toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, ex-viajante, uma<br />

ex-<br />

promessa sempre à beira <strong>de</strong> não se<br />

concretizar, é o forasteiro que<br />

irrompe na vida do<br />

casal, instilando <strong>de</strong>sejo<br />

e culpa, atracção e<br />

repulsa e provocando<br />

uma <strong>de</strong>vastação<br />

incontrolável.<br />

Cunningham é muito<br />

bom a <strong>de</strong>screver o efeito lento do<br />

veneno que contamina o território<br />

familiar, on<strong>de</strong> as complexas relações<br />

entre casais, irmãos e irmãs, pais e<br />

filhos são insidiosamente nte<br />

corrompidas e finalmente nte <strong>de</strong>struídas<br />

como acontece em “Ao Cair da<br />

Noite”. Este verda<strong>de</strong>iro toque <strong>de</strong><br />

finados é, também, um melancólico<br />

a<strong>de</strong>us a uma cultura e a uma forma<br />

<strong>de</strong> viver, representados aqui pelo<br />

<strong>de</strong>stino amputado dos mais jovens –<br />

Mathew, o irmão/rival <strong>de</strong> Peter,<br />

morto; Mizzy, o rapaz milagre, a<br />

imagem <strong>de</strong> uma perfeita estátua<br />

grega, con<strong>de</strong>nado ao fracasso;<br />

Beatriz, a filha que trabalha num bar<br />

e que po<strong>de</strong>ria ter sido, e feito, tanta<br />

coisa; Joana, a jovem Lolita que<br />

preenche os sonhos húmidos <strong>de</strong><br />

Peter adolescente – todos<br />

aniquilados por mortes precoces ou<br />

diluídos em vidas <strong>de</strong>sinteressantes.<br />

Quanto a Peter, personagem<br />

principal, um homem com uma<br />

espécie <strong>de</strong> clarividência iluminada<br />

pelo sólido bom senso da mulher e<br />

pela sua própria sensibilida<strong>de</strong> e<br />

inteligência, parece, a princípio,<br />

capaz <strong>de</strong> sustentar a sua<br />

sobrevivência moral. No entanto,<br />

Cunningham é impiedoso e não<br />

permite que o leitor se <strong>de</strong>ixe seduzir<br />

por esse homem aparentemente<br />

equilibrado que escuta às portas, se<br />

prepara para <strong>de</strong>ixar cair um dos<br />

seus artistas para apadrinhar outro<br />

mais lucrativo – os chineses gostam<br />

– e que irá provocar a sua própria<br />

queda, por vaida<strong>de</strong>, por fraqueza e<br />

por falta <strong>de</strong> convicção.<br />

Em “Ao Cair da Noite”,<br />

Cunningham regressa à obsessão por<br />

Virginia Woolf (que preenche o seu<br />

romance “As Horas” <strong>de</strong> 1998) e<br />

acrescenta muitas outras, numa<br />

espécie <strong>de</strong> “overdose” (não fatal) <strong>de</strong><br />

referências literárias e não literárias,<br />

<strong>de</strong> Shakespeare a Ali Smith, e com<br />

alusões directas às Artes Plásticas, do<br />

classicismo à contemporaneida<strong>de</strong>.<br />

Ouvem-se os ecos premonitórios e<br />

elegíacos da trilogia <strong>de</strong> Jay McInerney<br />

– “As Luzes da Cida<strong>de</strong>” (1982), “O<br />

Brilho Cai” (1992) e “A Boa Vida”<br />

(2006) – com as suas personagens<br />

que pertencem a uma classe média<br />

alta, culta e elitista, frequentadora <strong>de</strong><br />

museus e restaurantes “trendy” e<br />

que, tanto no rescaldo do “crash” <strong>de</strong><br />

1987, como nos anos que se seguirão<br />

à actual crise económica, continuam<br />

a interrogar-se sobre o seu papel<br />

DANIEL ROCHA<br />

Como seria <strong>de</strong> esperar,<br />

Cunningham conce<strong>de</strong> às<br />

suas personagens momentos<br />

<strong>de</strong> êxtase e <strong>de</strong> iluminação<br />

Masayoshi Fujita<br />

&Jan Jelinek Radian<br />

sexta 3 Dezembro 22h00<br />

Fennesz<br />

Brandlmayr Ben Frost<br />

& Dafel<strong>de</strong>cker<br />

sábado 4 Dezembro 22h00<br />

tel. 218 438 801<br />

15€ /

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!