Agnes Prado dos Santos, 28 anosAGNES traz entre os seios uma tatuagemcom seu nome, uma cruz e umaborboleta. Fez isso quando tinha 23anos. Deprimida, tinha decidido se matar,mas não se conformava com o fatode que na lápide ficaria gravado seunome masculino. Com a tatuagem, saberiamque estavam enterrando umamulher, pensava. O pior da crise passou,ela desistiu do suicídio, mas a tatuagementre os seios permanece comouma forma de dizer que não é homem,nem nunca quis ser. Agnes ainda esperamudar seu nome na Justiça, mas sevê muito longe de uma cirurgia detransgenitalização por conta das filas deespera. Tudo que faz é o acompanhamentoterapêutico no Hospital das Clínicashá um ano, e o comparecimentofiel às Terças-Trans, promovidas peloCRD, o Centro de Referência da <strong>Diversidade</strong>.Se morrer atropelada – elaimagina – trocarão suas roupas femininaspor um paletó de homem e na lápideirá seu nome masculino, que ela nãoquer pronunciar nem revelar. Será quealguém notará a Agnes tatuada no colodos seios?, ela pergunta.Agnes Prado dos Santos, 28 anos,pode ser vista nos corredores do Institutode Psiquiatria do Hospital das Clínicas,onde é “funcionário administrativo”,traja uma jaqueta masculina da instituiçãodisfarçando blusa e calças femininas.Tem os cabelos na altura dos ombros,encaracolados, quem a vê no trabalhonão consegue saber se é homemou mulher. Fora dali, Agnes só usa roupasfemininas, e quase sempre pretas.Foi assim que se vestiu quando compareceuao Instituto de Psiquiatria depoisde ter passado em um concurso do Hospitaldas Clínicas, dois anos atrás. “Quandoviram que eu me vestia como mulher,não sabiam o que fazer comigo”,conta. “Você vai ter que disfarçar”, dissea chefia. “Use o banheiro unisex”,um banheiro que ficava escondido e quasedesativado. Agnes conta que escreveupara a superintendência, que respondeuautorizando o uso de roupas femininase o banheiro das moças. Mas logoaconteceram protestos de funcionárias,a proibição voltou e ela ainda aguardauma decisão da superintendência parausar o banheiro e um crachá feminino.Agnes conta que conheceu o CRDdois anos atrás, em 2008, quando procuravagrupos de transexuais na Internete soube das “terças-trans”. “Procuravapessoas que tinham o mesmodesejo que eu, que me orientassem afazer um tratamento. Aqui no ‘terçatrans’,quando ouço outros relatos, vejoque minha vida foi até tranquila. Sempreacredito que vou acrescentar algumacoisa. É também um pouco demilitância, eu quero fazer algo pelomovimento. E queria contar coisas quenão conseguia dizer na psicoterapia doHC, porque lá me sinto presa a um rótulode transexual.”O que imaginava ser um segredo sóseu, revelou-se um sentimento compartilhadopor várias colegas. Agnes é“ Não meenterrem comohomem”lésbica, o que a torna sujeita a um duplopreconceito. “Apesar de ter a minhaidentidade feminina, eu gosto demulheres, assim como existem transexuaisgays, homens trans que gostamde homens. Imagine minha alegria quandosenti que não era a única. É muitocomplicado para as pessoas entenderemque eu me identifico mais comouma mulher lésbica do que com umamulher trans.”Agnes nasceu biologicamente homem,mas se sentia mulher. Em lugarde gostar de homem, porém, sentiaatração por outras mulheres. “Quandoera criança era uma doideira compreendertudo isso, na minha cabeçaeu não era gay, não era travesti, nãoera trans, nem nada... Aquela coisa demenino gostar de menina, não valia paramim, eu não me sentia menino, e comomenina eu deveria gostar de menino,mas eu queria gostar de menina comomenina, isso não batia. Custou para eudescobrir que identidade de gênero esexualidade são coisas distintas.”O nome Agnes, que ela traz no peito,veio ainda da infância quando assistiadesenhos japoneses como Jaspion,Flashion e Jirai. “Em um dos episódioshavia uma ninja que se chamava Agnes.Uma mulher ninja que enfrenta todosos perigos, eu quero ser assim, queroser forte assim. E fiquei com aquelenome na cabeça... Acho que tinha unssete ou oito anos.”A DIVERSIDADE REVELADA19
CRDO acolhimentocomo “porta deentrada”Entre 2009 e 2010, o número deatendimentos mensais aumentouem 115%. A população emsituação de rua e usuária de cracktem sido a principal causa dessecrescimento. Entre os queprocuraram o CRD em 2010, umterço era morador de rua.A DIVERSIDADE REVELADA20Oespaço do Centro de Referência da <strong>Diversidade</strong>,com a porta aberta para a calçadada rua Major Sertório, é um lugarque convida a entrar. Nenhum obstáculosepara a porta dos sofás vermelhos morangodispostos diante de uma tevê sempreligada. A mesa da recepcionista Thaís di Azevedofica discreta à direita da sala, e o segurança doespaço é instruído para cuidar da ordem, não controlara entrada. Quem quiser chegar e apenas esticar-seno sofá não será incomodado. Alguns chegamali ainda “bodeados”, outros dormiram na rua. Tiramum cochilo antes de se animar para uma conversa,ou antes da chegada de dona Selma, oferecendolanche e um suco. Na tarde da sexta-feira, 16 dejulho, um dos dias mais frios do ano, havia pelo menos30 pessoas no espaço, entre travestis, transexuaise michês. Muitos se apertavam no sofá. Parte delesiria para algum albergue no início da noite, outrosdormiriam na rua. Nas noites de frio, os pernoitesem albergues são mais disputados.As paredes do Centro estão tomadas por grafites equadros pintados pelos próprios usuários durante assessões de arteterapia. Três computadores ficam à disposiçãoe a concorrência entre os usuários exige inscriçãono livro sobre a mesa da recepcionista Thaís.Nas salas no fundo ficam Taís Diniz Souza, a assistentesocial, e Fernanda Maria Munhoz Salgado, a psicóloga.Um pequeno quadro indica se estão disponíveis ounão, mas a janela de vidro permite que se observe defora, e as pessoas podem entrar sem bater.“Queríamos fugir da cara de equipamento públicoburocrático”, diz Irina Bacci, que passou a dirigira segunda fase do CRD, voltada sobretudo para oacolhimento. “Fizemos uma recepção confortável,com sofá, tevê, com livros, colocamos uns computadores,mesmo que só para entrar no Orkut, Facebook.O importante era despertar outros interesses que nãofosse só a droga, deixá-los menos bodeados.” A própriatevê, mesmo que não componha um espaço idealpara a inclusão, os leva a prestarem atenção na programação,a discutirem sobre canais. “Às vezes
- Page 5 and 6: PREFÁCIOO AMOR NADIVERSIDADEAureli
- Page 7 and 8: INTRODUÇÃOUM TEMAESTIGMATIZADOE I
- Page 9 and 10: A DIVERSIDADE REVELADA8homem e ele
- Page 13: A DIVERSIDADE REVELADA12À espera d
- Page 16 and 17: TRANSEXUAISE TRAVESTISRespeito e di
- Page 18 and 19: Foram 50 anos de olhos fechados, pa
- Page 22 and 23: folheiam um livro, não ficam com a
- Page 24 and 25: Mikaela Rossini, 40 anosMIKAELA é
- Page 26 and 27: Ambulatório para travestis e trans
- Page 28 and 29: pelo Ambulatório de Transexuais do
- Page 30 and 31: Entrada do ambulatório doCRT DST/A
- Page 32 and 33: Verônica de Freitas, 20 anosA TRAN
- Page 34 and 35: Oficina de Pintura Artística em Ma
- Page 36 and 37: Quando a equipe do CRD percebe que
- Page 38 and 39: As oficinas do CRD - como a de Desi
- Page 40 and 41: Transexuais e travestis,CLASSIFICA
- Page 42 and 43: “NÃO SOU DOENTE MENTAL”diz ex-
- Page 44 and 45: Alexandre Santos é um personagem q
- Page 46 and 47: Quatro hospitais públicos foram cr
- Page 48 and 49: dedicar aos transexuais. Com o aume
- Page 50 and 51: Thaís di Azevedo, 60 anosA TRAVEST
- Page 52 and 53: As reuniões alternam a discussão
- Page 54 and 55: Renata Perón, 33 anosTODAS AS noit
- Page 56 and 57: A Coordenadoria deAssuntos da Diver
- Page 58 and 59: Para poderemse casar, oshomens eas
- Page 60 and 61: Vanessa Pavanello, 41 anos“A ciru
- Page 62 and 63: Cena da peça de teatro Hipóteses
- Page 64 and 65: Mudança noDOCUMENTOé prioridadeA
- Page 66 and 67: Oficina de Canto e Iniciação Musi
- Page 68 and 69: Visita às avenidas e guetosonde se
- Page 70 and 71:
preservativo, tira o anel e rasga-o
- Page 72 and 73:
Leo Moreira, 52 anos“MEU NOME art
- Page 74 and 75:
Centenas de crianças e adultos, am
- Page 76 and 77:
Camila Rocha, 20 anosCAMILA ROCHA,
- Page 78 and 79:
que reúnem por mês, já descontad
- Page 80 and 81:
Claudia Coca, 42 anosCLAUDIA COCA
- Page 82:
Realização:Apoios:Departamento de