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A Diversidade Revelada - Cepac

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Mikaela Rossini, 40 anosMIKAELA é a mais respeitada, a maisquerida e a mais temida das travestis.Alta, forte e “babadeira”, ela se impõeonde estiver. Um cliente ou estranhoque humilhe uma colega, ela quebrauma garrafa na mesa e o bar vira umsilêncio. Ganhou o apelido de “Mikaelademônio”, que conserva até hoje.Mikaela Rossini tem 40 anos, viveu 20na prostituição, nos últimos cinco sótrabalhava animada por drogas, cachaçae crack, como ela relata.“Estava exausta, acabada, não viamais saída”, conta. “Eu passava semprepor essa calçada do CRD e um diadecidi entrar. Isso foi um ano e meioatrás. Carregava na bolsa uma latacom os meus cigarros e as minhas drogase disse que voltaria outro dia. Fuipara o hotel, usei tudo que tinha queusar e no outro dia retornei. ‘Querosair dessa, mas estou no buraco, nãotenho um puto’, eu disse ao Alexandre,um rapaz maravilhoso que merecebeu e me encheu de esperanças.Fui para um albergue, me joguei emtodos os cursos que me ofereciam,parei de me drogar e beber. Saía deum curso, ia para outro, passava poraqui e voltava para o albergue, assimeu fugia das drogas. O CRD me encaminhoupara o Cratod, um centro dereferência para álcool e drogas doEstado, que me ajudou muito.”Encaminhada pelo CRD, Mikaelatrocou o SAE dos Campos Elísios peloambulatório do CRT DST/Aids-SP, narua Santa Cruz. Há nove anos vemsendo acompanhada por infectologistaspor ser portadora do vírus do HIV eagora procura tratamento hormonal.“Sobre hormônios, sei o que aprendicom as mais velhas. Diziam que esse épara o peito, aquele para o bumbum,para as coxas. Tomava tudo numa seringasó, uma vez por semana. Hoje seique isso é perigoso e estou ouvindo o“ Passavasempre poressa calçada;um dia decidientrar”que o médico diz. O silicone ainda nãodeu problema. Tenho próteses no seio,que paguei para um cirurgião plástico.E silicone industrial no bumbum, umlubrificante de peças de avião.”Vários quadros das paredes do CRDforam pintados por Mikaela. “Descobriessa vocação aqui no CRD.” Outradescoberta foi sua habilidade cominformática. “Faço sites e trabalho comdez janelas abertas ao mesmo tempo.Terminei o segundo grau com 16 anos,sempre fui precoce, agora farei faculdadede tecnologia da informação.” Eficará rica, ela prevê. “Vou trabalharem casa, pelada, com o meu namoradoao lado, ganhando muito dinheiro.Vou usar de novo meu ‘Bulgary black’,que é o meu cheiro, quase dois mil ofrasco. Carro não quero, quero casana praia. Cirurgia também não quero.Quero meu órgão.”Mikaela tem os cabelos pintados deloiro e bem curtos, o que reforça seuporte atlético. Costuma vir ao CRDacompanhada do “esposo”, que conheceuno albergue Nova Vida e que trabalhano “Travessia Segura”, programade emprego da Prefeitura. “Hojefaz nove meses e duas semanas queestamos juntos. Vamos morar numacasa no jardim Mirna, depois da Guarapiranga,longe, no extremo sul da cidade,com o bolsa aluguel que consegui.Ele tem 50 anos, está feliz como criança.Ele não bebe, não usa drogas, meajuda em tudo, sofri um derrame parcialpor conta do HIV e tenho dificuldadescom uma das mãos, é ele quemprepara meus baseados, me ajuda a cuidarda casa. Não estou com ele só porisso, é que estou apaixonada.”Mikaela sonha com o “quarto e sala”onde ouvirá suas músicas – “gosto doestilo new age, gosto do Kitaro...”. Dizque está lendo Sêneca, já leu HermanHesse, ‘Sidarta’, Oscar Wilde, ‘Retratode Dorian Gray’, Victor Hugo,Nietzsche. “Sou kardecista desde os 14anos. O kardecismo me ajuda a entenderporque muitas pessoas são agressivascom uma travesti, é porque só vêemo lado mau. O kardecismo vê a travesticomo aquela que tem corpo de homeme alma de mulher. Quem não entende,quem não respeita, eu viro a mesa.”Mikaela chama as travestis mais novasde “meninas”, de “minhas filhas”,e quando as encontra na rua faz questãode levá-las para o CRD. “Temaquelas cheias de vergonha, tenho quepegar pelos cabelos, ‘vai lavar as mãose vem tomar um lanche, vem conversar,entra no computador’, eu sempreinsisto.” Numa tarde de junho, duasdelas, ainda meninas, dormiam no sofá,a maquiagem borrada. “Passaram a noitenum programa, ainda estão alcoolizadase com fome”, explica Mikaela.“Quando a ressaca passar, talvez aceitemum suco, um lanche.” Algumasficam para conversar. Outras saem tímidas,cambaleantes.A DIVERSIDADE REVELADA23

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