Mudança noDOCUMENTOé prioridadeA Antra, Articulação Nacionalde Travestis e Transexuais,defende lei que permita mudança de nome no registro de nascimento.Saúde integral e combate à violência são outras prioridades.“Você é homem, rapaz”, dizia o professorem voz alta, chamando Jovanna Baby peloseu nome de registro. Jovanna conta quea humilhação fez com que abandonasse afaculdade de administração que cursava naépoca. “Hoje talvez tivesse recursos legaise apoio do movimento para continuar o curso e denunciaro professor. Na época não tinha, não me sentiaforte para isso”, ela diz.Jovanna é de Picos, no interior do Piauí. Atualmentepreside a Articulação Nacional de Travestis eTransexuais, a Antra. As principais reivindicações dogrupo são justamente o uso do nome social, um planonacional de saúde para transexuais e travestis, e ocombate à violência.Por conta da pressão da Antra, uma lei estadualcriou um documento conhecido como “identidadedo nome social”. Uma espécie de carteira de identidadeparalela que transexuais e travestis têm o direitode solicitar e apresentar quando sua documentaçãofor pedida em qualquer situação. “Mas nossa lutaé pela aprovação no Congresso de lei que autorizetransexuais e travestis a mudarem de nome e sexo nacertidão de nascimento, mesmo sem ter feito cirurgiade readequação sexual”, afirma.A Antra estima que existam no país 800 mil travestise 400 mil transexuais. “São estimativas colhidasjunto ao movimento. Se o número é maior ou menor,cabe ao governo nos dar a informação correta”, diz apresidente da Antra. Pelo menos a metade sobrevivecomo profissional do sexo, estima-se.Jovanna diz que há diferenças regionais, e que noNordeste, Norte e Centro-Oeste, principalmente nascidades do interior, as travestis se expõe mais, são visíveisdurante o dia, o que não aconteceria no Sul e Sudeste.Esse fato facilita o contato com a população ereduziria o preconceito, oferecendo outras oportunidadesde emprego. Segundo ela, é nessas regiões queexiste um maior número de travestis no mercado detrabalho. Ela mesmo diz ser uma consultora na área dedireitos humanos. Conhecida como “senhora Jovanna”,costuma ser convidada para sessões na Câmara, atospúblicos, festas e mesmo cultos na igreja local.“Há entre nós muitas secretárias, auxiliares de enfermagem,mas a maioria é professora. A Antra acabade criar uma rede de pessoas educadoras trans, e elassão muitas”, diz. “Mas se forem chamadas pelo nomedo registro civil na sala de aula, ficam sem condições delidar com os alunos.” Segundo Jovanna, o nome é aprincipal demanda, porque interfere diretamente naeducação. “Uma aluna travesti ou transexual, que échamada pelo nome masculino na sala de aula, nãovolta mais para a escola.” Discriminada, com baixa estimae sem escolaridade, resta o caminho da modificaçãodo corpo e da prostituição, comenta Jovanna.Outra demanda da Antra é a saúde. “Queremossaúde integral, e que não sejamos assistidas apenaspelos serviços de DST/Aids. Precisamos de um planonacional de saúde para as travestis”, diz Jovanna. Atéjunho de 2010, somente o Conselho Regional deMedicina do Estado de São Paulo tinha estabelecidoum “protocolo clínico de saúde integral para travestis”.A DIVERSIDADE REVELADA63
E somente nesse Estado estava em funcionamentoum serviço para essa população, o Ambulatório deSaúde Integral para Travestis e Transexuais, do CRTDST/Aids-SP.As transexuais, por sua vez, encontram enormedificuldade fora do triângulo São Paulo, Rio de Janeiroe Porto Alegre. Segundo Jovanna, a portariado SUS levou alguns serviços a oferecerem atendimentopsicológico e hormonal no Piauí, “mas quandoalguma precisa de um laudo específico tem quese deslocar para centros maiores”. No Piauí, por exemplo,80 meninas trans estariam aguardando cirurgia.Por enquanto, apenas uma conseguiu.Outra preocupação da Antra é a violência contraa população LGBT e que atinge principalmente as travestis.De acordo com o Relatório Anual de Assassinatosde Homossexuais (LGBT), elaborado pelo GrupoGay da Bahia, foram 105 assassinatos por motivaçãohomofóbica no país, em 2009. No ano anterior, foram189. Com esses números, segundo o GGB, oBrasil ocupa o primeiro lugar nesse tipo de crime,superando de longe o país que está em segundo lugar,o México, que registrou 35 casos em 2009. Curitiba eSalvador foram as cidades com maior número de assassinatosde homossexuais (LGBT), com 14 e 11 homicídios,respectivamente.De 1980 a 2009, o GGB documentou 3.196 assassinatosde gays, travestis e lésbicas no Brasil. Nosprimeiros quatro meses de 2010, 47 travestis foramassassinadas, média muito acima de outros anos.FONOAUDIOLOGIA:exercícios de poesia para modular vozesA DIVERSIDADE REVELADA64Nas manhãs de quarta-feira e nas tardesde quinta, sons que lembram exercíciosde um coral, às vezes em versosmelódicos, podem ser ouvidos em umadas salas de atendimento do Ambulatóriode Saúde Integral para Travestise Transexuais do CRT DST/Aids-SP.Para os de fora, aquilo pode parecerestranho num serviço de saúde. Não é.Trata-se de uma terapia que trabalhaum dos problemas mais delicados paraquem está num processo de “reconstrução”de seu gênero, a modulação davoz. O que se faz ali são exercícios paraque as vozes das mulheres trans e dastravestis sejam mais parecidas com umavoz de mulher. E que os homens transtenham uma modulação que não reveleseu gênero biológico feminino.“Nossa voz é nosso cartão de visitasonoro”, diz a fonoaudióloga DeniseMallet, que desde 2001 trabalha no CRTDST/Aids-SP. Quando o ambulatório foiaberto, ela foi convidada para uma tarefaque não fazia parte das lições que aprendeuna faculdade: contribuir para a transformaçãode transexuais e de travestis noprocesso de construção de seu gênero.“Pessoas lindas e maravilhosas comoelas, sofrem quando notam que suasvozes revelam seu gênero biológico”, dizDenise. “Vozes agradáveis atraem pessoasagradáveis. Vozes feias, que nãocombinam com a aparência, afastam aspessoas.” Sem literatura para se apegar,ela se pautou pelo que considera essencial:praticar exercícios para modular avoz, sem forçar as pregas vocais.“Elas não terão a voz aguda comoa de uma mulher, mas uma forma agradávelde falar, uma voz melódica, delicada,moderada”, diz Denise. A vozfeminina não está apenas no seu tomagudo, mas na sua melodia e suavidade,explica. “Elas estão contentes e felizescom os progressos, e eu mais aindapor poder contribuir com essa populaçãotão sozinha.”As que chegam ali já têm um históricode esforços para conseguir uma vozmais feminina. Muitas aprenderam comas colegas a forçar a laringe ou a darum tom mais nasalizado à voz. “Sãorecursos que disfarçam o grave da voz,mas que podem trazer problemasfuturos”, diz Denise. O uso de hormôniofeminino ajuda muito, mas nãoresolve tudo. Quando chegam ao ambulatórioe procuram pela fonoaudióloga,a primeira atitude de Denise éencaminhá-las ao otorrino do próprioCRT DST/Aids-SP, ali mesmo noprédio, de forma que se verifiquepossíveis problemas nas pregas vocais.“Felizmente, todas tinham as pregaspreservadas”, diz.Denise sempre fala no femininoporque das cerca de 30 pacientes queacompanha, só dois são homens trans,que já chegaram com a voz moduladapara grave e que sofriam com um excessode nasalização. Todas as outraspacientes são transexuais – a grandemaioria – ou travestis.Na prática cotidiana, Denise criouuma técnica própria, valendo-se de poesiasque ao mesmo tempo ajudam amodular a voz e diminuem a tensão e oestresse de suas pacientes. Não são poesiasde autores conhecidos, ela avisa,mas versos que falam da natureza e dapreservação, elementos que fazem parteda antroposofia que ela descobriu ese apaixonou ainda durante seus estu-
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