As reuniões alternam a discussão de temas diversos que afetam o cotidiano de travestis e transexuais,às vezes com a presença de convidados, ou então se torna um espaço para a troca de experiênciaster feito ou se fará ou não a cirurgia”. Alessandra defendea idéia de que, “a partir do momento em que oEstado brasileiro reconhece a mudança do nome e dosexo para o feminino, também reconhece a elas suaexistência como mulher, de fato e de direito. E aí oprocesso transexual deixa de existir.”O grupo Aracê discute essa “despatologização”,o reconhecimento da identidade feminina em todoo processo. “Desde criança você é uma mulher, eacabou”. Segundo Alessandra, para o grupo “a questãoda transexualidade se define como o conflito entrecorpo e mente”. “A partir do momento em quehá uma harmonia, com cirurgia ou sem, isso se encerrae a pessoa passa a viver sua vida como mulher,como qualquer outra. Porque mulheres nós somosde fato, porque sentimos assim, vivemos assim, isso éo que prega o Aracê”. “Há outra corrente que afirma,‘eu nasci transexual, vou morrer transexual’,pouco importa a cirurgia”, diz Alessandra.Por conta de já ter sido operada, Alessandra diz quese vê entre as duas correntes. “Para mim, atransexualidade acabou, mas é fato que ela continuatendo muita importância na minha vida. Mas hoje nãome reconheço mais como transexual, acho isso umacarga muito pesada para carregar, porque, querendoou não, quando você se coloca como transexual, vocêse coloca como diferente, nunca chega à igualdade.Hoje eu sou Alessandra. Eu digo às outras para queresgatem suas identidades, porque elas são Alessandras,Thaíses, Franciscas, Isabeles. E é assim que devem serreconhecidas e identificadas. Não como mulheres trans.”As reuniões das Terças-Trans são abertas, às vezessão temáticas, com convidados, às vezes são diálogos sobreos mais diferentes temas. Um dos últimos encontros,por exemplo, foi com Jorge Leite, estudioso da origem eda classificação dos termos transexuais e travestis, e decomo se tornaram uma patologia. Outro foi Rodrigo Rosa,especialista que falou sobre a “despatologização” e comoos movimentos na Europa vêm lutando para retirar atransexualidade do manual de doenças mentais, assim comofizeram com a homossexualidade anos atrás.Em alguns encontros, são as participantes que falam,“é uma troca de experiência e temas livres comovida, liberdade, conquista”, diz Alessandra. Quando adiscussão se abre sobre doença ou não, o grupo sedivide, cada uma defendendo aquilo que mais a afeta.Libertadas do estigma da patologia – posiçãoreivindicada por muitas – teriam dificuldade em seratendidas na rede pública de saúde. Se não são doentes,não precisam de atenção e cuidados médicos. Nãosó a possibilidade de uma cirurgia, mas também a participaçãonos grupos de psicoterapia ficaria fora doalcance. Muitas lamentam ter “que passar por doentepara ser aceita na triagem”. “A intenção com as palestrase debates é que cada uma tire as suas conclusõese defenda seus direitos”, diz Alessandra.A DIVERSIDADE REVELADA51
A DIVERSIDADE REVELADA52Transexual, Alessandrasempre investiu nos estudosFormada em administração e em designpublicitário, Alessandra Saraiva diz quejá estudou muito sobre sexualidade humanae pretende fazer psicologia. “Queriaentender o que se passava comigo”,diz. Com essas credenciais, e comotransexual já operada, ela assumiu a coordenaçãoda Secretaria de Travestis eTransexuais da Associação da Parada,que hoje faz parceria com o CRD.Nascida em Manaus, Alessandra mudou-sedefinitivamente para São Pauloem 2005 e passou a procurar gruposque pudessem ajudá-la. “Vi logo queno HC era impossível. Algumas amigasestavam lá em psicoterapia havia13 anos.” Foi apresentada a um grupoem Campinas, conduzido pela psicólogaMaria Angélica Soares, e se juntoua ele. A psicóloga coordenou o grupode psicoterapia para transexuais daUnicamp até que o serviço foi fechado.Por iniciativa própria, Maria Angélicamanteve os encontros em suacasa. Há 16 anos, todo primeiro sábadodo mês, ela continua “ajudando asmeninas em casa, sem cobrar nada”.Com o laudo indicando a cirurgia, ejuntadas as economias, Alessandra feza operação na clínica do médico JalmaDa equipe doCRD, Alessandraé a facilitadoradas atividadesrealizadas nasTerças-TransJurado, em Jundiaí, em fevereiro de2008. Por ser clínica e não um hospital,os pacientes só podem passar ali umanoite, depois são transferidos, geralmentepara um hotel da cidade.“Fui tratada como uma princesa. Masfoi um momento de muita solidão.Acabei de acordar e tinha uma vaginae não sabia como lidar com ela, nãopodia ligar para minha mãe ou minhairmã e perguntar o que devia fazer. Éuma cirurgia que precisa de muitos cuidadosdiferenciados, e a falta de informaçãome atrapalhou bastante. FoiNeide Armerinda dos Santos, enfermeiraauxiliar do doutor Jalma, quempassou as primeiras instruções e acompanhouo pós-operatório. Fiquei cincodias no hotel, depois retornava àclínica a cada 15 dias”, relata.Alessandra costuma dizer que “pagoumuito caro” pela sua “dignidade”.“Para mim, a cirurgia foi o que me trouxeao meu centro, o que me fez viverem sociedade, ser reconhecida, dedentro para fora e de fora para dentro.Mas acho que não precisava terme custado tanto, era uma coisa queeu tinha direito, eu e tantas outras...”.“Esse sentimento de pertencimentoao outro sexo eu senti a vida inteira,notava que tinha alguma coisa errada,porque meu sentimento sempre foi feminino,sempre fui uma menina. Minhamãe me deixou ter cabelos compridos,brincar de boneca, sempre pude viverminha feminilidade até um certo limite,então eu não sofri muito a repressão commeus pais. Já fora de casa sofri bastante,na escola me derrubavam da cadeira,jogavam tinta na minha roupa. Aquiem São Paulo, 20 dias depois de memudar, fui expulsa do prédio por sertransexual. Só que eu não estava maisem Manaus, fiquei sem a quem recorrer.Fui à Associação da Parada, recebiapoio, informações. Hoje as pessoasdiscriminadas em São Paulo podemcontar com a Secretaria da Justiça, oCRD, a Prefeitura, o Centro de Combateà Homofobia. Em 2005 não tinhanada disso. Em Manaus, as associaçõese o gueto ainda são pequenos. Fazer olaser lá me custaria 50 vezes mais. Prepararpara a cirurgia seria impossível.Para quem mora em cidades menores,essas dificuldades são intransponíveis.”Alessandra diz que conheceu seu“companheiro duas semanas antes deoperar”. “O primeiro encontro foi nasemana anterior ao Carnaval, o segundofoi no Carnaval, e o terceiro foi nohospital e no hotel, depois da cirurgia.Ele é de São José dos Campos. Nossasfamílias já se conhecem. Nossos planossão morar em Manaus ou São José, eno futuro adotar um filho. Ainda estouresolvendo a questão do nome. Já conseguitirar o RG, por conta de uma açãona Justiça, mas faltam o título de eleitor,o CPF, o diploma do MEC... Aindavai dar muito trabalho. É uma questãode preconceito, por isso dificultamem tudo que podem, porque a ordemdo juiz saiu daqui, os documentos sãode lá. A cada papel é preciso voltar àJustiça.” Alessandra diz que gastouquase todas as suas economias nas passagensentre São Paulo e Manaus paraacertar os seus documentos. E aindanão conseguiu resolver todos eles.
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