Verônica de Freitas, 20 anosA TRANSEXUAL Verônica de Freitas, 20anos, ganhou esperança nova com aconsulta marcada no ambulatório doCRT DST/Aids-SP, mas a cirurgiaparece a ela algo ainda muito distante.Tudo que busca agora “é sobreviver,arrumar um cantinho”, como ela diz,“sair dessa vida de todo dia não saberonde vai dormir, buscar pernoites emalbergue, às vezes dormindo nas calçadas”.“Quando você está de pernoiteainda, quer dizer que todo dia temde procurar vaga, às 7h da manhã dooutro dia tem que sair. Os alberguesestão lotados, eles dizem que têm depegar primeiro os doentes, os idosos.”Verônica vai ao CRD participar dasTerças-Trans. A assistente social játem conseguido alguns pernoites em albergues,e fez contato para um trabalhonuma cooperativa de reciclagem.“Ainda estou aprendendo, dá para tiraruns R$ 200 e pouco por mês.” Aassistente social da cooperativa tambémestá ajudando a encontrar vaga em albergues,uma rotina que Verônica sonhaum dia deixar.Se trabalhasse na rua, como profissionaldo sexo, ganharia numa noite oque ganha num mês. “Minha vida nãofoi voltada para isso, não é minha intenção.Sou transexual, estou esperandominha operação.”Desde criança ela diz que se vestecomo menina, “saí de casa, aqui em SãoPaulo mesmo, para ter minha própriavida”. Foi na cooperativa que conheceuseu atual companheiro, com quemdivide o dia-a-dia de pessoas vivendona rua e os pequenos projetos futuros.“A gente se entende bem, quero apenasuma vida mais digna, um lugar paranós, comprar minhas coisinhas, fazerfaculdade de moda, porque estou concluindoa sétima série à noite.”Desde o ano passado, ela frequenta o“ A cirurgia étudo que quero,mas antespreciso de umcantinho, precisosobreviver”CRD, encaminhada por uma amiga quetrabalha num centro de saúde. “Aquitem curso, tem informação, tenho amigas,tem psicóloga, tem assistente social,mas o que mais eles dão é apoiomoral.” Verônica também foi encaminhadaao ambulatório do CRT. “Tenhouma consulta com o psicólogo daquia dois meses. É ele que vai decidiruma coisa que eu já tenho certeza, sesou transexual ou não. Ele vai apenasconfirmar isso. Aí vou seguir o grupode terapia.”Suzielen S., 19 anosSUZIELEN S., 19 anos, já estabeleceuseus planos e não pensa em mudar,mesmo com as amigas e a assistentesocial avisando que estará correndo riscos.“Saí de casa para colocar prótesesde silicone nos seios, já vi o preço, R$3.500. Na perna, no bumbum e quadril,só daqui para baixo, são mais R$1.000, isso com silicone industrial. Tãodizendo que é perigoso, mas estouconsciente. O silicone industrial é maiseconômico, as próteses são muito caras,não tenho esse recurso.”O passo seguinte é ir para a Itália emais tarde fazer a cirurgia de mudançade sexo. “Já me inscrevi no grupo depsicoterapia do ambulatório da SantaCruz e tenho consulta marcada.” Segundoela, uma amiga contou que o“ Não entreinessa vidapara ficar nametade”ambulatório oferece prótese de silicone,mas que demora três anos. E a hormonoterapiatambém leva meses, diz ela.“Não posso esperar. Nós vivemos nummundo que faz tudo pela estética, e temque ser rápido, com isso a gente sesatisfaz e satisfaz outras pessoas.”Ela faz as contas, “uma travesti comsilicone ganha R$ 300 a R$ 400 por noite.Sem silicone, cai pela metade. Seeu entrei nessa vida, não vou ficar pelametade. Até tenho outra opção, retomara faculdade de turismo e enfermagemque fazia, mas antes quero colocarsilicone e ganhar algum dinheiro.”Suzielen saiu de Belém, no Pará, com17 anos para se “aventurar”. Trabalhounuma loja em Copacabana, no Rio, enquantose iniciava na rua. Há poucosmeses está em São Paulo. A mãe já viusua foto no Orkut e mandou avisar, “sepisar em Belém, não me procure, nãote reconheço mais como filha.”Em São Paulo, ela repetiu o caminhoda maioria daquelas que chegam – procuramabrigo em albergues, buscamclientes que as levem a um hotel, recorrera alguma colega travesti. Suzielenconheceu o CRD por amigas e pelosfolhetos que a equipe de prevenção distribuinas saídas noturnas. Hoje transitapelo CRD como se fosse sua segundacasa, às vezes, a primeira. “É onde possoconversar e perguntar o que não sei.Aqui me sinto segura e sem culpa.”A DIVERSIDADE REVELADA31
TRANSEXUAIS TÊM MAIORescolaridade e inserção no trabalhoPerfil de 204 usuárias do ambulatório do CRT DST/Aids-SPmostra que 55,6% das travestis são profissionais do sexo e a maiordemanda é por terapia hormonal e retirada de silicone. Quase umterço das transexuais tem curso superior completo ou incompleto.A DIVERSIDADE REVELADA32Desde que iniciou o atendimento, em 15 dejunho de 2009, até 30 de junho de 2010, oAmbulatório de Saúde Integral para Travestise Transexuais atendeu cerca de 500pessoas. Dos primeiros 301 casos, 204 foramanalisados. Desse total, 129 ou 64,2%,se declararam transexuais. Oito tinham sido operadas,102 eram mulheres trans não operadas e 19,homens trans não operados. As travestis auto-referidaseram 72, ou 35,3% desse grupo. Outros três sedisseram cross dressing ou gay. A faixa etária é bastanteuniforme entre 22 e 56 anos.Como era proposta do ambulatório, os usuários sãona quase totalidade transexuais e travestis. Os dois grupostêm demandas, escolaridade e perfil profissionalbastante diferentes. Na primeira consulta das 72 travestis,e como primeira demanda, 16 disseram procuraro ambulatório para tratamento hormonal, 15 porproblemas com silicone industrial e 14 para sorologias.Seis delas procuraram para clínica geral, quatro porlesões genital e anal, três para acompanhamento deHIV/aids. Só uma buscou atendimento psicológico.Como segunda demanda, 44 travestis apresentaramqueixas devido a problemas decorrentes de uso desilicone industrial, sendo que “em alguns casos já nãohavia mais o que fazer”, diz Judit Lia Busanello, psicólogae uma das diretoras do Ambulatório de Saúde Integralpara Travestis e Transexuais.Entre as transexuais, as principais demandas sãocirurgia de transgenitalização – 23 delas disseram queera a primeira demanda. Mas 59 outras reivindicavama cirurgia de redesignação sexual associada a outrasdemandas, principalmente o acompanhamentohormonal. Significa que das 121 mulheres trans e homenstrans não operados, 67,7% tinham como meta ademanda pela cirurgia.As travestis têm um nível de escolaridade maisbaixo que as pessoas transexuais, fato que explica amenor inserção no mercado de trabalho formal e ummaior número de profissionais do sexo entre elas.Também revela o preconceito maior que pesa sobreesse grupo. Entre as travestis, 52,1% têm ensino fundamental,39,4% têm nível médio e 6,4%, superior.Entre as transexuais, 28,9% têm curso superior, 47,0%cursaram nível médio ou formação técnica e 22,6%,o fundamental.A discriminação com relação aos dois grupos ébastante perceptível quando se observa a ocupação.Das 72 travestis, 40 se disseram profissionais dosexo, o que representa 55,6% desse grupo. Onzeafirmaram ser cabeleireiras. E outras onze faziamtrabalhos diversos, como anfitriã e recreação, artistaplástica, assistente social, balconista, carteiro,costureira, cozinheira, dona de pensão. Três informaramestar desempregadas.Entre as transexuais, o maior número delas é cabeleireira,19, seguida por estudantes, 11, e profissionaisdo sexo, nove. Há um maior número delasinseridas no mercado de trabalho, o que revela umamelhor aceitação desse grupo, quando se compara comas travestis. Quatro atuam como professoras, três estãoempregadas no setor público, quatro são vendedoras,duas comerciantes e duas autônomas. Pelo menos umarevelou ser auxiliar de enfermagem, bancária, bióloga,caixa. Cerca de 40 diferentes profissões ou ocupaçõesforam citadas. Onze delas estavam desempregadas.
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