Para poderemse casar, oshomens eas mulherestransexuaisprecisam fazera mudança dosexo e do nomena JustiçaOutras mudanças vêm ocorrendo. Alguns juízesestão aceitando a mudança do nome e do sexo mesmoquando a pessoa ainda não fez a cirurgia genital. Oshomens trans que fazem a mastectomia e a histerectomia– a retirada dos órgãos femininos “secundários” – masque não passaram pela faloplastia (implante ou reconstruçãode um pênis) têm obtido sentenças favoráveis.“Todos os ‘meninos’ ganharam em primeira instância”,diz Tereza. Também desta vez, a petição partiuda tese de que não se trata de uma “mudança de sexo”,mas de uma adequação ao verdadeiro sexo.No caso de alteração apenas do prenome, já hájurisprudência que autoriza a pessoa a mudá-lo quandoconsidera que seu nome é ridículo, ou que sesinta ridicularizado ou constrangidocom o seu emprego. “O prenomeem si não é ridículo, maspassa a sê-lo quando aplicado a pessoasque se sentem pertencentes aooutro sexo. Por exemplo, alguémque se apresenta como Roberta e échamado de Roberto. A lei dos registrospúblicos também autoriza asubstituição do prenome por apelidospúblicos notórios”, diz Tereza.No caso das transexuais e travestis,elas são conhecidas em seumeio pelo nome social. Há que secomprovar estes dois fatores, masprincipalmente o uso do nome diversodaquele do registro. Segundoa advogada, algumas transexuaispedem apenas a mudança do nome, pois nãosabem quando a cirurgia vai acontecer e queremevitar o constrangimento de uma perícia. Esse caminhotambém pode ser seguido pelas travestis.Quando a pessoa ganha a causa, o juiz ordena aexpedição de um mandado para que seja encaminhadoao cartório no qual a pessoa foi registrada. Algunsjuízes já fazem constar que não se deve colocar nacertidão nada que constranja a pessoa. “A mudançado nome deve constar apenas no livro que fica nocartório, não na certidão que a pessoa carrega comela”, diz Tereza. A maioria das repartições públicasou privadas responsável pela expedição de documentosaceita a cópia do mandado ao Cartório do RegistroCivil como comprovação da alteração do nome edo gênero. Tereza explica que, para diminuir os transtornospara o cliente, muitos advogados já estão pedindona petição inicial que o juiz ordene a expediçãode todos os mandados correspondentes. Desta forma,a pessoa poderá regularizar todos os documentos,inclusive passaporte e diploma de universidade.A advogada afirma que as conquistas no Judiciáriotambém fortaleceram a posição dos médicos. “Se oJudiciário está reconhecendo, significa que não é ilegal,pode-se argumentar.” Contudo, somente em1997, o CFM passou explicitamente a considerar éticaa cirurgia. Mas o artigo 13 do Código Civil autorizaa retirada de parte sã do corpo, por exigência médica.É o caso do transplante, porexemplo. O que acontece no casodo transexual, segundo a advogada,não passa de um autotransplante.Tereza observa que vem crescendoo número de escolas de medicina,psicologia e direito, que a convidampara falar sobre o tema. O númerode clientes que a procuram tambémaumentou. Com uma diferença: algunsagora vêm acompanhados pelopai ou pela mãe. “Começa a haverum diálogo dentro de casa”, diz.“Alguns homens trans ou mulherestrans ainda conservam fortestraços de seu lado biológico. Emborao gênero nada tenha a ver coma aparência externa do corpo dapessoa, é aconselhável mas não obrigatório, que comecemum acompanhamento médico e psicológicocom especialistas para que, sendo o caso, possaminiciar terapias para acentuar seus traços masculinosou femininos. Sem isso, correm o risco de ver seupedido de mudança de nome negado pelo juiz.” Eisso poderá trazer ainda mais sofrimento para essaspessoas e suas famílias, diz a advogada.Segundo ela, muitas das transexuais que passarampelo seu escritório já estão casadas. Quantoaos “meninos”, todos têm companheira. Mas parapoderem se casar, as transexuais e os transexuaisprecisam mudar o nome e o sexo na Justiça, observaTereza.A DIVERSIDADE REVELADA57
Marciano Alves Fernandes, 29 anosA DIVERSIDADE REVELADA58MARCIANO Alves Fernandes, 29 anos,reveza paletó e gravata com calçajeans, camiseta e tênis de bom gosto.O aparelho nos dentes revela que nãoperdeu sua preocupação com a aparência.Quando conta sua história, tema humildade de alguém que sobrevivecom R$ 500 por mês e se dedica a trabalhosde prevenção e de segurança,depois de já ter somado mais de R$ 300mil trabalhando como cafetão. Já foiusuário de todo tipo de droga, até queo crack o derrubou e acabou com suaseconomias e a saúde.O CRD foi a casa que não teve ao longoda vida, e foi ali que encontrou quemouvisse sua história, ajudasse a deixar asdrogas e oferecesse trabalho como agentede prevenção. Marciano chegou a“comandar” 30 meninas na Itália, somandoR$ 200 a R$ 300 mil reais por mês.Diz que foi um dos cafetões mais bemsucedidosdo circuito São Paulo, Espanhae Itália. Tudo que ganhou, perdeu.Hoje fala que sua vida é “o pagamento”que lhe cabe. Tem câncer,HIV, diabetes e duas hérnias de disco.“Se você planta espinhos, vai colherespinhos”, ele diz.Abandonado pelos pais, foi adotadopelos avós, que já morreram. “Quandotinha onze anos meu avô me deuum tapa na cara. Prometi que homemnenhum faria aquilo de novo comigo.Fugi para São Paulo de caminhão, moreiem cima de árvores numa praça darua Major Diogo, até que uma travestime levou para casa.”Passou a fazer serviços de rua, bancos,até receber missões mais delicadas.A travesti, cafetina e patroa encarregava-ode “cobrar as meninas” que trabalhavampara ela, levá-las para implantarsilicone, acertar contas com o médico.“Eu era seu secretário. Na rua me envolviacom a cocaína e com o álcool.Conhecia um mundo feroz”, diz.“ Foram asmulheres queme salvaram”Quando fez 18 anos foi mandado àEspanha para cobrar o contrato de travestise prostitutas enviadas daqui sobas ordens da patroa. O trabalho se estendeupara a Itália, onde passou a trabalharpor conta, até que ocupou umarua inteira de Ravenna. “Ganhei muitodinheiro. Quando ia para uma balada,tinha que ser a melhor, muita bebida,drogas e mulheres, eu fazia questãode bancar.”Nas vezes que visitou o Brasil, desfilavacom o luxo que podia. “Quemnão adora o luxo? Andava com carrõese dois celulares, quando só ricos usavam.Eu era de Rio do Sul, em SantaCatarina, onde ainda estavam meusparentes. Queria que soubessem omal que tinham feito para mim.” Amãe biológica se recusou a recebê-lo.“Hoje minha mãe é a Bianca, uma travestique cuida de mim, ri comigo,chama minha atenção. Faz festa quandoestou chegando. Nossa casa na ZonaLeste é um lugar alegre.”Marciano diz que perdeu o péquando numa viagem ao Brasil conheceuo crack. “Comecei a perdertodo o dinheiro que tinha. Minhaconta no banco, que chegou a ter R$300 mil, foi desaparecendo. Em doisanos, perdi tudo.”A parada seguinte foi o CRD, levadopor pessoas que conheceu na rua. “Essaregião do Centro sempre foi o meu pedaço,conhecia todo mundo.” Faz seismeses que parou de usar drogas, no inícioteve recaídas pesadas, “usava crackdireto, dormia na rua, em albergues”.“Me chutavam a cara na calçada, mijavamem mim. Deixei de ser o Marcianoelegante. Isso eu não deixo mais,minha dignidade estou recuperando devolta.” Quando soube que estava doente,abandonou a vontade de viver, eleconta. “Foi Bianca que veio me pegarcaído na calçada, no centro da cidade.”Marciano mudou seus hábitos, deixouamigos da rua, não sai mais à noite,e sempre que pode frequenta oNA, o grupo de Narcóticos Anônimos,que tem reuniões em vários pontosda cidade. Já faz um ano que sabeque é soropositivo, mas só recentementeos médicos recomendaramque tomasse medicamentos, porquesua resistência baixou. “Estou começandotudo de novo, como se estivesseaprendendo a andar.”Nessa sua história, a família e as companheirastiveram sempre um papelcentral. “Foi a mãe e o pai que não tiveque me empurraram para a rua”, elediz. “Foi Bianca, que é minha mãe eirmã, que me salvou. Foi Jamile, comquem estive durante cinco anos, queme tirou do crack. Depois foi Mariana,que conheci no NA. Ela diz que souguerreiro, tem a maior admiração pormim, é cheia de cuidados. Quando vocêpara com a droga, você fica carente, euestou precisando muito delas.”
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