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A Diversidade Revelada - Cepac

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Bernadete Vicente de Souza, 58 anosA DIVERSIDADE REVELADA66BERNADETE é uma das poucas prostitutasque frequentam o Centro de Referênciada <strong>Diversidade</strong>. Faz a ponte entreas mulheres profissionais do sexoque trabalham na região do Parque daLuz e o CRD. Quando consegue, trazuma amiga, mas poucas continuam aparecendo.No ano passado, 2009, distribuíaenxovais de bebê para as mulheresda Luz que estavam grávidas, enxovaisrecebidos pelo CRD. Depoismontou o que ela chama de “brechóambulante”, aparecia no Centro comsacolas de roupa que oferecia aosfrequentadores e aos funcionários.Diferentemente das travestis etransexuais, as prostitutas dizem quesofrem menos preconceito nos serviçosde saúde, quando procuram o ginecologistaou fazem exames de “papanicolau”.São prostitutas, mas são mulherescomo as outras. Sempre que passapelo CRD, conversa com a assistentesocial ou a psicóloga, um desabafo, eladiz. Conta que já fez quase todos os cursosdo Centro, como bijuteria, teatro,costura, adereços de carnaval, inglês.“Na night a gente precisa ter umpouquinho de ‘embromation’, e o cursode inglês me ajudou com a gramática.Conversar mesmo depende do álcool,quando tomo uma, falo até russo.”Com seu casaco de couro marron jágasto e o cabelo avermelhado, Bernadeteé uma figura conhecida no CRD,embora destoe das travestis e michês quefrequentam o local, alegres, falantes, desfilandosuas poucas roupas coloridas. Dascoisas que ela conta, nunca se sabe quantode verdade e fantasia tem. Diz queainda mantém alguns clientes “especiais”,mas que não faz mais programa pornecessidade, por conta das cenas semanaisde filme pornô que lhe rendemmais de R$ 2 mil por mês. Agora estariamontando uma pequena empresa paraexportar vestido de noiva para Angola.“Ficar sozinhanesta vidaé perigoso”Bernardete Vicente de Souza, 58anos, diz que começou a frequentarboates ainda com 17 anos, trabalhandoao mesmo tempo em salão de cabeleireiro.“A primeira foi a La Licorne, lindaaquela boate, clientela de respeito.A gente também deixava o telefonecom alguns porteiros de hotéis, quandoum turista perguntava por companhia,davam nosso número. Minha mãenunca soube, minha irmã desconfiava,cuspia e batia na minha cara. Eu eramuito feliz, essa coisa feita escondida,saindo com gente bonita, em lugaresbonitos. Eu adorava. Graças a Deusnunca entrei na droga, nem peguei aids.Minha droga era bebida e cama.”Sua vivência como prostituta e cabeleireiraentre a Luz e a rua Augustafez dela uma observadora especialdesses dois mundos e das misérias deseus frequentadores. “Falta aqui um lavatório,um chuveiro – diz referindoseàs instalações do CRD –, porque apessoa quando está sofrendo quertomar um banho, levanta a moral, mudaa vida.” Nos salões onde atende na “baixa”Augusta, ela lamenta a miséria das“meninas” que passaram a noite semfazer um programa, e que se sentampara fazer o cabelo sem ter tomado umbanho. “Quando se levantam, elas cheirammal. Uma judiação. Os funcionáriossem educação ainda falam alto, ‘vocêestá podre, está fedendo’. Quando fazemum programa, ainda têm um chuveirono hotel, horrível, mas tem.”Na Luz, Bernadete é jovem perto dassenhoras de mais de 80 anos que fazemprograma no parque. “São procuradaspor clientes antigos, cobram R$ 20 aR$ 30, o hotel sai por R$ 5, é um horrorde sujo. Quando aparecem jovens procurandopor elas, pode ver que sãomaníacos, com fixação na mãe ou naavó”, ela interpreta. Os clientes idosos,“com os cabelos branquinhos”, sãotão sozinhos quanto elas. “Uns usamtrês cuecas, não por higiene, mas porquesão imundos, quando sujam uma,colocam outra por cima, depois outra.”O Viagra ela considera descabimento.“Tens uns velhinhos que já entram compau duro e saem de pau duro, é horrível,triste, deprimente, porque Viagraé assim, levantou, um abraço.”Mesmo durante o dia e com o policiamentodo parque, as mulheres são assaltadas,“mas de um outro jeito”, contaBernadete. “O bandido fica passeandopelo parque, olhando aquela que faz maisprogramas. No final da noite, sai com elae assalta.” Outro “perigo” é a aids, “aprostituta carrega camisinha, no hoteleles oferecem camisinha, mas o homem,se puder, faz de conta que esqueceu.”Bernadete virou uma espécie demensageira dessas notícias. E ainda nãodesistiu de insistir com as amigas paraque venham conhecer o CRD. “É umjeito de não ficar sozinha nesse mundoda rua. Porque ficar sozinha nestavida é perigoso.”

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