Quatro hospitais públicos foram credenciados para cirurgiasem mulheres trans. Depende agora das instituiçõesConforme a portaria, cabe às secretarias estaduaisde Saúde regular o encaminhamento de pacientes eadministrar a lista de espera, tanto para a preparaçãopor meio de psicoterapia, quanto para a cirurgia. Segundodados do Ministério até 2008, 674 pacientestinham procurado os serviços de saúde com a intençãode realizar a cirurgia de redesignação sexual. Atéa data da pesquisa, tinham sido feitas 191 cirurgiasnos hospitais públicos. De agosto de 2008 até o fimde 2009, foram realizadas 38 cirurgias nos hospitaishabilitados pelo Ministério da Saúde.O cirurgião plástico Jalma Jurado, que diz já ter feito800 cirurgias, a grande maioria em sua clínica particular,estima que no Brasil foram realizadas cerca de 1.500operações, contando as realizadas em instituições públicase privadas. Um único hospital de Londres faz 160cirurgias por ano. E o cirurgião francês Georges Burouafirma ter realizado mais de 10 mil operações em suaclínica em Casablanca, no Marrocos.Jalma Jurado, 73 anos, é uma referência em cirurgiasde “mudança de sexo”, no Brasil e lá fora. Eleatende numa clínica de contornos arredondados e decor amarelo pastel numa pequena praça no bairro doAnhangabaú, em Jundiaí, interior de São Paulo. Nadaali deixa transparecer que a cirurgia que Jurado faz éespecial, e que seus pacientes buscam muito mais querejuvenescer alguma parte do corpo.“Mudança de sexo” não é o termo apropriado.A mulher transexual já nasceu do gênero feminino,embora biologicamente seja do sexo masculino.“Não mudamos nada, apenas adequamos o sexo aocérebro”, diz Jurado. Do total de 800 cirurgias queo médico contabiliza, a grande maioria foi em mulherestrans. Cerca de 20 foram em homens trans,que nasceram com órgãos femininos, mas que sãode fato do gênero masculino. De todas as cirurgiasjá feitas, o médico diz que 10% foram em pessoasestrangeiras e as outras em brasileiros que moramaqui ou fora do país.Quando abre a tela do computador, as fotos queJurado exibe são de pacientes cuja genitália masculinafoi substituída por uma feminina. Há fotos decasamentos e de festas. Um dos casais que ele acompanhaé formado por uma mulher trans e um homemtrans. Os dois se conheceram no hospital quefreqüentavam, viveram juntos antes da cirurgia e depoisse casaram. Muitas pacientes são européias ouamericanas, todas mostram um sorriso largo e exibema “neo-vagina” com orgulho.Na caso de mulheres trans, o cirurgião aprimorouuma técnica que há várias décadas vem sendoempregada com o nome de “Retalho Neuro-Arterial”.Cada centro médico e cada equipe cirúrgicavêm melhorando o procedimento. Ele diz que suacontribuição foi no aumento da sensibilidade. “A peledo pênis é usada para fazer um canal vaginal, porqueé muito elástica e se dilata, e com o tempo acabapermitindo uma relação sexual como a de qualquermulher, que com a prática sexual vai aumentandosua profundidade”, explica o médico, enquanto mostrano monitor os detalhes da operação.“Minha cirurgia também vira o pênis ao contrário,como faz a maioria dos cirurgiões, conservando os nervose com isso a sensibilidade, a mesma que havia antesno pênis. A glande fica no fundo desse canal aberto noperíneo, proporcionando o orgasmo. O prazer é cerebral,mas a sensibilidade é o gatilho, e quem estimula oorgasmo é o ato de fricção nessa região sensível, comona masturbação. Minha contribuição foi no sentido deaumentar a sensibilidade”, diz o médico.No início, o desafio era obter um canal para relaçãoque tivesse dimensões adequadas, “era uma exigênciasobretudo das profissionais do sexo”, e às vezeso resultado não era bom. A partir dos anos 1990,relata o médico, passou a haver também uma preocupaçãoestética. “A sexualidade no mundo mudou.Antes o sexo era feito embaixo dos lençóis. Hoje éem cima, com luz, espelhos, o casal olha, cheira, beija.Passou a haver uma preocupação maior com aparte externa, o que obrigou novos estudos, novastécnicas. Passo a passo, fomos melhorando.”Os procedimentos para os homens transexuaiscompreendem a mastectomia, que é a retirada dosseios, e a histerectomia, a retirada dos principais órgãosfemininos, como o útero e o ovário. A implantaçãode um pênis é uma operação bem mais complexa,e de resultados ainda pouco satisfatórios, porisso considerada experimental pelo Conselho Federalde Medicina. Segundo Jurado, a maioria preferenão arriscar além da mastectomia e da histerectomia.O procedimento que desenvolveu, explica o médico,consiste em reconstruir um pênis com o transplantede um tubo de tecidos do próprio paciente queem seguida é “anexado” sobre a vagina. Com a ajudaA DIVERSIDADE REVELADA45
A DIVERSIDADE REVELADA46de uma prótese, procedimento usado para disfunçãoerétil, o paciente pode ter o pênis ereto. Mas as sensaçõese um possível orgasmo dependem de microcirurgiasque Jalma prefere não arriscar. Uma cirurgiadessa magnitude, mesmo sem a garantia de resultados,chega a custar US$ 100 mil nos EUA, ele avalia.O recurso utilizado em alguns centros é o aumentodo clitóris por meio de hormônios, ou com procedimentoscirúrgicos que permitem a “construção” deum pequeno falo a partir do clitóris.As primeiras cirurgias no mundo começaram a serpublicadas em 1925. Em 1931, oInstituto Hirschfeld de Ciência Sexual,em Viena, apresentou a primeiraCirurgia de RedesignaçãoSexual (CRS), como o procedimentoficaria conhecido mais tarde.Na década de 1950 e seguintes,o cirurgião francês GeorgesBurou chegou a fazer mais de 10mil cirurgias em sua clínica emCasablanca, no Marrocos. Em1952, o ex-soldado GeorgeJorgensen transformou-se na primeiranorte-americana a passarpela cirurgia, mudando seu nomepara Christine Jorgensen. Na época,os cirurgiões retiraram os órgãosmasculinos e usaram a peleda coxa para “construir” umanova vagina. Quando o caso saiunos jornais e revistas, dois anosdepois, foi motivo de grande repercussãoe polêmicas.No Brasil, a primeira cirurgiafeita em 1971 pelo médico RobertoFarina aconteceu em pleno regimemilitar. Além de interditadopelo CFM, que o denunciou por“lesões corporais”, Farina foi condenadoem 1978 a dois anos dereclusão de acordo com o CódigoPenal, que considera o procedimentouma mutilação. O médico,pioneiro, foi absolvido depois apósa Justiça concluir que a cirurgia eranecessária para aliviar o sofrimentoda paciente. “A pessoa – queantes era Valdir e passou a se chamarValdirene – até hoje é minhapaciente”, diz Jurado.“A portaria do SUS – queestabelece o processotransexualizador e define oscentros de referência – serestringe à mulher transporque ainda temos umarestrição de realização desseprocedimento em homenstrans por parte do CFM. Háuma discussão do ponto devista médico que a técnicacirúrgica para homens transainda se encontra em caráterexperimental*. Tão logotenhamos segurança, atendência é que se expandatambém esse atendimentopara eles. Isso envolve umainvestida grande emcapacitação de profissionais,mobilização, aprendizado dastecnologias que não são tãosimples. Um dos objetivosdessa política é avançar naprodução de conhecimentopara essa cirurgia.”Ana Maria Costa, diretora doDepartamento de Apoio à GestãoParticipativa do Ministério da Saúde.(*) Em 1º de setembro de 2010, o CFMpublicou resolução que exclui o caráterexperimental do procedimento parahomens trans, exceto a neofaloplastia.Jalma Jurado fez sua primeira cirurgia em 1980.Em 1984, a transexual Roberta Close posou nua numarevista masculina, antes mesmo da cirurgia que fariana Inglaterra. Seu caso contribuiu para dar maior visibilidadeaos transexuais. Em 1997, a cirurgia paramulher trans foi normatizada e legalizada pelo ConselhoFederal de Medicina, desde que cumprido um protocoloe realizada em hospitais universitários. Em 1998,Bianca Magra tornou-se a primeira transexual a seroperada “legalmente” no Brasil.Em 2003, Jurado apresentou sua técnica no HarryBenjamim International GenderDysphoric Association, na Bélgica,o maior encontro dessa especialidade.O endocrinologista HarryBenjamin foi o primeiro a perceber,no final dos anos 1950, averdadeira diferença entre a homossexualidadee o gênero “trocado”.Para ele, as pessoastransexuais sofriam de um “errode gênero” de origem desconhecida,e nada tinham de doentesmentais, como defendia a maioriados psiquiatras na época. Diantedo sofrimento das transexuais,ele começou a receitarhormônios e a encaminhá-laspara cirurgiões que na época jáoperavam.O interesse do médico brasileiropor esse tipo de trabalho começouao constatar que os muitospacientes que buscavam umacirurgia passavam anos à espera,participando em grupos de psicoterapia,sem nenhum resultado.Jurado conheceu essas pessoasquando se formou na USP e passoupelos vários serviços do hospital.“Já no período de 1975 a1980, quando a cirurgia de transformaçãode sexo era consideradauma agressão, havia dezenasde pessoas matriculadas nos serviços,acompanhadas, estudadas,mas nunca eram operadas, justamenteo que todas esperavam.”Quando Roberto Farina foiprocessado, Jurado operava emJundiaí e foi lá que decidiu se
- Page 5 and 6: PREFÁCIOO AMOR NADIVERSIDADEAureli
- Page 7 and 8: INTRODUÇÃOUM TEMAESTIGMATIZADOE I
- Page 9 and 10: A DIVERSIDADE REVELADA8homem e ele
- Page 13: A DIVERSIDADE REVELADA12À espera d
- Page 16 and 17: TRANSEXUAISE TRAVESTISRespeito e di
- Page 18 and 19: Foram 50 anos de olhos fechados, pa
- Page 20 and 21: Agnes Prado dos Santos, 28 anosAGNE
- Page 22 and 23: folheiam um livro, não ficam com a
- Page 24 and 25: Mikaela Rossini, 40 anosMIKAELA é
- Page 26 and 27: Ambulatório para travestis e trans
- Page 28 and 29: pelo Ambulatório de Transexuais do
- Page 30 and 31: Entrada do ambulatório doCRT DST/A
- Page 32 and 33: Verônica de Freitas, 20 anosA TRAN
- Page 34 and 35: Oficina de Pintura Artística em Ma
- Page 36 and 37: Quando a equipe do CRD percebe que
- Page 38 and 39: As oficinas do CRD - como a de Desi
- Page 40 and 41: Transexuais e travestis,CLASSIFICA
- Page 42 and 43: “NÃO SOU DOENTE MENTAL”diz ex-
- Page 44 and 45: Alexandre Santos é um personagem q
- Page 48 and 49: dedicar aos transexuais. Com o aume
- Page 50 and 51: Thaís di Azevedo, 60 anosA TRAVEST
- Page 52 and 53: As reuniões alternam a discussão
- Page 54 and 55: Renata Perón, 33 anosTODAS AS noit
- Page 56 and 57: A Coordenadoria deAssuntos da Diver
- Page 58 and 59: Para poderemse casar, oshomens eas
- Page 60 and 61: Vanessa Pavanello, 41 anos“A ciru
- Page 62 and 63: Cena da peça de teatro Hipóteses
- Page 64 and 65: Mudança noDOCUMENTOé prioridadeA
- Page 66 and 67: Oficina de Canto e Iniciação Musi
- Page 68 and 69: Visita às avenidas e guetosonde se
- Page 70 and 71: preservativo, tira o anel e rasga-o
- Page 72 and 73: Leo Moreira, 52 anos“MEU NOME art
- Page 74 and 75: Centenas de crianças e adultos, am
- Page 76 and 77: Camila Rocha, 20 anosCAMILA ROCHA,
- Page 78 and 79: que reúnem por mês, já descontad
- Page 80 and 81: Claudia Coca, 42 anosCLAUDIA COCA
- Page 82: Realização:Apoios:Departamento de