106começou com a epopéia e diluiu-se novamente nela. (SCHLEGEL, 1988, p.212)Quan<strong>do</strong> Amália, o <strong>de</strong>stinatário da Carta, pe<strong>de</strong>, por fim, uma <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> <strong>romance</strong>, estavem por meio <strong>de</strong> uma aparente tautologia: “Um <strong>romance</strong> é um livro rom}ntico”. A fórmulaconcentra to<strong>do</strong> o esforço <strong>de</strong>spendi<strong>do</strong> por Schlegel na busca <strong>de</strong> uma forma capaz <strong>de</strong>suportar o advento da poesia mo<strong>de</strong>rna. Romântico é o próprio <strong>romance</strong>, em suaautorreflexão, em sua permissivida<strong>de</strong>, na amplitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua perspectiva, em sua magnitu<strong>de</strong>épica. É mesmo em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong>ssa amplitu<strong>de</strong> que Schlegel consagrará uma dascaracterísticas <strong>do</strong> <strong>romance</strong> <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> épica que Walter Benjamin reconhecerá no BerlinAlexan<strong>de</strong>rplatz <strong>de</strong> Döblin já nas primeiras décadas <strong>do</strong> século XX:Afirmas que o <strong>romance</strong> tem afinida<strong>de</strong> com o gênero narrativo, com ogênero épico; por outro la<strong>do</strong>, eu lembro em primeiro lugar que um cantopo<strong>de</strong> ser tão romântico [ou romanesco] quanto uma história. Eu nemmesmo sou capaz <strong>de</strong> pensar em um <strong>romance</strong> que não seja uma mistura <strong>de</strong>narrativa, canto e outras formas. O próprio Cervantes nunca compôs <strong>de</strong>outro mo<strong>do</strong>, e mesmo o tão prosaico Boccaccio enfeita sua antologia comuma série <strong>de</strong> canções. (SCHLEGEL, 1988, p. 213,grifo meu).Schlegel está aqui em meio à elaboração <strong>de</strong> sua <strong>teoria</strong> <strong>do</strong> <strong>romance</strong> como uma novapossibilida<strong>de</strong> épica, que acolhe para<strong>do</strong>xalmente a individualização e a autorreflexãojuntamente com a perspectiva ampla <strong>do</strong> espelhamento <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.A “Carta sobre o <strong>romance</strong>” compõe, ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>Lucin<strong>de</strong></strong> e da crítica sobre o Meister <strong>de</strong>Goethe, o projeto <strong>de</strong> Schlegel para o <strong>romance</strong> romântico. É preciso conce<strong>de</strong>r que <strong>Lucin<strong>de</strong></strong>,se julgada exclusivamente como obra ficcional, é uma obra medíocre e <strong>de</strong> difícilcompreensão. No entanto, emoldurada pelas obras <strong>de</strong> crítica, o <strong>romance</strong> <strong>de</strong> Schlegelparece cumprir o <strong>de</strong>sígnio expressa<strong>do</strong> pelo autor, que <strong>de</strong>sejara tera coragem para compor uma Teoria <strong>do</strong> <strong>romance</strong> que fosse ela própria um<strong>romance</strong> [...]. Ali viveriam as velhas entida<strong>de</strong>s em novas configurações; alia sagrada sombra <strong>de</strong> Dante se elevaria <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> ínfero, Laura voejariacelestialmente a nossa frente, e Shakespeare e Cervantes conversariamconfiadamente; ali, Sancho e Dom Quixote voltariam a pilheriar um com ooutro.” (SCHLEGEL, 1988, p. 215).
107<strong>Lucin<strong>de</strong></strong> é, portanto projeto romântico e ensaio, veículo <strong>de</strong> autorreflexão e objeto estético,<strong>romance</strong>, ainda que em um senti<strong>do</strong> que a crítica da época <strong>de</strong> Schlegel não pô<strong>de</strong> avaliar. Éjustamente a compreensão <strong>do</strong> <strong>romance</strong> <strong>de</strong> Schlegel como exposição estética <strong>do</strong>pensamento que lhe permitirá ocupar seu lugar <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> espaço intermediário entrepensamento e arte.Referências bibliográficasBERMAN, Antoine. A prova <strong>do</strong> estrangeiro. Cultura e tradução na Alemanha romântica.Trad.<strong>de</strong> Maria Emília Pereira Chanut. Bauru: EDUSC, 2002.EICHNER, H. “Friedrich Schlegels Theorie <strong>de</strong>r Literatur”. In: Against the Grain: SelectedEssays. In: Symington, R. (Ed.) Bern/Berlin/Bruxelles/Frankfurt a.Main/NewYork/Oxford/Wien: Peter Lang, 2003. (Canadian Studies in German Languages andLiterature)___. “Romantisch – Romantik – Romantiker”.In: ___. Romantik and its cognates. TheEuropean History of a Word. Toronto: s.n., 1972.FRANK, M. “Allegorie, Witz, Fragment, Ironie. Friedrich Schlegel und die I<strong>de</strong>e <strong>de</strong>szerrissenen Selbst”. In: Reijen, Willem van. Allegorie und Melancholie. Frankfurt am Main:Suhrkamp, 1992.SCHLEGEL, Friedrich. Fragmentos da revista Lyceum e Fragmentos da revista Athenäum. In:Chiampi, I. (Coord.) Funda<strong>do</strong>res da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Trad. Willy Bolle. São Paulo: Ática, 1991.(Série Temas, v. 25).___. Kritische Schriften und Fragmente 1798-1801. In: Behler, E., Eichner, H.(Ed.)Pa<strong>de</strong>rborn/München/Wien/Zürich : Ferdnand Schöningh, 1988, vol.2.___. Kritische Schriften. Munique: Carl Hansen, 1956.___. <strong>Lucin<strong>de</strong></strong>. Studienausgabe. Stuttgart: Reclam, 1999.Wellek, R. Friedrich Schlegel.In: ___. História da crítica mo<strong>de</strong>rna. O romantismo. Trad. DeLívio Xavier. São Paulo: Editora Her<strong>de</strong>r/EDUSP,1967, v.2