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Romance romântico e teoria do romance: Lucinde, de ... - Eutomia

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102correspon<strong>de</strong> o advento <strong>de</strong> uma prática poética futura 4 . Assim, a abordagem ao <strong>romance</strong> <strong>de</strong>Schlegel se faz aqui pela via <strong>do</strong> experimental e programático, apontan<strong>do</strong> para a busca <strong>de</strong>sseespaço, para os primeiros românticos nunca precisamente <strong>de</strong>limita<strong>do</strong>, entre a obra e suacrítica.O primeiro capítulo, intitula<strong>do</strong> “Confissões <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sajeita<strong>do</strong>”, começa com a<strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> um sonho:Os homens, e tu<strong>do</strong> o mais quanto fazem e <strong>de</strong>sejam, pareciam-me, quan<strong>do</strong>me lembrava disso, figuras cinzentas e sem movimento. Mas na sagradasolidão a meu re<strong>do</strong>r tu<strong>do</strong> era luz e cor, e um fresco hálito <strong>de</strong> vida e amoracariciava-me, balançan<strong>do</strong> os galhos das árvores no bosque exuberante[...]. E logo vislumbrei também, com os olhos <strong>do</strong> espírito, minha única eeterna amada sob variadas formas, ora como criança, ora como mulher noauge da energia amorosa e <strong>do</strong> vigor da feminilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois na dignamaternida<strong>de</strong>, com um sério rapazinho nos braços [...]. Eu pensara terenxerga<strong>do</strong> profundamente no interior da natureza oculta das coisas; [...]Mas não me prolonguei no pensamento, pois não estava especialmentedisposto à articulação e <strong>de</strong>sarticulação <strong>de</strong> conceitos [...]. Espreitava, com friareflexão, sob cada traço tênue <strong>de</strong>ssa satisfação íntima, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que nenhum<strong>de</strong>les se me escapasse, crian<strong>do</strong> assim uma lacuna na harmonia. Eu nãoapenas gozava, mas sentia e gozava o próprio gozo. (SCHLEGEL, 1999, p. 11-12).O trecho permite a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> um importante traço da poética primeiro-romântica, ocaráter reflexivo da dicção. Não se trata aqui <strong>de</strong> uma subjetivida<strong>de</strong> centrada noextravasamento lírico <strong>do</strong> eu, mas sim <strong>de</strong> um flagrante, <strong>de</strong> um instantâneo <strong>do</strong> eu captura<strong>do</strong>pela própria consciência em meio ao processo <strong>de</strong> pensar por meio da linguagem. Nasexpressões em itálico, fica evi<strong>de</strong>nte o mecanismo composto por uma série <strong>de</strong>espelhamentos, <strong>de</strong> reflexões, que irão culminar em outro texto <strong>de</strong> Schlegel composto àmesma época, o ensaio sobre a ininteligibilida<strong>de</strong> 5 (nota). O afastamento e distanciamento4 São ricas e importantes as relações entre as proposições estéticas <strong>do</strong>s primeiros românticos e a obra <strong>de</strong>Mallarmé e Valéry, por exemplo, no que se refere à <strong>de</strong>sautomação das relações cotidianas <strong>do</strong> signolinguístico. Veja-se, por exemplo, o seguinte fragmento <strong>de</strong> Novalis: "[...] O poeta <strong>de</strong>sfaz to<strong>do</strong>s os laços. Suaspalavras não são palavras gerais – são sonorida<strong>de</strong>s, palavras mágicas que fazem se moverem ao re<strong>do</strong>r <strong>de</strong>lasbelos grupos. Exatamente como roupas <strong>de</strong> santos conservam forças prodigiosas, muita palavra foi santificadapor algum pensamento prodigioso e tornou-se quase que por si só um poema. Para o poeta,a linguagemnunca é pobre <strong>de</strong>mais, mas sempre geral <strong>de</strong>mais [...] palavras gastas pelo uso". (NOVALIS, Fragmente II, n.1916, p. 50, trad. <strong>de</strong> Maria Emília Pereira Chanut, levemente modificada, apud BERMANN, 2002, p. 169)5 Über die Unverständlichkeit, <strong>de</strong> 1800.

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