Expectativas e conhecimento entre pacientes com indicação <strong>de</strong> transplante <strong>de</strong> córnea233Um número expressivo <strong>de</strong> entrevistados <strong>de</strong>sconhecia aslimitações no estilo <strong>de</strong> vida após a cirurgia (36,3%) ou aexistência <strong>de</strong> complicações per e pós–operatórias da cirurgia(21,2%), (tabela 4). Dentre as formas <strong>de</strong> complicaçõesa rejeição foi citada por 58,0% <strong>de</strong>sses pacientes, seguida<strong>de</strong> infecção (18,2%). Mais <strong>de</strong> um terço dos pacientes(35,6%) tinham expectativas exacerbadas em relação aoprocedimento, presumindo a total recuperação da capacida<strong>de</strong>visual e quase meta<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses mesmos pacientes(44,5%), esperavam do procedimento cirúrgico a possibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> retornar ao mercado <strong>de</strong> trabalho.DISCUSSÃOOs resultados <strong>de</strong>ste estudo reafirmam as limitaçõesno <strong>de</strong>sempenho econômico da população com problemascorneanos em função das condições visuais, compossíveis repercussões tanto no aspecto individual (perdada autoestima e <strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> familiares), como no social(perda <strong>de</strong> força <strong>de</strong> trabalho e diminuição <strong>de</strong> renda).Em muitos casos, apesar da importante perda visual,do longo tempo <strong>de</strong> evolução da doença corneana e dointeresse e condição <strong>de</strong> acesso ao exame oftalmológico, otratamento <strong>de</strong>finitivo não foi alcançado.A maioria dos pacientes com ceratocone,disfunção corneal <strong>de</strong> maior indicação <strong>de</strong> transplante <strong>de</strong>córnea no Brasil (8,9) , possuía indicação prévia <strong>de</strong>ceratoplastia penetrante e quase todos (91,8%) referiramjá ter feito testes com lentes <strong>de</strong> contato.Olson&Pingre (10) relatam que a indicação <strong>de</strong>ceratoplastia penetrante <strong>de</strong>ve basear-se preferencialmenteem dois fatores: intolerância ao uso <strong>de</strong> lentes <strong>de</strong>contato e baixa acuida<strong>de</strong> visual sem melhora com correção(óculos e/ou lentes <strong>de</strong> contato), fato esse reiteradopor Crews&Driebe e Dana et al. ( 11, 12 ) .O tratamento preconizado para pacientes comceratocone é inicialmente o uso <strong>de</strong> óculos, seguido da adaptação<strong>de</strong> lentes <strong>de</strong> contato e, como última opção, transplante<strong>de</strong> córnea ( 10, 13 ) . Portanto é imperativa a tentativa<strong>de</strong> readaptação das lentes <strong>de</strong> contato nos intitulados “intolerantes”antes <strong>de</strong> indicar um procedimento cirúrgico.Com o avanço das técnicas <strong>de</strong> manufatura, alterações naforma e composição dos polímeros, atualmente é possíveladaptar lentes <strong>de</strong> contato na gran<strong>de</strong> maioria das córneassaudáveis ou com alterações topográficas (14) . Muitos autores<strong>de</strong>screvem sucesso na readaptação <strong>de</strong> lentes <strong>de</strong> contatoem pacientes encaminhados para realização <strong>de</strong> transplante<strong>de</strong> córnea, obtendo índices <strong>de</strong> sucesso que variam<strong>de</strong> 65% a 95% (11, 12, 15, 16) , fato esse que adia ou evita arealização <strong>de</strong> um procedimento cirúrgico complexo comoa ceratoplastia penetrante bem como exposição a eventuaisriscos e complicações <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> tal procedimento,não aumentando a fila <strong>de</strong> espera e poupando gastospara o sistema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.A persistência <strong>de</strong> erros refracionais residuais, corroboradopelo astigmatismo pós-operatório em torno <strong>de</strong>4 a 6 DC, contribui para o <strong>de</strong>scontentamento pós-operatório.Devemos ainda ressaltar que a realização <strong>de</strong> umtransplante <strong>de</strong> córnea não exime o paciente da necessida<strong>de</strong>do uso <strong>de</strong> óculos ou lentes <strong>de</strong> contato no períodopós-operatório para obter melhora da acuida<strong>de</strong> visual.A necessida<strong>de</strong> do uso <strong>de</strong> lentes <strong>de</strong> contato no pós-operatório<strong>de</strong> transplante em casos <strong>de</strong> ceratocone atinge índicesconsi<strong>de</strong>ráveis, que variam <strong>de</strong> 20% a 70% (12, 15, 17-19) .Esse fato <strong>de</strong>ve ser exposto claramente antes da realizaçãodo procedimento, especialmente nos casos <strong>de</strong> intolerânciaao uso <strong>de</strong> lentes <strong>de</strong> contato.O prognóstico visual <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da doença corneanapré-existente, sendo pior em afecções como seqüela <strong>de</strong>ceratite infecciosa e cicatrizes corneanas (20) . O baixo índicesócio-econômico é correlacionado com maior índice <strong>de</strong>falência do enxerto, principalmente <strong>de</strong>vido ao não cumprimentodas orientações médicas no longo período pós-operatório(17, 20, 21) . Além disso, um importante fator <strong>de</strong> risco pararejeição é a vascularização da córnea receptora ( 22) .Mesmo tendo sido instruídos a buscar o transplante,gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>sses pacientes não foi corretamenteorientado ou não compreen<strong>de</strong>u a orientação, não tevecondições socioeconômicas para buscar tratamento e nãohouve a<strong>de</strong>são ao tratamento proposto. Adicionalmente,não houve motivação ou interesse <strong>de</strong> buscar outras fontes<strong>de</strong> informação sobre seu problema ocular e sobre acirurgia propriamente dita, seus riscos e eventuais complicações.As perspectivas <strong>de</strong> reabilitação, limitações noestilo <strong>de</strong> vida e possíveis complicações após a cirurgiaeram praticamente <strong>de</strong>sconhecidas.A maioria dos pacientes sequer foi incluído emuma lista <strong>de</strong> espera <strong>de</strong> transplante <strong>de</strong> córnea, o que sugereque o intercâmbio entre os níveis <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> secundárioe terciário é falho, privando o paciente do atendimentoespecializado. De acordo com Sommer ( 7) , o maior obstáculoao tratamento não resi<strong>de</strong> na falta <strong>de</strong> tecnologia a<strong>de</strong>quada,mas sim na inabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar condiçõespropiciadoras <strong>de</strong> motivação das pessoas, <strong>de</strong> viabilizar oacesso aos serviços, e <strong>de</strong> fornecer infraestrutura e organizaçãoda assistência oftalmológica.Segundo estudo realizado por Jeffrey ( 23) em pacientessubmetidos a transplante <strong>de</strong> córnea, após 10 anosda realização do procedimento, apenas 48% compareceramàs consultas agendadas e <strong>de</strong>stes, 21% apresentavamglaucoma, 21% rejeição e 21% falência do enxer-Rev Bras Oftalmol. 2011; 70 (4): 230-34
234Kara-Junior N, Mourad PCA , Espíndola RF, AbilRuss HHto, o que sugere um risco cumulativo <strong>de</strong> complicações.O grau <strong>de</strong> conhecimento e compreensão individualdo paciente em relação ao transplante <strong>de</strong> córnea é tão importantequanto à própria técnica cirúrgica. A escassa informaçãosobre o procedimento a ser realizado e a falta <strong>de</strong>conscientização sobre a gravida<strong>de</strong> do caso e limitações narecuperação visual, po<strong>de</strong> gerar no pacientes falsas expectativase <strong>de</strong>scaso com cuidados e retornos necessários noperíodo pós-operatório, po<strong>de</strong>ndo comprometer o resultadocirúrgico, além <strong>de</strong> gerar <strong>de</strong>scontentamento.O acesso prévio ao exame oftalmológico, com indicação<strong>de</strong> transplante <strong>de</strong> córnea, não foi suficiente paramuitos obterem tratamento <strong>de</strong>finitivo. É necessário quese garanta o acesso à cirurgia do transplante <strong>de</strong> córnea,facilitando o encaminhamento a médicos e instituiçõesespecializadas, bem como orientação para seu ingressoem filas <strong>de</strong> espera <strong>de</strong> transplante <strong>de</strong> córnea.É <strong>de</strong> suma importância salientar que para obterum resultado cirúrgico satisfatório há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>uma seleção a<strong>de</strong>quada <strong>de</strong> pacientes e orientação sobreseu problema ocular, a cirurgia proposta, os cuidados eriscos per e pós-operatórios, bem como as perspectivas<strong>de</strong> reabilitação visual.CONCLUSÃOMesmo a maioria dos pacientes já serem acompanhadosem outros serviços e muitos com indicaçãocirúrgica, eles não apresentaram conhecimentosatisfatórios, alguns básicos, sobre sua condição e aindaapresentaram expectativas exacerbadas sobre os resultadosdo transplante <strong>de</strong> córnea.Grupos <strong>de</strong> orientação constituídos por médicos,enfermeiros, auxiliares <strong>de</strong> oftalmologia e pacientes previamenteoperados po<strong>de</strong>m auxiliar na divulgação e orientaçãosobre o procedimento, sanando dúvidas e receiosdos potenciais candidatos cirúrgicos. Cartilhas oumanuais <strong>de</strong> orientação também po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>valia para conscientização <strong>de</strong> pacientes e familiares,conforme já <strong>de</strong>monstrado nos projetos “Zona Livre <strong>de</strong>Catarata” e “Olho no Olho”.REFERÊNCIAS4. Kara-José N, Arieta CE,Temporini ER, Ambrósio LE.Tratamento cirúrgico <strong>de</strong> catarata senil: óbices para o paciente.ArqBras Oftalmol. 1996,59:573- 7.5. Kara-Junior N, Schellin AS, Silva MR, Bruni LF, AlmeidaAG. Projeto catarata - Qual a sua importância para acomunida<strong>de</strong>? ArqBras Oftalmol. 1996;59 (5):490-96.6. Temporini ER, Kara-José N, Kara-Junior N. Catarata senil:Características e percepções <strong>de</strong> pacientes atendidos emprojeto comunitário <strong>de</strong> reabilitação visual. ArqBras Oftalmol.1997;60 (1):79-83.7. Sommer, A. Organizing to prevent third world blindness. AmJ Ophthalmol.1989;107 (5):544-6.8. 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Cirurgia <strong>de</strong> catarata: o porquêdos excluídos. Rev PanamSalud Publica.1999;6(4):242-8.En<strong>de</strong>reço para Correspondência:Paula <strong>de</strong> Camargo Abou MouradAvenida Bem Te Vi, nº 362 - apto. 74 C - MoemaCEP 04524-030 - São Paulo – (SP), Brasile-mail: paulamourad_usp@yahoo.com.brRev Bras Oftalmol. 2011; 70 (4): 230-4
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