Pupila dilatada fixa (síndrome <strong>de</strong> Urrets-Zavalia) após ceratoplastia lamelar profunda249INTRODUÇÃOEm 1963, Urrets-Zavalia relatou seis casos <strong>de</strong> pacientesque <strong>de</strong>senvolveram pupila dilatada fixa(PDF) com atrofia <strong>de</strong> íris após ceratoplastialamelar penetrante (CLP) para ceratocone (1) . Nenhum<strong>de</strong>sses olhos apresentou aumento da pressãointraocular (PIO) no pós-operatório (PO) precoce.Alguns apresentaram sinéquia anterior periférica eglaucoma secundário, mas estas características nãotêm sido citadas em relatos subsequentes (1-3) . Outrascaracterísticas <strong>de</strong>scritas foram o ectrópio da íris , dispersão<strong>de</strong> pigmento, sinéquia posterior e opacida<strong>de</strong>subcapsular anterior (1) .Embora as características clínicas <strong>de</strong>stasíndrome tenham sido bem <strong>de</strong>scritas, a etiologia precisaé incerta. Vários autores têm atribuído sua causaao uso pós-operatório <strong>de</strong> midriático, particularmenteatropina (1,3,4) . Outros autores acreditam ter o aumentoda pressão intraocular (3,4) e/ou trauma cirúrgico papelna sua etiopatogenia (2,5) . Em 1995, em outro estudo (3)com a angiofluoresceinografia evi<strong>de</strong>nciou isquemiada íris grave em olhos que <strong>de</strong>sevolveram PDF após aceratoplastia penetrante por ceratocone. PreviamenteMaurino et al. (5) relataram três casos <strong>de</strong> síndrome <strong>de</strong>Urrets-Zavalia (SUZ) após injeção <strong>de</strong> ar/gás pós CLPpor ceratocone. Recentemente, outro autor relatouquatro casos <strong>de</strong> pupila dilatada fixa após CLP (6) .A incidência da SUZ varia entre 2,2% e 17,7% (2-7) .Entretanto, menos casos têm sido relatados após a década <strong>de</strong>80, mesmo consi<strong>de</strong>rando algumas gran<strong>de</strong>s séries <strong>de</strong> CLPs (8) .A redução da incidência po<strong>de</strong>ria resultar da melhora nastécnicas operatórias. Apresentamos a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> dois casos<strong>de</strong> pacientes que apresentaram PDF após CLP.1AFigura 1A: Caso 1 - Segunda semana após ceratoplastia lamelarprofunda para leucoma superficial. Apresentava a pupila dilatadae fixa, sinéquia posterior às 10 horas, Ectrópio uveal e a PIO=15mmHgFigura 1B: Caso 1 - No terceiro mês <strong>de</strong> pós-operatório, po<strong>de</strong>mosobservar opacida<strong>de</strong> cristaliniana cortical. Havia redução damidríase paralítica e ausência <strong>de</strong> sinéquia posterior após uso <strong>de</strong>pilocarpina 2% <strong>de</strong> 8/8h. O evento corneal apresentava-se transparentee a acuida<strong>de</strong> visual com correção era <strong>de</strong> 20/40Figura 2A: Caso 2 - Na terceira semana após ceratoplastia lamelarprofunda para ceratocone e injeção <strong>de</strong> ar na câmara anteriorpara tratamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>scolamento da membrana <strong>de</strong> Descemet noOE. A pupila estava dilatada e fixa, havia trofia focal, pigmentos<strong>de</strong> iris no endotélio e PIO=10 mmHgFigura 2 B: Caso 2 - Na sexta semana <strong>de</strong> pós-operatório, po<strong>de</strong>mosobservar permanência da pupila dilatada e fixa, atrofia focal,pigmentos <strong>de</strong> íris no endotélio e acuida<strong>de</strong> visual com correção era<strong>de</strong> 20/100Rev Bras Oftalmol. 2011; 70 (4): 248-51
250Batista JLA, Grisolia ABD, Pazos HB, Nogueira Filho PA, Gomes JAPRelato <strong>de</strong> casosCaso 1: J.D.C., 44 anos, masculino, negro, proce<strong>de</strong>nte<strong>de</strong> São Paulo, com embaçamento visual no olhodireito há 4 meses. Negava trauma e/ou infecção oculare alterações sistêmicas. Ao exame oftalmológico apresentavaacuida<strong>de</strong> visual (AV) sem correção <strong>de</strong> 20/100no olho direito (OD) e 20/20 no olho esquerdo (OE). Abiomicroscopia revelou <strong>de</strong>pósitos estromais profundosna córnea <strong>de</strong> ambos os olhos, sendo que no OD apresentavaopacida<strong>de</strong>s subepiteliais centrais. O paciente foisubmetido à CLP nesse olho com a técnica <strong>de</strong>viscodissecção, feita injeção <strong>de</strong> ar na câmara anterior,sem intercorrências. No primeiro dia <strong>de</strong> PO, o pacienteapresentava midríase, sendo prescrito acetato <strong>de</strong>prednisolona 1% <strong>de</strong> 2/2hs + ofloxacina 0,3% <strong>de</strong> 3/3h +pomada <strong>de</strong> acetato <strong>de</strong> retinol 1aplicação à noite. A PIOera normal à digitopressão. Após 1 semana, apresentavano OD, PIO= 15mmHg, pupila midriática, sinéquia posteriore ectrópio uveal às 10h. Na segunda semana <strong>de</strong>PO (Figura 1A), mantinha midríase paralítica no OD,tendo sido prescrito Pilocarpina 2% <strong>de</strong> 8/8h. Na terceirasemana, apresentava ausência da sinéquia posterior,midríase parcial, ectrópio, atrofia setorial da íris e opacida<strong>de</strong>cristaliniana cortical, usava colírios <strong>de</strong>fluormetolona 12/12hs e pilocarpina 1x ao dia. No terceiromês <strong>de</strong> PO (Figura 1B) evoluiu com melhora ediminuição da midríase, <strong>de</strong> aproximadamente 1,5mm.A AV com correção era <strong>de</strong> 20/40, PIO=13mmHg e oenxerto corneal transparente.Caso 2: T.F.J.A., 29 anos, feminino, proce<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>Santos/SP com diagnóstico <strong>de</strong> ceratocone em ambos osolhos (AO), sendo acompanhada em nosso serviço háaproximadamente 7 anos após a adaptação <strong>de</strong> lente <strong>de</strong>contato rígida AO. Ao exame biomicroscópico, evi<strong>de</strong>nciou-seanel <strong>de</strong> Fleischer, estrias <strong>de</strong> Vogt e opacida<strong>de</strong>sestromais superficiais AO, pior no OE. Devido à intolerânciaao uso da lente <strong>de</strong> contato no OE, foi submetida àCLP nesse olho através da técnica <strong>de</strong> viscodissecção. Nointraoperatório, ocorreu microperfuração da membrana<strong>de</strong> Descemet. No 1° dia <strong>de</strong> PO,<strong>de</strong>senvolveu<strong>de</strong>scolamento parcial central da membrana <strong>de</strong>Descemet, miose e a PIO era <strong>de</strong> 12mmHg. Introduziuseacetato <strong>de</strong> prednisolona 1% <strong>de</strong> 2/2h + ofloxacino 0,3%<strong>de</strong> 3/3h e epitezan 1x à noite. Após 24 horas, o<strong>de</strong>scolamento da Descemet progrediu sendo realizadainjeção <strong>de</strong> ar na câmara anterior que evoluiu com dorocular, cefaléia, náuseas e vômitos e PIO <strong>de</strong> 60mmHg,sendo diagnosticado bloqueio pupilar. Prescreveu-se250ml <strong>de</strong> manitol 20% endovenoso, acetazolamida250mg VO 6/6h e colírios <strong>de</strong> timolol 0,5% <strong>de</strong> 12/12h eatropina 1% <strong>de</strong> 6/6h. O quadro não regrediu e o tratamentofoi repetido. Houve resolução do bloqueio pupilar,com estabilização da PIO, e a paciente teve alta commedicação tópica e oral. No exame biomicroscópico,apresentava PDF, e<strong>de</strong>ma <strong>de</strong> córnea ++/4, dobras <strong>de</strong>Descemet (colada) e uma bolha <strong>de</strong> ar na câmara anterior.Na primeira semana <strong>de</strong> PO, PIO <strong>de</strong> 10mmHg,midríase, atrofia focal e pigmentos <strong>de</strong> íris no endotélioOE. Na terceira semana <strong>de</strong> PO (Figura 2A), mantidaPDF e PIO <strong>de</strong> 10mmHg OE, iniciado colírio <strong>de</strong>Pilocarpina 2% 12/12h. Na sexta semana <strong>de</strong> PO, apresentava-seestável, AV com correção <strong>de</strong> 20/100 e PDF,com atrofia focal e pigmentos <strong>de</strong> íris no endotélio (Figura2B). Está em uso <strong>de</strong> acetato <strong>de</strong> prednisolona 1% 12/12h OE.DISCUSSÃOAlguns casos <strong>de</strong> PDF têm sido relatados maiscomumente após CLP por ceratocone (3,5-7) . Entretantotambém tem sido observada após ceratoplastia por outrasindicações (2,3,9,10) , como ocorreu no caso 1. Há <strong>de</strong>scrições<strong>de</strong> sua ocorrência em cirurgias <strong>de</strong>trabeculectomia (11) e <strong>de</strong> catarata (9) . Recentemente, outrorelato apresentou um caso <strong>de</strong> PDF e cataratasubcapsular anterior após ceratoplastia endotelialautomatizada com remoção <strong>de</strong> Descemet (DSAEK) (9) .De etiologia incerta, inúmeros mecanismos têmsido propostos. Originalmente, a teoria <strong>de</strong> Urrets-Zavaliasugere que a midríase produzida pela atropina usada nopós-operatório imediato da CLP causa sinéquia periféricae glaucoma (1) .No caso 2, o uso <strong>de</strong> atropina 1% para tratamentodo bloqueio pupilar po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado fator <strong>de</strong> risco.No paciente do caso 1, em que não foi retirado oar da câmara anterior, houve formação <strong>de</strong> PDF e sinéquiaanterior nos primeiros dias <strong>de</strong> PO. A evolução foi favorávelapós a terceira semana, porém <strong>de</strong>senvolveu opacida<strong>de</strong>anterior do cristalino. É possível que a expansãocausada pelo ar, associada ao trauma da dissecçãoestromal, provocaram isquemia da raíz da íris e suscitadoo processo. A oclusão dos vasos da íris nestas circunstânciasresultaria em isquemia e extravasamento <strong>de</strong> plasmano aquoso, que induziriam formação <strong>de</strong> sinéquia posterior(3) . Em observações (2) anteriores foi constatado quea condição era mais comum na ausência <strong>de</strong> iridotomiaperiférica e sugerem ser o trauma direto ou indireto daíris a causa. O trauma direto seria causado pela tesoura<strong>de</strong> córnea e o indireto ocasionado pelo mecanismo <strong>de</strong>estrangulamento da íris, no qual seus vasos seriamocluídos pela compressão contra a borda cortada daRev Bras Oftalmol. 2011; 70 (4): 248-51
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