Anoftalmia bilateral como <strong>de</strong>feito congênito isolado: uma abordagem etiológica e psicossocial245Figura 3: TC <strong>de</strong> crânio corte axial T1Figura 4: TC <strong>de</strong> crânio corte axial T2Figura 5: Cariotipagem por bandamento Gpais sem consanguinida<strong>de</strong>.A genitora refere ter feito acompanhamento prénatal.Informa não ter apresentado intercorrências durantea gestação ou doenças como hipertensão e diabetes.Nega o uso <strong>de</strong> medicamentos, álcool, tabaco ou drogasneste período. Não há história <strong>de</strong> malformações congênitasentre familiares maternos e paternos. Apresentousorologias negativas para sífilis, citomegalovírus,toxoplasmose, hepatite B e HIV. Como constatação anormal,atribui importância a episódios <strong>de</strong> mal-estar ocorridosquando em contato com produto <strong>de</strong> limpeza parachapas <strong>de</strong> fogão a lenha.A cesárea ocorreu a termo, após gestação <strong>de</strong> 39semanas. A recém-nascida pesou 2.480g, mediu 47 cm<strong>de</strong> estatura e apresentou Apgar 9-10. Como anormalida<strong>de</strong>constatou-se anoftalmia bilateral sem quaisquer outrasmalformações (figuras 1 e 2). No exameoftalmológico inicial evi<strong>de</strong>nciou-se abertura parcial <strong>de</strong>pálpebras com fendas restritas, mas não foi possível <strong>de</strong>tectara presença <strong>de</strong> globo ocular bilateralmente.Foram realizados estudos complementares <strong>de</strong>imagem na época do nascimento. A tomografiacomputadorizada <strong>de</strong> crânio confirmou a ausência dosglobos oculares bilateralmente, sem outras anormalida<strong>de</strong>s(figuras 3 e 4). A ultrassonografia do abdômen totale a radiografia <strong>de</strong> tórax apresentaram-se normais.Posteriormente foi realizado o exame <strong>de</strong> ressonânciamagnética das órbitas o qual também confirmoua ausência dos globos oculares, nervo e quiasma óptico,mas evi<strong>de</strong>nciou a presença medializada da musculaturaextrínseca.O estudo citogenético <strong>de</strong>monstrou tratar-se <strong>de</strong>cariótipo feminino normal (figura 5).No presente, a paciente apresenta retardo <strong>de</strong> crescimentocom mo<strong>de</strong>rada hipotonia muscular e flaci<strong>de</strong>zgeneralizada. Somente começou a sentar-se aos 12 meses<strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Está com ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 22 meses, não caminhae apresenta retardo geral do <strong>de</strong>senvolvimentopsicomotor <strong>de</strong>vido à cegueira associada. Sua linguagemé escassa, porém manifesta sinais <strong>de</strong> compreensão quandoalguém tenta comunicar-se consigo.DISCUSSÃOA prevalência da anoftalmia congênita varia <strong>de</strong>3 a 6 para cada 100.000 nascimentos (3) . Um estudo realizadona Espanha encontrou uma prevalência <strong>de</strong> 4,18para cada 100.000 nascidos, confirmando os resultadosRev Bras Oftalmol. 2011; 70 (4): 243-7
246Corso DD, Bonamigo EL, Corso MA, Rodrigues EBdo estudo anterior (2) .A anoftalmia habitualmente ocorre como parte<strong>de</strong> outras síndromes congênitas. A forma mais comum éa manifestação em anomalias cromossômicas, sendo frequentea associação com a Síndrome <strong>de</strong> Patau(cromossomo 13) e Edward (cromossomo 18) que geramrecém-nascidos com polimalformações entre asquais po<strong>de</strong> estar a anoftalmia. Excepcionalmente, estamalformação po<strong>de</strong> manifestar-se em associação comlábio leporino bilateral (4) .O caso em estudo é consi<strong>de</strong>rado uma forma isoladada malformação já que não foram evi<strong>de</strong>nciados <strong>de</strong>feitosgenéticos, nem manifestações extraoculares. Referenteà pesquisa genética, o exame <strong>de</strong> cariótipo <strong>de</strong>bandamento G apresentou-se normal. Tal resultado permitesupor que outras bandas cromossômicas estejamenvolvidas na etiologia ou que outro mecanismo seja oresponsável pela malformação, como uma alteração nofluxo sanguíneo ocular que produz necrose das estruturasoculares (5) .A alteração vascular po<strong>de</strong> originar-se <strong>de</strong> fatoresexternos, tais como: bridas amnióticas, infecções, uso <strong>de</strong>fármacos, abuso <strong>de</strong> álcool ou drogas, diabetes mellitusou fatores vasculares <strong>de</strong> causas diversas. Esta <strong>de</strong>ficiênciana perfusão dar-se-ia em etapas tardias do <strong>de</strong>senvolvimentoembrionário especialmente na organogênese(entre 4ª a 8ª semana) e período fetal (da 9ª semana aonascimento) (5) . No presente caso a mãe apresentava reaçãopossivelmente alérgica a produtos <strong>de</strong> limpeza quepo<strong>de</strong> influir no sistema vascular.A forma isolada é raríssima. Em uma revisão <strong>de</strong>12 casos realizada em Botucatu, São Paulo, no período1992 a 2005, foram encontrados dois pacientes comanoftalmia bilateral. Nestes treze anos <strong>de</strong> observaçãoapenas uma criança caracterizou-se como forma isolada,ou seja, não apresentava manifestações extraocularesassociadas (3) .No caso em análise o pai e a mãe tinham, respectivamente,40 e 41 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Tal fato gera suspeita<strong>de</strong> associação entre ida<strong>de</strong> e malformação congênita umavez que a literatura <strong>de</strong>monstra que a faixa etáriareprodutiva i<strong>de</strong>al da mãe encontra-se entre 20 e 34 anos,sendo os extremos mais propensos ao <strong>de</strong>senvolvimento<strong>de</strong> <strong>de</strong>feitos congênitos (6,7) .O diagnóstico pré-natal normalmente realizadonão consegue captar a forma isolada da anoftalmia. Assim,faz-se importante a orientação apropriada <strong>de</strong>staanomalia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o nascimento uma vez que, instaurando-seum tratamento precoce, po<strong>de</strong>m ser prevenidas algumas<strong>de</strong> suas consequências.A gravida<strong>de</strong> da anomalia não afeta somente seuportador, mas atinge severamente também seus pais quenecessitarão <strong>de</strong> orientação e apoio psicológico. Destaforma, os médicos e outros profissionais da saú<strong>de</strong> precisamestar a<strong>de</strong>quadamente preparados para auxiliar todosos personagens envolvidos nesta complicada situação.O Ministério da Saú<strong>de</strong>, através da Portaria nº1.820/2009, garante uma série <strong>de</strong> direitos aos usuáriosdo SUS (8) . O atendimento humanizado e sem discriminaçãoaos portadores <strong>de</strong> anomalia ou <strong>de</strong>ficiência estáprevisto em seu artigo 4º. Uma orientação mais específicaparte do Estatuto da Criança e do Adolescente(1990) (9) que recomenda o atendimento especializadoaos portadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência.Do ponto <strong>de</strong> vista econômico a Constituição Fe<strong>de</strong>ralbrasileira (1988) (10) oferece “proteção e garantiadas pessoas portadoras <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiências” (Artigo 23, Inc.II). Aqueles que não possuem meios para prover suaprópria manutenção ou <strong>de</strong> tê-la provida por sua famíliatêm direito a receber um salário mínimo (Artigo 203,Inc. V).A criança relatada neste caso obviamente vainecessitar <strong>de</strong> cuidados especiais e contínuos por parte<strong>de</strong> seus pais que, por sua vez, necessitarão <strong>de</strong> apoio médico,social e estatal.Normalmente, pela rarida<strong>de</strong> da ocorrência, osprofissionais envolvidos no atendimento não estão familiarizadoscom tal anomalia e suas consequências sobreo <strong>de</strong>senvolvimento psicomotor do paciente afetado.Isto ficou evi<strong>de</strong>nte quando os pais <strong>de</strong> um paciente recém-nascidocom anoftalmia congênita procuraram oauxílio <strong>de</strong> vários médicos, recebendo a resposta <strong>de</strong> quenada po<strong>de</strong>riam fazer (11) . O não oferecimento <strong>de</strong> perspectiva<strong>de</strong> tratamentos po<strong>de</strong> gerar <strong>de</strong>sesperança. Talimpacto é tão forte que a mãe po<strong>de</strong> chegar ao extremo<strong>de</strong> colocar seu filho para adoção, conforme ocorreu naEspanha (5) .De uma forma geral, as ações em saú<strong>de</strong> para ocontrole <strong>de</strong> <strong>de</strong>feitos genéticos têm objetivos amplos quevão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a prevenção da ocorrência ou <strong>de</strong> suas complicaçõesaté o atendimento dos problemas e a minimizaçãodo dano (reabilitação física, mental, psicológica e social)(12) .Um estudo realizado na UNIFESP com 30 pacientesportadores <strong>de</strong> anoftalmia unilateral adquirida constatouque 37% <strong>de</strong>les manifestaram sintomas <strong>de</strong>pressivos.Os autores sugerem o atendimento <strong>de</strong>stes pacientes porequipe multidisciplinar em que participem psicólogos eprotéticos além dos cirurgiões plásticos e oftalmologis-Rev Bras Oftalmol. 2011; 70 (4): 243-7
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