e entrevistaO comentador de sociedade, economia e política, a quemapetece perguntar tudo, indo muito além do guião, tem 68 anos,sete irmãos e sente que a sua terra é o Douro. Já foi deputado doPartido Socialista, ministro do Comércio e Turismo e, também, daAgricultura e Pescas. Agora, fora da política activa há 20 anos ereformado da carreira universitária, o sociólogo mais conhecido doPaís recebeu-nos tendo como pano de fundo as suas fotografias apreto e branco, expostas na Galeria Corrente d’Arte, em Lisboa.Cx: Uma vez disse: «Ando sempre atrasado para aquilo que quero,sempre aquém do que gostava de ser e fazer». O que gostava de sere fazer?António Barreto: Ando em grande ansiedade. O que tenho sãoprojectos que são sempre maiores do que o meu tempo. Por maisenergia que tenha. Há algumas viagens importantes que gostava defazer: o Transiberiano, atravessar a China de carro, autocarro, detodas as maneiras. Gostava de ir à Austrália e ao Japão, onde nuncafui. Gostava de atravessar o continente indiano de todas as maneiras,mas principalmente de comboio – sou um grande apaixonado pelocomboio. Por outro lado, gostava de ter mais tempo para ir ouvirópera a Paris, Londres, Nova Iorque…Desde que entrei para a Fundação, há dois anos, que o trabalho émuito intenso – muito frequentemente, trabalho 16 ou 18 horas pordia. Isto tem-me retirado tempo para ouvir mais música e escrever.Interrompi há um ano a minha crónica semanal no Público parapreparar a exposição e o livro de fotografias com Ângela CasteloBranco (António Barreto: Fotografias, 1967–2010). Escrever em jornaisé uma actividade que tenho há muito – 40 anos – e que querocontinuar.Cx: E a ópera? Fale-nos na sua fixação em ser cantor de ópera.AB: Cantar ópera é uma ambição perdida. Não quero cantar óperacomo se canta no duche, de manhã, mas sabendo, estudandomúsica, canto, solfejo e tudo o que é preciso. Não fui por aí, tenhopena, mas quanto a isso já não tenho ilusões.Cx: Que obra está a preparar?AB: Tenho dois ou três ensaios começados sobre a sociedadeportuguesa e o mundo actual que quero retomar. Um é sobrePortugal, e não digo mais. Um é mais de sociólogo e outro é maisglobal: política, cultura, cidadania, opinião.Cx: O que pensa da nova cidadania?AB: Há pessoas que querem uma nova cidadania para reclamarmais liberdade individual, mais direitos individuais. Há outras quereclamam mais direitos colectivos, mais direitos de participação.56 cxa r e v i s t a d a c a i x a
Outras falam de nova cidadania como uma nova relação entre oscidadãos e as organizações do poder. Por exemplo, a possibilidade dea Câmara Municipal de Lisboa fazer orçamentos com a participaçãode cidadãos organizados. Depende da ideologia de cada um.Cx: Esse conceito está presente nesse trabalho que começou einterrompeu?AB: Eu não defendo nenhum conceito. Passa-me muito pouco pelacabeça sugerir modelos de vida, pensamento ou comportamento,sobretudo aos outros. Esse trabalho é uma reflexão sobre ascondições actuais da cidadania, para que uma pessoa possacumprir os seus deveres, ver preservados os seus direitos. Comoé que se faz isso hoje com os dispositivos, tecnologias e hábitostão diferentes do que havia há 30, 40 anos (Internet, televisão emdirecto, milhares de canais, publicações, blogues)? Será que tudoisso melhora?Cx: Pergunto-lhe isso mesmo: será que é para melhor?AB: Há aspectos em que melhora e outros em que piora. Há muitosassuntos que passam a ser mais transparentes às populações, mastudo isso também tem efeitos de distracção. Há muita gente quedeixou de se interessar por assuntos públicos e colectivos porque naInternet, no Facebook, no Twitter, nos seus blogues bastam-se a sipróprias. Estes dispositivos tecnológicos podem servir dois fins: oexacerbamento do individualismo e até da solidão ou, pelo contrário,virem reforçar o sentimento de comunidade. Na Internet, fala-semuito de comunidade. Todos dizem que a comunidade à distânciaé má porque retira o lado humano das coisas. Eu acho que sim, queretira o lado humano das coisas, mas será que é necessariamente má?Será que não se acabarão por forjar outro tipo de relações entre aspessoas, até afectivas ou emocionais?Cx: Não serão demasiados amigos que nunca se viram?AB: Isso é outra coisa. Eu não frequento, não estou nessasplataformas. Mantenho contacto com amigos que foram próximos edos quais, por qualquer motivo, estou separado. Na minha opinião,não gosto desse tipo de relações, anónimas, com pseudónimos oucom pessoas que não se conhecem, apesar de mostrarem a sua foto.Cx: Se tivesse filhos, controlaria as horas na Internet?AB: É difícil emitir uma norma, a minha única experiência é oconhecimento através de sobrinhas, filhas e netos dos meus irmãos,ou então dos filhos do primeiro casamento da minha mulher; játemos três netos: duas raparigas e um rapaz. Eu tentei manter umacerta contenção: acompanho o que se passa e retiro lições sobre aapetência das crianças e jovens por essas tecnologias, métodos decomunicação e entretenimento. A minha conclusão, hoje, é que, emprimeiro lugar, não vale a pena lutar contra a liberdade. Supondoque tenho filhos: se proíbo o que quer que seja, tenho a certezaabsoluta do que eles acabam por fazer: têm amigos, escolas, ruas,cafés. E proibir pode ser contraproducente por diversos aspectos.Tentaria mostrar que a Internet e os jogos são relativos, que háoutras coisas para além disso. Se fosse necessário, tentaria ter algumamedida. O melhor é, nunca abdicando da autoridade, agir pelaexplicação racional. Os jovens merecem um esforço de racionalidadee de explicação. E quando era jovem, fiz tudo o que era proibido,sem excepção.Cx: É importante fazer o que é proibido?AB: Sim, é importante, mas isso também mostra o reduzido alcancedas proibições dos pais. Pode haver casos em que as proibiçõesdrásticas resultem, mas pergunto-me se o resultado é bom. Há umaIMAGENS António Barreto na Galeria Corrented’Arte, em São Bento, palco da exposiçãoAntónio Barreto: Fotografias, 1967-2010e da entrevista à CxCx: Pode haver aí muita falsidade…AB: Há muita falsidade, há rituais sem qualquer significado. Aí nãoexiste o tacto, o ouvir directamente, não se podem ver as reacções,olhar nos olhos. Não é o meu género. Mas não digo que isso nãopresta, que para outras pessoas não possa resultar, mas eu nãofrequento.«A nossa escola tem vindoa privilegiar a indisciplinae a espontaneidade,o que eu acho errado»cxa r e v i s t a d a c a i x a57