à guisa de Introdução: um Panorama Teórico - Claudio Naranjo
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psicanalítica mo<strong>de</strong>rna: <strong>um</strong>a maldição que visita geração após geração é algo que já éconhecido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Antiguida<strong>de</strong>. A noção <strong>de</strong> <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> doente é a essência das antigasconcepções indiana e grega da nossa época como a <strong>de</strong> <strong>um</strong>a “ida<strong>de</strong> das trevas”, <strong>um</strong>a“Kaliyuga” – <strong>um</strong>a era <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> queda a partir da nossa condição espiritual original.Não estou dizendo que os cuidados da mãe são tudo; os cuidados do api também sãoimportantes, e eventos posteriores po<strong>de</strong>m ter influenciado nosso <strong>de</strong>senvolvimento futuro,como está evi<strong>de</strong>nte nas tra<strong>um</strong>áticas neuroses <strong>de</strong> guerra. Os primeiros eventos, como aextensão do tra<strong>um</strong>a do parto, também po<strong>de</strong>m ter efeitos <strong>de</strong>bilitantes sobre o indivíduo. Semdúvida, a maneira pela qual as crianças são trazidas ao mundo nos hospitais constitui <strong>um</strong>choque <strong>de</strong>snecessário, e po<strong>de</strong>mos conjecturar que <strong>um</strong>a pessoa nascida na pen<strong>um</strong>bra e quenão leve <strong>um</strong> tapa nas costas para estimular a respiração po<strong>de</strong> estar melhor preparada pararesistir às futuras condições tra<strong>um</strong>áticas da vida – assim como a criança que tenha recebidoos cuidados a<strong>de</strong>quados da mãe no início da vida po<strong>de</strong> estar melhor preparada para assimilara situação tra<strong>um</strong>ática dos cuidados paternos ina<strong>de</strong>quados.Digamos que, utilizando a metáfora <strong>de</strong> Horney, tenhamos vindo ao mundo como asemente <strong>de</strong> <strong>um</strong>a planta que carrega consigo certas potencialida<strong>de</strong>s e que instintivamentetambém espera certos elementos em seu ambiente, como <strong>um</strong>a boa terra, água e sol.A experiência <strong>de</strong> Harlow com chimpanzés, décadas atrás, <strong>de</strong>monstrou, por exemplo,que <strong>um</strong> filhote <strong>de</strong> macaco não precisa apenas <strong>de</strong> leite, mas <strong>de</strong> algo peludo em que possa seagarrar, e que ele po<strong>de</strong> se transformar n<strong>um</strong> adulto <strong>um</strong> tanto normal se for posto em contatocom <strong>um</strong>a mãe <strong>de</strong> imitação coberta <strong>de</strong> veludo, mas não com <strong>um</strong>a mãe artificial feita <strong>de</strong>arame, mesmo que ela tenha <strong>um</strong>a garrafa no peito.Sem dúvida, as necessida<strong>de</strong>s h<strong>um</strong>anas para que a criança se transforme n<strong>um</strong> adultoque funcione plenamente são mais complexas, e existem muitas coisas que po<strong>de</strong>m darerrado, ou, dizendo o mesmo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a maneira alternativa: existem muitas maneiras pelasquais a exigência <strong>de</strong> <strong>um</strong> amor suficientemente bom da parte dos pais é frustrada ou traída.Em alguns casos, por exemplo, o auto-envolvimento dos pais po<strong>de</strong> resultar em negligência,enquanto em outros a necessida<strong>de</strong> excessiva <strong>de</strong> mentir da parte dos adultos po<strong>de</strong> provocar ainvalidação da experiência da criança; em outros casos ainda, a ternura po<strong>de</strong> ser ofuscadapela manifestação da violência, e assim por diante.Digamos que nosso jeito <strong>de</strong> ser neste mundo inferior que passamos a habitar <strong>de</strong>poisque fomos expulsos do jardim do É<strong>de</strong>n – a personalida<strong>de</strong> com a qual nos i<strong>de</strong>ntificamos e àqual implicitamente nos referimos quando dizemos “Eu” – é <strong>um</strong> jeito <strong>de</strong> ser que adotamoscomo <strong>um</strong>a maneira <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r nossa vida e bem-estar através <strong>de</strong> <strong>um</strong> “ajustamento”, n<strong>um</strong>sentido amplo do termo, e que geralmente é mais <strong>um</strong>a rebelião do que <strong>um</strong>acompanhamento.Diante da falta daquilo <strong>de</strong> que precisa, a criança em crescimento preciso<strong>um</strong>anipular, e po<strong>de</strong>mos dizer que o caráter é, a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> ponto <strong>de</strong> vista, <strong>um</strong> mecanismocontramanipulador.Neste estado <strong>de</strong> coisas, portanto, a vida não é guiada pelo instinto, e sim por meioda persistência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a estratégia <strong>de</strong> adaptação anterior que compete com o instinto einterfere com a “sabedoria” do organismo, no sentido mais amplo da expressão. Apersistência <strong>de</strong>ssa estratégia <strong>de</strong> adaptação anterior que po<strong>de</strong> ser compreendida no dolorosocontexto no qual ela surgiu e do tipo especial <strong>de</strong> aprendizado que a sustenta: não o tipo <strong>de</strong>aprendizado que ocorre espontaneamente no organismo em <strong>de</strong>senvolvimento,mas <strong>um</strong>aprendizado sob coação, caracterizado por <strong>um</strong>a fixi<strong>de</strong>z ou rigi<strong>de</strong>z especial docomportamento a que ele recorreu na situação inicial como <strong>um</strong>a reação <strong>de</strong> emergência.