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Revista Criticrtes 6 Ed

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o verdadeiro<br />

cordelista<br />

Por Rogério Fernandes Lemes<br />

Pág. 23<br />

1º Trim. (Jan-Mar) 2017<br />

Ano II nº. 6<br />

ISSN 2525285-2<br />

9 772525 285002<br />

PUBLICANDO NOVAS IDEIAS<br />

“Linda, uma história horrível”,<br />

de Caio Fernando Abreu:<br />

a figurativização da AIDS e os temas<br />

exílio e decadência<br />

Pág. 15<br />

As lembranças e as coisas<br />

Pág. 25<br />

Entrevista<br />

O encantador de palavras<br />

viviane<br />

mosé<br />

Pág. 5<br />

Pág. 27<br />

A Mário Carabajal<br />

Literatura de Cordel<br />

Pág. 52<br />

Projeto “As Riquezas do meu Lar”<br />

Aldeia Indígena do Panambizinho, MS<br />

Pág. 53<br />

o Figurativo Moderno de Clayton Silva Pág. 8


Sumário<br />

entrevista<br />

Viviane Mosé (Por Rogério Fernandes Lemes), 5<br />

O estilo Figurativo Moderno (Clayton Silva), 8<br />

Desabafo (Ana Maria Bernardelli), 10<br />

Entretons (Viviane Schiller Balau), 10<br />

Não é minha vontade (José Cambinda Dala), 10<br />

Traição (Antônio Amaro Alves), 11<br />

O amor (Jakson Aguirre), 11<br />

Busca (Ivan Leite), 12<br />

Musa e o Mar (Marcelo de Oliveira Souza, iwa), 12<br />

Sentimental (Pérola Bensabath), 12<br />

A boca cerrada (Mary Acosta), 13<br />

Colheita (Lindita), 13<br />

Dançar (Maria Felicori {Vó Fia}), 13<br />

Estrela-Guia (Carmo Vasconcelos, IWA), 13<br />

Vengase a festejar (Reyna Valenzuela Contreras), 14<br />

Espaldar de plumas (Victor Hugo Valledor), 14<br />

“Linda, uma história horrível”, de Caio Fernando Abreu: a figurativização da<br />

AIDS e os temas exílio e decadência (Silvana do Carmo Seffrin), 15<br />

Ecossistemas Urbanos: sustentabilidade socioambiental (Maria Cleonide Santos), 21<br />

Coisas que acontecem (Djalma Amorim Ramos), 22<br />

O verdadeiro cordelista (Rogério Fernandes Lemes), 23 Cordel<br />

Versos na areia (Adail Alencar), 24<br />

Quem é essa (JoáDijú), 24<br />

Covarde (Antônio Amaro Alves), 24<br />

As lembranças e as coisas (Isloany Machado), 25<br />

“A vibração e o fôlego” (Morphine Epiphany), 26<br />

A super Lua (Heloisa Crespo), 26<br />

Sol, meu dia... (Ana Carvalhosa), 26<br />

O encantador de palavras (Dinovaldo Gilioli), 27<br />

A irmã de Jone (Leomária Mendes Sobrinho), 28<br />

Rodas do mundo (Joana Alencastro), 29<br />

Esperança (Marina Gentile), 29<br />

O chatólogo Figueiredo (Cahoni Chufalo), 30<br />

Liberdade do poeta (Varenka de Fátima Araújo), 32<br />

Suicídio (Dina Alenquer), 32<br />

Oração pelo menino Jesus (Lúcia Morais), 33<br />

Mercado revelado (Evelyn Renard da Silva Nunes), 33<br />

Negação (Aliel Selet), 33<br />

Espelho de Cristal (Leunira Batista Santos Sousa), 34<br />

Sussurros da noite (Samuel Pedral), 34<br />

O gênio incompreendido (Kamba Kabeto), 34<br />

Do alto (para Manoel de Barros) (Elias Borges), 35<br />

Duas lágrimas (Ana Almeida Zaher), 35<br />

Tutela Penal: uma necessidade contra o crime de biopirataria no Brasil<br />

(Bianca Marafiga), 36<br />

A mulher e a Psicanálise (Wildicleia de Oliveira Santos Lopes), 38<br />

Bring me the disco king (Tim Soares), 39<br />

Âmago (...) (Merlin Magiko), 39<br />

Se a virtualidade é máscara, o que mascara? (Maria Teresa M. Freire), 40<br />

Nós, só nós (Pamela Lima), 41<br />

Biografia de Aral Moreira, por Luiz Alfredo Marques Magalhães: A<br />

importância do registro da história dos moradores da região, para<br />

preservação de sua cultura (Simone Possas Fontana), 43<br />

Bazófias de um cantador pai dégua - o maior cordel do mundo (Beto Brito), 49 Cordel<br />

Polaroide (Danielle Andrade), 50<br />

A Mário Carabajal (Joabnascimento), 52 Cordel<br />

Projeto AS RIQUEZAS DO MEU LAR (Concurso de Fotografias), 53<br />

1º Trimestre 2017 Ano II nº. 6<br />

Janeiro-Março<br />

Distribuição eletrônica e gratuita através da<br />

plataforma Yumpu. A reprodução dos textos é<br />

permitida, desde que sejam atribuídos os créditos<br />

aos seus autores e à <strong>Revista</strong> Criticartes especificando<br />

a edição correspondente.<br />

EXPEDIENTE<br />

Publicação trimestral<br />

Idioma<br />

Português Brasil<br />

Endereço eletrônico<br />

www.revistacriticartes.blogspot.com.br<br />

Redação<br />

(67) 99939-4746<br />

E-Mail<br />

revistacriticartes@gmail.com<br />

Design<br />

BIBLIO <strong>Ed</strong>itoração Eletrônica<br />

Foto da capa<br />

Christian Gal<br />

CONSELHO EDITORIAL<br />

ROGÉRIO FERNANDES LEMES<br />

Idealizador e <strong>Ed</strong>itor-Chefe<br />

Jornalista MTB 1588/MS<br />

ELIAS BORGES DE CAMPOS<br />

Cientista Social, Poeta, Contista<br />

Membro da UBE-MS<br />

MARIA TERESA MARINS FREIRE<br />

Jornalista pela UFPR<br />

Doutora em Comunicação e Saúde pela PUCPR<br />

Consultora em Comunicação e <strong>Ed</strong>ucação<br />

DRT 17795/PR<br />

BIANCA MARAFIGA<br />

Especialista em <strong>Ed</strong>ucação e Gestão Ambiental<br />

Mestre em Biologia Geral/Bioprospecção<br />

DAVI ROBALLO<br />

Escritor e Jornalista<br />

DRT 697/MS<br />

NENA SARTI<br />

Poetisa, Contista e Cronista<br />

Membro da Academia de Letras do Brasil<br />

Seccional MS<br />

JOSÉ AMÉRICO DINIZZ JÚNIOR<br />

Professor Universitário<br />

Mestre em Ciências da Religião<br />

VALÉRIA GURGEL<br />

Escritora, Compositora e<br />

Professora de História<br />

Confira as Normas para Publicação em:<br />

www.revistacriticartes.blogspot.com.br<br />

/revistacriticartes


Ao chegar em sua 6ª edição, a <strong>Revista</strong> Criticartes<br />

comemora não apenas o seu primeiro aniversário,<br />

mas a aceitação do público leitor do Brasil e de mais<br />

onze países, através da representação e participação<br />

de seus escritores colaboradores.<br />

A cada edição, novos autores apresentam-se<br />

motivados pelo desejo em participar e contribuir e,<br />

desta forma, fortalecer a Literatura. Poemas, artigos,<br />

crônicas, contos, artes plásticas são as novidades para<br />

esta edição, além de dicas de livros e filme.<br />

A entrevistada desta edição é a filósofa e poetisa<br />

Viviane Mosé falando sobre a condição humana e a<br />

influência da poesia na vida das pessoas.<br />

O leitor encontra espaço para comentar e participar<br />

da edição seguinte bastando, para isto, enviar<br />

suas considerações sobre o conteúdo da Criticartes<br />

através do endereço eletrônico:<br />

revistacriticartes@gmail.com<br />

Boa leitura!<br />

Rogério Fernandes Lemes<br />

Idealizador e <strong>Ed</strong>itor-Chefe<br />

Jornalista MTB 1588/MS<br />

Capa da 5ª edição<br />

/revistacriticartes


Com a palavra...<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

“Quero parabenizar a <strong>Revista</strong> Criticartes pelo seu primeiro ano de ensinamento<br />

virtual e pela oportunidade dada aos poetas que vestem essa<br />

camisa; que os anos se multipliquem e nos concedam sempre oportunidades<br />

de divulgar nossos trabalhos. É uma honra fazer parte desse<br />

mundo literário virtual. Deixo aqui meus sinceros agradecimentos”.<br />

Marta Amaral<br />

Arapiraca, AL<br />

depoimentos<br />

“Agradeço por ter sido capa da 4ª edição da Criticartes. Minha autoestima<br />

está elevada e minha inspiração, maior. Foi através da<br />

Criticartes que tive a oportunidade também de ser parte do acervo<br />

do Blog Letras Taquarenses e agora com uma matéria na Academia<br />

Frei Inocenciana de Letras”.<br />

Suely Ecosys<br />

Coronel Fabriciano, MG<br />

“Parabéns à <strong>Revista</strong> Criticartes e a seu Idealizador e <strong>Ed</strong>itor Rogério<br />

Fernandes Lemes por nos proporcionar o contato com o novo, como<br />

é o caso do ecosys e da sua autora, a escritora Suely Sabino, que temos<br />

a alegria de promover”.<br />

Antonio Cabral<br />

Jacarepaguá, RJ<br />

“De cunho puramente literário e exalando em cada parágrafo, em cada<br />

frase, uma verdade a ser desvelada por olhos atentos, a <strong>Revista</strong><br />

Criticartes é uma leitura indispensável para o enriquecimento cultural<br />

de quem o quer adquirir”.<br />

Cláudio Dortas Araújo<br />

Estância, SE<br />

“Acredito que a cada dia, os caminhos trilhados nos levam às conquistas.<br />

O ‘marcar metas’ é fundamental para alcançarmos finalidades.<br />

Parabéns para a <strong>Revista</strong> Criticartes e para o seu idealizador, o escritor<br />

e poeta Rogério Fernandes Lemes. Um ano de fundada; ano<br />

em que o meio literário deve festejar o empreendimento sério e atuante”.<br />

Pérola Bensabath<br />

Salvador, BA<br />

“A revista Criticartes, traz um formato inovador, pois além de reuniões<br />

de textos literários, científicos e poéticos, apresenta o que podemos<br />

chamar de reuniões de sonhos. Sendo assim, não poderia deixar<br />

de lembrar quem um dia sonhou e idealizou esta revista, o escritor e<br />

poeta Rogério Fernandes Lemes. Enquanto autora e leitora venho,<br />

por meio destas palavras, agradecer a revista Criticartes pelos bons<br />

momentos vividos neste período de um ano”.<br />

Profa. Bianca Marafiga<br />

Dourados, MS<br />

- 4 - www.revistacriticartes.blogspot.com.br


entrevista<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

da mais intensa. É nesse sentido a<br />

frase do Nietzsche “o que não me<br />

mata, me fortalece”.<br />

Criticartes: Como Viviane Mosé percebe<br />

e compreende a literatura brasileira<br />

em uma época com forte apelo ao politicamente<br />

correto? As manifestações<br />

populares regionais seriam forçadas a<br />

uma reconfiguração cultural para não<br />

incorrerem em crime entendido como<br />

ataque à dignidade da pessoa humana?<br />

Por Rogério Fernandes Lemes - Jornalista<br />

vivianemosé<br />

serem grandiosas. A poesia nos tira<br />

da mediocridade.<br />

Criticartes: A senhora trata de alguns<br />

conceitos como poesia, sofrimento,<br />

violência e Nietzsche. Falaremos sobre<br />

cada um deles. Primeiramente a<br />

poesia. É possível uma definição poética<br />

sobre a poesia? Se for isso possível,<br />

poderia o ser humano tornar-se mais divinizado<br />

pela ação da poesia?<br />

Viviane Mosé: A poesia é o exercício<br />

da síntese, não uma síntese de<br />

palavras, mas uma síntese de sentido<br />

e valor, o que significa uma busca<br />

pelo que realmente importa.<br />

Dizer palavras bonitas ou dizer<br />

um texto bonito isso não é poesia.<br />

Poesia é atingir a vida pura e bruta,<br />

sem subterfúgios, e a vida nem<br />

sempre é bela. Então é um exercício<br />

de coragem. Precisamos exercer<br />

a nossa coragem de lidar com o<br />

que é grandioso, inexplicável, como<br />

é a vida. Mas preferimos não<br />

pensar, não sentir, não saber, não<br />

ver. A arte faz com que as pessoas<br />

consigam ter contato com a parte<br />

mais difícil da vida e também com<br />

as mais belas, porque a beleza e a<br />

alegria também nos assustam por<br />

Foto: Christian Gal<br />

Criticartes: Qual a relação e a importância,<br />

no seu entender, da filosofia<br />

enquanto um instrumento de elevação<br />

metafísico e suprassensível com<br />

a poesia e sua efetiva atuação na compreensão<br />

ou aceitação do sofrimento<br />

humano?<br />

Viviane Mosé: A filosofia e a poesia,<br />

assim como a arte de modo geral,<br />

são ferramentas, instrumentos,<br />

modos de lidar com o sofrimento,<br />

com a solidão, com a condição<br />

da existência, com a finitude,<br />

com a perda, não como aceitação<br />

ou conformismo, mas como<br />

uma nova ação, ou como inovação.<br />

Diante da dor podemos nos<br />

vitimizar, ou nos conformar, mas<br />

podemos ainda nos potencializar,<br />

quer dizer, podemos ficar mais fortes.<br />

A arte potencializa o humano,<br />

torna a vida ainda melhor. É como<br />

se o sofrimento que nos derruba<br />

tanto, quando enfrentado e vivido<br />

esteticamente com consciência,<br />

com filosofia, poesia, vida, esse<br />

sofrimento pudesse tornar a vi-<br />

Viviane Mosé: O politicamente<br />

correto é uma caretice, uma besteira,<br />

uma tentativa de controle, um<br />

modo de pasteurização das ações.<br />

Não é isso viver. É preciso ter bom<br />

senso e o bom senso significa avaliar<br />

as coisas de modos diferentes<br />

considerando a pluralidade.<br />

Então, o politicamente correto gera,<br />

na verdade, polícias ou pessoas<br />

que se dizem os guardiões do meio<br />

ambiente ou da moral, enfim, o<br />

politicamente correto não dá. Um<br />

exemplo disso foi o absurdo julgamento<br />

porque passou Monteiro<br />

Lobato; por falta de considerar o<br />

contexto buscaram crucificar um<br />

dos maiores responsáveis por incentivar<br />

a leitura infantil no<br />

Brasil. Não seria melhor trazer o tema<br />

para os dias atuais e ressignifica-lo?<br />

Ou seguiremos construindo<br />

borrachas mágicas, ilusórias, para<br />

apagar nossa história?<br />

Criticartes: O sofrimento é realmente<br />

bom? Ou seria apenas um subterfúgio<br />

requintado e poético pensar assim?<br />

Viviane Mosé: O sofrimento não<br />

é bom nem ruim. O sofrimento é<br />

próprio da vida. O que define o sofrimento<br />

é o fato não só de nascermos<br />

e morrermos, mas de termos<br />

consciência disso. Enquanto vivemos<br />

sabemos que a vida é provisória.<br />

Essa provisoriedade nos faz<br />

construir uma cultura que quer<br />

nos vender a sensação de perma-<br />

- 5 - www.revistacriticartes.blogspot.com.br


nência, de estabilidade. Então, essa<br />

ilusão, essa tentativa de fingir<br />

que a vida não é o que de fato é,<br />

instável, inconstante e por isso<br />

também belíssima, mas, imprevisível<br />

e necessariamente finita, é o<br />

que mais nos faz sofrer. Mas esse<br />

sofrimento pode ser o impulso para<br />

nos fazer viver mais e melhor, é<br />

o que Nietzsche afirma: todas as<br />

ilusões para tentar nos livrar da vida<br />

só nos tornam impotente, o<br />

que só aumenta nossa dor de existir.<br />

Portanto o sofrimento não é<br />

bom nem ruim, é um fato, sendo<br />

um fato deve ser encarado de frente.<br />

Criticartes: Sua compreensão diante<br />

de um problema difere, obviamente,<br />

do grande público adepto do culto à<br />

dor. Ao questionar o sofrimento sobre<br />

quais benefícios trará para sua vida,<br />

vida esta compreendida como um kit<br />

complexo e que torna, cada um de nós,<br />

como portadores do infinito, eu pergunto:<br />

o que falta para que as pessoas<br />

compreendam isso e transformem em<br />

senso comum para que sofram um pouco<br />

menos?<br />

Viviane Mosé: Você pergunta o<br />

que falta para as pessoas perceberem<br />

que o sofrimento pode ser importante<br />

para as suas vidas? É só<br />

elas olharem para suas vidas como<br />

ela está agora que elas lutam tanto<br />

contra o sofrimento. Então, as pessoas<br />

que mais lutam contra o sofrimento<br />

são as pessoas que mais sofrem<br />

e, para perceber isso, é só fazer<br />

uma leitura diária do seu cotidiano<br />

e perceber que ter curtidas<br />

nas redes sociais, ter roupas, ter objetos<br />

ou fazer viagens não faz ninguém<br />

viver bem. Viver bem é um<br />

processo interno de habitar o próprio<br />

corpo e viver o presente, o instante,<br />

a vida como ela é.<br />

Criticartes: A senhora concorda que<br />

a solidão é a maior tragédia humana?<br />

E os poetas? Seriam dotados de pode-<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

res capazes de ajudar as pessoas na superação<br />

e no enfrentamento de seus<br />

medos?<br />

Viviane Mosé: Quanto à solidão<br />

eu penso exatamente o contrário,<br />

a solidão é espaço de fortalecimento,<br />

de reagrupamento das forças;<br />

é da solidão que nasce a poesia,<br />

tão cara, tão importante, tão<br />

valorosa. Então na verdade a poesia,<br />

para mim, é um instante poético;<br />

é o momento em que eu me sinto<br />

vivendo o presente. Neste momento,<br />

que é extremamente agradável,<br />

as palavras ficam abraçadas<br />

umas às outras como se todos os<br />

sentidos me abordassem e eu pudesse<br />

brincar com tudo aquilo. A<br />

minha busca é por um instante<br />

poético e é, esse instante, que me<br />

dá essa leveza com as palavras, essa<br />

fluidez. O que me leva a um instante<br />

poético é um processo de livramento,<br />

o momento em que eu<br />

me livro do que não importa, do<br />

que eu acho que importa, mas não<br />

importa; do que eu carrego como<br />

subterfúgio, porque faz parte do<br />

processo ter subterfúgios, mas,<br />

neste momento eu me livro desses<br />

subterfúgios e me encontro, de fato,<br />

com o que eu chamo da vida pura<br />

e bruta. E isso é muito agradável<br />

para mim porque daí nasce a poesia.<br />

Eu só posso encontrar isso vivendo<br />

a solidão, então solidão, par<br />

a m i m , é u m a a l e g r i a .<br />

Atualmente eu fico contando os<br />

minutos para ficar sozinha, e amo<br />

ficar sozinha e imagino que vou ficar<br />

feliz velha vivendo a solidão.<br />

Velhice que já está chegando para<br />

mim.<br />

Como enfrentar a solidão? Não há<br />

o que enfrentar na solidão. O que<br />

há para enfrentar é a condição da<br />

existência. Essa condição é dura e<br />

feliz porque se eu nasci e vou morrer,<br />

se minha vida é um intervalo<br />

entre uma coisa e outra é preciso<br />

valorizar cada minuto desse tempo.<br />

Ele é único. O porquê eu estou<br />

entrevista<br />

aqui? Para onde eu vou?<br />

Provavelmente eu não vou descobrir,<br />

mas será que importa descobrir?<br />

Talvez importe mais viver. Eu<br />

vou viver essa vida que me foi dada<br />

com dignidade em cada minuto,<br />

tanto na alegria quanto no sofrimento,<br />

porque isso é temporário,<br />

não é? Então eu quero viver o que<br />

eu tenho para viver. E se essa é<br />

uma postura, as coisas se encaixam<br />

melhor, o desencaixe talvez seja<br />

muito mais produtor de sofrimento<br />

do que o que a gente atribui<br />

para o sofrimento.<br />

Criticartes: Em um de seus poemas<br />

há uma receita para “limpar” palavras<br />

sujas. E para as palavras violentas<br />

como ódio, crueldade, desprezo, indiferença<br />

e soberba? Existe uma receita<br />

para nos protegermos delas?<br />

Viviane Mosé: Quando você diz<br />

que palavras como ódio, crueldade,<br />

desespero, indiferença e soberba<br />

são violentas, você está sujando<br />

essas palavras. As palavras são molduras<br />

vazadas, o sentido é sempre<br />

móvel. Então eu vou te dar um<br />

exemplo: a palavra amor, talvez você<br />

a considere uma bela palavra.<br />

Mas não. Eu, por exemplo, posso<br />

dizer para o meu filho “eu estou fazendo<br />

isso por amor”. Mas, na verdade,<br />

o que eu estou dizendo com<br />

‘amor’ pode ser visto por ele como<br />

crueldade. Então, qual é a melhor<br />

palavra? A palavra amor é uma palavra<br />

melhor? Não. A palavra<br />

amor não diz nada. O que diz é o<br />

acordo estabelecido entre quem fala<br />

e quem ouve naquele determinado<br />

momento. Então não tem<br />

palavra violenta, não tem palavra<br />

feia, não tem palavra torta só tem<br />

palavra suja, palavra suja é quando<br />

ela está impregnada de sentido. A<br />

gente tem que reagrupar o poder<br />

de leveza das palavras para elas poderem<br />

voltar a comunicar.<br />

Criticartes: Como a senhora percebe<br />

- 6 - www.revistacriticartes.blogspot.com.br


entrevista<br />

a influência de Nietzsche no pensamento<br />

poético pós-moderno? Existe essa<br />

influência?<br />

Viviane Mosé: Nietzsche é um dos<br />

autores mais lidos no contemporâneo,<br />

mais citados em rede social.<br />

Ele é bastante marcante entre<br />

jovens, entre adultos e velhos, enfim,<br />

e o porquê disso? A base do<br />

pensamento de Nietzsche é uma<br />

leitura da história da civilização.<br />

Ele começa com os gregos e chega<br />

até o contemporâneo. Na verdade,<br />

ele chega até o final do século<br />

XIX quando enlouqueceu e parou<br />

de escrever, mas a base da análise<br />

do Nietzsche é que a civilização estava<br />

se movendo por valores ilusórios.<br />

É como se a civilização quisesse<br />

acabar com o sofrimento ou mudar<br />

o rumo da natureza, e isso é impossível.<br />

Então, a história da civilização,<br />

para Nietzsche, é uma contra<br />

natureza; luta contra a natureza,<br />

mas a natureza é muito maior<br />

do que o homem e do que a cultura<br />

humana e, em algum momento,<br />

esse choque vai fazer com que<br />

as estruturas do Ocidente se desfaçam<br />

em uma crise de valores, em<br />

uma mudança, inclusive da natureza.<br />

Nietzsche previu esse processo<br />

não tanto ambiental, porque<br />

não é a questão dele, ele fala muito<br />

da exaustão de um modelo de<br />

cultura que é baseado na exploração<br />

da natureza. Isso sem dúvida<br />

nenhuma. Ele acha que esse modelo<br />

vai se exaurir não por uma questão<br />

ambiental, mas por uma questão<br />

civilizatória. O homem não<br />

consegue controlar a vida e essa falta<br />

de controle vai cada vez mais<br />

aparecer e desfazer a base do pensamento<br />

ocidental. Então é como<br />

se ele tivesse dizendo que nós estamos<br />

apontando para um outro<br />

momento da cultura, que é refazer<br />

o conceito de ser humano e de vida;<br />

o homem parar de lutar contra<br />

a vida e dar as mãos a ela. É nesse<br />

sentido que eu valorizo o sofri-<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

mento. Não chamar o sofrimento<br />

para si ou querer o sofrimento,<br />

mas compor com o sofrimento, potencializando<br />

a vida e produzindo<br />

arte a partir daí, quer dizer, potencializar<br />

a vida a partir do sofrimento<br />

e não tentar acabar com o<br />

sofrimento, por exemplo, comprando<br />

e usando medicação psiquiátrica.<br />

É nesse sentido que o<br />

Nietzsche coloca a questão do sofrimento.<br />

Criticartes: A <strong>Revista</strong> Criticartes foi<br />

pensada como ponto de encontro entre<br />

autores e leitores oferecendo, gratuitamente,<br />

conteúdo de qualidade para o<br />

fortalecimento da leitura. Ler mais para<br />

ser um “portador do infinito”.<br />

Acredita-se que esse objetivo é alcançado<br />

em cada edição. Qual a sua mensagem<br />

de incentivo aos novos poetas e escritores<br />

brasileiros que acompanham<br />

seu trabalho?<br />

Viviane Mosé: Claro que uma revista<br />

que traga literatura, que fale<br />

de literatura é importante, sem dúvida<br />

nenhuma. É um espaço de<br />

troca acessível a todo mundo pela<br />

internet, enfim, é superimportante.<br />

A leitura é valiosa como exercício<br />

de interiorização, de pensamento,<br />

de reflexão, de coragem e<br />

de solidão. A leitura é uma excelente<br />

parceria para a solidão, assim<br />

como a música, assim como o<br />

cinema e a pintura. Minha mensagem<br />

de incentivo aos escritores: escrevam.<br />

Escrevam sempre. Leiam,<br />

escrevam, se manifestem. A poesia<br />

é um bálsamo, um presente para<br />

quem tem sensibilidade para senti-la<br />

mesmo que não escreva, e, para<br />

quem escreve, ainda mais.<br />

Criticartes: Em nome da <strong>Revista</strong><br />

Criticartes, de seus autores colaboradores<br />

e leitores no Brasil e em onze países,<br />

agradeço por sua atenção e gentileza<br />

em conceder-me esta importante entrevista.<br />

Sinta-se à vontade para suas<br />

considerações finais.<br />

Viviane Mosé: Quero agradecer o<br />

espaço dessa entrevista e espero<br />

que essas questões sejam cada vez<br />

mais discutidas, especialmente entre<br />

escritores e leitores de poesia.<br />

OBRAS DE VIVIANE MOSÉ<br />

Poesia<br />

Toda Palavra, (2008)<br />

Pensamento chão, (2007)<br />

Desato, (2006)<br />

Receita para lavar palavra suja,<br />

(2004)<br />

Escritos, (1990)<br />

Imagem Escrita, (1999);<br />

7 + 1, Francisco Alves (1997).<br />

Filosofia e Psicanalise<br />

A E s c o l a e o s D e s a f i o s<br />

Contemporâneos, (2013)<br />

O Homem que Sabe, (2011)<br />

A Resistência Tapuia na<br />

Capitania do Espírito Santo?<br />

(2009)<br />

Nietzsche e a grande política da<br />

linguagem, (2005)<br />

Beleza, feiúra e psicanálise, (2004)<br />

Stela do Patrocínio - Reino dos bichos<br />

e dos animais é o meu nome,<br />

(2002)<br />

Assim Falou Nietzsche, (1999)<br />

O homem que sabe (2011)<br />

Um discurso sobre a condição do homem;<br />

uma reflexão sobre a modernidade.<br />

http://www.record.com.br<br />

- 7 - www.revistacriticartes.blogspot.com.br


<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

Artes plásticas<br />

Clayton Silva<br />

e seu estilo Figurativo Moderno<br />

Por Zita Ferreira Braga - Diário de Notícias - Lisboa, Portugal<br />

Personagens enigmáticos, muitas vezes cômicos,<br />

evocam as cortes reais do passado com um toque<br />

contemporâneo. Através da visão única do artista<br />

Clayton Silva, as pinturas expressam histórias fantásticas<br />

de um aparente futuro medieval. Vestuários e ambientes<br />

suntuosos transportam o observador a este universo<br />

inquietante, recheado de mistério e extravagância.<br />

Todos os elementos completam-se, juntos criam um<br />

‘lugar’ e a realidade é transfigurada.<br />

Na contemporaneidade do trabalho de Clayton<br />

Silva destacam-se elementos circenses através da figura<br />

do palhaço, o bobo da corte, uma figura frequentemente<br />

subversiva e transgressora de regras e padrões preestabelecidos.<br />

As expressões dos palhaços medievais de<br />

Clayton Silva fazem o observador pensar; reforçam a<br />

mensagem do artista sobre a sua percepção e interpretação<br />

da vida.<br />

As expressões faciais de seus personagens estão<br />

em constante mudança durante a comunicação com o<br />

observador, deturpam a verdade, examinando-as profundamente<br />

revelam um número ilimitado de emoções.<br />

As narrativas cuidadosamente concebidas servem<br />

para tornar a condição humana transparente.<br />

Nessa futura Idade Média, o artista goza de total<br />

liberdade, brinca com a ilusão do real dentro de um universo<br />

ficcional. Clayton Silva nasceu em 20 de novembro<br />

de 1973 em Jundiaí, Brasil. Com Mais de 40 exposições<br />

no currículo sendo que três delas internacionais.<br />

Lisboa, Buenos Aires e Moscou. Obras vendidas a colecionadores<br />

de Portugal, Espanha, França, Holanda,<br />

Alemanha, Argentina, Rússia, Estados Unidos e<br />

Canada.<br />

“minhas telas todas são óleo sobre tela texturizada”<br />

“Drink Portenho” - óleo sobre tela - 70 x 50 cm Clayto Silva em Paris no ano de 2014<br />

- 8 - www.revistacriticartes.blogspot.com.br


<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

Artes plásticas<br />

“Vita di Buffon” - óleo sobre tela - 60 x 50 cm<br />

“minhas telas todas são óleo<br />

sobre tela texturizada”<br />

“Dom Quixote” - óleo sobre tela - 60 x 50 cm<br />

“Irmão Sol, Irmã Lua” - óleo sobre tela - 70 x 30 cm<br />

- 9 - www.revistacriticartes.blogspot.com.br


poesia<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

Desabafo<br />

Ana Maria Bernardelli<br />

Presidente da UBE/MS<br />

Campo Grande, MS, Brasil<br />

@: m.bernardelli@bol.com.br<br />

Já dizia o poeta com muita precisão:<br />

“Estou farto do lirismo comedido<br />

Do lirismo bem comportado<br />

Do lirismo funcionário público<br />

com livro de ponto expediente...”<br />

Pois é... realmente é muito, mas muito cansativo<br />

mesmo ouvir (ou ler) o que a “saparia” escreve<br />

sobre suas dores, seus amores, seus devaneios, suas<br />

idas e vindas...<br />

A Poesia é muito elegante. Aguenta, sem perder<br />

a pose, sonetos esqueléticos, aguados, sem sal,<br />

sem açúcar, que tentam, em vão, descobrir com sofreguidão<br />

(porque não acharam ainda) as pegadas<br />

que o lusitano deixou... para poucos, para muito<br />

poucos...!<br />

A Poesia releva a soberba e a prepotência dos<br />

que se julgam acima do Bem e do Mal ao depararem-se<br />

com a ARTE - mãe da essência do nosso espírito!<br />

A Poesia é muito tolerante. Suporta que em<br />

seu nome cabeças sejam laureadas e que, por falsas<br />

rimas – nunca com os cognatos – se vislumbrem novas<br />

torres de marfim!<br />

Enfim...!<br />

Nobre poeta, imagino quão profunda era a<br />

sua angústia a ponto de culminar em um desesperado:<br />

“estou farto!”<br />

Nada mudou, poeta!<br />

A Poesia do lirismo libertador chegou, deunos<br />

a graça da sua presença, rodopiou pelos salões,<br />

deu o seu recado com paixão e embevecimento e<br />

foi-se...!<br />

Alguns conseguiram, apaixonados, seguirlhe<br />

o perfume; outros, quedaram-se casmurros e resolveram<br />

erigir as suas torres medievais, como se o<br />

mundo da poesia lhes pertencesse.<br />

Esqueceram-se de que a POESIA não tem<br />

pátria, não tem dono, não tem horizonte, nem limites.<br />

Ela é, simplesmente. Uma extensão de Deus<br />

na sua onipotência, onipresença e onisciência!<br />

https://br.pinterest.com<br />

Entretons<br />

Viviane Schiller Balau<br />

Porto Alegre, RS, Brasil<br />

@: vivis.balau@gmail.com<br />

Quero ver vários<br />

Tons nesse arco-íris...<br />

Da vida que consiste em encontrar você<br />

Nesse mundo de sonhos para poder<br />

Um dia te amar e que esses momentos...<br />

De amor tenha tons de vermelho<br />

vindos do coração e<br />

Do branco, trazendo-nos a paz.<br />

E assim você meu amor<br />

Possa me ver em uma variação de tons<br />

Para sentir-me que meu<br />

sentimento de amar você<br />

É totalmente verdadeiro em meio a tantas<br />

Coisas que já passamos e alguns contratempos<br />

De querer que nosso amor...<br />

Possa ser eterno até a eternidade;<br />

Em quanto vivemos todo esse carinho<br />

Que sentimos em tons de vermelha paixão<br />

De poder e querer te amar com loucura<br />

E desejo de aprisionar seu coração<br />

Junto ao meu coração.<br />

Não é minha<br />

vontade<br />

José Cambinda Dala<br />

Namibe, Angola<br />

@: djosecambindadala@yahoo.com.br<br />

Saber viver, sempre quis<br />

Sei que ando fora dos carris<br />

Simplesmente há quem contradiz<br />

Soando, em meu caminho, vérmis<br />

Sustentando, no coração, a solidez.<br />

- 10 - www.revistacriticartes.blogspot.com.br


Traição<br />

Antônio Amaro Alves<br />

Ipatinga, MG, Brasil<br />

@: antonioamaro.ipatinga@gmail.com<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

O amor<br />

Jakson Aguirre<br />

Rondonópolis, MT, Brasil<br />

@: jakson.aguirre@gmail.com<br />

poesia<br />

Há passos na escada,<br />

Com a porta trancada<br />

Nada se ouvia,<br />

E lá dentro o mundo<br />

Estremecia<br />

Ela na transversal<br />

E ele na diagonal<br />

Num esfrega sem igual.<br />

O calor que os consumia<br />

As carícias que acontecia<br />

Nada fora do normal.<br />

Anormal era o fogo que<br />

Ardia, as bocas que se<br />

Mordiam,<br />

Os gemidos em plena tarde<br />

Fria.<br />

O êxtase nem bem acontecia,<br />

Na porta a chave rangia<br />

E lá dentro ela enlouquecia<br />

E ele perdido se escondia.<br />

Algo caiu pela sala,<br />

Um barulho que anuncia<br />

A chegada do inesperado.<br />

Adentra o quarto aquele<br />

Que no retrato a segura pela<br />

Mão e em seu dedo em tom<br />

De oração lhe coloca no dedo<br />

Uma argola prometendo ser<br />

O homem dela... Na saúde,<br />

Na alegria e na dor, tudo isso<br />

Em nome do amor.<br />

Abuso e exploração<br />

sexual infanto-juvenil<br />

é crime. Denuncie!<br />

Disque 100<br />

É sigiloso e você salva uma vida.<br />

Apoio: <strong>Revista</strong> Criticartes<br />

O amor tem suas formas de amar,<br />

Desenvolto surpreende além do rigor<br />

Tabus, preconceito emana e inibe,<br />

O amor! Quem entende o amor?<br />

O amor quando chega derrama prazer,<br />

Sofre traumas, reconstrói, dissolve o horror,<br />

Não se entende o porquê segredo mistério!<br />

O amor? Só depende do amor.<br />

O amor se envaidece, rechaça os tabus<br />

Enlouquece e se esvai, emana o calor!<br />

Revoluta, reclama, esclarece e se explica!<br />

Entre os seres o amor se resulta e se dá.<br />

O amor enaltece, renova e refaz,<br />

Faz do velho, criança, rejuvenesce o ser,<br />

Recompõe e agrada, rechaça o pudor<br />

Do amor só é maior o próprio amor.<br />

O amor verdadeiro não mente, é real,<br />

Transforma em bondade o coração do arrogante,<br />

Revoga a incerteza trazendo a certeza,<br />

O amor é tão grande como o próprio amor.<br />

O amor reconhece a pequenez do ser,<br />

E feliz capacita lhes dando prazer,<br />

Reveste de vida renova e encanta,<br />

E quem já está caído o amor o levanta.<br />

O amor capacita, jamais traumatiza,<br />

O amor completa e não diminui,<br />

O amor revigora enche de esperança,<br />

O amor traz a paz, perfeição e bonança.<br />

O amor ama a todos só ao ódio se opõe,<br />

O amor vence tudo, não divide compõe,<br />

O amor qualifica, agrega valores,<br />

O amor simplesmente é incomparável.<br />

O amor ama a vida, não é homicida,<br />

O amor dá carinho, não espanca, não mata<br />

Meigo, delicado, destila bondade,<br />

O amor é tão doce, mais doce que o mel.<br />

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poesia<br />

Busca<br />

Ivan Leite<br />

Estância, SE, Brasil<br />

@: marilene.pinheiro@sulgipe.com.br<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

Sentimental<br />

Pérola Bensabath<br />

Salvador, BA, Brasil<br />

@: perolabensabath@hotmail.com<br />

Incessantemente parei de procurar,<br />

Por não mais querer na madrugada<br />

Levantando perceber que não mais<br />

Havia o almejado a alcançar.<br />

Freio brusco numa vida de buscas,<br />

Achar passaria a ser um acidente,<br />

O hoje almejaria fosse como o ontem,<br />

Quiçá o anteontem. Não por melhores.<br />

Terem sido, porém por inarredável<br />

Realidade suceder, a juventude<br />

Esvanece a cada novo tictac ocorrer.<br />

Kaspta, nem mais tictac há acusando.<br />

O tempo passar. Mas, mesmo em silêncio<br />

O indomável não arrefece o ímpeto<br />

De escoar. Por isto parei de buscar.<br />

Ele sempre é que há de me encontrar,<br />

Tempo ou destino, sem destino qualquer<br />

Tempo é tempo. Não buscar o destino,<br />

Seria a eternidade encontrar?<br />

Estarei buscando, como buscar!<br />

Musa e o Mar<br />

Marcelo de Oliveira Souza, iwa<br />

Salvador, BA, Brasil<br />

@: marceloosouzasom@hotmail.com<br />

Adoro o seu andar<br />

É lindo o seu olhar,<br />

Para sempre vou me encantar<br />

Foi como o sonho<br />

A primeira vez a te beijar<br />

Quando viajei<br />

Sonhava em voltar<br />

Minha musa do sertão<br />

Mudou de cenário foi pro mar<br />

Uma filha veio me dar<br />

Quando ela sai<br />

A casa se esvazia<br />

O tempo vira agonia<br />

No retorno, vira alegria,<br />

Dois em três, virou família,<br />

A minha musa amada<br />

É essa mesma<br />

À qual vim me casar...<br />

Por um instante apenas tu interrompes<br />

nossos beijos e percebes meu lasso corpo.<br />

Olhas atentamente e sorri com paixão. Sob<br />

teu olhar que arrebata, minhas faces coram e<br />

sou, outra vez, a virgem imatura que desnudastes<br />

um dia.<br />

É também na troca de olhares e segredos<br />

que se constitui nosso prazer carnal. E te<br />

digo com carícias ternas que a mulher que existe<br />

em mim está ansiosa para se descobrir e ser<br />

conduzida... por toda a vida. Teu olhar de prazer,<br />

de cobiça, transmite meus anseios e há na<br />

nossa sensualidade uma espécie de alegria cósmica.<br />

Transcendente. Imutável.<br />

E dividimos lençóis, afagos e carícias...<br />

Tão especial! E é tão sublime este sentir em<br />

que às vezes transgredimos o sentido da decência<br />

e nos transportamos não só ao sexo,<br />

mas também ao afeto. Ao tão propalado<br />

amor... Este amor completo que celebramos<br />

quando misturamos secreções e sentimentos.<br />

Eu e você alimentados por este nosso<br />

contínuo descobrir... Tantos anos juntos e<br />

nos redescobrimos a cada acasalamento.<br />

Vai... invade minh’alma, meu corpo, minha<br />

razão, me faz tua fêmea. Presenteia-me com<br />

tua aura masculina. Ofereço-te, em troca, minha<br />

ternura de aura feminina. Enche-me com<br />

tua essência, com tua presença... cerca-me!<br />

E hoje, quero me entregar de forma diferente,<br />

pois me apavora que entremos num<br />

cotidiano de tédio. Preciso inovar. Aí, imaginativa,<br />

me afasto dos lençóis abandonando<br />

teu corpo na cama e ao som de um tango, acaricio<br />

os seios e me requebro... porque não existe<br />

um movimento feminino mais sensual que<br />

o dos quadris... E uma parte mais bonita do<br />

corpo feminino... que os seios.<br />

E tu acendes a chama e me ascende ao<br />

infinito sensual no roçar de lábios... tocandome<br />

e aflorando todo o meu ser... sentimental!<br />

- 12 -<br />

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A boca cerrada<br />

Mary Acosta<br />

Argentina<br />

@: poemasdemary@hotmail.com<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

Dançar<br />

Maria Felicori {Vó Fia}<br />

Nepomuceno, MG, Brasil<br />

@: vofianep@gmail.com<br />

poesia<br />

A boca cerrada tensa su armadura<br />

Sobre la máquina del miedo.<br />

Sus ovaladas neuronas<br />

Acunan naufragios y grávidas ausencias.<br />

Sobre musgosas rocas,<br />

Cuelga su alquitranada infancia.<br />

Las esquinas calladas retenidas en sus tímpanos,<br />

Pierden su metamorfosis prometida.<br />

Invitado al convite turbio de sus muertos,<br />

Coexiste entre los puentes calcados del ahora.<br />

Envoltura de corto viaje disfrazada y a boca cerrada,<br />

Memoriza la existencia entre un yo injertado<br />

Y la presencia subversiva, de la última palabra.<br />

Colheita<br />

Lindita<br />

Belo Horizonte, MG, Brasil<br />

@: etsimoes@gmail.com<br />

Começar sempre é viver<br />

É saber crer<br />

É saber recomeçar<br />

É saber viver.<br />

Vitalidade é crença<br />

Persistência<br />

Gratidão<br />

Perdão<br />

Talento<br />

Renascimento.<br />

É saber aguardar<br />

Abraçar<br />

Novo amanhecer.<br />

É fazer acontecer<br />

Vencer<br />

Apegos e rancores<br />

Desamores<br />

Enfrentar temores.<br />

É plantar energia<br />

Com poesia<br />

Para colher flores<br />

Frutos e amores.<br />

DICA DE LEITURA<br />

Paris, fevereiro de<br />

1903. Rainer Maria<br />

Rilke (1875-1926)<br />

recebe uma carta<br />

de um jovem chamado<br />

Franz Kappus,<br />

que aspira tornar-se<br />

poeta e que pede<br />

c o n s e l h o s a o j á<br />

famoso escritor.<br />

Fonte: www.lpm.com.br<br />

Imagem: www.livrariacultura.com.br<br />

O elegante cavalheiro diz:<br />

Senhorita me dá o prazer<br />

E a moça dizia sim toda feliz<br />

E dançavam por lazer.<br />

Na dança não tinha maldade<br />

Valsavam sem agarramento<br />

Eram momentos de felicidade<br />

Respeitosos sem atrevimento.<br />

Como era lindo o dançar antigo<br />

Valsas rodadas ou bolero<br />

Nada de umbigo com umbigo<br />

Lembrar agora eu quero.<br />

Moças de vestidos e rapazes de terno<br />

Lindos elegantes e respeitosos<br />

O amor era sereno e eterno<br />

E a dança era leve e formosa.<br />

Nas cadeiras em volta do salão<br />

As senhoras conversavam<br />

A música era suave perturbava não.<br />

Hoje baile é batuque barulhento<br />

Onde as senhoras não vão<br />

Que saudade do baile sereno lindo... Lento.<br />

Estrela-Guia<br />

Carmo Vasconcelos, IWA<br />

Lisboa, Portugal<br />

@: micarmovasconcelos@gmail.com<br />

Quando um dia, filhos meus, eu vos deixar,<br />

Não chorem por meu corpo já cansado,<br />

Que já não pode ter-vos ao cuidado,<br />

Se é tempo de partir e descansar.<br />

Revejam-me no céu, já estrela-guia,<br />

Que do alto vos protege e por vós zela,<br />

Seguindo vossos passos, sentinela,<br />

A adoçar-vos a mágoa que angustia.<br />

Espalhem minhas cinzas pelo mar,<br />

Que sempre vossos pés virei beijar,<br />

Em ondas segredantes de carinho.<br />

E em seus murmúrios, hão-de ouvir, baixinho,<br />

Vindo da profundeza dos corais,<br />

Que zelo e amor de mãe são imortais!<br />

- 13 -<br />

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crônica<br />

Vengase a festejar<br />

Reyna Valenzuela Contreras<br />

Durango, México<br />

@: dr_reyna@hotmail.com<br />

-La verdad es que soy bien puta y no quiero<br />

llenarme de hijos, es lo que entre balbuceos<br />

repetía apenas salía de su transe medicamentoso<br />

luego de una dosis de anestésicos administrados<br />

por el joven residente de bata blanca.<br />

Ya en "piso", después de haberle asignado<br />

la cama cuatrocientos no sé qué, luego de una<br />

noche de agonía en la que las entrañas pretendían<br />

abandonarla y media vida se le había ido<br />

en el quirófano, con palidez que estremecía intentaba<br />

conversar con su compañera de tormento;<br />

Una adolescente recién parida que desde<br />

la cama contigua permanecía atónita, intentando<br />

amamantar a su pequeño y dejando escapar<br />

a través de sus ojos, su miedo e inexperiencia.<br />

-Ya ni chingan... Mira que pedir autorización<br />

de mi marido pa’ que puedan rajarme la<br />

panza pa' no llenarme de mocosos, tuve que decirles<br />

que soy puta, que soy sola. Ni modo de decirles<br />

que el pendejo de mi marido me puso<br />

unas patadas porque no le gusto la comida y mira<br />

donde acabé, con la panza rajada y la vida a<br />

medias; de no ser por el seguro popular, mis criaturas<br />

para estas horas serían las nuevas huérfanas<br />

en el barrio, obra de Dios que traía para pagar<br />

el camión y que llegandito al hospital me metieron<br />

directo pa' los análisis, yo digo que ya se<br />

me transparenta la muerte, porque cuando los<br />

doctores vieron su montón de letras se apanicaron<br />

y luego luego me metieron cuchillo...<br />

-Cuchillo, cuchillo el que le metieron a la del<br />

otro cuarto, dijo la chiquilla, hubiera visto. Yo<br />

mejor me hice unos tapones para las orejas con<br />

un algodón que me dio una de las enfermeras,<br />

pa' no escuchar la lloradera. Estuvo agonizando<br />

unos días, pero ya llegó tan mala que pos', nomás<br />

no la libró. Dicen que el esposo la apuñaló...<br />

¿Usté cree?<br />

En la puerta de la habitación y con el rostro<br />

despejado, una enfermera de impecable uniforme<br />

y sonrisa forzada, luego de un fúnebre buenas<br />

noches exclamaba el nombre de las dos pa-<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

cientes, seguido de los diagnósticos, tratamientos<br />

y recomendaciones, para su compañera, que<br />

atenta permanece a sus espaldas; ella será responsable<br />

del siguiente turno. Ajenas al dolor, y<br />

con su carga a cuestas, la segunda le comenta a<br />

su compañera -Ya llevé a mi hijo a todos lados,<br />

pero apenas sale de la clínica, busca a sus amigos,<br />

y recae, y yo con el turno de noche. Su compañera<br />

hace una ligera mueca y continúan con<br />

el riguroso cambio de turno, ambas se dirigen a<br />

la siguiente habitación.<br />

En el pasillo, un murmullo de festín se deja<br />

sentir. Mientras otra de las enfermeras comenta:<br />

¡Anden muchachas, a partir el pastel!<br />

que es mes de la mujer... vénganse a festejar…<br />

Você sabia que a Library of<br />

Congress (Biblioteca do<br />

Congresso) localizada em<br />

Washington, Estados Unidos é a<br />

maior biblioteca do mundo?<br />

(minhabiblioteca.com.br)<br />

Espaldar de plumas<br />

Victor Hugo Valledor<br />

Berisso, Buenos Aires, Argentina<br />

@: victorhugovalledor@hotmail.com<br />

Han descubierto nueve ojos<br />

en el rostro de una abeja.<br />

Cinco líquenes han sidoobservados<br />

y seccionados en busca de la verdad.<br />

Los niños corretean en la sonoridad de un<br />

pentagrama estacionado a la vera de una estrella.<br />

En medio de lo buscado lo que<br />

no aparece es el centro.<br />

Las hebillas de un cabello cantan a viva voz,<br />

peines sonrojados se inmolan<br />

en la terraza de un espaldar de plumas.<br />

Llega la hora de dar por<br />

comenzado el exilio de los poetas.<br />

Allí van tan perfectos que cada<br />

uno lleva el rostro de otro.<br />

Todos son todos.<br />

Y el paisaje se extiende creándose<br />

en lo absoluto.<br />

- 14 -<br />

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artigo<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

“Linda, uma história horrível”,<br />

de Caio Fernando Abreu:<br />

a figurativização da AIDS e os temas<br />

exílio e decadência<br />

Silvana do Carmo Seffrin<br />

Curitiba, PR, Brasil<br />

@: sseffrin@hotmail.com<br />

RESUMO<br />

Este estudo analisa, no conto “Linda, uma história horrível”,<br />

de Caio Fernando Abreu (Os dragões não conhecem<br />

o paraíso, 1988), além da aids como tema de ficção,<br />

o exílio ou autoexílio - metáfora dos sujeitos modernos,<br />

deslocados por excelência - e a consequente decadência<br />

ou desencanto que caracterizam seus personagens.<br />

Considerado o “fotógrafo da fragmentação contemporânea”,<br />

o escritor registrou as vivências das gerações 70,<br />

80 e 90, compondo um panorama cultural de seu tempo.<br />

Palavras-chave: Exílio ou autoexílio. Decadência. Aids.<br />

ABSTRACT<br />

This study analyzes, in the tale “Linda, uma história horrível”,<br />

by Caio Fernando Abreu (Os dragões não conhecem<br />

o paraíso, 1988), besides AIDS as fiction theme, exile<br />

or self-exile - metaphor of modern people, displaced<br />

by excellence - and the consequent decline or disenchantment<br />

of his characters. Considered the “photographer<br />

of contemporary fragmentation”, Caio recorded<br />

the experiences of the seventies, eighties and nineties’<br />

generations, composing a cultural panorama of his<br />

era.<br />

Keywords: Exile or self-exile. Decadence. AIDS.<br />

Caio Fernando Abreu foi um escritor profícuo,<br />

que escreveu muito e se aventurou com êxito em vários<br />

gêneros literários: conto, romance, teatro, poesia, crônica.<br />

No panorama da literatura brasileira, figura entre os<br />

nossos maiores contistas do século XX. Escritor da paixão,<br />

como o chamou Lygia Fagundes Telles, ou poeta da<br />

prosa, segundo Fabrício Carpinejar, dele se ressalta a capacidade<br />

de transmitir sinceridade ao texto. Luís<br />

Augusto Fischer, seu conterrâneo e contemporâneo, diz<br />

que, para Caio, a literatura devia ter a mesma força da vida:<br />

Pois a vida não tem o poder de derrubar as melhores intenções,<br />

traindo esperanças ou fazendo-as brotar onde<br />

menos se espera? É, ela é bem assim; e bem assim Caio<br />

concebeu seu exercício de escrita – como uma espécie<br />

de vida intensificada, vida concentrada em palavras.<br />

Escrevia com um amplo domínio do repertório das<br />

emoções humanas, que em sua literatura compare-<br />

cem no palco do texto, expondo suas dificuldades e virtudes<br />

bem ali, diante do leitor, que por isso mesmo empresta<br />

sua solidariedade ao que vai lendo. (FISCHER,<br />

2009) (grifos meus)<br />

Nessa antologia de contos póstuma, organizada<br />

por Fischer, há outro trecho que sintetiza muito bem esse<br />

aspecto de sua obra, da vida intensificada pela literatura:<br />

Suas obras são repletas de cenas que ou se passaram<br />

com ele mesmo ou poderiam ter-se passado: em seus escritos,<br />

há um sentimento de levar a vida até a arte, de fazer<br />

a arte estar a serviço da vida, nunca de modo trivial,<br />

nunca pelas exterioridades, sempre pelo lado de<br />

dentro do indivíduo. Isso não foi uma qualidade exclusiva<br />

dele: em sua geração, a dos escritores que começaram<br />

a trabalhar durante os piores anos da ditadura<br />

militar inaugurada pelo Golpe de 64, foi bastante comum<br />

considerar a literatura como depoimento direto<br />

da experiência. (...) Dessa forma, a obra de Caio oferece<br />

um espetáculo de intensidade forte, caracterizado,<br />

entre outros traços, pela constante ultrapassagem entre<br />

a ficção e a verdade factual, entre o inventado e o biográfico,<br />

numa fluência que correspondia, em última<br />

análise, a um dos ideais da geração hippie, da geração<br />

68 – fazer da vida uma arte, transformar tudo em matéria<br />

digna, fossem os ideais políticos coletivos, fossem<br />

as demandas individuais em busca da felicidade.<br />

(FISCHER, 2009, p. 124-125) (grifos meus)<br />

Em sua ficção, há muitos artifícios textuais, como<br />

a apropriação de outras narrativas. A intertextualidade<br />

é uma marca do escritor, que, por meio de epígrafes,<br />

dedicatórias, citações diretas ou não, retomadas de<br />

textos na voz dos personagens e índices onomásticos,<br />

faz alusões ou homenagens a inúmeros autores do seu<br />

universo cultural, como Clarice Lispector, Hilda Hilst,<br />

Júlio Cortázar, Jorge Luís Borges, Adélia Prado, Doris<br />

Lessing, Herman Hesse, Fernando Pessoa e muitos outros.<br />

Essas constantes referências a outros artistas demonstram<br />

um escritor atento ao seu tempo, de ampla<br />

cultura, que teve uma vida hipnótica, encarnando a irreverência<br />

dos anos 70 e 80, segundo Carpinejar, em livro<br />

de Callegari (2008): “Traduziu em contos e novelas um<br />

estado de pureza, misto de pânico e deslumbramento,<br />

diante de suas experiências sempre radicais dentro e fora<br />

da linguagem.”<br />

A leitura de certos escritores foi fundamental para<br />

sua escrita. Ele vem da linhagem de Clarice Lispector<br />

(para Antonio Candido, 1989, p. 209, “ela é provavelmente<br />

a origem das tendências desestruturantes, que<br />

dissolvem o enredo na descrição e praticam esta com o<br />

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artigo<br />

gosto pelos contornos fugidios”) e de Virginia Woolf, escritoras<br />

de cunho intimista/psicológico, mas muitos outros<br />

escritores o influenciaram em vários aspectos:<br />

O poeta, crítico e professor da Universidade do Estado<br />

do Rio de Janeiro (Uerj) Italo Moriconi afirma que toda<br />

a literatura do gaúcho gira em torno dos “afetos”. “Mais<br />

que propriamente as paixões, são os afetos”, diz<br />

Moriconi.<br />

Além de Moriconi, a reportagem do Cândido entrevistou<br />

outros estudiosos. Para a professora da<br />

Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Tânia<br />

Pellegrini, Caio dialogou literariamente com dois renomados<br />

autores brasileiros.<br />

“O mais claro diálogo (de Caio) acontece com Clarice<br />

Lispector, de quem herda o mergulho nas profundezas<br />

da subjetividade”, afirma, acrescentando que outra interlocução<br />

do escritor se dá com Graciliano Ramos e a<br />

sua meticulosa metodologia construtiva.<br />

Ivan Pinheiro Machado, editor da L&PM, conta de que<br />

maneira conheceu o escritor e também faz uma análise<br />

da literatura de Caio: “Sua obra se caracterizava por um<br />

extremo apuro formal e temática cosmopolita, na medida<br />

em que ele foi um escritor urbano, o que não era comum<br />

na época no Brasil. Caio estava mais para o rock<br />

and roll enquanto a maioria dos autores buscava a tal<br />

‘brasilidade’ no romance histórico ou no romance regionalista.”<br />

(Jornal Cândido, Curitiba, abr. 2016)<br />

Nos anos 70, Caio teve alguma ligação com a literatura<br />

fantástica (principalmente em alguns minicontos),<br />

influenciado pelos grandes nomes da literatura latino-americana<br />

(Cortázar, Borges, García Márquez), em livros<br />

como Inventário do Irremediável (1970), O ovo<br />

apunhalado (1975) e Pedras de Calcutá (1977). Um dos<br />

movimentos literários mais importantes do século XX,<br />

o realismo mágico ou fantástico inscreveu definitivamente<br />

a América no mapa mundial da literatura.<br />

Fundia o universo mágico ao real, com elementos irreais<br />

misturados ao cotidiano, o que renovou o romance.<br />

Cem anos de solidão, romance de Gabriel García<br />

Márquez, escrito em um dos momentos mais conturbados<br />

da América Latina, é um grande exemplo de literatura<br />

fantástica. Como observou Schollhammer (2009),<br />

o realismo fantástico se destacou nos anos 60 internacionalmente,<br />

mas na realidade já havia começado nos<br />

anos 30 e 40. Jorge Luís Borges, em 1930, escreveu um<br />

ensaio sobre o tema (mesmo não sendo considerado um<br />

escritor propriamente fantástico, foi um precursor dessa<br />

vertente na literatura). Outro grande nome do fantástico<br />

é Allejo Carpentier (caribenho, que iniciou uma literatura<br />

dita real-maravilhoso, identificada posteriormente<br />

como fantástica). Segundo Candido (1989), a literatura<br />

fantástica no Brasil começou com Murilo<br />

Rubião nos anos 40 (O ex-mágico da taberna minhota,<br />

1947), mas só se consolidou nos 70:<br />

Com segurança meticulosa e absoluta parcialidade pelo<br />

gênero (pois nada escreve fora dele), Murilo Rubião elaborou<br />

os seus contos absurdos num momento de predomínio<br />

do realismo social, propondo um caminho<br />

que poucos identificaram e só mais tarde outros seguiram.<br />

Na meia penumbra ficou ele até a reedição modificada<br />

e aumentada daquele livro em 1966 (Os dragões<br />

e outros contos). Já então a voga de Borges e o começo<br />

da de Cortázar, logo seguida pela divulgação no Brasil<br />

de livros como Cien anos de soledad, de Garcia<br />

Márquez, fizeram a crítica e os leitores atentarem para<br />

este discreto precursor local, que todavia precisou esperar<br />

os anos 70 para atingir plenamente o público e<br />

ver reconhecida a sua importância. Entrementes a ficção<br />

tinha-se transformado e, de exceção, ele passava quase<br />

a uma alta regra. (CANDIDO, 1989, p. 207-208) (grifos<br />

meus)<br />

Já nos anos 80, com o livro de contos Morangos<br />

mofados (1982), Caio Fernando Abreu adota um certo<br />

experimentalismo formal, como bem observa Rocha<br />

(2014):<br />

Sua narrativa também revela um autor com extrema habilidade<br />

de transitar entre o erudito e o popular. Em seus<br />

contos e crônicas, ele emprega uma linguagem performática<br />

intercalada por referências que transformam<br />

seu texto em uma espécie de iconografia da Pop<br />

Art. Assim como os quadros da Pop Art, repletos de<br />

imagens da Coca-Cola, cigarro, pasta de dente ou latas<br />

de conserva, o discurso literário em Abreu é pincelado<br />

por várias referências simbólicas ao consumismo<br />

moderno, bem como ao cinema, à música e ao culto<br />

das stars. Este traço do escritor exerce uma grande força<br />

atrativa sobre o leitor contemporâneo. (grifos meus)<br />

Schollhammer (2009, p. 26-27) inclui Caio na<br />

família dos grandes contistas urbanos de linha mais psicológica:<br />

Com a abertura política, e durante o processo de retorno<br />

à democracia, surge uma escrita mais psicológica<br />

que configura uma subjetividade em crise, como ocorre,<br />

por exemplo, em Zero, de Ignacio de Loyola<br />

Brandão, de 1974, em Reflexos do baile, de Antonio<br />

Callado, de 1976, e no Cabeça de papel, de 1977, do jornalista<br />

Paulo Francis. Nesse mesmo impulso, o lastro<br />

subjetivo se aprofunda nos contos de Caio Femando<br />

Abreu, em Morangos mofados, de 1982, por intermédio<br />

de situações cotidianas em que questões de sexualidade<br />

e de opção de vida vêm absorver as resistências<br />

contra a violência de um sistema autoritário. (grifos meus)<br />

Seu livro Triângulo das águas (1983) é composto<br />

por três novelas (ou contos longos), que ele designou<br />

“noturnos”, e onde se constata também algum experimentalismo<br />

formal, além de proximidades do texto escrito<br />

com a música em muitos pontos. A primeira novela,<br />

por exemplo, que ele define como uma “possível coreografia<br />

verbal para Köln Concert, de Keith Jarret”, é dividida<br />

em 12 vozes narrativas intercaladas por fragmentos<br />

de uma 13a voz, estrutura muito semelhante à do romance<br />

As ondas, de Virginia Woolf. O livro todo é composto<br />

com base nos signos astrológicos do elemento<br />

água (câncer, escorpião e peixes), o que dá origem ao título.<br />

No fim dos anos 80, são lançados ainda a antologia<br />

de contos já publicados Mel & Girassóis (1988) e o inédito<br />

Os dragões não conhecem o paraíso (1988).<br />

Nos anos 90, Caio reedita alguns livros anteriores<br />

revistos, sai o romance tipicamente urbano Onde andará<br />

Dulce Veiga? (1990), a antologia Ovelhas negras<br />

(1995, reunião de textos inéditos das mais diversas épocas)<br />

e o belíssimo Pequenas epifanias (1996, coletânea<br />

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“Linda, uma história horrível” é uma narrativa<br />

de raiz autobiográfica em muitos aspectos: o protagonista<br />

é um “exilado” (saiu de sua cidade natal, Passo da<br />

Guanxuma, uma alusão à cidade do interior onde Caio<br />

nasceu), mora em São Paulo (o que se detecta pela referência<br />

ao restaurante La Cassarole, do Largo do<br />

Arouche, e Caio morou muito tempo e por mais de uma<br />

vez em São Paulo) e está com aids (doença que Caio teve<br />

e que o levou à morte).<br />

A referência ao Passo da Guanxuma no texto é<br />

uma clara alusão às suas origens, pois Caio nasceu em<br />

Santiago (“que era do Boqueirão”), cidade do Rio<br />

Grande do Sul próxima à fronteira com a Argentina.<br />

Essa localidade imaginária aparece em outros textos do<br />

escritor .<br />

“Linda, uma história horrível” quase inaugura<br />

na ficção brasileira o tema da aids, já sugerido anteriormente<br />

em outros textos do autor. Em 1995, este conto<br />

foi incluído na antologia de The Penguin Book of<br />

International Gay Writing. Caio foi tradutor da novela<br />

Assim vivemos agora, de Susan Sontag, escrita em 1986 e<br />

publicada no Brasil em 1995, provavelmente a primeira<br />

história de ficção sobre a aids. No conto analisado, a doença<br />

não se configura propriamente como traço autobiográfico,<br />

mas como metáfora da solidão e do deslocamento<br />

do personagem.<br />

A dicotomia metrópole/cidade natal, recorrente<br />

em alguns textos de Caio e presente em “Linda, uma<br />

história horrível”, refere-se ao tema do exílio, ou autoexílio,<br />

que o personagem experimenta, metáfora do sujeito<br />

desenraizado, deslocado, desajustado.<br />

O desencanto, o irremediável, a decadência, marcas inde<br />

crônicas de jornais). Os últimos textos da década de<br />

90, antes de sua morte, nos dão indícios de algumas novas<br />

escolhas: uma retomada das narrativas mais lineares,<br />

com elementos memorialísticos, e certo vago resgate<br />

de suas raízes, nos temas e na linguagem.<br />

Assim, podemos perceber que sua trajetória literária<br />

nas três décadas tem momentos até distintos. É um<br />

escritor bastante múltiplo, inclassificável, talvez único<br />

na forma como escrevia e que o consagrou como contista.<br />

Para ilustrar o lado memorialístico e de volta às<br />

raízes, podemos ficar com apenas dois parágrafos do primeiro<br />

capítulo do romance que Caio pensou em escrever<br />

sobre o Passo da Guanxuma, onde se pode perceber<br />

até na linguagem a retomada de falares e vivências do<br />

Rio Grande do Sul e também sua veia humorística:<br />

Essa, claro, é a estrada preferida da bagaceirada do<br />

Passo. Nas noites de verão dizem que a soldadesca, os rapazes<br />

e até senhores de família, médicos e vereadores<br />

costumam arrebanhar o chinaredo das pensões de La<br />

Morocha para indescritíveis bacanais na beira dos lajeados,<br />

com muita costela gorda, coração de galinha no espeto,<br />

cachaça, violão e cervejinha em caixa de isopor.<br />

Depois dessas noitadas a areia branca da pequena praia<br />

da sanga Caraguatatá amanhece atulhada de brasas dormidas,<br />

pontas de cigarro, restos de carne mastigada, algum<br />

coração de galinha mais fibroso, camisas-de-vênus<br />

úmidas, tampinhas de garrafa, restos de papel higiênico<br />

com placas duras e, contam em voz baixa para as crianças<br />

não ouvirem, às vezes algum sutiã ou calcinha de cor<br />

escandalosa, dessas de china rampeira, alguma cueca<br />

manchada ou sandália barata de loja de turco com a tira<br />

arrebentada.<br />

Ao cair da tarde, principalmente em janeiro quando as<br />

famílias direitas buscam o frescor da sanga, a tradição<br />

manda os maridos irem na frente para limparem discretamente<br />

as areias, enquanto as senhoras se fingem de<br />

distraídas e diminuem o passo, sacudindo as toalhas sobre<br />

as quais vão sentar, que Deus me livre pegar doença<br />

de rapariga, comentam baixinho entre si, mas algum guri<br />

metido sempre acha alguma coisa nas macegas. Os lajeados<br />

são muitos, a sanga Caraguatatá desdobra-se secreta<br />

e lenta entre pedras, algumas tão altas que podem<br />

ser usadas como trampolim, e para quem tiver coragem<br />

de entrar pelo mato cerrado onde, dizem, até onça tem,<br />

revela praias de águas cada vez mais cristalinas, que pouca<br />

gente viu. Numa delas, certa manhã de setembro,<br />

Dudu Pereira foi encontrado morto e nu, a cabeça espatifada<br />

por uma pedra jogada ao lado, ainda com fios de<br />

cabelo grudados, lascas de ossos e gotas cinzas de cérebro.<br />

(ABREU, 1995, p. 67)<br />

Sintetizando, sua obra aborda os períodos da<br />

contracultura e da abertura política, é um registro da<br />

maneira de viver das gerações 70, 80 e 90. Segundo<br />

Wilson Martins, Caio Fernando Abreu é um “pintor da<br />

vida moderna” (título de Baudelaire), assim como<br />

Rubem Fonseca, Luiz Vilela e Sérgio Sant’Anna, todos<br />

grandes contistas. Assim como eles, Caio inovou no<br />

conto – na temática e na linguagem.<br />

“Linda, uma história horrível”<br />

Conto da maturidade do escritor, “Linda, uma<br />

história horrível” (Os dragões não conhecem o paraíso,<br />

1988) traz a aids como tema de ficção. A narrativa também<br />

tem como temas o exílio ou autoexílio – metáfora<br />

dos sujeitos modernos, deslocados por excelência – e a<br />

consequente decadência ou desencanto que caracterizam<br />

seus personagens. O tema do exílio é caro a grande<br />

parte da literatura do século XX, marcada pelo trânsito,<br />

tanto na vida quanto na ficção, do rural para o urbano.<br />

O protagonista, um homem de meia idade, visita<br />

sua mãe, que mora na pequena Passo da Guanxuma,<br />

uma localidade do interior. Ele mora em São Paulo, capital.<br />

A mãe e a cadela, que se chama Linda, estão velhas<br />

e decadentes, assim como a velha casa da infância. Ele está<br />

doente e a visita deve-se ao intento de contar isso à<br />

mãe. O conto é a história desse encontro e sua impossibilidade,<br />

pois ele não acontece verdadeiramente. No retorno<br />

à casa, filho e mãe conversam sobre lembranças,<br />

pessoas próximas e seus trágicos destinos, passando ao<br />

largo do provável destino trágico do protagonista, que<br />

não é revelado justamente pela falta de diálogo aberto.<br />

Ele não consegue revelar a ela que está com aids. A doença<br />

não é nomeada, mas sugerida.<br />

Raiz autobiográfica e abordagem dos temas<br />

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artigo<br />

deléveis de sua obra, aparecem em outros contos e nos<br />

dois romances que publicou. Dessa forma, também estão<br />

presentes neste conto.<br />

O tema da aids no conto e na obra de Caio Fernando<br />

Abreu<br />

Embora, inadvertidamente, se possa pensar que<br />

Caio pela primeira vez tratou da aids nesse conto de<br />

1988, podemos verificar que o tema já lhe era caro há<br />

tempos, desde o ano zero da aids no Brasil.<br />

Mendes (1998, p. 218) elenca textos de várias<br />

épocas em que Caio figurativizou o tema:<br />

Considerado pelo crítico Marcelo Secron Bessa como o<br />

escritor brasileiro que por mais vezes figurativizou a<br />

aids, Caio Fernando Abreu incluiu-a em diversos textos<br />

seus, que vão de “Pela noite”, uma das três novelas do livro<br />

Triângulo das águas (1983), a certos contos de Os<br />

dragões não conhecem o paraíso (1988) e Ovelhas negras<br />

(1995), além de diversas crônicas jornalísticas e do<br />

romance Onde andará Dulce Veiga? (1990), onde ocorre<br />

“uma história de amor entre dois contaminados”<br />

(ABREU, 1995a, p. 5). Na peça teatral Zona contaminada<br />

(1982), que “não por acaso” foi escrita no “ano zero<br />

da proliferação da aids no Brasil” (CASTELLO, 1994,<br />

p. 3), uma personagem chama a atenção para o fato de<br />

outra ter “a Peste” embora a doença esteja “em seus estágios<br />

iniciais” (ABREU, 1997, p. 66). Outro texto escrito<br />

para o teatro, O homem e a mancha (1994), é uma “livre<br />

releitura do Dom Quixote, de Miguel de Cervantes”<br />

(ABREU, 1997, p. 95), no qual a mancha funciona como<br />

“uma metáfora para as marcas deixadas pela aids”<br />

(FERREIRA, 1996, p. 4). No filme Romance (1988),<br />

que tem Abreu como um dos roteiristas, uma personagem<br />

morre “misteriosamente, possivelmente de aids”<br />

(EWALD FILHO, 1988, p. 13).<br />

Conforme o mesmo autor (1998, p. 219), citando<br />

Bessa (1997, p. 78-79), a aids surgiu (como menção)<br />

na literatura brasileira na novela “Pela noite”, do livro<br />

Triângulo das águas (1983), embora como tema a doença<br />

tenha sido inaugurada por Herbert Daniel em 1987,<br />

no romance Alegres e irresponsáveis abacaxis americanos.<br />

Depois disso, outros autores passaram a retratar a<br />

doença na literatura:<br />

Na literatura brasileira a aids vem manifestando-se em<br />

autores como Silviano Santiago (Uma história de família,<br />

1992), Bernardo Carvalho (Aberração, 1993),<br />

Alberto Guzik (Risco de vida, 1995), Jean-Claude<br />

Bernardet (A doença, uma experiência, 1996) e principalmente<br />

Caio Fernando Abreu.<br />

1<br />

Caio explica no texto Introdução ao Passo da Guanxuma a criação dessa<br />

cidade mítica: “A primeira vez que a cidade imaginária Passo da Guanxuma<br />

apareceu num conto meu foi em ‘Uma praiazinha de areia bem clara, ali, na<br />

beira da sanga’, escrito em 1984 e incluído no livro Os dragões não conhecem<br />

o paraíso. Naquele conto é narrado o assassinato de Dudu Pereira, que<br />

volta a aparecer aqui. Em outras histórias, voltou a aparecer o Passo, até que<br />

assumi a cidade, um pouco como a Santa Maria de Juan Carlos Onetti. Este<br />

texto, de 1990, pretendia ser o primeiro capítulo de um romance inteiro sobre<br />

o passado, tão ambicioso e caudaloso que talvez eu jamais venha a escrevê-<br />

lo. De qualquer forma, acho que tem vida própria, com o estabelecimento<br />

de uma geografia e esses fragmentos de histórias quase sempre terríveis<br />

respingados aqui e ali como gotas de sangue entre as palavras.”<br />

ABREU, Caio Fernando. Introdução ao Passo da Guanxuma. Disponível em:<br />

.<br />

Acesso em: 15 mar. 2016.<br />

A epígrafe com versos de uma canção de Cazuza<br />

sugere a temática do conto, principalmente em seu primeiro<br />

verso:<br />

Você nunca ouviu falar em maldição,<br />

nunca viu um milagre,<br />

nunca chorou sozinha num banheiro sujo,<br />

nem nunca quis ver a face de Deus.<br />

(Cazuza, “Só as mães são felizes”)<br />

Nas décadas de 80 e 90, a aids era a doença maldita,<br />

uma sina, uma sentença de morte. O milagre do segundo<br />

verso da epígrafe pode sugerir esperança (a cura?),<br />

mas ver a face de Deus sugere muitas outras coisas<br />

ainda (Uma epifania? A verdade? A morte?). O choro sozinho<br />

num banheiro sujo é a metáfora da decadência e<br />

da solidão.<br />

A doença não é nomeada no texto, mas os indícios<br />

dela são muitos, alguns reais e outros metafóricos.<br />

As manchas estão por toda parte – tapete, roupão, parede,<br />

xícara, mãe, Linda e filho –, e são referências às manchas<br />

do Sarcoma de Kaposi, proveniente da aids. As flores<br />

roxas do roupão da mãe também sugerem as manchas<br />

roxas que o Sarcoma de Kaposi provoca na pele dos<br />

portadores do vírus.<br />

Em certo momento do conto, depois que o protagonista<br />

desiste de contar da doença, há outra referência<br />

a ela, que a mãe evoca:<br />

Ele fez que sim. Ela acariciou as orelhas sem pelo da cadela.<br />

Depois olhou outra vez direto para ele:<br />

– Saúde? Diz que tem umas doenças novas aí, vi na tevê.<br />

Umas pestes. (grifos meus)<br />

O trecho final do conto deixa claro que o protagonista<br />

está contaminado e com a doença já manifestada,<br />

pois menciona as manchas do seu peito e o nódulo<br />

inchado no pescoço:<br />

Um por um, foi abrindo os botões. Acendeu a luz do<br />

abajur, para que a sala ficasse mais clara quando, sem camisa,<br />

começou a acariciar as manchas púrpura, da cor<br />

antiga do tapete na escada – agora, que cor? – espalhadas<br />

embaixo dos pelos do peito. Na ponta dos dedos,<br />

tocou o pescoço. Do lado direito, inclinando a cabeça,<br />

como se apalpasse uma semente no escuro. Depois foi<br />

dobrando os joelhos até o chão. Deus, pensou, antes de<br />

estender a outra mão para tocar no pelo da cadela quase<br />

cega, cheio de manchas rosadas. Iguais às do tapete gasto<br />

da escada, iguais às da pele do seu peito, embaixo dos<br />

pelos. Crespos, escuros, macios. (grifos meus)<br />

Apesar do conteúdo trágico, o extremo lirismo<br />

também caracteriza as narrativas de Caio Fernando<br />

Abreu, e esta particularmente. O linfonodo do pescoço<br />

é poeticamente retratado como uma semente: em vez de<br />

algo que sugere morte, um símbolo da vida que brota.<br />

Para se falar da morte, fala-se da vida. Afinal, a morte está<br />

na vida, compõe seu ciclo.<br />

O exílio como metáfora dos sujeitos modernos, deslocados<br />

por excelência<br />

O tema do exílio aparece em outros contos de<br />

Caio, como “Lixo e purpurina” (escrito em 1974 e publicado<br />

em 1995 no livro Ovelha negras) e “Uma praiazinha<br />

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de areia bem clara, ali, na beira da sanga” (também do livro<br />

Os dragões não conhecem o paraíso, de 1988), estudados<br />

por Souza (2011, p. 83), para quem há um personagem<br />

constante na obra do escritor gaúcho: “o sujeito<br />

moderno que não se insere em nenhum lugar e que está<br />

em permanente situação de desconforto e de desarticulação<br />

com o contexto em que vive”. Para a pesquisadora,<br />

o exílio “é uma experiência relevante para a história do<br />

século XX e largamente tematizada na literatura moderna,<br />

sobretudo por escritores forçados a sair de sua terra<br />

natal, tal como Caio Fernando Abreu” (p. 83).<br />

Ginzburg (2005, p. 39) estudou os contos “Lixo e purpurina”<br />

(já mencionado) e “Os sobreviventes” (do livro<br />

Morangos mofados, de 1982), abordando as relações entre<br />

exílio, memória e história, e vai mais longe em sua<br />

análise, apontando o tema do duplo exílio:<br />

Por um lado o indivíduo sente-se exilado por estar fisicamente<br />

fora de sua cidade natal ou do país de origem<br />

que em grande medida constitui sua identidade. Isso<br />

porque os locais de exílio (...) não acolhem totalmente<br />

o sujeito. Ao contrário, o que permanentemente se reafirma<br />

é essa sensação de não pertencimento, além das vivências<br />

de exclusão, preconceito, violência e dificuldades<br />

materiais largamente narradas (...). Por outro, esse<br />

deslocamento parece definir esses personagens, de tal<br />

modo que não podemos afirmar que ter saído da terra<br />

natal seja a única razão para que eles se sintam permanentemente<br />

cindidos internamente. É [uma] cisão mais<br />

interna, intrínseca ao desejo, que rege a subjetividade<br />

dos personagens e transcende a questão do exílio.<br />

(grifos meus)<br />

Borges (s/d) traz a expressão “estrangeiro de si<br />

mesmo” para falar de personagens de Caio e também<br />

do próprio escritor:<br />

Relacionar o conceito de estrangeiro à novela “Bem longe<br />

de Marienbad”, de Caio Fernando Abreu, aparentemente,<br />

não é adentrar em uma nova discussão acadêmica.<br />

O texto está presente na obra Estranhos estrangeiros,<br />

que já tem em seu título indicações quanto à abordagem<br />

desse tema. Contudo, geralmente para tratar de tal<br />

assunto, associa-se aos personagens de Caio as concepções<br />

de <strong>Ed</strong>ward Said, Stuart Hall e Homi Bhabha, teóricos<br />

ligados aos Estudos Culturais e a abordagens de cunho<br />

prioritariamente histórico-sociais, o que, de certo<br />

modo, vai de encontro à natureza da narrativa em questão,<br />

que prioriza os aspectos subjetivos e psicológicos<br />

do indivíduo, estrangeiro para um novo país, mas também<br />

para si mesmo. Assim, a obra de Julia Kristeva,<br />

Estrangeiros para nós mesmos, adéqua-se a este estudo, pois,<br />

mesmo enfatizando a análise psicanalítica, não esquece<br />

a cultural para descrever características e movimentos<br />

daquele que é estrangeiro. (grifos meus)<br />

A mesma percepção sobre Caio Fernando<br />

Abreu tem Araújo (2012):<br />

Como seus personagens, Caio se sentia estrangeiro<br />

eterno, irremediável, um estranho estrangeiro, sem<br />

paz fora da própria terra, incapaz de viver nela. Em<br />

quase todos os contos, o escritor aborda seus temas preferidos:<br />

o estranhamento, a solidão, a dor e o sentimento<br />

de marginalização. (grifos meus)<br />

Esse estranhamento é percebido em alguns momentos<br />

do conto, que tem cunho autobiográfico, como<br />

já comentado:<br />

A xícara amarela tinha uma nódoa escura no fundo, bordas<br />

lascadas. Ele mexeu o café, sem vontade. De repente,<br />

então, enquanto nem ele nem ela diziam nada, quis<br />

fugir. Como se volta a fita num videocassete, de costas,<br />

apanhar a mala, atravessar a sala, o corredor de entrada,<br />

ultrapassar o caminho de pedras do jardim, sair novamente<br />

para a ruazinha de casas quase todas brancas. Até<br />

algum táxi, o aeroporto, para outra cidade, longe do<br />

Passo da Guanxuma, até a outra vida de onde vinha.<br />

Anônima, sem laços nem passado. Para sempre, para<br />

nunca mais. Até a morte de qualquer um dos dois, teve<br />

medo. E desejou. Alívio, vergonha.<br />

A decadência e o desencanto dos personagens<br />

O relacionamento entre mãe e filho no conto é<br />

marcado pela decadência. O encontro entre os dois é desencontro,<br />

em muitos aspectos.<br />

A mãe não se emociona ao recebê-lo:<br />

Enquadrado pelo retângulo, o rosto dela apertava os<br />

olhos para vê-lo melhor. Mediram-se um pouco assim –<br />

de fora, de dentro da casa –, até ela afastar o rosto, sem<br />

nenhuma surpresa. Estava mais velha, viu ao entrar. E<br />

mais amarga, percebeu depois. (grifos meus)<br />

Em outro momento, a falta de jeito entre os dois<br />

é flagrante:<br />

Ela tirou um maço de cigarros do bolso do robe:<br />

– Me dá o fogo.<br />

Estendeu o isqueiro. Ela tocou na mão dele, toque áspero<br />

das mãos manchadas de ceratose nas mãos muito<br />

brancas dele. Carícia torta. (grifos meus)<br />

Em outro trecho, a incomunicabilidade parece<br />

se esvair, por instantes, mas volta à estaca zero. É como<br />

se a mãe, evitando ouvi-lo, evitasse a verdade que ele<br />

tem a dizer. É ela quem quebra o clima do momento e<br />

desvia os olhos, para não ouvir mais. É o clímax do conto,<br />

marcado pelo verso de Ana Cristina Cesar, referenciado<br />

pelo autor em nota de rodapé, numa citação explícita:<br />

Levantou os olhos, pela primeira vez olhou direto nos<br />

olhos dela. Ela também olhava direto nos olhos dele.<br />

Verde desmaiado por trás das lentes dos óculos, subitamente<br />

muito atentos. Ele pensou: é agora, nesta contramão.<br />

Quase falou. Mas ela piscou primeiro. Desviou os<br />

olhos para baixo da mesa, segurou com cuidado a cadela<br />

sarnenta e a trouxe até o colo.<br />

Há outro momento de desencontro de toques:<br />

– Foi boa aquela noite, não foi?<br />

– Foi – ela concordou. – Tão boa, parecia filme. –<br />

Estendeu a mão por sobre a mesa, quase tocou na mão<br />

dele. Ele abriu os dedos, certa ânsia. Saudade, saudade.<br />

Então ela recuou, afundou os dedos na cabeça pelada<br />

da cadela.<br />

– O Beto gostou da senhora. Gostou tanto – ele fechou<br />

os dedos.<br />

Assim fechados, passou-os pelos pelos do próprio braço.<br />

Umas memórias, distância. – Ele disse que a senhora<br />

era muito chique. (grifos meus)<br />

Além dos desencontros afetivos, são muitos os<br />

sinais da decadência. A mãe está mais velha e tem “cheiro<br />

de carne velha, sozinha há anos”, a “voz tão rouca”, o<br />

- 19 -<br />

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<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

artigo<br />

adjetivo azedo é usado duas vezes para se referir a ela; as<br />

mãos “cheias de manchas escuras, ele viu, como sardas<br />

(ce-ra-to-se, repetiu mentalmente), pintura alguma nas<br />

unhas rentes dos dedos amarelos de cigarros”, “as costas<br />

dela, tão curvas. Parecia mais lenta...”.<br />

Outro personagem decadente é a cadela, sarnenta<br />

e quase cega, apesar do irônico nome “Linda”:<br />

“Uma inútil, sarnenta. Só sabe dormir, comer e cagar, esperando<br />

a morte.”; “velha que dá medo”.<br />

O protagonista está doente e cansado: “– Tu estás<br />

mais magro – ela observou. Parecia preocupada. –<br />

Muito mais magro. – É o cabelo – ele disse. Passou a<br />

mão pela cabeça quase raspada. – E a barba, três dias. –<br />

Perdeu cabelo, meu filho. – É a idade. Quase quarenta<br />

anos. – Apagou o cigarro. Tossiu. – E essa tosse de cachorro?<br />

– Cigarro, mãe. Poluição.”<br />

O ambiente da casa é decadente. O tapete é puído:<br />

“E reviu o tapete gasto, antigamente púrpura, depois<br />

apenas vermelho, mais tarde rosa cada vez mais claro –<br />

agora, que cor?”; “Manchadas de gordura, as paredes da<br />

cozinha. A pequena janela basculante, vidro quebrado.<br />

No furo do vidro, ela colocara uma folha de jornal. País<br />

mergulha no caos, na doença e na miséria – ele leu. E sentou<br />

na cadeira de plástico rasgado.”; “A xícara amarela tinha<br />

uma nódoa escura no fundo, bordas lascadas.”<br />

Até o jornal, ironicamente (ou premonitoriamente?)<br />

anuncia a ruína: “País mergulha no caos, na doença<br />

e na miséria”. A doença anunciada pelo jornal certamente<br />

não é a aids, mas o filho percebe os augúrios de<br />

um destino trágico. Quanto tempo teria de vida?<br />

No conto, apesar de tamanha carga de estranhamento,<br />

de desencontro, de solidão e desespero, há momentos<br />

de rara beleza, de possível afeto:<br />

Então fez uma coisa que não faria, antigamente.<br />

Segurou-o pelas duas orelhas para beijá-lo não na testa,<br />

mas nas duas faces. Quase demorada. Aquele cheiro – cigarro,<br />

cebola, cachorro, sabonete, cansaço, velhice.<br />

Mais qualquer coisa úmida que parecia piedade, fadiga<br />

de ver. Ou amor. Uma espécie de amor.<br />

Os personagens de Caio Fernando Abreu, no<br />

conjunto de sua obra, são urbanos, fragmentados, anônimos,<br />

desencantados. Ele é considerado o fotógrafo da<br />

fragmentação contemporânea.<br />

Na orelha (não assinada) de Os dragões não conhecem<br />

o paraíso, encontramos uma síntese sobre todos os temas<br />

referidos:<br />

(...) suas personagens movimentam-se em meio às ruínas<br />

de um mundo em plena decomposição (...) ou a simulacros<br />

de felicidade (...). São homens e mulheres exilados<br />

dentro ou fora de si próprios, em permanente estado<br />

de ameaça por todos os vírus de fim de milênio –<br />

da solidão e violência à própria aids – e permanente<br />

busca de prazer. Os dragões não conhecem o paraíso pode<br />

quem sabe ser lido como um retrato do Brasil de hoje.<br />

Um retrato interior, tirado à beira do abismo, às vezes<br />

impiedosamente realista, mas de onde também podem<br />

brotar inesperados sopros de lirismo. Estas ficções, cenários<br />

e figuras são dragões imperfeitos, como tentativas<br />

de encontrarem-se a si próprios – através do confronto<br />

com o mundo real, do autoconhecimento ou da<br />

REFERÊNCIAS<br />

necessidade cósmica de amor em torno da qual todas as<br />

personagens e textos giram. Concêntricos, perturbadoramente<br />

vivos em sua desamparada atualidade. (grifos<br />

meus)<br />

ABREU, Caio Fernando. Além do ponto e outros contos. Seleção e<br />

organização de Luís Augusto Fischer. São Paulo: Ática, 2009.<br />

ABREU, Caio Fernando. Introdução ao Passo da Guanxuma.<br />

In: _____. Ovelhas negras. Porto Alegre: Sulina, 1995.<br />

ABREU, Caio Fernando. Linda, uma história horrível.<br />

In:_____. Os dragões não conhecem o paraíso. São Paulo:<br />

Companhia das Letras, 1988.<br />

ABREU, Caio Fernando. Morangos mofados. 3. ed. São Paulo:<br />

Brasiliense, 1983. (Cantadas Literárias)<br />

ABREU, Caio Fernando. Ovelhas negras. Porto Alegre: Sulina,<br />

1995.<br />

ARAÚJO, Rodrigo da Costa. Alguns fragmentos e pequenas epifanias<br />

de Caio Fernando Abreu. <strong>Revista</strong> Partes, ano 5, 6 set.<br />

2 0 1 2 . D i s p o n í v e l e m :<br />

.<br />

Acesso em: 20 jun. 2016.<br />

CALLEGARI, Jeanne. Caio Fernando Abreu: inventário de um escritor<br />

irremediável. São Paulo: Seoman, 2008.<br />

CANDIDO, Antonio. A educação pela noite e outros ensaios. São<br />

Paulo: Ática, 1989.<br />

FISCHER, Luís Augusto. Além do ponto e outros contos. São Paulo:<br />

Ática, 2009.<br />

GINZBURG, J. Exílio, memória e história: notas sobre “Lixo e<br />

purpurina” e Os sobreviventes. <strong>Revista</strong> Literatura e Sociedade, São<br />

Paulo, n. 8, p. 36-45, 2005.<br />

JORNAL CANDIDO. Abr. 2016. Disponível em:<br />

.24 jun. 2016.<br />

MENDES, Fernando Oliveira. Linda, uma história horrível: a literatura<br />

encontra o vírus da aids. Itinerários, Araraquara, n. 13, p.<br />

217-223, 1998.<br />

MOREIRA, Ricardo A. A história horrível para ser contada depois<br />

de agosto: uma análise de dois contos de Caio Fernando Abreu.<br />

<strong>Revista</strong> Literatura e Autoritarismo. Dossiê “Cultura Brasileira<br />

Moderna e Contemporânea”. Dez. 2009.<br />

ROCHA, Hudson Lima Bezerra. Matizes de cultura de massa na<br />

obra de Caio Fernando Abreu. Dissertação (Mestrado em<br />

Literatura Comparada), Programa de Pós-graduação em Estudos<br />

da Linguagem (PPgEL) - UFRN, 2014.<br />

D i s p o n í v e l e m :<br />

. Acesso em:<br />

20 jun. 2016.<br />

SCHOLLHAMMER, Karl Erik. Ficção brasileira contemporânea.<br />

Rio de Janeiro: civilização Brasileira, 2009.<br />

SOUZA, Thais Torres de. "Lixo e purpurina" e "Uma praiazinha de<br />

areia bem clara, ali, na beira da sanga": narradores e narrativas em<br />

conflito. Itinerários, Araraquara, n. 32, p. 83-98, jan./jun. 2011.<br />

D i s p o n í v e l e m : <<br />

http://seer.fclar.unesp.br/itinerarios/article/view/4578/3980<br />

>. Acesso em: 17 mar. 2016.<br />

- 20 -<br />

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artigo<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

Ecossistemas Urbanos:<br />

sustentabilidade socioambiental<br />

Maria Cleonide Santos<br />

Nossa Senhora do Socorro, SE, Brasil<br />

@: professoramariadomutirao@gmail.com<br />

Após observações no meio ambiente estudado<br />

e muita leitura sobre o assunto, foi identificado<br />

impacto dessas ações do homem sobre<br />

o manguezal do Rio do Sal, que margeia o<br />

Conjunto João Alves Filho, situado no bairro<br />

Taiçoca, no município de Nossa Senhora do<br />

Socorro-SE.<br />

Neste ecossistema encontrou-se uma variedade<br />

de lixos depositados por moradores locais,<br />

como também moradias adentrando no mangue,<br />

e mais todo o esgoto do conjunto que é despejado<br />

neste ambiente; registros fotográficos<br />

comprovam a ação do homem indiscriminada,<br />

a tal ponto que se chega a encontrar espécies, como<br />

no caso do guaiamu comum a este habitat,<br />

andando no interior das casas, construídas ao<br />

longo do manguezal.<br />

Com base em informações da<br />

ADEMA/SE e da LEI nº 12.651, de 25 de maio<br />

de 2012 da Constituição Federal, será identificado<br />

às causas ambientais, esclarecidas a quem<br />

cabe às devidas responsabilidades, propostas e<br />

ações realizadas na busca de uma sensibilização<br />

em torno dos impactos do homem ao meio ambiente.<br />

As cidades são um ecossistema urbano e<br />

que é estritamente necessário o respeito a esta biodiversidade,<br />

para garantir a sobrevivência do<br />

homem como também de todos os elementos<br />

que compõem este ecossistema, devido a um sistema<br />

de desenvolvimento baseado no crescente<br />

aumento da produção e do consumismo, somado<br />

a pressão demográfica acabou por propiciar<br />

o avanço da Zona Urbana nestes ambientes, provocando<br />

a degradação do manguezal e por consequência<br />

de toda a vegetação de restinga, própria<br />

deste habitat natural, em contra partida certas<br />

espécies da fauna costeira, acabam migrando<br />

para a zona urbana, invadindo quintais, áreas<br />

cobertas e casas, na verdade essas moradias estão<br />

com uma distância bem abaixo permitida<br />

por lei. Apesar de todas estas controvérsias a solução<br />

pode estar na prática de uma sustentabilidade<br />

socioambiental, através da internalização<br />

e assim permitir a preservação desta biodiversidade<br />

urbana imprescindível ao ecossistema.<br />

Assim, um Ecossistema Urbano precisa<br />

ter como base um Desenvolvimento<br />

Sustentável, pois a Biodiversidade Urbana é importante<br />

não só para a própria sobrevivência do<br />

homem, mas também pelo seu valor intrínseco;<br />

se faz necessário um envolvimento mais efetivo<br />

das Ciências Naturais com as Sociais para integrar<br />

os Conceitos Ecológicos ao Processo de<br />

Planejamento Urbano.<br />

O manguezal é um ambiente bastante<br />

prejudicado pela expansão urbana, que tem<br />

transformado extensas matas de restinga em áreas<br />

urbanas horizontais. Várias espécies da fauna<br />

e flora da restinga brasileira estão em extinção,<br />

por isso atualmente a conservação dos remanescentes<br />

existentes é prioritária.<br />

Constata-se que os dados são mensurados<br />

pelo Banco de Dados Geoespacial, responsabilidade<br />

assumida pela Administração<br />

Estadual do Meio Ambiente (ADEMA), mas<br />

que os mesmos não são utilizados para uma fiscalização<br />

efetiva.<br />

As normas estabelecidas na LEI nº<br />

12.651 de 25/05/12, não estão sendo respeitadas<br />

e que o Governo Municipal e a Sociedade<br />

Civil, não arcam com suas responsabilidades<br />

em garantir a preservação deste Ecossistema importante<br />

para todos.<br />

Ao pensar em soluções possíveis para resolver<br />

ou frear o crescimento das consequências<br />

da pressão urbana, se faz necessário desenvolver<br />

políticas públicas partindo do pressuposto a sustentabilidade<br />

e a manutenção da biodiversidade,<br />

pois são as únicas formas de se manter o uso<br />

prolongado e a exploração de recursos naturais<br />

com qualidade e de forma a manterem-se intac-<br />

- 21 -<br />

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tas as vantagens e benefícios que poderemos tirar<br />

desses seres.<br />

Desta forma para que se mantenha uma<br />

Sustentabilidade Socioambiental é primordial<br />

a preservação da biodiversidade de forma global.<br />

Dentre ações neste sentido está em garantir<br />

a correta reciclagem e o tratamento dos resíduos<br />

e dejetos provenientes das criações animais e<br />

dos aglomerados humanos essa é a forma mais<br />

eficiente de se garantir que os mananciais e os recursos<br />

hídricos serão preservados e garantirão a<br />

capacidade do abastecimento das gerações futuras;<br />

outras formas eficientes de manter a terra saudável<br />

e produtiva por muito mais tempo, é evitar<br />

a poluição do solo com efluentes e produtos<br />

oriundos de atividades químicas e pesticidas<br />

agrícolas. Mas para que estas ações sejam efetivadas<br />

de maneira absoluta o homem precisa sensibilizar-se<br />

da importância dessas práticas e da<br />

garantia do uso racional dos recursos naturais e<br />

a manutenção da biodiversidade que a humanidade<br />

poderá conseguir produzir os alimentos<br />

necessários para se manter e assegurar a continuidade<br />

da prosperidade de nossa espécie.<br />

Levando-se em consideração todos<br />

os aspectos apresentados, faz-se necessário<br />

que a humanidade torne-se reflexiva e efetiva<br />

nas formas das condições de sobrevivência e<br />

convivência com o meio ambiente, ratificando<br />

a urgência da preservação dos recursos naturais<br />

essenciais e direcionando ao caminho da<br />

Sustentabilidade Socioambiental relacionada à<br />

Preservação da Biodiversidade. Este deveria ser<br />

o único caminho!<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

Coisas que acontecem<br />

Djalma Amorim Ramos<br />

Salvador, BA, Brasil<br />

@: caalaide@hotmail.com<br />

poesia<br />

Tem coisa que acontece em vão, ou ao invés.<br />

Chorei por não poder comprar um sapato;<br />

Me consolei quando vi alguém,<br />

que não tinha os pés!<br />

Somos quase todos egoístas,<br />

contando não dá pra crer.<br />

Tem gente jogando alimento fora;<br />

tem gente catando lixo pra comer!<br />

Tem gente que vai à escola,<br />

mais nada quer aprender!<br />

Quero falar com você e,<br />

também, com o povo.<br />

Temos que ter muito cuidado,<br />

com algum médico novo;<br />

Que não estudou direito e está aí,<br />

matando o povo!<br />

Existe tanta incompetência,<br />

isso é o que muita gente diz;<br />

Tem paciente que vai extrair um dente<br />

e sai de lá sem o nariz!<br />

A gente fica andando em círculo,<br />

sem saber pra onde ir;<br />

Tem engenheiro construindo prédio,<br />

pra depois de pronto, ele cair!<br />

Se eu fosse um juiz ou um delegado,<br />

mandava eles pra cadeia<br />

Pelo crime de não ter estudado!<br />

Viveriam sem lazer, nem sequer jogar bola<br />

E seriam condenados como<br />

fugitivos da escola!<br />

dica de filme<br />

Rory Jansen (Bradley Cooper) é casado com Dora (Zoe<br />

Saldana) e trabalha em uma editora de livros. Ele sonha em<br />

publicar seu próprio livro, mas a cada nova tentativa se convence<br />

mais de que não é capaz de escrever algo realmente bom.<br />

Um dia, em uma pequena loja de antiguidades, ele encontra<br />

uma pasta com várias folhas amareladas. Rory começa a ler e<br />

não consegue tirar a história da cabeça. Logo ele resolve transcrevê-la<br />

para o computador, palavra por palavra, e a apresenta<br />

como se fosse seu livro. O texto é publicado e Rory se torna um<br />

sucesso de vendas. Entretanto, tudo muda quando ele conhece<br />

um senhor (Jeremy Irons) que lhe conta a verdade por trás do<br />

texto encontrado.<br />

Fonte: www.adorocinema.com<br />

- 22 -<br />

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cordel<br />

O verdadeiro<br />

cordelista<br />

Rogério Fernandes Lemes<br />

Dourados, MS, Brasil<br />

@: rogeriociso@gmail.com<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

literatura de cordel<br />

Autor: Rogério Fernandes lemes<br />

o verdadeiro<br />

cordelista<br />

Há quem diga que o cordel<br />

Só exista no Nordeste.<br />

Fora desse redondel<br />

É cópia e cabra da peste.<br />

Que cordel é nordestino;<br />

Só pode ser genuíno<br />

Se for fruto do agreste.<br />

Me vem um questionamento:<br />

Não posso me apropriar<br />

Deste belo ensinamento;<br />

Dessa arte secular?<br />

O que faz um cordelista?<br />

Se não ser um ativista<br />

Da cultura popular?<br />

Porque tanto estranhamento<br />

E egoísmo no pensar?<br />

É por esse pensamento<br />

Que só faz capenguear.<br />

Mesmo longe do Nordeste<br />

Passando pelo Sudeste,<br />

Não paro de cordelar.<br />

Assim como o nordestino<br />

Eu falo do meu lugar;<br />

Que tem rio cristalino<br />

Onde não pode pescar.<br />

O rio Formoso em Bonito<br />

Reflete o céu infinito,<br />

Que me perco só de olhar.<br />

Que dizer de Manoel<br />

E das coisinhas do chão?<br />

Nós usamos o cordel<br />

Para dar mais expressão;<br />

Divulgar o meu Estado,<br />

Um lugar abençoado,<br />

Que tem Deus no coração.<br />

Se não fosse um cordelista<br />

Homem triste eu seria,<br />

Ou quem sabe um repentista,<br />

Para minha alegria.<br />

Mas o fato é que escrevo;<br />

O cordel é meu enlevo<br />

Vinte e quatro horas por dia.<br />

Certo dia eu conheci;<br />

Já tinha ouvido falar.<br />

Então eu não resisti<br />

E resolvi cordelar.<br />

Comecei quadra fazendo<br />

Sextilha fui aprendendo,<br />

Até a sétima chegar.<br />

Uns diziam que besteira<br />

O negócio de rimar.<br />

Prefiro fazer esteira,<br />

Pois não gosto de pensar.<br />

Só que quando eles ouviam<br />

Muitos deles só sorriam,<br />

Com vontade de escutar.<br />

Verdadeiro cordelista<br />

Escreve aquilo que sente.<br />

Não quer ser exclusivista<br />

Isso o cordel não consente.<br />

Cordel traz interações;<br />

Aproxima regiões<br />

E enaltece nossa gente.<br />

Mas quem é o cordelista?<br />

Me diga, quero saber.<br />

Das letras é alquimista;<br />

Não vive sem escrever.<br />

Escreve verso com rima;<br />

Metrifica ainda por cima,<br />

Coisa linda de se ver.<br />

biblio editora - dourados - novembro de 2016<br />

Capa: Biblio <strong>Ed</strong>itoração Eletrônica<br />

Eu não nasci no sertão;<br />

Não tive tal privilégio.<br />

Mas amo de coração<br />

E não acho um sacrilégio.<br />

Escrever cordel eu quero;<br />

É meu desejo sincero;<br />

O cordel é meu colégio.<br />

E assim sigo cordelando<br />

Escrevendo cada verso;<br />

Eu levo a vida cantando<br />

No cordel eu vou imerso.<br />

Sei que sou bom cordelista<br />

Me sinto bem ativista,<br />

Neste vasto universo.<br />

Escrevi este cordel<br />

Em forma de brincadeira;<br />

Usei lápis e papel<br />

Pra dizer que é besteira<br />

Dizer que é só nordestino;<br />

Se não for é clandestino,<br />

Pois cordel não tem fronteira.<br />

Cordelistas somos todos,<br />

Do Oiapoque ao Chuí,<br />

Deus me livre dos engodos<br />

Que criticam por aí.<br />

É gaúcho ou nordestino;<br />

Homem velho ou menino;<br />

Cordel também é daqui.<br />

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Versos na areia<br />

Adail Alencar<br />

Dourados, MS, Brasil<br />

@: adailataveira70@gmail.com<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

Covarde<br />

Antônio Amaro Alves<br />

Ipatinga, MG, Brasil<br />

@: antonioamaro.ipatinga@gmail.com<br />

poesia<br />

No grito do amor a tristeza fica em silêncio,<br />

No sussurro do prazer levitamos na mesma procura,<br />

Na simplicidade do nosso amor irmanamos o pensamento,<br />

E no encontro de sentimentos oferecemos ternura.<br />

Na escuridão, o luar nos ilumina<br />

E andamos juntos abraçados;<br />

E no nosso tempo, a noite não termina<br />

Porque dormimos entrelaçados.<br />

E acordamos no mesmo amanhecer,<br />

Sem culpas, medos, nem preconceitos,<br />

Brindamos com um beijo nos pertencer;<br />

Fazendo da areia da praia nosso leito.<br />

E bebemos amor na mesma fonte,<br />

E adoramos a imensidão do mar,<br />

Vislumbramos juntos um lindo horizonte,<br />

Que nos dá o direito de sonhar.<br />

Como é linda essa nossa vida,<br />

Que as vezes achamos tão vazia,<br />

Quando essa paz é dividida,<br />

Encontramos tanto amor e alegria.<br />

E semeamos ternura em cada canto,<br />

Porque o amor está em nossas veias,<br />

E do carinho fazemos um acalanto,<br />

Escrevendo versos na areia.<br />

Quem é essa<br />

JoáDijú<br />

Dourados, MS, Brasil<br />

@: americodinizz@yahoo.com.br<br />

Que é essa que se atreve a mergulhar em meus sonhos,<br />

Que ousa depois esvanecer como sombra à tardinha;<br />

Vai indo, e bem devagarinho esvai em mim o sorriso,<br />

E quieto me calo em prece para que a<br />

esperança não morra.<br />

Quem é essa que de longe me trouxe alegria,<br />

Transformou minha noite em dia,<br />

E no fardo do tempo achou-me,<br />

Fez de minhas risadas, poesia.<br />

Quem é essa que sem medos tomou-me,<br />

Em pingados segundos repartiu sua vida,<br />

Fez da hora um encanto,<br />

Da despedida um suplício!<br />

Quem é essa que calma e serena me tocou,<br />

Sem o toque das mãos me aqueceu, me teve;<br />

Fez de meu coração ventania e fogo,<br />

E o desejo de amar novamente brotou.<br />

Quem é essa que a vida me trouxe,<br />

Num cálice inteiro de puro teor,<br />

Cheia de amor, de graça e leveza,<br />

Eterna e mortal, amante e amada!<br />

Quem é essa...<br />

... É você amor!<br />

Que tal fugir enquanto<br />

há tempo,<br />

se você não acredita<br />

e nada faz<br />

apenas critica e<br />

não abraça<br />

não se enlaça e<br />

nem se lança<br />

em nada,<br />

não faz nada.<br />

Que tal fugir para um lugar<br />

de conceito,<br />

onde tudo é perfeito<br />

onde há amor, direito e<br />

respeito.<br />

Onde não seja preciso<br />

se humilhar<br />

espraguejar e protestar.<br />

Fuja sim se não queres<br />

se mostrar,<br />

nessa lama se afundar e<br />

se sujar,<br />

bater de frente contra<br />

o que acha desaforo,<br />

pois, a luta é necessária<br />

quando a lei não é suficiente.<br />

- 24 -<br />

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conto<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

As lembranças e as coisas<br />

Isloany Machado<br />

Campo Grande, MS, Brasil<br />

@: isloanymachado@gmail.com<br />

Uma das lembranças que tenho<br />

da infância é uma história que<br />

minha mãe contava algumas noites<br />

em que eu não conseguia dormir. A<br />

história era sobre uma mulher que se<br />

chamava Filomena. Mamãe nunca<br />

me disse se era verdadeira, se era invenção<br />

dela ou se fora contada pra<br />

ela também, como aqueles contos<br />

que são reproduzidos em muitas e<br />

muitas gerações até se tornarem verdades.<br />

Vamos à história. A tal mulher<br />

morava sozinha há muitos anos.<br />

A casa era habitada pelas lembranças<br />

dela. E eram muitas lembranças. As<br />

pessoas que haviam morado na casa<br />

já tinham ido embora.<br />

Uma filha, a Alice, vivia no<br />

país das maravilhas, morava no exterior<br />

e trabalhava em uma grande empresa<br />

multinacional. Filomena já visitara<br />

sua filha Alice algumas vezes no<br />

exterior, mas poucas ainda em comparação<br />

à grande saudade que sentia<br />

da época em que a filha chorava em<br />

seu ombro por causa dos desgostos<br />

de namorados. A segunda filha,<br />

Regina, era sonhadora, mas daquelas<br />

que sonha, sonha e as realizações são<br />

colocadas em pedestais e se tornam<br />

impossíveis de realizar. Regina passava<br />

a vida a se queixar de suas desrealizações.<br />

À época da história, já não<br />

morava mais em casa da mãe, casarase<br />

com um homem bem poderoso e<br />

vivia os sonhos dele agora, mas morava<br />

não tão longe da mãe como Alice.<br />

Mas e o marido de Filomena? Era o<br />

que eu perguntava pra minha mãe.<br />

Ah, este deixara muitas lembranças.<br />

Todas as noites, Filomena trancavase<br />

num quarto esquecido da casa, era<br />

uma espécie de museu. Lá havia não<br />

só as lembranças, que não dá pra tocar,<br />

mas ficavam as coisas que<br />

Filomena cuidadosamente guardara<br />

ao longo da vida. Aos 70 anos ela tinha<br />

medo de esquecer daquilo que vivera.<br />

Na verdade ela sempre teve medo<br />

de deixar as coisas irem embora<br />

por medo de esquecê-las.<br />

Como não podia encaixotar<br />

as filhas e nem o marido, decidira<br />

guardar todos os objetos que coubessem<br />

no quarto. Havia fotografias em<br />

preto e branco; cadernos de todos os<br />

anos escolares das filhas; frascos de<br />

perfumes que ganhara do marido e<br />

também todos que dera a ele. Em algumas<br />

noites cuja saudade era apertada,<br />

pegava o frasco do primeiro perfume<br />

que dera a ele, metia no borrifador<br />

o nariz cravejado de pontos pretos<br />

e arqueado pelos anos. Tentava<br />

identificar ali o cheiro das primeiras<br />

sensações que tivera ao lado dele.<br />

Voltava à memória o frio na barriga<br />

que sentia ao esperá-lo para irem ao<br />

cinema. Ele chegava exuberando o<br />

perfume que ela lhe dera, chamava-se<br />

“O Barril”.<br />

Ah, também estavam lá todas<br />

as bonecas das meninas, umas cujo<br />

cabelo já virara sabugo, outras que o<br />

olho não fechava mais, outras ainda<br />

que perderam as pernas; havia óculos<br />

e relógios quebrados; revistas velhas<br />

da época em que o guaraná ainda era<br />

de rolha. Pegava uma boneca sem perna<br />

e lembrava que fizera papinha para<br />

que Alice alimentasse sua “filha” e<br />

costurara roupinhas com retalhos de<br />

suas costuras. Em duas caixinhas de<br />

metal guardava os dentes de leite das<br />

filhas. Quando suas mãos quase descarnadas<br />

tocavam um dos dentinhos,<br />

imediatamente vinha-lhe à memória<br />

a cena em que Regina estava com o pivô<br />

mole e não a deixava arrancar.<br />

Um dia, voando pelo corredor<br />

ao ouvir o chamado da mãe para<br />

o almoço, tropeçara e fora de boca no<br />

chão. O pivô saltara longe. Nos cantos<br />

escoravam-se móveis quebrados,<br />

esfarelentos. Cartas, cartões, postais,<br />

convites de casamento, memoriais de<br />

falecimento, de nascimento, de aniversário<br />

de 15 anos, de formatura, habitavam<br />

uma caixa grande que tinha<br />

cheiro de tempo quando passa voando.<br />

Em três grandes malas de couro<br />

estavam guardadas roupas da época<br />

em que Filomena era jovem, que já<br />

não serviam mais; e mais um monte<br />

de outras velharias incontáveis estavam<br />

naquele lugar.<br />

Minha mãe contava que o<br />

quarto tinha um cheiro diferente, era<br />

o cheiro do bolo de fubá que as meninas<br />

gostavam, ou era o cheiro do café<br />

que acompanhava o bolo, tudo misturado.<br />

Filomena passava horas da<br />

madrugada manuseando os objetos,<br />

assim, acreditava tocar as lembranças,<br />

puxá-las pelas orelhas. Como eu<br />

disse, ela tinha medo de jogar todas<br />

aquelas coisas fora e suas lembranças<br />

um dia lhe faltarem. Só esquecia o<br />

quarto dias e dias com a porta trancada<br />

quando estava a família toda reunida,<br />

na festa de ano novo. Daí as<br />

lembranças pouco importavam, ela<br />

podia tocar o barulho que seus netos<br />

faziam quando arruaçavam pela casa.<br />

Filomena não tinha esse nome à toa,<br />

a raiz de seu nome era comum com a<br />

da filosofia. Filomena era quase filósofa,<br />

ela sabia que há lembranças e há<br />

coisas, quando ia ao quartinho fazia<br />

o exercício de juntar as duas. Mas havia<br />

algo para o que ela não conseguia<br />

fazer a união entre lembrança e coisa,<br />

na verdade esse algo era uma espécie<br />

de síntese entre as duas. A síntese era<br />

a palavra saudade, que Filomena não<br />

conseguia tocar. Um dia minha mãe<br />

contou que gostava muito de brincar<br />

de esconde-esconde com seus irmãos<br />

na infância e, sem querer, disse que o<br />

lugar preferido era um certo quarto<br />

esquecido e proibido da casa de sua<br />

avó, onde nunca ninguém a encontrava.<br />

O próximo livro de Isloany<br />

Machado. Aguardem!<br />

- 25 -<br />

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“A vibração<br />

e o fôlego”<br />

Morphine Epiphany<br />

São Paulo, SP, Brasil<br />

@: souavenger69@gmail.com<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

poesia<br />

Numa vibração de harpa<br />

Acariciada por ninfas<br />

Tuas mãos puxaram-me<br />

Para as profundezas do<br />

Lago<br />

Nenhuma movimentação<br />

Das minhas solas<br />

Ou braçadas enlouquecidas<br />

Foram capazes de<br />

Me lançar ao fôlego<br />

Na vibração da sua harpa<br />

E das unhas a cravar<br />

Teu suspiro se prendeu<br />

Virei cabelos, vestido<br />

E sopro<br />

Nas profundezas dos<br />

Lábios<br />

Nenhuma respiração<br />

Desliguei os pulmões<br />

E matei o ar aprisionado<br />

Agora sou capaz de<br />

Nadar sem fôlego.<br />

Sol, meu dia...<br />

Ana Carvalhosa<br />

Sintra, Portugal<br />

@: carvalhosaana@gmail.com<br />

Quando te vejo, desejo<br />

Num só dia um único beijo<br />

O que me dás por sorrir<br />

Em ti vida encontrar<br />

No que é meu provir<br />

Num momento, te amar.<br />

http://imgms.viajeaqui.abril.com.br/<br />

A super Lua<br />

Heloisa Crespo<br />

Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil<br />

@: heloisacrespo@gmail.com<br />

Eis que surge a Super Lua<br />

Na Praia de Iracema,<br />

Na terra de Auta de Souza,<br />

Na orla de Maceió,<br />

No belo Farol da Barra,<br />

Por quase todo o Nordeste!<br />

Recebida com aplausos,<br />

Brindes, risos e até lágrimas<br />

De emoção e alegria,<br />

Quando apareceu no céu,<br />

Com a aparência bem maior,<br />

Mais brilhante e majestosa!<br />

No Sudeste não foi vista.<br />

Tempo nublado e chuvoso<br />

Impediu que eu a visse<br />

E que a reverenciasse,<br />

Como desejei fazer<br />

Durante toda uma vida.<br />

E ela estava tão perto,<br />

Como há muito não se via,<br />

Desde o ano em que nasci.<br />

Agora, sim, entendi<br />

O porquê de apreciar<br />

As noites de lua cheia,<br />

Exaltando-a em prosa e verso,<br />

Ao longo da minha vida,<br />

Se ela me viu nascer...<br />

- 26 -<br />

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crônica<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

O encantador<br />

de palavras<br />

inspireportal.com<br />

Dinovaldo Gilioli<br />

Florianópolis, SC, Brasil<br />

@: dinogilioli@yahoo.com.br<br />

A vida passa rápido demais, às vezes como<br />

um voo rasante. E, a morte, quanto tempo<br />

leva? O poeta Manoel de Barros se foi em novembro<br />

de 2014. Se vivo, completaria 100<br />

anos em 2016. Quantos se lembram, além dos<br />

mais próximos?<br />

A deslumbrante poesia de Manoel, que<br />

amava as coisas simples, nos remetia – quase<br />

sempre, à transcendência. Ele falava da fugacidade<br />

da vida, como quem sabia que viemos e<br />

voltaremos como um cisco.<br />

Na sua escrita direta, sem entrelinhas,<br />

botava mais que pingos nos is. Sem seguir modismos,<br />

fazia do poema um canto eterno. Era<br />

verdadeiramente “o encantador de palavras”;<br />

título de um dos seus mais de trinta livros publicados.<br />

Ele sabia sabiamente que o lugar da poesia<br />

é qualquer tempo e espaço. Manoel se encantava<br />

com um inseto, e dele fazia sua matéria<br />

poética. No mundo em que vivemos, quanto<br />

valem as coisas simples?<br />

Para o poeta de palavras encantatórias<br />

e atemorizantes, o cu de uma formiga era mais<br />

importante que uma usina nuclear. Criticava<br />

criativamente os que endeusam a tecnologia,<br />

e não enxergam um palmo adiante.<br />

Se foi Manoel como a vida queria, encharcado<br />

de poesia por todos os poros.<br />

Translucido, feito vagalume, vagueia e alumia<br />

outros lugares. Com seu jeito faceiro de dizer,<br />

na lata, o que pensava, deve continuar assombrando<br />

os que fazem da vida um acúmulo de<br />

coisas imprestáveis para o deleite da alma.<br />

Certamente, onde estiver, se nega a descansar<br />

em paz. A paz mórbida que não remove,<br />

e só espera a esperança. Manoel de Barros,<br />

feito carne e osso, se dissolveu no tempo. Seus<br />

poemas, porém, continuam ecoando feito<br />

cantar passarinheiro.<br />

Quem saberá onde ele está agora?<br />

Como sua poesia, em qualquer lugar que a vida<br />

respira depois da morte!<br />

Fragmentos de Barros:<br />

Tem horas leio avencas. Tem horas,<br />

Proust. Ouço aves e beethovens.<br />

As coisas que não têm nome são mais<br />

pronunciadas por crianças.<br />

Um girassol se apropriou de Deus: foi<br />

em Van Gogh.<br />

Eu penso renovar o homem usando<br />

borboletas.<br />

Escutei um perfume de sol nas águas.<br />

Não tem altura o silêncio das pedras.<br />

Eu queria crescer pra passarinho…<br />

- 27 -<br />

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<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

conto<br />

A irmã de Jone<br />

https://i.ytimg.com<br />

Leomária Mendes Sobrinho<br />

Salvador, BA, Brasil<br />

@: lea.sobrinho@gmail.com<br />

H<br />

á mais de sessenta anos atrás, a irmã de<br />

Jone estava completando quinze anos. Jéssica,<br />

desde nova, falava que quando completasse esta<br />

idade morreria e que estava ali, apenas para cumprir<br />

uma missão. Ninguém levava em consideração<br />

a veracidade desta informação, pois, como<br />

vinha de uma criança, os adultos entendiam como<br />

um capricho.<br />

Eram quatro irmãos, porém, Jone era o<br />

mais próximo de Jéssica, o que a permitia confidenciar<br />

seus pensamentos e desejos com ele.<br />

Eles moravam em uma casa humilde, porém,<br />

com área ao redor da casa e um quintal, onde haviam<br />

duas fontes, isto é, dois poços artesianos e<br />

mais ao fundo muitas plantas, inclusive árvores<br />

milenares, como mangueiras, pés de mamão, bananeiras,<br />

etc. Com área suficiente para circular,<br />

correr e se esconder na hora das brincadeiras<br />

com as amigas.<br />

Passaram-se alguns meses e Jéssica adoeceu<br />

de uma hora para outra, sem motivos aparentes.<br />

O médico naquele tempo não tinha a tecnologia<br />

que hoje possui e a diagnosticou com sarampo.<br />

Quando Jone e Jéssica ficavam a sós, ele a<br />

perguntava o que ela sentia, mas, com muita febre<br />

e tomando muitos antibióticos, ela ainda<br />

afirmava que não iria adiantar tanto zelo, pois<br />

ela já tinha o seu dia marcado para desencarnar<br />

por ordem de Deus.<br />

Jone ficava confuso porque em sua compreensão,<br />

Deus apenas dava a vida e não a tirava.<br />

Porém, a sua irmã afirmava veementemente<br />

que ela veio apenas para passar aquele tempo e<br />

tinha a consciência de tudo; que ela ouvia e via<br />

as orientações do que estava por vir. O que ficou<br />

sem explicação, o que não deu tempo de saber,<br />

pela angustia e pela insistência de Jone em querer<br />

que a sua irmã ficasse logo boa foi o motivo<br />

da missão que Jéssica teria que ter cumprido.<br />

Numa noite sem estrelas no céu, Jone<br />

chegava em sua casa.Vinha da casa de um amigo,<br />

quando viu Jéssica sentada à beira da fonte,<br />

no quintal, pois o mesmo acessou sua residência<br />

pela lateral sem que ninguém o visse. Ele a<br />

chamou com espanto pelo nome e a repreendeu<br />

por estar ali fora no sereno, já que passavam-se<br />

das sete horas da noite e ela estava acamada.<br />

Jéssica, sentada, serena, calmamente disse<br />

ao irmão que já não estava mais entre os vivos<br />

e que ela já havia realizado a sua missão. Havia sido<br />

chamada, que não era para ele chorar e nem<br />

ficar triste, pois ela estava bem e que ele soubesse<br />

que ela o amava. Desapareceu para sempre da<br />

vida e deixou saudades.<br />

(História baseada em fatos reais.<br />

Foram usados nomes fictícios)<br />

- 28 -<br />

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poesia<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

Rodas do<br />

mundo<br />

Joana Alencastro<br />

Porto Alegre, RS, Brasil<br />

@: joana_angel@hotmail.com<br />

Os pés cansados, o suor,<br />

o andar em falso<br />

Acusam a dureza da jornada<br />

Que se arrasta em dias<br />

modorrentos sem relógio,<br />

Rasteja em meses e anos<br />

sem calendário<br />

Os anos passam tão depressa<br />

E as horas tão devagar.<br />

Tanto corremos, tão cansados,<br />

Mas pra onde?<br />

Somos peixinhos dando<br />

voltas num aquário.<br />

Somos ratinhos de laboratório<br />

Resfolegando em suas rodinhas<br />

Tentando, desesperados,<br />

Chegar a algum lugar.<br />

Em algum lugar, alguém repousará,<br />

Mas não nós que temos<br />

fogo sob os pés,<br />

Nós que vivemos pra correr<br />

E corremos pra sobreviver.<br />

Somos animais de circo enjaulados,<br />

Sobreviventes da cadeia alimentar,<br />

Encenando as piores leis da natureza,<br />

Expostos para entreter a quem?<br />

Corremos, corremos tanto,<br />

Movemos as rodas do mundo<br />

Que alguém estará pilotando<br />

Em direção a algum lugar.<br />

Mas não nós que temos fogo sob os pés<br />

E asas que nunca se abrem.<br />

Esperança<br />

Marina Gentile<br />

São Paulo, SP, Brasil<br />

@: dagazema@gmail.com<br />

Sou o recomeçar, sou janeiro,<br />

início do mês,<br />

As primeiras páginas<br />

de um caderno, novo livro,<br />

Sou aquele broto brotado<br />

em local inesperado,<br />

O que é negativo deve ser superado.<br />

Sou o recomeçar em todas as manhãs,<br />

Sou energia a quem está ao meu lado,<br />

Por isto mesmo, as palavras e gestos,<br />

Devem ser cuidadosamente lapidados.<br />

Cada um tem seu jeito de recomeçar,<br />

Cada um tem sua história, sua dor,<br />

E para cada sofrimento, lágrima caída,<br />

Existe a esperança, um mar de amor.<br />

Cada um tem seu jeito de recomeçar,<br />

E por maior que seja a dificuldade,<br />

Tem alguém, pelo menos alguém,<br />

Que lhe quer bem ...<br />

O amor está no universo,<br />

Nas pessoas do nosso convívio,<br />

Precisamos delas, é recíproco,<br />

Para elas que estamos vivos.<br />

Ferreira Gullar, um dos maiores poetas brasileiros do<br />

século 20 morreu, aos 86 anos, no dia 4 de dezembro<br />

de 2016, no Rio de Janeiro. Foto: http://escolaeducacao.com.br<br />

- 29 -<br />

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artigo<br />

O chatólogo<br />

Figueiredo<br />

Cahoni Chufalo<br />

Mogi das Cruzes, SP, Brasil<br />

@: cahoni@gmail.com<br />

No início de seu famoso<br />

Discurso ao Método, Descartes<br />

diz ser o bom senso a coisa do<br />

mundo melhor partilhada. Isso<br />

porque ninguém julgava não<br />

possuí-lo, ou possuí-lo em falta<br />

ou em demasia. Da chatice poderíamos<br />

dizer o mesmo, mas pelo<br />

motivo inverso: ninguém julga<br />

possuí-la. No entanto, a experiência<br />

de qualquer indivíduo<br />

acordado demonstra que ela existe,<br />

é palpável, perceptível, amplamente<br />

disseminada, absolutamente<br />

democrática. Aparece<br />

em qualquer lugar, tempo, pessoa,<br />

objeto. Assim, embora ninguém<br />

assuma ser portador de tal<br />

moléstia, devemos concluir que<br />

a chatice é a coisa mais bem partilhada<br />

do mundo, muito mais<br />

do que o bom senso, quase raridade.<br />

Não é de se estranhar, então,<br />

que patologia tão onipresente<br />

se transforme em objeto<br />

de estudo.<br />

Não sei se Guilherme<br />

Figueiredo foi o inventor da<br />

Chatologia. Seu Tratado Geral<br />

dos Chatos (1962) dá, entretanto,<br />

uma bela contribuição à mat<br />

é r i a . S e r i a c i ê n c i a ?<br />

Dificilmente. O objeto é esquivo<br />

e bastante subjetivo. Basta<br />

pensar que aquilo que me chateia<br />

pode alegrar um outro. Ou<br />

aquele que acho chato pode ser<br />

chateado por alguém que acho<br />

não-chato. Não decorre daí, da<br />

dificuldade da matéria, que devemos<br />

virar as costas ao esforço do<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

o ecologista, o engajado de<br />

Facebook; temos o intelectual, o<br />

filósofo, o sociólogo, o economista,<br />

o cientista, o matemático<br />

de Facebook; temos os polemistas,<br />

os catequéticos, os cientistas<br />

políticos, críticos literárioplástico-cinematográficos<br />

de<br />

Facebook; temos os místicos, os<br />

religiosos, os ateus, os otimistas,<br />

os pessimistas, os bom-vivants,<br />

os miseráveis de Facebook; temos<br />

os humoristas, artistas, narcisistas,<br />

jornalistas, humanistas,<br />

vanguardistas, tradicionalistas,<br />

carentes, revoltados, terroristas,<br />

puxa-sacos, machões e feministas<br />

de Facebook; temos aqueles<br />

que são uma mistura de alguns<br />

desses predicados e de outros<br />

não citados; e temos os casos extremos,<br />

aqueles que são tudo isso<br />

e mais um pouco. No<br />

Facebook, claro. A democracia<br />

digital permite que cada um de<br />

nós seja aquilo que diz ser. Ou<br />

quer ser. Ou, linguisticamente<br />

falando, se enuncia como sendo.<br />

A internet nos metamorfoseia.<br />

Geralmente, para pior. E toda<br />

essa vasta gama de personagens<br />

e informações que nos chegam<br />

todos os dias, bem ali na palma<br />

de nossas mãos, serve apenas<br />

para uma coisa: nos chatear.<br />

A esfera da chateação virtual<br />

tem uma vantagem: pode<br />

ser abrandada. Com um pouco<br />

de coragem e autodomínio você<br />

poderá exclamar: hoje eu não entrei<br />

na internet; hoje não chequei<br />

meus e-mails nem entrei no<br />

Facebook; hoje, só por hoje, não<br />

fui virtualmente chateado nem<br />

chateei ninguém. A atitude nem<br />

sempre é fácil. Um dos vícios<br />

contemporâneos é justamente o<br />

vício da internet. E vícios são,<br />

justamente, a passagem do prazeroso<br />

à chatice. O viciado preciautor.<br />

Sua tentativa de definição<br />

e classificação do chato é de inegável<br />

valor. Não identificamos<br />

rapidamente o tipo chatopostulante,<br />

sempre a pedir algo a<br />

a l g u é m , o u o c h a t o -<br />

confidencial, sempre a contar<br />

uma nova fofoca imperdível agarrado<br />

aos colarinhos alheios?<br />

Outro vivo observador do comportamento<br />

humano (ou seja,<br />

comportamento do chato),<br />

Millôr Fernandes, tem uma definição<br />

do chato que se encaixa<br />

exatamente no tipo chatoconfidencial.<br />

Diz ele que o chato<br />

é “o sujeito que tem um uísque<br />

numa mão e nossa lapela na outra”.<br />

Será que a coincidência dessas<br />

observações pode abrir caminho<br />

para um estudo mais objetivo<br />

dos chatos? O futuro das pesquisas<br />

nos dirá. O que fica claro<br />

é que o chato é gregário. Com a<br />

exceção, claro, do chato-de-simesmo.<br />

O chato é gregário.<br />

Precisa do outro. Imaginem<br />

quantas novas classificações nosso<br />

especialista não faria nesses<br />

tempos de plena interconectividade?<br />

Guilherme Fiqueiredo<br />

morreu em 1997. Não pôde ver e<br />

analisar a chatice produzida, amplificada<br />

e globalmente disseminada<br />

graças à internet e às redes<br />

sociais. Pois a tecnologia encurta<br />

as distâncias. Aumenta, entretanto,<br />

o raio de ação do chato. O<br />

chato não mais precisa sair de casa<br />

para espalhar sua chatice. Ela<br />

nos chega de tempos em tempos,<br />

apitando ou vibrando nossos<br />

smartphones. E como a internet,<br />

especialmente as redes sociais,<br />

é um espelho do ser humano,<br />

temos todo o espectro da chatice<br />

humana (e mais alguns) sob<br />

a forma virtual. Temos o pacifista,<br />

o revolucionário, o militante,<br />

- 30 -<br />

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sa de um esforço maior para curar-se<br />

do mal. E se tem a sorte de<br />

curar-se, continua a mercê das<br />

chatices habituais, diárias e nada<br />

virtuais de sempre.<br />

O ônibus que não passa<br />

no horário; o chato-ofertante do<br />

telemarketing; o garçom simpaticão<br />

ou ultra grosseiro; as chatices<br />

causadas porque tinha um celular<br />

no meio do caminho (você<br />

conversando com alguém tête-àtête<br />

que está conversando com<br />

alguém tête-a texto; alguém que<br />

quer mostrar um vídeo de oito<br />

minutos e meio que acabou de<br />

receber; etc.); os problemas do<br />

trem; os problemas do metrô; o<br />

chato-conselheiro, que aconselha<br />

sem ser pedido; o chatoreclamão,<br />

que vê os outros como<br />

um grande ouvido; o chatopatrão,<br />

naturalmente chato; o<br />

chato-artista (não o artistachato),<br />

que espalha sua chatice<br />

em algo que ele diz ser arte; o chato...o<br />

chato...o chato...a chatice.<br />

Há, porém, uma questão<br />

qu e o n o s s o ch a t ó l o g o<br />

Figueiredo não se coloca: será<br />

que a chatice tem um lado positivo?<br />

Esse é o ponto levantado pelo<br />

cronista português Miguel<br />

Esteves Cardoso. Seu exemplo é<br />

a cultura. Diz ele: “Ora, quem sabe,<br />

sabe que a cultura, a verdadeira<br />

cultura, é efectivamente chata.<br />

(...) Seca, morosa, difícil, exigente,<br />

chata para morrer. Chata<br />

e boa. E ainda bem”!<br />

Embora a palavra cultura<br />

carregue geralmente significados<br />

positivos (é bom ser culto, conhecer<br />

coisas, entrar em contato<br />

com novas, etc.), o problema está<br />

em que tornar-se culto é, muitas<br />

vezes, uma chatice. Para mascarar<br />

essa chatice, diz-se que a<br />

cultura é participativa, comunicativa,<br />

popular, relacional, gene-<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

rosa, alegre. Junte-se um bando<br />

de gente em um lugar qualquer,<br />

coloque-se um DJ, um grafiteiro,<br />

quem sabe uma performance ou<br />

uma expressão de cultura popular<br />

(capoeira, jongo, maracatu,<br />

sambinha), toneladas de cerveja<br />

e pronto: tem-se um evento cultural.<br />

O problema é que essa cultura<br />

nada tem a ver com aquela<br />

outra, mais alta, e que demanda<br />

tempo, solidão, paciência.<br />

Adquirir cultura é tarefa exigente,<br />

nem sempre consoladora, às<br />

vezes, angustiante. Há recompensa<br />

em algum lugar do processo?<br />

Quem sabe? O fato é que estudar,<br />

conhecer, ampliar e aprofundar<br />

ideias, é chato. A cultura<br />

é chata. Maravilhosamente chata.<br />

Porém, dizê-la chata é um jeito<br />

de nos defendermos dela. É<br />

uma boa desculpa para deixá-la<br />

de lado. Se é chata, por que gastar<br />

meu tempo com ela? Previnese<br />

assim o contato com qualquer<br />

experiência mais árdua. Por outro<br />

lado, será inevitável que o homem<br />

(ou mulher) de cultura seja<br />

sempre um chato? Será por isso<br />

que Guilherme Fiqueiredo diz<br />

que “a erudição exaustiva é uma<br />

das formas sob as quais se apresenta<br />

um chato”?<br />

O tema, como se vê, é vastíssimo.<br />

A chatice é chata, mas<br />

pode, paradoxal e dialeticamente,<br />

ser recompensadora em alguns<br />

casos. A investigação da matéria<br />

deve ser individual e diária.<br />

O que me chateia? A quem eu<br />

chateio, e por quê? Será que estou<br />

usando a chatice defensivamente,<br />

para não ter de lidar com<br />

algo que pode ser excessivamente<br />

árduo? Será que estou temendo<br />

tanto a chatice alheia que acabo<br />

num isolamento gelidamente<br />

chato? Muitas questões e reflexões<br />

a serem feitas. Mas paro por<br />

aqui. O texto já vai longo e nada<br />

mais chato do que ler resenhas<br />

enormes, quase em disputa com<br />

o próprio livro. Um último registro:<br />

quem quiser passar algumas<br />

horas não-chatas, que leia esse<br />

belo livrinho de Guilherme<br />

Figueiredo. Ele é infinitamente<br />

menos chato do que essa longa<br />

resenha de mais um desses resenhistas-que-acham-que-sabemdo-que-falam.<br />

LANÇAMENTO<br />

artigo<br />

Alelos Esmeraldinus é o novo livro<br />

do poeta e escritor João<br />

Bosco Rolim Esmeraldo. A obra<br />

foi compilada em 43 estilos literários<br />

acompanhados de teoria<br />

e exemplificados, com mais de<br />

200 poemas. Traz 68 Simplismos<br />

Sapientes, que são aforismos de<br />

sabedoria retirados da linguagem<br />

coloquial ou costumes do<br />

quotidiano popular. O livro tem<br />

como público-alvo, adolescentes<br />

e adultos, em especial estudantes,<br />

por se tratar de leitura<br />

com didática aplicada.<br />

Vendas direto com o Autor, pelo<br />

e-mail:<br />

odlaremsem@gmail.com<br />

- 31 -<br />

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poesia<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

Liberdade<br />

do poeta<br />

Varenka de Fátima Araújo<br />

Salvador, BA, Brasil<br />

@: venkadefatima@hotmail.com<br />

Ó tu liberdade<br />

Os abutres, horripilantes lobos<br />

Levaram para outros ares<br />

No meu canto, inspira cheiro de bifes<br />

Entrando neles cortes<br />

com palavras em escarlates<br />

Vem à modesta morada do<br />

poeta que expelem letras<br />

Galgam por seus esforços<br />

por todos os cantos<br />

Com festivais de trovas,<br />

poesias, poemas, sonetos<br />

Maleáveis com firmeza em reflexões,<br />

prosa ou versos<br />

Eles habitam na divindade, merecedores<br />

Haja paz, haja alegria, haja harmonia<br />

Como o poeta das flores com vigor<br />

Com garbo primor, serão eternos<br />

No álbum do vate, um livro com liberdade.<br />

Suícidio<br />

Dina Alenquer<br />

Vila Franca de Xira, Portugal<br />

@: dina.alenquer@gmail.com<br />

Alma; olhos de ver<br />

Vibratório elemento de um constante pensamento<br />

Aparentemente redundante<br />

Pontos de entendimento<br />

Ligações profundas<br />

Ambientes truncados<br />

Complementos directos e abreviados<br />

Concisos e concretos<br />

Directos à alma e a Deus.<br />

O que te parece?<br />

Ensaios de futuro<br />

Notícias de passado que já se conhece<br />

Recursos não materiais, por exemplo,<br />

génios musicais.<br />

Bandas de música que dão afinadas orquestras<br />

Movimentos harmónicos de sons<br />

têm os seus maestros.<br />

Esta é a chave do teu futuro.<br />

Ciência em tudo que é mundo.<br />

Padecimentos rasteiram o pensamento<br />

Nada é superior a este sentimento.<br />

Só Deus. Depois, caem a barreiras<br />

Mesmo as artificiais<br />

Sobram as mágoas para o derradeiro fim.<br />

Tão forte e tão verdadeiro que,<br />

De verdade nada se sabe.<br />

Vive de ser aquilo que quer<br />

Contém a sua própria razão<br />

A sua discussão é toda uma vida.<br />

Efémero estatuto de estar neste mundo.<br />

Sentimentos agrupam-se em classes diferentes<br />

Todos são do mesmo modo,<br />

não obstante o que se sente.<br />

Um claro epíteto de vida de conteúdo escasso por ser<br />

escasso.<br />

Palavras de circunstância revêm a sua evidência.<br />

Nada a dizer.<br />

Falsos,<br />

Falsos, mas verdadeiramente falsos,<br />

Poéticas fantasias.<br />

Palavras sem mais conteúdo, é tudo o que resta no<br />

fim.<br />

Tudo foi!<br />

Nada vale<br />

Nada é nada.<br />

E o agora é agora!<br />

Universal campanha<br />

Comprovadamente verdade,<br />

O agora é agora.<br />

Por mais que se conheça ou não conheça o mundo, o<br />

agora é agora.<br />

Não penses que os castelos sempre existiram.<br />

Sonhos que foram de outros<br />

São hoje ruínas e motivos de sonhos de amanhã.<br />

A cidade pode ser um castelo<br />

Mesmo sem pedras, e sem torres de vigia.<br />

Castelos que acalentam sonhos,<br />

E todos somos um castelo que<br />

anda pelas cidades que queremos.<br />

Idiossincraticamente somos<br />

castelos em todos os lugares.<br />

A revolução é sermos castelos,<br />

sem muros e sem pedras.<br />

Suspensos apenas pelos anjos ou míticos anjos.<br />

Deus! Com tudo Deus!<br />

Sem Deus. Deus!<br />

E o resto é silêncio.<br />

(Inspirado no romance “E o Resto é Silêncio”, de Érico Veríssimo)<br />

- 32 -<br />

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<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

poesia<br />

Oração pelo<br />

menino Jesus<br />

Lúcia Morais<br />

Luanda, Angola<br />

@: luciamorais89@hotmail.com<br />

Querido Deus....<br />

A mamã disse que nesse natal<br />

Seu filho Jesus vai nascer<br />

E nós vamos fazer uma ceia real<br />

Fico triste porque esse mundo está tão mal<br />

Mas os adultos parecem que não querem ver<br />

Vivem um dia após o outro e tudo é normal<br />

Tenho uma dúvida Senhor, onde ele vai viver?<br />

É minha preocupação e do resto das crianças<br />

Achamos que ele merece um mundo melhor<br />

Sabes como o vão receber?<br />

Pelo mundo terá muitas festanças<br />

Mas na verdade o que ele precisa é amor<br />

Neste mundo seu filho vai sofrer tanto<br />

E se ele se tornar amargo, deixar de ser santo?<br />

Santa Maria por favor o proteja em seu manto<br />

O papai disse para não me preocupar<br />

Porque na verdade Jesus vai nascer<br />

em cada coração<br />

O que só triplica a minha preocupação<br />

Os corações hoje são impuros e<br />

incapazes de amar...<br />

Se o Papai do Céu tocar seus corações,<br />

eles podem mudar<br />

Eu sei que observa e olha por nós<br />

numa grande televisão<br />

Mas está na hora de se envolver mais,<br />

livre arbítrio é pura ilusão<br />

Não sei bem o que significa,<br />

mas só tenho em ti para confiar...<br />

Amém...<br />

Mercado<br />

revelado<br />

Evelyn Renard da Silva Nunes<br />

Aracaju, SE, Brasil<br />

@: vinha_as@yahoo.com.br<br />

Chovia, chovia sem parar<br />

Em meio aquelas ladeiras<br />

Crianças....<br />

Crianças que subiam e desciam<br />

Roupas molhadas, cabelos encharcados<br />

Em seus rostos a imagem da subsistência<br />

Em meio à multidão, um carrinho<br />

de mão os identificavam<br />

Um, dois, três, quatro....<br />

Pensava, como aborda-los em<br />

meio aos seus rápidos passos,<br />

em buscas de um trocado?<br />

E assim, as horas se passaram, uma pequena<br />

caderneta, uma caneta, e rabiscos<br />

de umas histórias de vidas.<br />

Sai do mercado, com uma certeza,<br />

que já não seria mais a mesma!<br />

ECA, trabalho insalubre, Direito,<br />

o que falta de fato para resolver esse dilema?<br />

Negação<br />

Aliel Selet<br />

Aracaju, SE, Brasil<br />

@: aliel_teles@hotmail.com<br />

Da vaidade ao desinvestimento<br />

Das convicções o achismo<br />

Motricidade e psique a ruir...<br />

Desejos obnubilados e<br />

Motivação estática ressonam<br />

Dor de não vida pulsante<br />

Angústia atroz reverbera<br />

Cientificismo trafega<br />

No mar amargo de conjecturas.<br />

- 33 -<br />

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poesia<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

Espelho<br />

de Cristal<br />

Leunira Batista Santos Sousa<br />

Nossa Senhora da Glória, SE, Brasil<br />

@: leunira.batista@hotmail.com<br />

Sonho de cristal sobrepuja estrela<br />

Com face transparente na rocha do tempo<br />

Mar cristalino revolto em versos<br />

Cruza oceanos em embarcação bela.<br />

http://www.hotelpresidenteluanda.com/|<br />

Mineral que a essência cintila<br />

Explode em ondas sonoras<br />

A nitidez do rio que o homem navega<br />

Coberto com o véu que a natureza carrega.<br />

Oriunda taça da felicidade<br />

Que pousa no céu azul<br />

O mundo em cartão postal<br />

No anverso e reverso reflete o cristal.<br />

Sussurros<br />

da noite<br />

Samuel Pedral<br />

Nossa Senhora da Glória, SE, Brasil<br />

@: samuelpd1@hotmail.com<br />

Mil e uma estrelas e uma lua<br />

Acoita os mistérios<br />

E desperta os errantes<br />

Intervalo permissivo<br />

Entre o crepúsculo e a alvorada,<br />

O repouso do dia!<br />

Insônia e deleite<br />

Ingratidão e refúgio<br />

Êxtase...<br />

Para os lunáticos<br />

Para os astrônomos<br />

Para as prostitutas<br />

E para os poetas.<br />

O gênio<br />

incompreendido<br />

Kamba Kabeto<br />

Luanda, Angola<br />

@: alberto.kabeto@gmail.com<br />

Vivo fora do espaço, do tempo<br />

Eu e mais eu, de mãos dadas com o vento<br />

Ora deito lágrimas, ora solto gargalhos<br />

Amo estar no serviço, odeio fazer trabalhos<br />

Pensamentos deixam a cabeça pesada<br />

Na minha boca mora uma<br />

multidão de palavras<br />

Quero livrar-me delas, não pagam renda<br />

Saem quando querem,<br />

desobedecem a minha regra<br />

Estou embriagado de raiva, farto com o fardo<br />

Cansado de andar na estrada<br />

que me leva ao nada<br />

Amo a vida, mas a morte me deixa excitado<br />

Sou eu o palhaço deste circo,<br />

por favor, dêm risadas!<br />

Elas me acham esquisito,<br />

eles dizem que sou demente<br />

O mundo detesta gente diferente<br />

Tudo bem, alegrem-se,<br />

festejem quando eu partir<br />

Porém saibam, eu jamais desejei ficar aqui.<br />

- 34 -<br />

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<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

poesia<br />

Do alto<br />

(para Manoel de Barros)<br />

Elias Borges<br />

Campo Grande, MS, Brasil<br />

@: elias_borgess@hotmail.com<br />

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Seu canto<br />

conjuga<br />

verbos inexistentes.<br />

Pacifica arcaísmos,<br />

neologismos...<br />

Entende<br />

na soma<br />

do que escreve<br />

desafio constante:<br />

viver no alto do mastro.<br />

Seu passo,<br />

a um instante<br />

de quem sempre<br />

se arrisca.<br />

Se errar,<br />

não há rede<br />

para o descuido.<br />

Ninguém com<br />

quem reclamar.<br />

- 35 -<br />

Duas<br />

lágrimas<br />

Derramei duas lágrimas.<br />

Duas lágrimas derramei.<br />

Cheguei procurando...<br />

Não vi você!<br />

Ana Almeida Zaher<br />

Araçatuba, SP, Brasil<br />

@: hoane10@hotmail.com<br />

Derramei duas lágrimas.<br />

Duas lágrimas derramei<br />

Meus olhos percorreram...<br />

A multidão, em vão.<br />

Derramei duas lágrimas<br />

Duas lágrimas derramei<br />

Assistindo a uma peça de teatro<br />

Que retratava uma história de amor.<br />

Derramei duas lágrimas<br />

Lembrei-me do quanto estou feliz!<br />

Vivenciei naquele palco<br />

Nossa realidade!<br />

Apaixonados!<br />

Derramei duas lágrimas<br />

Todos choraram<br />

Duas lágrimas derramei<br />

Uma de emoção<br />

Outra... Saudade de você.<br />

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http://homemdepalavra.com.br


artigo<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

Tutela Penal:<br />

uma necessidade contra o crime de<br />

biopirataria no Brasil<br />

Bianca Marafiga<br />

Dourados, MS, Brasil<br />

@: biancamarafiga@hotmail.com<br />

A biopirataria conceitua-se da apropriação<br />

não autorizada do patrimônio genético de uma região.<br />

Podendo englobar a exploração e o comercio<br />

ilegal de madeira, tráfico de animais e plantas silvestres.<br />

Um problema que assola os países biodiversos,<br />

inclusive o Brasil, que possui uma das maiores biodiversidades<br />

mundiais e populações tradicionais<br />

(indígenas e ribeirinhos) detentores de diversos conhecimentos<br />

tradicionais que aliados à biodiversidade<br />

atraem o interesse de nações desenvolvidas.<br />

Embora a biopirataria seja uma prática decorrente<br />

desde a época colonial, foi a partir das últimas<br />

décadas que o tema vem alavancando discussões<br />

de cunho socioambientais mais significativos.<br />

Principalmente devido à evolução da biotecnologia<br />

e com isso a acessibilidade de registros relacionados<br />

às marcas e patentes de âmbito internacionais.<br />

Desde os primórdios identifica-se que essa<br />

prática ilegal no Brasil está intimamente relacionada<br />

à fauna e/ou a flora. Como exemplo a extração<br />

do pau Brasil e o contrabando de sementes desde a<br />

época da colonização. Citaremos alguns dos principais<br />

casos de biopirataria no Brasil:<br />

I Exploração do Látex<br />

Caso extremamente notório de exploração<br />

da biodiversidade, foi a extração do látex da seringueira,<br />

Hevea brasiliensi, e o contrabando de aproximadamente<br />

70 mil sementes da espécie, que foram<br />

enviadas para a Inglaterra pelo inglês Henry<br />

Wickma – “pai” da Biopirataria. Tal atividade fez<br />

com que as colônias inglesas tornassem-se as maiores<br />

produtoras de látex do mundo no início do século<br />

passado. Este caso não foi considerado como roubo,<br />

pois o “naturalista” obteve autorização legal do<br />

governo brasileiro para exportar as sementes.<br />

II Exploração da Espinheira Santa<br />

A Espinheira Santa é nativa da América do<br />

Sul, e no Brasil, pode ser encontrada entre os estados<br />

de Minas Gerais e Rio Grande do Sul. A planta<br />

foi matéria de vários estudos científicos, sendo muito<br />

conhecida na medicina popular brasileira por<br />

seu caráter terapêutico. Principalmente no que diz<br />

respeito aos males do aparelho digestivo, tal como a<br />

úlcera, e pode ser utilizada também como remédio<br />

antitumoral.<br />

Os benefícios da Espinheira Santa foram<br />

apontados a partir de uma pesquisa realizada na<br />

Faculdade de Medicina do Paraná, onde o professor<br />

Aluízio França obteve êxito no tratamento da úlcera.<br />

A UNIFESP (Universidade Federal de São<br />

Paulo) buscou deixar mais restrita a pesquisa sobre<br />

a erva, comandada pelo professor Elisaldo Carlini,<br />

desde 1980. Entretanto, no ano de 1977, a partir de<br />

dados publicados pela CEME (Central de<br />

Medicamentos), do Ministério da Saúde, no “Journal<br />

of Ethnopharmacology”, provocou interesse<br />

em uma indústria japonesa, Nippon Mektron, que<br />

patenteou o produto, antecipando-se assim da<br />

Universidade, que só entrou com solicitação de patenteamento<br />

em 1999. (UNIVERSIA, 2003).<br />

III Exploração Cupuaçu<br />

O cupuaçu é uma árvore que está na mesma<br />

família do Cacau, podendo medir até 20 metros de<br />

altura. Na Amazônia, a fruta foi uma fonte primária<br />

de sustento para os povos indígenas e animais. O<br />

Cupuaçu tornou-se conhecido por sua polpa cremosa<br />

e de sabor exótico, usada em todo Brasil para<br />

fazer sucos, geleias, tortas e sorvete. A exploração<br />

do Cupuaçu pode ser considerada a mais popular<br />

sobre a biopirataria. Foi registrada pela empresa japonesa<br />

Asahi Foods, na qual houve o registro da<br />

marca cupuaçu, e também solicitação para patentear<br />

os processos que envolviam a fabricação do chocolate,<br />

a partir do cupuaçu, denominado “cupulate”.<br />

Tal procedimento não considerou que o processo<br />

de fabricação já havia sido solicitado pela<br />

Embrapa, junto ao INPI, em 1996, desconsiderando<br />

totalmente o fato do uso tradicional pelos povos<br />

da Amazônia. (DURAN, 2011).<br />

- 36 -<br />

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<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

A Jararaca (Bothrops jararaca) A jararaca é<br />

muito comumente encontrada no sudeste do<br />

Brasil, ocupando territórios de planícies e florestas<br />

e nutrindo-se de pequenos roedores. O veneno desta<br />

jararaca é consideravelmente esfacelador e coagulante,<br />

porém um pesquisador brasileiro, chamado<br />

Sérgio Ferreira, professor da faculdade de medicina<br />

de Ribeirão Preto, encontrou nele uma substância<br />

para moderar a hipertensão, o Captopril. Porém, o<br />

professor não possuía recursos suficientes para desenvolver<br />

a pesquisa, sendo assim, aceitou então receber<br />

ajuda do laboratório Bristol-Myers Squibb,<br />

nos Estados Unidos, que registrou a substância contrapressão<br />

alta antes do brasileiro (autor da descoberta),<br />

gerando um lucro aproximado de US$ 2,5<br />

bilhões de dólares ao laboratório, obrigando assim,<br />

com que o Brasil pague royaltes à empresa caso queira<br />

usufruir da substância. (GEACE, 2010).<br />

A biopirataria pode ocorrer das mais diversas<br />

formas, como por exemplo, através de pesquisadores<br />

disfarçados de turistas, estudantes, falsos missionários<br />

ou ONGs de fachada. O “trabalho” tornase<br />

ainda mais facilitado, pois estamos na era da biotecnologia,<br />

na qual tudo o que se precisa para reproduzir<br />

uma espécie, são algumas<br />

Células. Estas por sua vez, podem ser facilmente<br />

ser levadas e dificilmente detectadas, por mecanismos<br />

de vigilância e segurança.<br />

Observando as riquezas existentes em nossos<br />

biomas, pode-se perceber os inúmeros motivos<br />

de nosso país ser tão atrativo para os países desenvolvidos.<br />

Uma vez que estes possuem condições, de<br />

recursos e incentivos para desenvolver novas tecnologias,<br />

vende-las e patenteá-las, corroborando a<br />

apropriação privada da nossa biodiversidade.<br />

Infelizmente o Código Penal Brasileiro,<br />

nem a legislação penal que trata de crimes ambientais<br />

abordam essa questão específica, na qual não tipifica<br />

a biopirataria como crime. A Lei nº 9.605 de<br />

12 de fevereiro de 1998, em seu art. 25, trata de crimes<br />

ambientais, porém a biopirataria não é considerada<br />

um crime ambiental. Vale ressaltar que havia<br />

um projeto no Congresso Nacional para a inserção<br />

da biopirataria como crime nesta mesma lei, na<br />

qual foi vetado.<br />

Neste sentido, a proteção da Biodiversidade<br />

é emergencial tendo em vista informes no sentido<br />

de que a quase totalidade de investimentos na indústria<br />

farmacêutica concentra-se em poucos países<br />

detentores de capitais, infraestrutura e com matéria-prima<br />

formada predominantemente por recurartigo<br />

IV Exploração da Fauna<br />

sos genéticos obtidos no Brasil.<br />

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e<br />

dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) é legalmente<br />

responsável pela gestão do uso de quaisquer<br />

espécies com viabilidade econômica. Porém no que<br />

tange à Biopirataria, foi criada no IBAMA a<br />

Divisão de Controle da Fiscalização e Acesso ao<br />

Patrimônio Genético, na qual pretende-se que o desenvolvimento<br />

biotecnológico seja revertido em<br />

prol das populações tradicionais e indígenas, bem<br />

como, programas de incentivo ao combate da<br />

Biopirataria. Por outro lado, a Divisão de<br />

Propriedade Intelectual no Ministério das Relações<br />

Exteriores, atuante diretamente junto aos demais<br />

governos e empresas que patentearam produtos e<br />

contratam advogados numa tentativa de repatriar<br />

esses direitos. Destaca-se também o trabalho do<br />

Conselho Nacional de Desenvolvimento<br />

Científico e Tecnológico (CNPq) que em hipótese<br />

de envio de material para o exterior, impõe aos dirigentes<br />

das instituições brasileiras e estrangeiras firmarem<br />

“Termo de Compromisso: Exclusividade e<br />

Patente”, na qual compromete-se a utilização das<br />

amostras exclusivamente com finalidade de estudo.<br />

Portanto se a consultoria científica do CNPq considerar<br />

que a pesquisa impulsionará posterior bioprospecção,<br />

o projeto será enviado ao Conselho de<br />

Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) para a obtenção<br />

da respectiva autorização.<br />

Mesmo diante destas medidas preventivas citadas<br />

acima, as previdências, ainda são insuficientes<br />

e interessa apontar, todavia, a resistência dos países<br />

mais desenvolvidos.<br />

Pelas entrelinhas da obscuridade, podemos<br />

enxergar a biopirataria como uma “nova colonização”<br />

dos países desenvolvidos. Isto porque o Brasil<br />

ainda sofre com a carência de fiscalização, falta de<br />

conhecimento sobre a biodiversidade, a pouca<br />

quantidade de pesquisadores na área e ausência de<br />

investimentos em ciência e tecnologia, quando comparada<br />

aos países desenvolvidos.<br />

Face a essa problemática que assola nosso país,<br />

destaca-se a necessidade de tutela jurídica sobre o<br />

crime de biopirataria, pois sem ela haverá diretamente<br />

e/ou indiretamente a violação de outros direitos.<br />

Sendo assim, tutelar o meio ambiente é não somente<br />

garantir a qualidade de vida em nosso planeta,<br />

mas garantir minimamente a justiça diante de<br />

nossas descobertas científicas e os nossos direitos<br />

sobre as mesmas.<br />

* Bióloga<br />

Especialista em <strong>Ed</strong>ucação e Gestão Ambiental<br />

Mestre em Biologia Geral/Bioprospecção<br />

- 37 -<br />

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artigo<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

http://www.newstatesman.com<br />

A mulher e a<br />

Psicanálise<br />

Wildicleia de Oliveira Santos Lopes<br />

Arapiraca, AL, Brasil<br />

@: wildioliveiralopes@hotmail.com<br />

A luta da mulher é algo muito recorrente.<br />

Parece que grita, fala e que nem sente! Mas<br />

que dor sai das entranhas e de um ventre que<br />

não quer gerar e que é obrigado a se calar para o<br />

Outro não lhe estranhar! Ou que quer viver em<br />

casa cuidando dos filhos, mas uma nova modalidade<br />

lhe diz que está ultrapassada, e que agora<br />

ela deve é ser cuidada. Que decide sair para trabalhar<br />

e ganhar muito mais, mas o homem não<br />

vai admitir ficar atrás! Que desde a infância passa<br />

por uma grande inconstância: “Será que é<br />

por aqui ou é por lá? A quem devo me endereçar?<br />

É preciso correr para alcançar a aprovação<br />

daquele que vai me completar, ele não pode me<br />

abandonar!”. É nesse trajeto que ela tende a caminhar.<br />

Quanta angustia vive na mente da mulher!<br />

Será que ela fala como uma tagarela porque<br />

ela quer? Será que aquele olhar que lhe prometia<br />

o mar, fez com que mergulhasse a ponto<br />

de naufragar? Criatura incompleta, sujeito da<br />

falta. A incompletude é tão angustiante que lhe<br />

maltrata. É preciso tamponar esse vazio, e quando<br />

alguém lhe provoca um arrepio parece que o<br />

problema está solucionado, o coração que pouco<br />

batia agora está acelerado. É o amor! Que em<br />

suas mais variadas vertentes lhe faz flutuar e<br />

achar que esqueceu tudo que tinha em mente.<br />

Até que o vazio lhe toma novamente. Tristeza,<br />

saudade, alegria.... Que sujeito para mudar de<br />

melodia!<br />

É complicado esse lugar! Quando será<br />

que ela vai se encontrar? Muitas vezes parece<br />

que as coisas lhe são impostas e que tem que acatar,<br />

como um acaso que faz sua vida definhar.<br />

Talvez ela precise deitar e fazer o que ela bem sabe<br />

que é falar! Falar suas inconstâncias, seus medos<br />

e devaneios. Dar as costas para a ideia de<br />

uma sociedade que apenas lhe coloca freios.<br />

Mas, ela pode deitar em qualquer lugar? Não,<br />

não! Ela precisa escolher um lugar especial,<br />

uma atitude talvez bem radical. Na verdade, pode<br />

até se sentir mal, mas com o tempo a coisa pode<br />

melhorar. Nada certo, porque garantia não<br />

há.<br />

Quem sabe ela tenha que conhecer algo<br />

apresentado há muitos anos atrás, Freud nessa<br />

descoberta foi bem perspicaz! Apresentou um<br />

caminho para o curioso inconsciente, foi a psicanálise<br />

que apresentou grandiosamente.<br />

Como uma pedra capaz de arrebentar corrente.<br />

Mas é preciso ter coragem para encarar o impacto<br />

que essa pedra vai se lançar. Não se sabe quantos<br />

estilhaços irão se espalhar. Coragem é preciso,<br />

não tem como negar, porque o trajeto é sinuoso<br />

e isso ela vai ter que encarar. Mas um ser que<br />

tem em sua história marcas de lutas e vitórias<br />

não vai se deixar amarelar. Ela é capaz de enfrentar<br />

o caminho do desconhecido! Porque por mais<br />

que ela não tenha percebido, muito mais doído<br />

que vasculhar um terreno na busca de se encontrar,<br />

é permanecer estagnado sem coragem<br />

de encarar o desejo enterrado naquele terreno<br />

que parecia estar abandonado.<br />

Psicóloga Clínica e Consultora Organizacional;<br />

Pós-Graduada em Clínica Psicanalítica.<br />

- 38 -<br />

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<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

poesia<br />

Bring me the<br />

disco king<br />

Tim Soares<br />

Florianópolis, SC, Brasil<br />

@: tim_aloha@terra.com.br<br />

Então eu danço.<br />

Danço essa balada mambembe.<br />

Danço com as ninfas,<br />

com os ladrões e mentirosos.<br />

Danço com os livres<br />

e loucos<br />

ao som do Rei do Disco<br />

Danço essa sinfonia capenga<br />

em dó sustenido.<br />

Danço sob o manto escuro<br />

da noite e sobre o chão<br />

de um espelunca qualquer em Calexico.<br />

Danço abastecido com o sagrado combustível<br />

do transe.<br />

Danço com a paixão,<br />

com o medo<br />

e principalmente com a morte,<br />

pois de frente com esta<br />

todo mundo dança.<br />

https://i.ytimg.com/vi/OVocswmCDf4/maxresdefault.jpg<br />

Âmago (...)<br />

Ausente de mim,<br />

Confinado no silêncio interior,<br />

O que sobrou de nós amor!?<br />

Se não a dor, um vazio sem fim...<br />

Imagem caída,<br />

Reflexo quebrado,<br />

Sonho não acordado(...)<br />

Merlin Magiko<br />

Luanda, Angola<br />

@: sneeze84@yahoo.com.br<br />

Ainda sinto...<br />

Meu corpo vestido com o teu suor,<br />

A sede de beber-te louca(mente),<br />

Até ao brotar da flor(...)<br />

Mas o silêncio calou-nos em nós,<br />

Nos escombros da saudade,<br />

Mas ainda ouço a voz...<br />

A ilusão que não se cala por maldade,<br />

O ego mutila quem somos,<br />

Questiono-me, quem fomos...!?<br />

Suscitam os nossos gemidos<br />

Ecoam na minha alma,<br />

A essência de lapidar-te<br />

A tua ausência silencia-me<br />

A saudade vicia-me,<br />

Afoga-me no oceano dos sentimentos,<br />

De(pressivo) dessa paixão com lamentos(...)<br />

Inacabadas ilusões que surgem...<br />

No âmago...<br />

Ainda te ouço,<br />

Quando te busco em consolo (...)<br />

O Homem que Viu o Infinito - Filme 2015: uma verdadeira<br />

história de amizade que mudou a matemática<br />

para sempre. Em 1913, Ramanujan, um gênio da<br />

matemática autodidata da Índia viaja para a o<br />

Colégio Trinity, na Universidade de Cambridge, onde<br />

ele se aproxima do seu mentor, o excêntrico professor<br />

GH Hardy, e luta para mostrar ao mundo sua mente<br />

brilhante.<br />

AdoroCinema<br />

saudades...<br />

Morreu Leonard Cohen em 10/11/2016.<br />

Morreu Ferreira Gullar em 04/12/2016.<br />

Morreu Debbie Reynolds em 28/12/2016.<br />

- 39 -<br />

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artigo<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

http://cdn.camstar.industrysoftware.automation.siemens.com<br />

Se a virtualidade é máscara,<br />

o que mascara?<br />

Maria Teresa Marins Freire<br />

Curitiba, PR, Brasil<br />

@: freire.mteresa@gmail.com<br />

Pergunto-me se as pessoas utilizam a internet<br />

para ser o que não são. Alguém pode ser o que<br />

quiser, na virtualidade. E no anonimato, forja-se o<br />

interesse, falsifica-se as palavras, promete-se no vazio.<br />

A irrealidade é comprovada. Neste anonimato<br />

vale tudo. Vale esconder a verdadeira personalidade.<br />

Encobre-se vergonha, medo, falsidade, divertimento,<br />

desconsideração, desrespeito humano.<br />

Mas existe convivência virtual produtiva, festiva,<br />

inteligente, eficiente, consciente, resistente?<br />

Que cultua literatura, arte, intelecto, produções e<br />

ações? Que espaço é este, afinal, que nos prepara ciladas,<br />

que nos traz mensagens alvissareiras, que nos<br />

informa realisticamente, que nos dá notícias daqueles<br />

que estão ausentes, que nos faz sonhar, que nos<br />

deixa ler poesias, prosas de distantes autores, que<br />

nos permite mimar, dialogar, amar.<br />

Mais alguma coisa? Cada um pode me dizer<br />

isso.<br />

Deparo-me com várias dessas situações frequentemente.<br />

A virtualidade vira espaço de convivência<br />

diária, relatam alguns. De envio de mensagens<br />

de bom dia, boa tarde, boa noite, carinhosas,<br />

amorosas, confessam outros. Ainda envergonhados,<br />

revelam que ficam radiantes quando chegam<br />

as frases. Prontas, já criadas, repetidas, desgastadas,<br />

despropositadas, mecanizadas. Nem expressam sentimentos<br />

reais.<br />

A convivência virtual alcança um nível de intimidade<br />

que às vezes não se realiza na presencialidade.<br />

Cria a expectativa do contato. A ansiedade<br />

prazerosa do som que anuncia a mensagem chegando.<br />

A troca de opiniões, pensamentos, visões de vida<br />

e futuro. O câmbio de sentimentos, de carências,<br />

de companhia, de beijos e abraços sentidos, mas<br />

não realizados. A conversa à vontade transforma o<br />

contato em diálogo de companheiros, de amigos. À<br />

vontade? Talvez porque seja na virtualidade. Este ‘es-<br />

tar à vontade’ se repetiria na presencialidade?<br />

E as conversas se estendem. Adensam-se. Os<br />

galanteios se oficializam. As brincadeiras alegram a<br />

conversa. Os trocadilhos dão uma pitada de graça.<br />

A sensualidade permeia as palavras, os textos pequenos,<br />

as imagens. A vista alcança o outro na tela<br />

do computador, na telinha do celular. Onde quer<br />

que esteja. E olhares se cruzam, mediados pelos aparelhos.<br />

E a pergunta surge: até que ponto a virtualidade<br />

substitui o contato pessoal? Muitos diriam<br />

que isto é impossível. Outros diriam que pode ser<br />

um complemento. Eu, anteriormente diria que não<br />

é o tipo de relacionamento ideal e que o contato virtual<br />

é para conversas eventuais, para substituir o<br />

contato telefônico, mas que não é base para manter<br />

um relacionamento, porque carece do afeto real, do<br />

sentimento percebido com os cinco sentidos, da<br />

presença.<br />

Hoje, eu diria diferente. Aliás, eu digo que o<br />

interesse de uma pessoa por outra também pode se<br />

sustentar com a virtualidade. Serve para tornar presente<br />

o que é distante. Quando há interesse verdadeiro<br />

não importa a distância. Alguns casos reais<br />

que ouvimos, que ficamos sabendo comprovam<br />

que o distanciamento pode ser físico, mas não afetivo.<br />

É o suficiente? Não, não acredito. Eu creio que<br />

precisa haver o contato físico, o olho no olho, as<br />

mãos dadas, o aconchego dos braços ao redor, o rir<br />

junto, o passear, o conversar em torno de uma mesa,<br />

o trocar ideias porque observaram algo juntos.<br />

Que não precisa ser todo dia. Mas que tenha presencialidade.<br />

Quanto tempo? Importa? Um dia, dois<br />

ou três dias. Não é a quantidade que define a qualidade.<br />

É a intensidade.<br />

Na virtualidade vale tudo, dizem muitos. A<br />

palavra mansa que acaricia, que aprecia, que elogia,<br />

que encanta, que cativa. Mas, que não tem este re-<br />

- 40 -<br />

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<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

poesia<br />

flexo na realidade. Pode ser falsa, para distração, para<br />

galanteios ilusórios. Pode ser a projeção de algo<br />

que gostaria que fosse, mas que não pode ser porque<br />

as circunstâncias da vida, às vezes, não permitem.<br />

Pode ser verdadeira? E como comprovar se é<br />

verdadeira, se a distância os separa? No encontro<br />

pessoal? Então eu teria razão? O tempo de contato<br />

nos diria sobre a honestidade? A conversa de pouco<br />

tempo, de muito tempo, faria diferença? Lá do outro<br />

lado cada um faz o que quer, nem precisa contar<br />

ao outro. Lá do outro lado, pode ser rei ou mendigo.<br />

Se a virtualidade é máscara, o que mascara?<br />

A vontade de ser aquilo que não consegue ser, de fazer<br />

algo que se sente incapaz na realidade, de dizer<br />

algo que falta coragem dizer pessoalmente, de opinar<br />

por medo da reação, de discordar porque não<br />

tem coragem de fazê-lo ao vivo, de defender o que<br />

não consegue na frente de outros, de se expor, de se<br />

arriscar na vida real? Por que é cômodo? É possível<br />

fazer o contato quando se quer, quando se pode,<br />

quando outra atividade ou pessoa mais importante<br />

não lhe requer atenção. Quando está só e precisa de<br />

alguém para companhia. Quando não tem nenhum<br />

compromisso com a pessoa do outro lado do<br />

aparelho. Não importa se ela está bem ou não. Se está<br />

feliz ou não. Também dividem situações de vida.<br />

Alguns o fazem. Alguns são sinceros. Alguns verdadeiramente<br />

se sentem atraídos pela imagem, pela<br />

conversa, pela inteligência, sensibilidade, pela atitude,<br />

pelo jeito. Demonstrados, vislumbrados, caprichados,<br />

esperados.<br />

Então, a virtualidade surgiu para esconder o<br />

que não se quer que o outro conheça? Para esconder<br />

o que não se quer que o outro saiba? Entenda?<br />

Acompanhe? Goste? Surgiu para facilitar os relacionamentos?<br />

Para propiciar um vínculo ideal quando<br />

a realidade não o é? Para iludir? Para enganar? Por<br />

pura distração? Há alguma sinceridade neste contato<br />

virtual? Tão popular e irregular, tão atraente e insistente,<br />

às vezes permanente, nem sempre coincidente,<br />

mas por todos conivente.<br />

Para aproximar? Ah! Quantos encontros realizados,<br />

quantas descobertas, quantas amizades,<br />

amores... Ah! Quantos amores nascem nesta virtualidade.<br />

Ah! Quantos desencontros acontecem nesta<br />

virtualidade! Quantos desamores se dissipam nesta<br />

virtualidade!<br />

Mas, afinal outra questão surge: vale a pena<br />

a virtualidade? E você vai responder de acordo com<br />

o que ela lhe presenteia? Ou você será analítico, racional,<br />

objetivo e prático na sua resposta? Ou você poderá<br />

responder... Como você poderá responder?<br />

Nós, só nós<br />

Pamela Lima<br />

Itupeva, SP, Brasil<br />

@: pamelaap.lima@gmail.com<br />

Nós que não desatamos,<br />

Nós que nos enlaçamos.<br />

Nós que não sufocamos,<br />

Nós que nos enroscamos.<br />

Nós que nos atraímos,<br />

Nós que nos distraímos.<br />

Nós que nos prendíamos,<br />

Nós que nos pertencíamos.<br />

Nós que nos gostamos,<br />

Nós que nos cuidamos.<br />

Nós que nos apaixonamos,<br />

Nós que talvez, um dia, amamos.<br />

27/12 - Morreu aos 60 anos Carrie Fisher, a Princesa<br />

Leia de Star Wars, após um ataque cardíaco.<br />

https://daviddemar.files.wordpress.com<br />

- 41 -<br />

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crônica<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

A impactante obra do peruano<br />

https://a.1stdibscdn.com<br />

Emil Alzamora<br />

Por Rogério Fernandes Lemes<br />

O genial pós-moderno Emil Alzamora é<br />

natural da capital peruana, a cidade de Lima.<br />

Nasceu em 1975. Aos dois anos de idade a família<br />

muda-se para os Estados Unidos, Estado da<br />

Flórida.<br />

Em 1998, Alzamora forma-se como bacharel<br />

em Belas Artes. Sua paixão é a figura humana<br />

e suas inúmeras interpretações inesperadas<br />

representadas em suas esculturas surreais.<br />

A beleza de suas obras de arte está nas distorções<br />

da forma humana, ora alongada, ora distorcida<br />

em um intencional propósito de trazer à<br />

tona a situação emocional ou física da fragilidade<br />

humana ou, conforme sua assessoria de imprensa,<br />

simplesmente “para contar uma história”.<br />

Alzamora dialoga com o estético e o conceitual<br />

através de suas obras daí seu interesse<br />

obstinado pelas propriedades físicas de seus materiais<br />

somados à sua abordagem prática. Sua<br />

carreira tem início com esculturas no Hudson<br />

Valley de Nova York no ano de 1998.<br />

O artista dedica-se em tempo integral na<br />

criação de suas obras realizando exposições regulares<br />

nos Estados Unidos, na Europa e Ásia.<br />

Suas obras no edifício das Nações Unidas, no<br />

Museu de Arte de Queens, no Centro de Arte<br />

Contemporânea do Vale de Hudson e no<br />

Museu de Arte Bíblica em Dallas.<br />

Não há dúvidas sobre a monumental contribuição<br />

de Emil Alzamora à cultural universal.<br />

http://www.marcstraus.com<br />

http://thisiscolossal.com<br />

- 42 -<br />

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artigo<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

Biografia de Aral Moreira, por Luiz Alfredo<br />

Marques Magalhães:<br />

A importância do registro da história dos moradores<br />

da região, para preservação de sua cultura<br />

Simone Possas Fontana<br />

Campo Grande, MS, Brasil<br />

@: simonepossasfontana1@gmail.com<br />

RESUMO<br />

O presente trabalho pretende efetuar a abordagem de<br />

uma das bases da literatura que é o registro histórico de<br />

uma sociedade, através da biografia. Conforme se depreende<br />

através da leitura, análise e estudo metódico do<br />

livro “Um Homem de Seu Tempo: Uma Biografia de<br />

Aral Moreira”, o assentamento histórico executado pelo<br />

pesquisador, fotógrafo, biógrafo e escritor Luiz<br />

Alfredo Marques Magalhães, ganhou substrato não apenas<br />

como base da literatura como era inicialmente esperado,<br />

mas também com um objetivo a ser alcançado e assim,<br />

mantido, de mostrar a importância de uma biografia<br />

para a identidade de um povo. Atualmente não mais<br />

se compreende a biografia apenas como uma base histórica,<br />

mas sim como um valor superior que deve ser considerado<br />

para aplicação e uso da literatura como instrumento<br />

de entretenimento, educação, instrução e aumento<br />

da intelectualidade. Pretende-se assim com a elaboração<br />

desse trabalho a compreensão da importância e<br />

do valor de uma biografia para a sociedade, bem como a<br />

distinção da utilização da mesma no campo da individualidade<br />

(leitura da biografia) e da coletividade (importância<br />

da identidade do povo da fronteira), com foco na<br />

literatura como um todo.<br />

Palavras-chave: Biografia. Registro histórico. Cultura.<br />

ABSTRACT<br />

The present work intends to make the approach of one<br />

of the foundations of literature is the historical record<br />

of a society through the biography. As it can be seen by<br />

reading, analysis and methodical study of the book "a<br />

man of his time: a biography of Aral Moreira", the historic<br />

settlement run by researcher, photographer, biographer<br />

and writer Luiz Alfredo Marques Magalhães, earned<br />

not only as the basis of substrate literature as was initially<br />

expected, but also with a goal to be achieved and<br />

thus kept, to show the importance of a biography for the<br />

identity of a people. Currently, it is no longer understood<br />

the biography only as a historical basis, but rather as<br />

a superior value that should be considered for application<br />

and use of literature as a means of entertainment,<br />

education, instruction and increasing of intellectuality.<br />

It is intended with the preparation of this work the<br />

understanding of the importance and value of a biography<br />

for the society, as well as the use of the same distinction<br />

in the field of individuality (read biography)<br />

and collective (importance of the identity of the people<br />

of the frontier), with a focus on literature as a whole.<br />

Key words: Biography. Historical record. Culture.<br />

INTRODUÇÃO<br />

Busca-se, com a elaboração deste trabalho, mostrar<br />

a importância e pertinência acadêmica e social de<br />

preservar a cultura de um povo, através do seu registro<br />

em livro. Essa é a ideia básica. A coleta de informações e<br />

o foco desta pesquisa estão delimitados no livro: “UM<br />

HOMEM DE SEU TEMPO – UMA BIOGRAFIA DE<br />

ARAL MOREIRA”, escrito por Luiz Alfredo Marques<br />

Magalhães. No contexto geral, o escritor descreve o cenário<br />

sociopolítico da região de fronteira entre o Brasil e<br />

Paraguai, mais especificamente entre as cidades de<br />

Ponta Porã-MS, no Brasil, e a cidade paraguaia Pedro<br />

Juan Caballero-PY.<br />

Através de textos, documentos e fotografias da<br />

época apresentados em sua forma original, sobretudo<br />

cartas e manuscritos, todos transcritos literalmente para<br />

não interferir na realidade, assim como através de<br />

conversas, muitas histórias, lembranças do passado e relatos<br />

de Eraldo Moreira (filho de Aral Moreira), o autor<br />

mostra o processo de colonização do Estado de Mato<br />

Grosso do Sul por volta do século 18.<br />

Quais as razões para analisarmos a importância<br />

da preservação da cultura de uma comunidade e quais<br />

as consequências que porventura surgirão com seu desprezo?<br />

Não há dúvida acerca da relevância do tema. Para<br />

essa compreensão facilmente se percebe que inúmeros<br />

escritores pretendem dizimar a ignorância, buscando garantir<br />

a perenidade e integridade de um povo, conhecendo<br />

seus personagens principais, seus problemas econômicos,<br />

sociais e políticos.<br />

A escolha deste tema se deve ao fato da forte e vigorosa<br />

preocupação da falta de registros históricos para<br />

preservação da cultura, mas esse temor é minimizado<br />

com a leitura do referido livro, onde fica evidente e indiscutível,<br />

o relato perfeito da história, sem omissões e<br />

lacunas, através da transcrição de episódios, eventos, fatos<br />

e informações ocorridos com seres atuantes na história<br />

de Ponta Porã-MS.<br />

- 43 -<br />

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<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

artigo<br />

PRESERVANDO A CULTURA<br />

Um conjunto de folhas de papel, impressas, encadernadas<br />

ou em brochura, organizadas em páginas,<br />

que servem de instrução, formam um livro e um conjunto<br />

desses livros, possuídos por um particular ou destinados<br />

à leitura pública constituem uma biblioteca. A<br />

literatura é o conjunto dessas obras literárias de um país<br />

ou de uma época, formada por escritos narrativos, históricos,<br />

críticos, de eloquência, de fantasia, de poesia, etc.<br />

A literatura é o meio utilizado para conservar, aumentar<br />

e utilizar a cultura. A cultura é a arte e o modo de cultivar<br />

a instrução, o saber, o estudo ou um trabalho intelectual,<br />

com apuro, perfeição e cuidado.<br />

Preserva a cultura, o escritor Luiz Alfredo<br />

Marques Magalhães, ao contar a vida de Aral Moreira,<br />

em sua biografia, narrando o comportamento, exaltando<br />

os feitos e os importantes personagens que marcaram<br />

a vida e as tradições da região de fronteira com o<br />

Paraguai, mais especificamente da cidade de Ponta<br />

Porã-MS, pós-guerra, enfocando os costumes, assim como<br />

o grande valor histórico na configuração do Estado<br />

de Mato Grosso, posteriormente, Mato Grosso do Sul.<br />

A ECONOMIA DA FRONTEIRA<br />

O país fronteiriço – Paraguai, antes da guerra, estava<br />

gerando condições básicas para a modernização do<br />

país, criando indústrias, abrindo estradas, além de lançar<br />

as bases do ensino superior. A economia da época<br />

foi assim descrita no livro Genocídio Americano: A<br />

Guerra do Paraguai (CHIAVENATO, 1988, p.31):<br />

[...] O Paraguai está numa ebulição de progresso. A produção<br />

aumenta (...) fumo, erva-mate, algodão, arroz, cana-de-açúcar<br />

e mandioca são abundantemente colhidos.<br />

(...) chega-se a colher a surpreendente soma de sete<br />

milhões de quilos de fumo; obtém dois milhões e meio<br />

de quilos de erva-mate e há um significativo rebanho de<br />

sete milhões de cabeças de gado bovino [...].<br />

Já o escritor Romildo Villanueva (2000, p. 150),<br />

no livro O Inferno Existe; Eu Estive Nele, descreve sobre<br />

a agricultura da região de fronteira:<br />

[...] A reforma agrária feita constitui basicamente na<br />

abertura de fronteiras para que, através de colonizadores,<br />

se produzisse a entrada de agricultores estrangeiros<br />

no Paraguai. (...) 350 mil brasileiros ingressaram no<br />

Paraguai, principalmente gaúchos, e mais de 50 mil de<br />

outras nacionalidades. (...) ficaram conhecidos como<br />

‘brasiguaios’ ao longo da faixa fronteiriça. (...) triplicaram<br />

a produção de soja e algodão que representava 60%<br />

da economia paraguaia [...].<br />

No livro Semblanza de La Antigua Punta Porã,<br />

Villanueva (2001, p. 49), nos relata que o desenvolvimento<br />

da região fronteiriça aconteceu no período do<br />

pós-guerra contra a Tríplice Aliança – 1865/1870, em<br />

função da exploração, produção e comercialização em<br />

larga escala da erva-mate. Passado o ciclo de ouro da erva-mate<br />

(1878), a fronteira sofreu uma brusca transformação:<br />

o cultivo do café em grande quantidade.<br />

A ORIGEM<br />

É esse cenário pós-guerra que é encontrado pelas<br />

famílias Trindade e Moreira ao se estabelecerem na<br />

fronteira, vindos do Rio Grande do Sul. Essa fronteira<br />

seca vive na harmonia entre as cidades de Ponta Porã-<br />

MS, no Brasil, e a cidade paraguaia Pedro Juan<br />

Caballero-PY, formada apenas por uma avenida, onde<br />

estão estabelecidos comerciantes em lojas de cosméticos,<br />

eletrônicos, calçados, roupas, tecidos, óculos, relógios,<br />

etc.<br />

Luiz Alfredo Marques Magalhães conta-nos a<br />

origem das famílias Trindade e Moreira, e o início do sucesso<br />

do patriarca – Antonio Ignacio da Trindade – como<br />

empreendedor, pois recebeu terras do governo, optou<br />

por explorar a erva-mate, aconselhado por Thomaz<br />

Laranjeira, um gaúcho que escreveu seu nome na história<br />

por liderar essa exploração na fronteira. Logo após<br />

casar-se, Trindade foi viver em Ponta Porã-MS, cidade<br />

que se desenvolvera rapidamente com o comércio ervateiro.<br />

A economia política que trata da produção, distribuição<br />

e consumo das riquezas da região, ainda não<br />

havia se preocupado com boas rodovias e é assim que<br />

Magalhães (2011, p. 29), descreve:<br />

[...] Embora muitos pensem que Aral Moreira tenha sido<br />

um pontaporanense da gema, ele na verdade nasceu<br />

na Fazenda Boritizal, em Aquidauana (...) 20 de agosto<br />

de 1898, onde fez o curso primário (...) foi enviado para<br />

fazer o ginasial e faculdade de Direito no Rio de Janeiro.<br />

Chegar ao Rio naquele tempo não era uma tarefa fácil<br />

nem rápida. Aral partia de Ponta Porã no lombo de cavalo<br />

por mais de 200 quilômetros para chegar a<br />

Concepción-PY onde tomava um vapor até<br />

Montevideo e um navio de cabotagem até o Rio de<br />

Janeiro [...].<br />

O livro “Um Homem de Seu Tempo”, objeto do<br />

presente estudo, nos traz vários assuntos que faz progredir<br />

nosso conhecimento adquirido, preservando a cultura,<br />

através de registros históricos dos costumes dos<br />

personagens da região fronteiriça entre os anos de 1900<br />

e 1952. Magalhães (2011, p. 13 a 30) relata, desde 1826,<br />

através de textos e fotografias coloridas e em preto e<br />

branco, a saga das famílias pioneiras que deram origem<br />

ao biografado Aral Moreira: Trindade & Moreira. A família<br />

TRINDADE, com sua série de grandes acontecimentos<br />

na viagem épica desde o Estado do Rio Grande do<br />

Sul até chegarem a “terra prometida”: Mato Grosso do<br />

Sul e a família MOREIRA originária de Bouça, em<br />

Portugal, vindo para a América passando por Uruguai,<br />

Corumbá e finalmente Aquidauana-MS.<br />

O PARAGUAI<br />

A presente pesquisa documental foi desenvolvida<br />

e teve como fonte de investigação o livro “Um<br />

Homem de Seu Tempo”, de Luiz Alfredo Marques<br />

Magalhães, seus relatos históricos com um ponto de vista<br />

através de um tratamento sociológico, estudando os<br />

fatos sociais da época na região de fronteira. A fim de<br />

- 44 -<br />

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artigo<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

atingir um grupo de pessoas específico como professores,<br />

estudantes, jornalistas, historiadores, escritores ou<br />

amantes da literatura, foi escolhido e delimitado o tema,<br />

estabelecendo limites e informando o foco do presente<br />

estudo.<br />

Vários autores escreveram sob a região da fronteira<br />

entre Brasil e Paraguai, suas lutas, seus problemas e<br />

qualidades, mas o livro ora estudado, com a biografia do<br />

ilustre Aral Moreira, é único, não passou antes por um<br />

exame minucioso em cada uma de suas partes; não ocorreu<br />

a separação de seus componentes, enfim, não teve<br />

um tratamento analítico e o que pode ser afirmado com<br />

convicção é: contando a vida de Aral Moreira, conta-se<br />

a vida da cidade fronteiriça de Ponta Porã-MS.<br />

Ao chegar à fronteira, a família ancestral de Aral<br />

Moreira, encontrou uma Ponta Porã que estava se reerguendo.<br />

O Paraguai, antes da guerra, estava numa súbita<br />

manifestação de desenvolvimento, contando até com<br />

estaleiro e esses navios produzidos ali, partiam da capital<br />

Assunção para a Europa, carregados de erva-mate, fumo<br />

e alguns outros produtos, para voltarem com aparelhos<br />

científicos, armas mais sofisticadas, máquinas de<br />

imprensa e produtos químicos. Esse progresso foi assim<br />

contado no livro Genocídio Americano: A Guerra do<br />

Paraguai (CHIAVENATO, 1988, p.32 e 33):<br />

[...] Comparando-se a explosão nacional de progresso<br />

do Paraguai com a dependência total da quase inexistente<br />

indústria brasileira e argentina, é evidente que o<br />

Paraguai para a civilização inglesa era um perigo. (...) na<br />

metade do século XIX exporta madeira, produz louça fina,<br />

constrói ferrovias, exporta salitre, ergue fábricas de<br />

pólvora, papel e enxofre. Instala-se o telégrafo [...] implementos<br />

agrícolas são fabricados na fundição Ibycuí dando<br />

melhores condições de trabalho ao camponês paraguaio<br />

aumentando sua produtividade [...].<br />

Além da famosa guerra que durou de<br />

1863/1870, o Paraguai também sofreu conflitos internos,<br />

com movimentos revolucionários. Um desses grupos,<br />

após ser destroçado pelo exército paraguaio iniciou<br />

uma extenuante jornada pela cerrada floresta em direção<br />

à linha fronteiriça com o Brasil com a finalidade de<br />

requerer asilo político, como assim descreve o escritor<br />

Romildo Villanueva (2000, p. 129, 130), no livro “O<br />

Inferno Existe; Eu Estive Nele”:<br />

[...] Alimentando-se de frutas silvestres e de alguns animais<br />

que conseguiram furtivamente caçar, os rebeldes<br />

fugitivos empregaram exatos 30 dias para atingir o objetivo.<br />

Geralmente a marcha era feita a noite com o intuito<br />

de iludir a constante vigilância aérea de um pequeno<br />

bimotor com bandeira paraguaia e equipado com metralhadoras<br />

que os perseguiu durante todo o trajeto de<br />

aproximadamente 300 quilômetros em linha reta. (...) o<br />

ingresso dos fugitivos em território brasileiro deu-se a<br />

uns 8 quilômetros a sudoeste do povoado [...] antes, porém,<br />

os fugitivos tomaram a preocupação de se livrar<br />

das armas de uso militar que portavam até aquele momento.<br />

Embrulhadas com pedaços de cobertores, estas<br />

foram escondidas num mato, dissimuladas convenientemente<br />

entre a folhagem [...].<br />

Em respeito às almas das pessoas que morreram<br />

nesse fato cruento, até hoje lembrado por paraguaios e<br />

brasileiros que habitam essa região da fronteira, em meio<br />

a um terreno com um alto capim, foi fixada uma erma<br />

e tosca cruz de ipê, que resiste a ação do tempo. Com<br />

a intenção de preservar a história, relata Villanueva<br />

(2001, 143):<br />

[...] uma iniciativa nascida no seio da sociedade pedrojuanina<br />

visa reparar esse dano histórico ocasionado pela<br />

passada ditadura, possibilitando a exumação dos restos<br />

ósseos que, provavelmente, ainda existam no improvisado<br />

cemitério [...] e, posteriormente, dar-lhes cristã sepultura<br />

em solo guarani (...) Para tanto, uma comissão<br />

multisetorial de ação cidadã que está sendo formada em<br />

Pedro Juan Caballero irá solicitar a intervenção da<br />

Comissão de Direitos Humanos [...].<br />

É esse cenário pós-guerra que é encontrado pelas<br />

famílias Trindade e Moreira ao chegarem a Ponta<br />

Porã-MS.<br />

A LINHA DIVISÓRIA: PEDRO JUAN<br />

CABALLERO-PY E PONTA PORÃ-BR<br />

No livro “Semblanza de La Antigua Punta<br />

Porã”, Villanueva (2001, p. 52), nos conta que a grande<br />

contribuição para o aumento do progresso em Pedro<br />

Juan Caballero-PY (fronteira com Ponta Porã-BR) foi o<br />

ciclo da erva-mate, transformando aquela que era uma<br />

simples paragem em um ativo centro comercial. Era forte<br />

o monopólio da empresa Mate Laranjeira Mendes &<br />

Cia., em tudo que se relacionava com a produção, transporte<br />

e comercialização do produto cujo principal mercado<br />

foi, por muitos anos, a Argentina e o Uruguai. Os<br />

carregamentos se utilizavam de caravanas de carretas de<br />

bois, partindo da empresa Mate Laranjeira. Aí existia<br />

um enorme depósito no qual eram armazenadas as bolsas<br />

com a erva-mate antes do transporte final até o porto<br />

de Concepcion-PY através de penosas marchas com mais<br />

de 200 quilômetros, em viagens que demandavam cerca<br />

de dois meses entre ir e voltar.<br />

Essa aprazível linha divisória teve sua posse inicial<br />

definida basicamente por pessoas vindas do Rio<br />

Grande do Sul que encontraram um lugarejo em formação,<br />

habitado por poucos agentes fazendários, guarda<br />

militar estadual e alguns paraguaios fronteiriços. Aos<br />

poucos foram chegando imigrantes uruguaios, argentinos,<br />

sírios, libaneses, espanhóis e italianos. A maior parte<br />

se dedicou a negociar gêneros de primeira necessidade<br />

para atender a procura dos fazendeiros, negociantes<br />

da erva-mate, funcionários públicos e militares, fomentando<br />

a movimentação do dinheiro, fazendo desenvolver<br />

o povoado, transformando-o na cidade de Ponta<br />

Porã. Essa cidade, na década de 1920, achava-se provida<br />

com o que de melhor havia no vestir, beber e comer dada<br />

a extraordinária simplicidade que sempre existiu na<br />

introdução de produtos estrangeiros.<br />

Magalhães (2011, p.86) diz que bons carpinteiros<br />

e construtores ajudaram a erguer sólidas residências<br />

e armazéns, seguindo a linha arquitetônica neo-clássica<br />

imperante na época, uma influência dos imigrantes eu-<br />

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artigo<br />

[...] final da década de 1920 suas inclinações políticas começaram<br />

a lhe render grandes dores de cabeça, pois era<br />

sabidamente um liberal que não costumava mandar recados<br />

e que assumia publicamente suas opções ideológicas.<br />

(...) Ponta Porã era a segunda cidade mais populosa<br />

do estado (...) mas a riqueza gerada por tanta gente, fundamentalmente<br />

na atividade ervateira, não era reaplicada<br />

como deveria pelo poder situado no norte, o que colocava<br />

as duas regiões em atrito. Aral estaria entre os homens<br />

que não se conformavam (...) e lutaria como poucos<br />

para valorizar sua terra […].<br />

Magalhães (2011, p.49) relata ainda que Ponta<br />

Porã, da época de Aral, estava passando por profundas<br />

transformações econômicas e acontecimentos políticosociais<br />

de relevo, tais como: passagem da coluna Prestes,<br />

Revolução de 32, as lutas comerciais em torno da ervamate,<br />

a longa permanência e a posterior extinção da célebre<br />

Cia. Matte Laranjeira e a elevação da cidade a capital<br />

do Território Federal. Essa fronteira atraiu o olhar de<br />

Getúlio Vargas, Eurico Gaspar Dutra, o príncipe D.<br />

Pedro de Orleans e Bragança e Assis Chateaubriand.<br />

Enquanto tudo estava em efervescência, Aral<br />

Moreira ia, aos poucos, iniciando-se na política, pois se<br />

destacava como um jovem advogado com talentosa interopeus,<br />

visível também em localidades vizinhas a Ponta<br />

Porã como Concepción no Paraguai e Aquidauana,<br />

Nioaque e Porto Murtinho, no Brasil. Magalhães, às folhas<br />

87 a 97, mostra um apanhado das construções, seus<br />

moradores e documentos, em fotografias da primeira<br />

metade do século XX, a época em que Aral Moreira viveu:<br />

praça que era um palco ao ar livre onde ocorriam os<br />

eventos importantes da fronteira como desfiles cívicos e<br />

comícios políticos; igrejas; quartel do Corpo Militar de<br />

Polícia – obra da Companhia Mate Laranjeira; vala cavada<br />

em toda a extensão da linha divisória para impedir a<br />

passagem de veículos, pois cruzar a fronteira só era permitido<br />

em lugares pré-determinados em 1926; vista aérea<br />

da linha da fronteira em 1945; prédio da Pharmacia<br />

Estrella – pertencente à família de Aral Moreira inaugurada<br />

em 1926; prédio da Camisaria Royal (1927); quartel<br />

do 11º Regimento de Cavalaria (1924); Cine Brasil dividido<br />

em plateia e frisa (camarote térreo) e cadeiras superiores,<br />

tudo em madeira, inaugurado em 1935; Hotel<br />

Brasil e prédios residenciais da época.<br />

ARAL MOREIRA:<br />

UM HOMEM MÚLTIPLO DE AÇÕES<br />

Em 1918 Ponta Porã ganhou seu primeiro clube<br />

social literário e recreativo com o nome de Grêmio Luz<br />

e Recreio. Magalhães (2011, p. 98) conta-nos que no<br />

Grêmio havia uma varanda em toda a extensão da entrada;<br />

no salão, piso de madeira – com longas, planas e lisas<br />

tábuas de ipê – mais de uma geração dançou ao som<br />

de bandas que iam de Assunção-PY e Campo Grande-<br />

MS, nos bailes tradicionais ou em animados carnavais.<br />

Em dias de semana, era lá que a juventude costumava<br />

passar algumas horas da noite ouvindo música de vitrola,<br />

enquanto bebiam uma Antarctica Original no bar<br />

(MAGALHÃES, 2011, p. 98):<br />

[...] Nos fundos havia uma quadra de esportes, onde se<br />

jogava vôlei e basquete; em determinada época o tênis<br />

teve a sua vez (...) Aral fez parte das primeiras diretorias<br />

do Grêmio, sendo sócio e benemérito até o fim da vida.<br />

Em 1948 interrompeu sua participação: numa atitude<br />

irredutível, saiu em defesa de um sócio, que morava ao<br />

lado do clube (...) vem à tona algumas das evidências<br />

que reafirmam uma personalidade leal e democrática.<br />

(...) Aral Moreira saiu fortalecido do episódio (...) eram<br />

atos dessa natureza que conduziam um homem ao topo<br />

de uma carreira de sucesso [...].<br />

O filho ilustre (por adoção) de Ponta Porã, Aral<br />

Moreira, possuía as qualidades de inteligente, erudito e<br />

estudioso e esteve sempre acompanhado por grandes figuras,<br />

personagens importantes que aparecem como<br />

destaque na sociedade brasileira (MAGALHÃES, 2011,<br />

p. 33):<br />

[...] O futuro deputado ingressou na Faculdade de<br />

Direito do Rio de Janeiro em 1917. Lá conheceu Afonso<br />

Arynos de Mello Franco, um notável homem público<br />

brasileiro; quis o destino que o reencontrasse trinta<br />

anos depois, já na Câmara Federal do Palácio<br />

Tiradentes, ambos tomando parte da mesma bancada<br />

partidária [...].<br />

Magalhães (2011, p. 37) descreve a convivência<br />

de Aral Moreira com mestres e intelectuais no Rio de<br />

Janeiro, que era a capital reconhecida como berço do conhecimento<br />

nacional. Isso estimulou o gosto pela leitura,<br />

pois era um insaciável leitor de jornais, cujos textos<br />

ele recortava e arquivava para posterior discussão ou releitura.<br />

Nos recortes encontrados estavam misturados<br />

temas de filosofia grega e poesia com informações sobre<br />

agricultura, descobertas médicas e avanços tecnológicos.<br />

E prossegue informando-nos sobre seu conhecimento<br />

científico e literário, que o marcou com um perfil<br />

de advogado correto, justo e ético (MAGALHÃES,<br />

2011, p. 39):<br />

[...] Admirava Machado de Assis e Julio Verne, leituras<br />

paralelas às obras de mestres do direito como Clovis<br />

Bevilacqua e Ruy Barbosa (...) Ao completar com louvor<br />

a faculdade, Aral já levava articuladas na mente as ideias<br />

que o fariam tomar cedo nas mãos as rédeas de seu próprio<br />

destino. Abriu imediatamente seu escritório e,<br />

com a marcante característica de sempre escrever suas<br />

petições em caligrafia de chamar a atenção, tornou-se rapidamente<br />

um dos mais conceituados advogados do sul<br />

de Mato Grosso [...].<br />

Ao retornar para Ponta Porã, abriu seu escritório<br />

jurídico e envolveu-se em todas as questões sociais<br />

que considerava relevantes para a cidade. Em 1926 casou-se<br />

com Erotilde Saldanha e tiveram um único filho:<br />

Eraldo. Participou de clubes, obras assistenciais, associações<br />

comerciais e industriais; foi delegado, promotor<br />

público, prefeito substituto e representante de classe;<br />

consultor jurídico do estado, jornalista, comerciante, ervateiro<br />

e pecuarista e essa multiplicidade de ações o levou<br />

à política. Até se tornar deputado federal, Aral deixou<br />

para a cidade de Ponta Porã, um rastro de benefícios,<br />

admiradores e adversários (MAGALHÃES, 2011, p.<br />

48):<br />

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artigo<br />

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ligência, vindo de uma família tradicional e respeitado<br />

pela constância e persistência de índole, impecável postura,<br />

exprimindo com desenvoltura sua capacidade de<br />

persuasão e com firmeza sua arte da eloquência. Todas<br />

essas qualidades levaram-no a assumir trabalhos de influência:<br />

prefeito substituto, promotor de justiça, subchefe<br />

de polícia, consultor jurídico do estado, conselheiro<br />

municipal e deputado na Assembleia Constituinte.<br />

O tempo foi passando, os ânimos ficaram mais<br />

exaltados por causa do processo revolucionário separatista<br />

do Estado de MT e Aral foi um dos primeiros a tomar<br />

a frente, com o intuito de trazer progresso à região<br />

(MAGALHÃES, 2011, p. 69):<br />

[...] Armou-se e partiu para o confronto. Durante os três<br />

meses de duração do conflito, os serviços postais, que já<br />

eram precários (...) pararam de funcionar. As notícias<br />

(...) deixavam as famílias sobressaltadas; as correspondências<br />

eram entregues em mãos, levadas por mensageiros<br />

de confiança montados em cavalos ou mulas; as poucas<br />

estradas que cortavam o sul se tornaram extremamente<br />

arriscadas [...].<br />

Magalhães reproduz, nas páginas 69 a 85, fotos<br />

de bilhetes e cartas de Aral Moreira ao comandante político<br />

separatista, informando acerca de seus movimentos<br />

no combate contra as forças legalistas.<br />

Uma das fotografias era cuidadosamente por ele<br />

guardada e estava anotado no seu verso apenas o nome<br />

de Luiz Pinto de Magalhães, gaúcho de São Luiz<br />

Gonzaga-RS, que chegou a Ponta Porã em 1900. Foi um<br />

dos mais tradicionais homens públicos de Ponta Porã –<br />

primeiro delegado (1913), juiz de direito substituto<br />

(1926), prefeito interino em três oportunidades e um<br />

grande amigo de Aral Moreira (MAGALHÃES, 2011, p.<br />

95):<br />

[...] Aral manteve excelentes relações com aquele sul-riograndense<br />

que admirava pela correção de atitudes e nobreza<br />

de caráter. O filho de Aral, Eraldo, ao relatar passagens<br />

de sua infância, relembra que costumava correr<br />

pelo quarteirão da antiga Rua Rio Grande do Sul, atual<br />

Presidente Vargas, vindo do escritório do pai para o casarão<br />

de Luiz Pinto, que se localizava onde hoje é o<br />

Centro Pastoral da Paróquia São José, na Avenida<br />

Brasil. Eraldo levava consigo documentos para o amigo<br />

do pai assinar ou analisar, pois Luiz Pinto Magalhães,<br />

pela longa experiência adquirida no trato da coisa pública<br />

em Ponta Porã, era um homem para ser ouvido<br />

[...].<br />

Aral Moreira também foi fundador e diretor<br />

por muitos anos do jornal A Folha do Povo, onde travou<br />

lutas ásperas e defendeu sempre o bom nome e os interesses<br />

de Ponta Porã. Antes de surgir com A Folha do<br />

Povo, alguns intelectuais da terra imprimiram nos primeiros<br />

anos da década de 1930, como nos conta<br />

Magalhães (2011, p. 106):<br />

[...] ‘Tagarella’ tabloide em formato ofício que teve entre<br />

seus colaboradores uma figura que marcou época na cidade,<br />

o poeta e intelectual baiano José Baraúna, casado<br />

com a ponta-poranense Loreta Badeca. (...) surgiu ‘A<br />

Mutuca’ que tinha o objetivo explícito de criar polêmica<br />

com seu rival mais velho. As disputas eram bem-<br />

humoradas (...) ambos não se prestavam às necessidades<br />

formais do município como órgãos formais para veicular<br />

publicidade de cartórios e prefeitura. Para suprir surgiram:<br />

O Sul, O Correio do Povo, A Folha do Povo e O<br />

Independente [...].<br />

Aral era um político inquieto e precisava de espaço<br />

para seus feitos e atitudes que vinham ressoando<br />

pelo Estado gerando admiração, amizades e adversários.<br />

O semanário A Folha do Povo estava com dívidas,<br />

certo desinteresse de seus proprietários, rodando precariamente<br />

e sem licença obrigatória para sua divulgação.<br />

Aral entrou com processo de registro federal distribuindo-o<br />

para todo o Estado e para a Capital Federal. Fotos<br />

de algumas notícias, editoriais e reclames ilustram as folhas<br />

111 a 117 (MAGALHÃES, 2011, p. 110):<br />

[...] O estilo sério e direto que Aral imprimia a seus editoriais<br />

– que não tratavam apenas de política apaixonada,<br />

prestava-se, sobretudo a repercutir os interesses da<br />

sociedade fronteiriça – foi o principal fator a contribuir<br />

para a relativa longevidade do semanário. Por quase quatorze<br />

anos, Aral esteve à frente da empresa jornalística.<br />

Em 1946 a venderia para sócios da Companhia Mate<br />

Laranjeira [...].<br />

No final dos anos 1930, a produção ervateira<br />

mato-grossense alcançava seu melhor momento, quando<br />

eram exportadas mais de dezesseis mil toneladas anuais<br />

de erva, fora o consumo interno. Consolidava-se como<br />

o negócio mais rentável do sul do Estado, superando<br />

a pecuária bovina. Em 1938 nasceu o Instituto<br />

Nacional do Mate, com sede do Rio de Janeiro; tinha caráter<br />

normativo e era administrado por uma Junta<br />

Deliberativa. Amadureceu-se a ideia das cooperativas;<br />

seu maior propagador foi Aral Moreira, quando já fazia<br />

publicar no jornal A Folha do Povo estudos sobre as vantagens<br />

do sistema cooperativista. Em 1940 foi fundada<br />

oficialmente a Cooperativa de Produtores de Mate de<br />

Ponta Porã. Aral fazia parte como produtor e diretor<br />

(MAGALHÃES, 2011, p. 125):<br />

[...] Em fins de 1938 nasceu um sindicato de ervateiros<br />

(...); entretanto a iniciativa não obteve o registro do governo<br />

federal. Antes, em 1936, Aral idealizou um<br />

Consórcio de Produtores onde agregou gente influente<br />

e abastada da região, para sensibilizar os produtores de<br />

erva; lançava assim a semente da futura Cooperativa de<br />

Ponta Porã (...) Em 1944 (...) organizou-se em Ponta<br />

Porã, a Federação de Produtores de Mate Amambai<br />

Ltda., que passou a exercer também o papel de exportadora,<br />

tendo sido Aral Moreira, um dos seus representantes<br />

[...].<br />

A Argentina recebia um incremento populacional<br />

impressionante: gente de várias partes do mundo lá<br />

aportava atraída pelas facilidades oferecidas para o plantio<br />

e replantio de variedades de erva-mate. O enfraquecimento<br />

das importações é assim informado<br />

(MAGALHÃES, 2011, p.126 e 127):<br />

[...] A única nuvem que escurecia aquele horizonte promissor<br />

(...) era que um dia seu principal mercado comprador,<br />

a Argentina, de alguma forma viesse a enfraquecer<br />

ou que atingisse a autossuficiência produtiva, interrompendo<br />

as importações. (...) a Argentina cessou de<br />

vez suas importações. Sobraram estoques, o preço caiu,<br />

- 47 -<br />

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o mercado minguou; desde então a erva-mate, produtosímbolo<br />

da riqueza de uma época, passou a desempenhar<br />

um papel ainda viável no século XXI, mas ocupando<br />

um posto secundário […].<br />

Aral Moreira encontrava tempo para tudo. Foi<br />

um dos fundadores do Aeroclube de Ponta Porã, pois<br />

Getúlio Vargas, logo após criar o Ministério da<br />

Aeronáutica, abraçou o projeto “Deem Asas para o<br />

Brasil”, uma campanha que visava à doação de aviões e<br />

recursos para a construção de aeroclubes por todo o país.<br />

Ponta Porã foi brindada com dois pequenos aviões.<br />

Paralelamente à vida forense e a grande paixão<br />

política, não perdeu o gosto pela vida da campanha. A<br />

primeira aquisição rural foi um sítio, último espaço de<br />

floresta nativa dentro da cidade de Ponta Porã, servido<br />

por um córrego e por uma mata que foi preservada e ampliada<br />

pelo próprio Aral com replantio de inúmeras espécies<br />

de árvores típicas da região entre ornamentais e<br />

frutíferas. Mais tarde, seu filho Eraldo aumentou a área<br />

do bosque e, em 1976, transformou a área num hotel<br />

pousada, que ainda hoje é o predileto de muitos visitantes.<br />

A DESPEDIDA DE ARAL MOREIRA<br />

O advogado, empresário e político Aral<br />

Moreira, faleceu em 1952. Enquanto aguardava a cirurgia<br />

a que se submeteria no Hospital dos Servidores no<br />

Rio de Janeiro, escreveu a todos os amigos mais chegados;<br />

relembrou passagens, mandou algumas ordens, solicitou<br />

favores; mesclando brincadeiras com assuntos sérios.<br />

Sintetizou a história que viveu com cada um. Sua<br />

percepção de que alguma coisa poderia lhe suceder, é<br />

transcrito por Magalhães (2011, p. 146) num trecho de<br />

uma das cartas:<br />

[...] Amigo Luiz Issa! Saúde e alegria. Escrevo-lhe do<br />

Hotel, digo, do Hospital onde me encontro internado<br />

fazendo diversos exames para depois ser ‘carneado’ pela<br />

barriga. Você me conhece e sabe que não sou impressionável<br />

(...) aguardo a hora H com serenidade. (...) Caso<br />

eu deixe vocês em paz, indo deste mundo para baixo da<br />

terra, voltando para o lugar de onde saímos, peço-lhe<br />

que tenha certeza da sinceridade da amizade que sempre<br />

lhe dediquei. Você foi um dos raros, ou para ser franco,<br />

raríssimos homens que me compreenderam, me<br />

honraram e foram sempre solidários e confiaram em minha<br />

atuação [...].<br />

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artigo<br />

cultural.<br />

O reconhecimento da importância histórica<br />

nos fatos narrados no livro foi fruto de um estudo, de conhecimentos<br />

adquiridos, observação e análise, laboriosamente<br />

engendrado tendo como parâmetro o livro<br />

“Um Homem de Seu Tempo: Uma Biografia de Aral<br />

Moreira”, escrito por Luiz Alfredo Marques Magalhães.<br />

A série de ideias, a variedade de assuntos, a sucessão de<br />

teorias que se desfrutam na literatura, torna-a uma excelente<br />

atividade atrativa e uma dessas atividades é a biografia.<br />

Já se pode falar em preferências e desejos, colocando<br />

a biografia como superfonte da literatura, sobrepondo-se<br />

a livros de história, pois, em face de sua natureza,<br />

a biografia descreve a vida de alguém narrando as<br />

fases dessa pessoa interagindo com a sociedade da época.<br />

Não se quer dizer aqui que exista o predomínio<br />

das biografias, mas sua importância, sim.<br />

Acompanhada da base histórica, pode-se alcançar a completa<br />

harmonia com a fiança da força de produzir resultados<br />

positivos. E sob esse prisma, a base histórica é a<br />

função que mais se utiliza a biografia para atingir seus<br />

fins.<br />

Assim, com essa linha de raciocínio, tem-se que<br />

a partir de vasta pesquisa e estudo, paralelamente à trajetória<br />

do biografado – Aral Moreira, Magalhães apresenta<br />

elementos importantes da paisagem social, econômica,<br />

cultural da região da fronteira, as lutas políticas, a<br />

influência de grandes empresas e a questão divisionista<br />

do Estado de Mato Grosso.<br />

Contando a história de Aral Moreira, conta-se<br />

um pouco da história de Ponta Porã-MS.<br />

REFERÊNCIAS<br />

CHIAVENATO, Julio José. Genocídio americano: a<br />

guerra do Paraguai. São Paulo: Brasiliense, 1988.<br />

MAGALHÃES, Luiz Alfredo Marques. Um homem de<br />

seu tempo: uma biografia de Aral Moreira. Ponta Porã:<br />

Alvorada, 2011.<br />

VILLANUEVA, Romildo. O inferno existe; eu estive<br />

nele. 3. ed. Ponta Porã: Borba, 2000.<br />

VILLANUEVA, Romildo. Semblanza de la antigua<br />

Punta Porã. Ponta Porã: Cândia, 2001.<br />

Ponta Porã, MS<br />

- 48 -<br />

CONCLUSÃO<br />

O presente artigo pretendeu abordar uma das<br />

bases da literatura que tem por finalidade mostrar a parte<br />

histórica de uma sociedade, a partir da visão do escritor<br />

Luiz Alfredo Marques Magalhães. Essa base histórica,<br />

informadora e formadora de novas mentes pensantes,<br />

afigura-se como base educacional, esclarecedora e intelectual<br />

da literatura. Com efeito, essa base da literatura,<br />

em tudo instrutiva, é a norma que provê a unidade<br />

da educação, do esclarecimento e da informação.<br />

Simultaneamente, com sua função de entretenimento,<br />

desempenha também a literatura a função históricowww.revistacriticartes.blogspot.com.br


cordel<br />

Bazófias de um cantador pai dégua<br />

o maior cordel do mundo<br />

Beto Brito<br />

Rabequeiro, cordelista, cantor e compositor brasileiro<br />

João Pessoa, PB, Brasil<br />

@: betobritobb@terra.com.br<br />

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Mangaio, feira e artista<br />

O céu bonito e azul<br />

Cantiga de grilo e peru<br />

Violeiro repentista<br />

Calça e camisa de lista<br />

Um tirador de reisado<br />

Um sanfoneiro arretado<br />

Um moleque vendedor<br />

Açude com sangrador<br />

Um velho todo enxerido<br />

Eita Nordeste querido<br />

Nordeste dos meus amor<br />

Um be-a-bá soletrado<br />

Um pé de mandacaru<br />

Torresmo, cana e umbu<br />

Currulepo pro roçado<br />

Cavalo e boi amarrado<br />

Cumbuca e pé de coentro<br />

A mãe chamando pra dentro<br />

A menina que chorou<br />

Passarim que se assustou<br />

Por causa dum estampido<br />

Eita Nordeste querido<br />

Nordeste dos meus amor<br />

As estradinhas de barro<br />

Fumaça na chaminé<br />

O tô fraco do guiné<br />

Papel de enrolar cigarro<br />

Buchuda, corda e carro<br />

O azuzim das montanhas<br />

O cheirinho das castanhas<br />

Lorotas de caçador<br />

Matuto assobiador<br />

Um besta e oito sabido<br />

Eita Nordeste querido<br />

Nordeste dos meus amor<br />

Água dormida de pote<br />

A pedra de amolar<br />

Caçarola e alguidar<br />

Um aconchego no xote<br />

Cheiro no pé do cangote<br />

Um chamego nas menina<br />

Corriola na esquina<br />

Catavento girador<br />

Dois vestidos furta-cor<br />

Um curto e outro comprido<br />

Eita Nordeste querido<br />

Nordeste dos meus amor<br />

Um braseiro de abano<br />

Carne seca pendurada<br />

No inverno a passarada<br />

Um cantador soberano<br />

Um jogador veterano<br />

Viciado na sinuca<br />

Galho de espantar mutuca<br />

Burrinha, bode e trator<br />

Mandioca e ralador<br />

Um panelão de cozido<br />

Eita Nordeste Querido<br />

Nordeste dos meus amor<br />

Vaqueiro jogando laço<br />

Chocalho, bezerro manso<br />

Rio cheio com remanso<br />

Tardezinha no terraço<br />

Caldo de cana, melaço<br />

Querosene no bornal<br />

Novena, pelo-sinal<br />

Reza pra Nosso Senhor<br />

Rede armada e cobertor<br />

O meu lugar preferido<br />

Eita Nordeste Querido<br />

Nordeste dos meus amor<br />

Um cego pedindo esmola<br />

Histórias de Lampião<br />

Conversa em pé de balcão<br />

Gonzaga na radiola<br />

Tareco e pão, mariola<br />

Sassarico de galinha<br />

Parede-meia, vizinha<br />

Riachinho que secou<br />

O vestido que voou<br />

Num redemunho atrevido<br />

Eita Nordeste querido<br />

Nordeste dos meus amor<br />

Mulher bonita tem dono!<br />

Santana já me dizia<br />

Viola na cantoria<br />

Cachorro no abandono<br />

Um gatim morto de sono<br />

No balcão de uma bodega<br />

Seresta, forró e brega<br />

Fuzarca de opositor<br />

Um bebo declamador<br />

Lembrando um verso esquecido<br />

Eita Nordeste querido<br />

Nordeste dos meus amor<br />

http://www.antoniomiranda.com.br/<br />

- 49 -<br />

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crônica<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

http://t13.deviantart.net<br />

Polaroide<br />

Danielle Andrade<br />

Itabaiana, SE, Brasil<br />

@: dani-andrade-se@hotmail.com<br />

Que coisa boa é a fotografia! Não me refiro<br />

às fotos de hoje em dia, que são digitais, raramente<br />

impressas. Gosto mesmo é daquelas fotos<br />

impressas em papel, fotos palpáveis.<br />

Aquelas que são reveladas. Acho que realmente<br />

elas revelam algo! Aquelas fotos de quando era<br />

criança, que são guardadas na casa de parentes.<br />

Quando era criança, uma das minhas tias<br />

tinha uma polaroide. Essa máquina era, para<br />

nós, um evento. Apenas ela, minha tia, a tinha.<br />

Pensem na alegria que sentíamos quando ela vinha<br />

nos visitar no interior, trazendo consigo a<br />

polaroide; minha tia não saia sem ela. Tia Vera<br />

adora fotos!<br />

Lembro-me, com saudade e alegria, de<br />

certo dia, devia ter uns cinco, seis anos, minha<br />

tia veio à casa da minha avó que, como toda casa<br />

de avó, vivia repleta de netos, uma neta era fixa,<br />

os outros passageiros, uns demoravam mais, outros<br />

nem tanto. Nesse dia, que me recordo, ela<br />

trouxe consigo sua polaroide; para nós, era uma<br />

grande novidade. A foto saia na hora! Uma foto<br />

pequenininha! Uma belezura para a imaginação<br />

da criançada. Vejam só que moderno!<br />

Como toda família, tiravam fotos das crianças<br />

para recordar e acompanhar o crescimento<br />

delas. Nesse dia, já era meio da tarde, Tia<br />

Vera já estava pronta para ir embora para a capital,<br />

quando sugeriu a foto! Estávamos todos desarrumados;<br />

crianças que tinham brincado o<br />

dia inteiro. Mas não podíamos deixar de tirar a<br />

foto!<br />

Na polaroide!! Minha tia mandou que ficássemos<br />

em frente à casa de minha avó.<br />

Posicionamo-nos em frente à parede da casa, já<br />

íamos a foto, quando minha prima (mais velha<br />

que eu) percebeu meus cabelos desarrumados,<br />

desgrenhados de criança traquina que era! Ela<br />

teve a brilhante ideia de colocar em meu cabelo<br />

uma flor artificial (moda da época; colocou a<br />

bendita flor em minha cabeça, segundo ela, para<br />

arrumar; eu adorei a ideia, minha prima era<br />

uma gênia, e muito querida também. Aquele<br />

momento foi eternizado ali, naquela simples<br />

imagem emitida pela maquinazinha tão legal).<br />

As fotos têm esse poder, o de capturar o<br />

momento e eternizá-lo. Ainda temos essa foto;<br />

cerca de quatro a cinco crianças encostadas a<br />

uma parede com a pintura decadente, um portãozinho<br />

aberto, uma adolescente e uma criancinha<br />

negra com olhar desconfiado e vívido,<br />

com os cabelos para cima, um emaranhado de<br />

cabelo e uma rosa vermelha no meio. Meus primos<br />

e irmãos riem quando veem a foto. E ficou<br />

realmente hilária! É, sem dúvida, das fotos que<br />

mais gosto. E aquele momento é vivo até hoje.<br />

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leitura<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

http://www.sargentolago.com.br<br />

Papa Mike: a realidade do policial militar<br />

Autor: Sargento Lago<br />

Formato: 16x23cm<br />

Páginas: 240<br />

ISBN 9788592114305<br />

Preço: R$ 47,25<br />

Disponível para venda em formato impresso e e-<br />

book em: www.sargentolago.com.br<br />

memórias, com adrenalina e pé no jornalismo,<br />

entre conversas na intimidade com comandantes-gerais,<br />

depoimentos emocionados da tropa<br />

– alguns confidenciais, outros em tom de desabafo<br />

– e confissões do autor. A publicação faz<br />

ainda um retrato da profissão em nível nacional,<br />

seus desafios, sacrifícios, tabus, suas motivações<br />

e idiossincrasias, ao apresentar heróis<br />

anônimos que chegam a sacrificar as próprias vidas<br />

pela proteção de desconhecidos.<br />

PELO MUNDO<br />

Sargento Lago concluiu sua viagem em 2011 para,<br />

já no ano seguinte, se aventurar a conhecer a<br />

realidade policial também fora do Brasil, em 34<br />

países visitados entre Europa e América. “A imagem<br />

da polícia de fora para dentro é negativa,<br />

mas não apenas no Brasil”, constata. Nessas andanças,<br />

o autor viu se repetir a dedicação dos policiais,<br />

gastando dinheiro do próprio bolso para<br />

comprar armas, uniformes, consertar viaturas,<br />

ao mesmo tempo em que, na contramão, permanecem<br />

abandonados à própria sorte, e com<br />

poucas atitudes isoladas de pessoas que se importam<br />

com o policial, em comparação ao efetivo<br />

existente.<br />

O AUTOR<br />

Um convite à reflexão e a debates sobre segurança<br />

pública, sob o ponto de vista de um de seus<br />

protagonistas, o policial militar. Assim é Papa<br />

Mike: a realidade do policial militar, concebido<br />

pelo profissional da reserva da Polícia Militar<br />

do Estado de São Paulo, também jornalista, escritor,<br />

cantor e compositor Sargento Lago.<br />

O livro – disponível nos formatos impresso e e-<br />

book – é uma jornada de descobertas e autodescoberta<br />

que conduz o leitor a uma imersão no<br />

cotidiano da PM (sigla de Polícia Militar e Papa<br />

Mike, no alfabeto policial e nas comunicações<br />

via rádio) no Brasil, com especificidades por regiões<br />

e culturas, além de ser uma tentativa de o<br />

autor mostrar que os estereótipos focam nos aspectos<br />

negativos e anulam o sacrifício feito pelos<br />

profissionais da segurança.<br />

POR TRÁS DA FARDA<br />

Como parte do projeto Polícias Militares do<br />

Brasil, desenvolvido para registrar através de depoimentos<br />

e imagens a realidade dos quartéis<br />

da PM no país, Papa Mike é um misto de relato e<br />

Sargento Lago é da reserva da Polícia Militar do<br />

Estado de São Paulo, jornalista, escritor, cantor<br />

e compositor. Nasceu em Queluz, no leste do estado<br />

de São Paulo, na microrregião de<br />

Guaratinguetá, mas passou a infância no estado<br />

do Rio de Janeiro: primeiro em Piraí, depois em<br />

Resende e em Angra dos Reis, onde o pai era<br />

pastor da Igreja Evangélica Assembleia de Deus.<br />

Comunicação e conteúdo<br />

sargentolago@hotmail.com<br />

(11) 98259-1412<br />

https://pbs.twimg.com<br />

- 51 -<br />

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<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

cordel<br />

A Mário Carabajal<br />

Joabnascimento<br />

Camocim, CE, Brasil<br />

@: joaobnascimento55@gmail.com<br />

No ano de cinquenta e oito<br />

Oriundo de um amado coito<br />

Nascia esse fruto de inteligência<br />

Proveniente de um amor igual a dropes<br />

Olegário e Manuela Cacilda Lopes<br />

Vinha ao mundo esse ser de pura<br />

inocência.<br />

Surgido nos Pampas gaúchos<br />

Sem muito conforto e nem luxo<br />

De uma matéria sem igual<br />

Para iluminar a ciência<br />

Com seus ideais e sapiência<br />

Deus nos envia Mário Carabajal.<br />

Desde criança tinha o dom<br />

De artista já trazia o tom<br />

Das notas certeiras musicais<br />

Aos quatro anos de idade<br />

Parecendo já ter maioridade<br />

Já vislumbrava os seus ideais.<br />

Nos gramados desfilava afinal<br />

Entre Grêmio e Internacional<br />

Deu os seus primeiros pontapés<br />

Ganhando alguns campeonatos<br />

Já era um artista nato<br />

Esse nobre gaúcho de Bagé.<br />

Assistiu de pé na sacada<br />

Em frente da sua morada<br />

O forte Golpe Militar<br />

Soldados entrincheirados<br />

Com armas bem preparados<br />

Dispostos a lutar.<br />

No ano em que a lua foi visitada<br />

A esfera lunar conquistada<br />

Seu pai Deus o levou<br />

Na Escola Dom Bosco<br />

Num ato um tanto tosco<br />

Sua mãe o internou.<br />

No ano de setenta e três<br />

Chegava a sua vez<br />

Assim veio a trabalhar<br />

No grupo de Paulo Pimentel<br />

Desenvolveu um grande papel<br />

Ao poder secretariar.<br />

Nas indústrias Parmazon<br />

Ele também deu o tom<br />

Atuou como secretário<br />

Com bastante determinação<br />

Luta e organização<br />

Ganhando seus honorários.<br />

Acompanhou Carlos Carabajal<br />

Baterista e empresário musical<br />

Tocando o seu bangô<br />

“The Brazilian Band Supreemes”<br />

Foi a hélice do seu leme<br />

Pelo o Brasil viajou.<br />

Depois da vida de artista<br />

Fez exame na Brigada Paraquedista<br />

Na cidade do Rio de Janeiro<br />

Ao Exército bem serviu<br />

Depois tranquilo desistiu<br />

Apesar de passar no lugar primeiro.<br />

Conheceu a pobreza e a riqueza<br />

No Bairro de Santa Tereza<br />

E na Favela da Rocinha<br />

Desistiu da carreira militar<br />

Por não poder concordar<br />

Com algumas picuinhas.<br />

Depois de ser bancário<br />

Gerente intermediário<br />

Com os irmãos associou<br />

Empresa de publicidade<br />

Central de cobrança na cidade<br />

Para Roraima imigrou.<br />

Ao se formar ingressou<br />

Na função de professor<br />

Como funcionário federal<br />

Imóveis e contabilidade<br />

Exercendo essas habilidades<br />

Trabalhou também afinal.<br />

Defensor da sua cultura<br />

Fomentou com bravura<br />

A criação de um CTG<br />

Com chula, malambo e poesia.<br />

Danças gaúchas ele cria<br />

A invernada gaúcha faz crescer.<br />

Licenciado em <strong>Ed</strong>ucação Física<br />

Especializa-se em Pesquisa Científica<br />

Mas consegue num breve dia<br />

Com tese no seu doutorado<br />

Pela Dra. Kátia foi bem orientado<br />

Doutorando em cinesiologia.<br />

Forma-se em Psicanálise Clínica<br />

Aperfeiçoa sua técnica<br />

Concluindo o seu mestrado<br />

Psicomaturação da Consciência Humana<br />

Tese que logo emana<br />

Para seu pós-doutorado.<br />

Tentou ser deputado<br />

Mas Deus compenetrado<br />

Não permitiu tal fato<br />

A ele deu outras missões<br />

Importantes decisões<br />

Na vida deste artista nato.<br />

Após exercer cargos importantes<br />

Mário não se cansou um instante<br />

Em criar as academias escolares<br />

Fundou a Academia Roraimense de Letras<br />

Com sabedoria ele penetra<br />

Na edição de seus vários exemplares.<br />

Academia de Letras do Brasil<br />

Fundada de forma viril<br />

Por esse grande imortal<br />

Com secção na Suíça<br />

Hoje é fonte de cobiça<br />

No âmbito intelectual.<br />

Autor de inúmeros livros<br />

Esse imortal, ainda vivo.<br />

Mantém uma luta constante<br />

Contra a corrupção e a fome<br />

A injustiça que nos consome<br />

A liberdade de imprensa falante.<br />

Pai de Emannuely e Karine<br />

Esse ser ainda exprime<br />

Seu amor familiar<br />

Ao lado da Doutora Dinalva<br />

Seu amor que o acalma<br />

Toda hora a lhe amar.<br />

Oferto esse humilde cordel<br />

Ao nobre menestrel<br />

Grande Mestre Imortal<br />

Com palavras simples explico<br />

Sua vida em versos dedico<br />

Ao ilustre Mário Carabajal.<br />

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<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

fotografia<br />

AS RIQUEZAS DO MEU LAR<br />

Classificação: 1º lugar<br />

Aprendendo com as “lentes da alma”<br />

O projeto “AS RIQUEZAS DO MEU LAR” foi desenvolvido<br />

na aldeia indígena de Panambizinho no Estado<br />

de Mato Grosso do Sul, Brasil. Pelas professoras Bianca<br />

Marafiga e Rosane Costa. Seu maior objetivo é o de proporcionar<br />

momentos únicos, a partir de diferentes ângulos e perspectivas<br />

sobre as riquezas presente no cotidiano e nos lares<br />

dos alunos ameríndios.<br />

Riquezas estas repletas de elementos sociais, ambientais<br />

e culturais. Nas áreas indígenas esta importância reforça-se,<br />

considerando-se a forte relação que esses povos, especialmente<br />

os Guarani-Kaiowá, possuem com a terra e com a natureza.<br />

Há uma importância dualista entre espaço físico e espaço<br />

das relações socioculturais e cosmológicas denominada<br />

por esse povo como tekohá. (PEREIRA, 2004).<br />

O projeto proporcionou aos estudantes momentos<br />

de registros de seus lares, onde eles próprios definiram seus<br />

conceitos de riquezas contidas em seus espaços diários. Um<br />

desafio inspirador. Com uma máquina fotográfica ou celulares<br />

com câmaras em suas mãos, com a total liberdade de registrar<br />

o que viram e sentiram, suas fotos são surpreendentes.<br />

As imagens participantes no concurso foram utilizadas<br />

pelos professores no desenvolvimento de atividades dentro<br />

do planejamento nas mais diversas áreas, contribuindo<br />

para uma dinamização do ensino e aprendizagem dos conteúdos<br />

e da vida. Possibilitou aos alunos produzirem mais que<br />

uma foto, mas obras de arte inseridas diante de suas realidades.<br />

Para a professora Bianca Marafiga, uma das coordenadoras<br />

do Projeto, a introdução da fotografia como material<br />

didático e metodológico foi fundamental para o aprendizado<br />

nos anos iniciais do Ensino Fundamental. “A utilização<br />

deste recurso proporcionou uma atividade com maior senso crítico sobre<br />

a realidade que os envolvem. O uso da linguagem fotográfica nas<br />

escolas é uma grande ferramenta de auxílio na aprendizagem dos alunos<br />

de diferentes anos e programas, contribuindo para o desenvolvimento<br />

da cultura visual” avaliou.<br />

Classificação: 2º lugar<br />

Classificação: 3º lugar<br />

- 53 -<br />

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ISSN 2525285-2<br />

9 772525 285002

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