Revista Criticrtes 6 Ed
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o verdadeiro<br />
cordelista<br />
Por Rogério Fernandes Lemes<br />
Pág. 23<br />
1º Trim. (Jan-Mar) 2017<br />
Ano II nº. 6<br />
ISSN 2525285-2<br />
9 772525 285002<br />
PUBLICANDO NOVAS IDEIAS<br />
“Linda, uma história horrível”,<br />
de Caio Fernando Abreu:<br />
a figurativização da AIDS e os temas<br />
exílio e decadência<br />
Pág. 15<br />
As lembranças e as coisas<br />
Pág. 25<br />
Entrevista<br />
O encantador de palavras<br />
viviane<br />
mosé<br />
Pág. 5<br />
Pág. 27<br />
A Mário Carabajal<br />
Literatura de Cordel<br />
Pág. 52<br />
Projeto “As Riquezas do meu Lar”<br />
Aldeia Indígena do Panambizinho, MS<br />
Pág. 53<br />
o Figurativo Moderno de Clayton Silva Pág. 8
Sumário<br />
entrevista<br />
Viviane Mosé (Por Rogério Fernandes Lemes), 5<br />
O estilo Figurativo Moderno (Clayton Silva), 8<br />
Desabafo (Ana Maria Bernardelli), 10<br />
Entretons (Viviane Schiller Balau), 10<br />
Não é minha vontade (José Cambinda Dala), 10<br />
Traição (Antônio Amaro Alves), 11<br />
O amor (Jakson Aguirre), 11<br />
Busca (Ivan Leite), 12<br />
Musa e o Mar (Marcelo de Oliveira Souza, iwa), 12<br />
Sentimental (Pérola Bensabath), 12<br />
A boca cerrada (Mary Acosta), 13<br />
Colheita (Lindita), 13<br />
Dançar (Maria Felicori {Vó Fia}), 13<br />
Estrela-Guia (Carmo Vasconcelos, IWA), 13<br />
Vengase a festejar (Reyna Valenzuela Contreras), 14<br />
Espaldar de plumas (Victor Hugo Valledor), 14<br />
“Linda, uma história horrível”, de Caio Fernando Abreu: a figurativização da<br />
AIDS e os temas exílio e decadência (Silvana do Carmo Seffrin), 15<br />
Ecossistemas Urbanos: sustentabilidade socioambiental (Maria Cleonide Santos), 21<br />
Coisas que acontecem (Djalma Amorim Ramos), 22<br />
O verdadeiro cordelista (Rogério Fernandes Lemes), 23 Cordel<br />
Versos na areia (Adail Alencar), 24<br />
Quem é essa (JoáDijú), 24<br />
Covarde (Antônio Amaro Alves), 24<br />
As lembranças e as coisas (Isloany Machado), 25<br />
“A vibração e o fôlego” (Morphine Epiphany), 26<br />
A super Lua (Heloisa Crespo), 26<br />
Sol, meu dia... (Ana Carvalhosa), 26<br />
O encantador de palavras (Dinovaldo Gilioli), 27<br />
A irmã de Jone (Leomária Mendes Sobrinho), 28<br />
Rodas do mundo (Joana Alencastro), 29<br />
Esperança (Marina Gentile), 29<br />
O chatólogo Figueiredo (Cahoni Chufalo), 30<br />
Liberdade do poeta (Varenka de Fátima Araújo), 32<br />
Suicídio (Dina Alenquer), 32<br />
Oração pelo menino Jesus (Lúcia Morais), 33<br />
Mercado revelado (Evelyn Renard da Silva Nunes), 33<br />
Negação (Aliel Selet), 33<br />
Espelho de Cristal (Leunira Batista Santos Sousa), 34<br />
Sussurros da noite (Samuel Pedral), 34<br />
O gênio incompreendido (Kamba Kabeto), 34<br />
Do alto (para Manoel de Barros) (Elias Borges), 35<br />
Duas lágrimas (Ana Almeida Zaher), 35<br />
Tutela Penal: uma necessidade contra o crime de biopirataria no Brasil<br />
(Bianca Marafiga), 36<br />
A mulher e a Psicanálise (Wildicleia de Oliveira Santos Lopes), 38<br />
Bring me the disco king (Tim Soares), 39<br />
Âmago (...) (Merlin Magiko), 39<br />
Se a virtualidade é máscara, o que mascara? (Maria Teresa M. Freire), 40<br />
Nós, só nós (Pamela Lima), 41<br />
Biografia de Aral Moreira, por Luiz Alfredo Marques Magalhães: A<br />
importância do registro da história dos moradores da região, para<br />
preservação de sua cultura (Simone Possas Fontana), 43<br />
Bazófias de um cantador pai dégua - o maior cordel do mundo (Beto Brito), 49 Cordel<br />
Polaroide (Danielle Andrade), 50<br />
A Mário Carabajal (Joabnascimento), 52 Cordel<br />
Projeto AS RIQUEZAS DO MEU LAR (Concurso de Fotografias), 53<br />
1º Trimestre 2017 Ano II nº. 6<br />
Janeiro-Março<br />
Distribuição eletrônica e gratuita através da<br />
plataforma Yumpu. A reprodução dos textos é<br />
permitida, desde que sejam atribuídos os créditos<br />
aos seus autores e à <strong>Revista</strong> Criticartes especificando<br />
a edição correspondente.<br />
EXPEDIENTE<br />
Publicação trimestral<br />
Idioma<br />
Português Brasil<br />
Endereço eletrônico<br />
www.revistacriticartes.blogspot.com.br<br />
Redação<br />
(67) 99939-4746<br />
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Design<br />
BIBLIO <strong>Ed</strong>itoração Eletrônica<br />
Foto da capa<br />
Christian Gal<br />
CONSELHO EDITORIAL<br />
ROGÉRIO FERNANDES LEMES<br />
Idealizador e <strong>Ed</strong>itor-Chefe<br />
Jornalista MTB 1588/MS<br />
ELIAS BORGES DE CAMPOS<br />
Cientista Social, Poeta, Contista<br />
Membro da UBE-MS<br />
MARIA TERESA MARINS FREIRE<br />
Jornalista pela UFPR<br />
Doutora em Comunicação e Saúde pela PUCPR<br />
Consultora em Comunicação e <strong>Ed</strong>ucação<br />
DRT 17795/PR<br />
BIANCA MARAFIGA<br />
Especialista em <strong>Ed</strong>ucação e Gestão Ambiental<br />
Mestre em Biologia Geral/Bioprospecção<br />
DAVI ROBALLO<br />
Escritor e Jornalista<br />
DRT 697/MS<br />
NENA SARTI<br />
Poetisa, Contista e Cronista<br />
Membro da Academia de Letras do Brasil<br />
Seccional MS<br />
JOSÉ AMÉRICO DINIZZ JÚNIOR<br />
Professor Universitário<br />
Mestre em Ciências da Religião<br />
VALÉRIA GURGEL<br />
Escritora, Compositora e<br />
Professora de História<br />
Confira as Normas para Publicação em:<br />
www.revistacriticartes.blogspot.com.br<br />
/revistacriticartes
Ao chegar em sua 6ª edição, a <strong>Revista</strong> Criticartes<br />
comemora não apenas o seu primeiro aniversário,<br />
mas a aceitação do público leitor do Brasil e de mais<br />
onze países, através da representação e participação<br />
de seus escritores colaboradores.<br />
A cada edição, novos autores apresentam-se<br />
motivados pelo desejo em participar e contribuir e,<br />
desta forma, fortalecer a Literatura. Poemas, artigos,<br />
crônicas, contos, artes plásticas são as novidades para<br />
esta edição, além de dicas de livros e filme.<br />
A entrevistada desta edição é a filósofa e poetisa<br />
Viviane Mosé falando sobre a condição humana e a<br />
influência da poesia na vida das pessoas.<br />
O leitor encontra espaço para comentar e participar<br />
da edição seguinte bastando, para isto, enviar<br />
suas considerações sobre o conteúdo da Criticartes<br />
através do endereço eletrônico:<br />
revistacriticartes@gmail.com<br />
Boa leitura!<br />
Rogério Fernandes Lemes<br />
Idealizador e <strong>Ed</strong>itor-Chefe<br />
Jornalista MTB 1588/MS<br />
Capa da 5ª edição<br />
/revistacriticartes
Com a palavra...<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
“Quero parabenizar a <strong>Revista</strong> Criticartes pelo seu primeiro ano de ensinamento<br />
virtual e pela oportunidade dada aos poetas que vestem essa<br />
camisa; que os anos se multipliquem e nos concedam sempre oportunidades<br />
de divulgar nossos trabalhos. É uma honra fazer parte desse<br />
mundo literário virtual. Deixo aqui meus sinceros agradecimentos”.<br />
Marta Amaral<br />
Arapiraca, AL<br />
depoimentos<br />
“Agradeço por ter sido capa da 4ª edição da Criticartes. Minha autoestima<br />
está elevada e minha inspiração, maior. Foi através da<br />
Criticartes que tive a oportunidade também de ser parte do acervo<br />
do Blog Letras Taquarenses e agora com uma matéria na Academia<br />
Frei Inocenciana de Letras”.<br />
Suely Ecosys<br />
Coronel Fabriciano, MG<br />
“Parabéns à <strong>Revista</strong> Criticartes e a seu Idealizador e <strong>Ed</strong>itor Rogério<br />
Fernandes Lemes por nos proporcionar o contato com o novo, como<br />
é o caso do ecosys e da sua autora, a escritora Suely Sabino, que temos<br />
a alegria de promover”.<br />
Antonio Cabral<br />
Jacarepaguá, RJ<br />
“De cunho puramente literário e exalando em cada parágrafo, em cada<br />
frase, uma verdade a ser desvelada por olhos atentos, a <strong>Revista</strong><br />
Criticartes é uma leitura indispensável para o enriquecimento cultural<br />
de quem o quer adquirir”.<br />
Cláudio Dortas Araújo<br />
Estância, SE<br />
“Acredito que a cada dia, os caminhos trilhados nos levam às conquistas.<br />
O ‘marcar metas’ é fundamental para alcançarmos finalidades.<br />
Parabéns para a <strong>Revista</strong> Criticartes e para o seu idealizador, o escritor<br />
e poeta Rogério Fernandes Lemes. Um ano de fundada; ano<br />
em que o meio literário deve festejar o empreendimento sério e atuante”.<br />
Pérola Bensabath<br />
Salvador, BA<br />
“A revista Criticartes, traz um formato inovador, pois além de reuniões<br />
de textos literários, científicos e poéticos, apresenta o que podemos<br />
chamar de reuniões de sonhos. Sendo assim, não poderia deixar<br />
de lembrar quem um dia sonhou e idealizou esta revista, o escritor e<br />
poeta Rogério Fernandes Lemes. Enquanto autora e leitora venho,<br />
por meio destas palavras, agradecer a revista Criticartes pelos bons<br />
momentos vividos neste período de um ano”.<br />
Profa. Bianca Marafiga<br />
Dourados, MS<br />
- 4 - www.revistacriticartes.blogspot.com.br
entrevista<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
da mais intensa. É nesse sentido a<br />
frase do Nietzsche “o que não me<br />
mata, me fortalece”.<br />
Criticartes: Como Viviane Mosé percebe<br />
e compreende a literatura brasileira<br />
em uma época com forte apelo ao politicamente<br />
correto? As manifestações<br />
populares regionais seriam forçadas a<br />
uma reconfiguração cultural para não<br />
incorrerem em crime entendido como<br />
ataque à dignidade da pessoa humana?<br />
Por Rogério Fernandes Lemes - Jornalista<br />
vivianemosé<br />
serem grandiosas. A poesia nos tira<br />
da mediocridade.<br />
Criticartes: A senhora trata de alguns<br />
conceitos como poesia, sofrimento,<br />
violência e Nietzsche. Falaremos sobre<br />
cada um deles. Primeiramente a<br />
poesia. É possível uma definição poética<br />
sobre a poesia? Se for isso possível,<br />
poderia o ser humano tornar-se mais divinizado<br />
pela ação da poesia?<br />
Viviane Mosé: A poesia é o exercício<br />
da síntese, não uma síntese de<br />
palavras, mas uma síntese de sentido<br />
e valor, o que significa uma busca<br />
pelo que realmente importa.<br />
Dizer palavras bonitas ou dizer<br />
um texto bonito isso não é poesia.<br />
Poesia é atingir a vida pura e bruta,<br />
sem subterfúgios, e a vida nem<br />
sempre é bela. Então é um exercício<br />
de coragem. Precisamos exercer<br />
a nossa coragem de lidar com o<br />
que é grandioso, inexplicável, como<br />
é a vida. Mas preferimos não<br />
pensar, não sentir, não saber, não<br />
ver. A arte faz com que as pessoas<br />
consigam ter contato com a parte<br />
mais difícil da vida e também com<br />
as mais belas, porque a beleza e a<br />
alegria também nos assustam por<br />
Foto: Christian Gal<br />
Criticartes: Qual a relação e a importância,<br />
no seu entender, da filosofia<br />
enquanto um instrumento de elevação<br />
metafísico e suprassensível com<br />
a poesia e sua efetiva atuação na compreensão<br />
ou aceitação do sofrimento<br />
humano?<br />
Viviane Mosé: A filosofia e a poesia,<br />
assim como a arte de modo geral,<br />
são ferramentas, instrumentos,<br />
modos de lidar com o sofrimento,<br />
com a solidão, com a condição<br />
da existência, com a finitude,<br />
com a perda, não como aceitação<br />
ou conformismo, mas como<br />
uma nova ação, ou como inovação.<br />
Diante da dor podemos nos<br />
vitimizar, ou nos conformar, mas<br />
podemos ainda nos potencializar,<br />
quer dizer, podemos ficar mais fortes.<br />
A arte potencializa o humano,<br />
torna a vida ainda melhor. É como<br />
se o sofrimento que nos derruba<br />
tanto, quando enfrentado e vivido<br />
esteticamente com consciência,<br />
com filosofia, poesia, vida, esse<br />
sofrimento pudesse tornar a vi-<br />
Viviane Mosé: O politicamente<br />
correto é uma caretice, uma besteira,<br />
uma tentativa de controle, um<br />
modo de pasteurização das ações.<br />
Não é isso viver. É preciso ter bom<br />
senso e o bom senso significa avaliar<br />
as coisas de modos diferentes<br />
considerando a pluralidade.<br />
Então, o politicamente correto gera,<br />
na verdade, polícias ou pessoas<br />
que se dizem os guardiões do meio<br />
ambiente ou da moral, enfim, o<br />
politicamente correto não dá. Um<br />
exemplo disso foi o absurdo julgamento<br />
porque passou Monteiro<br />
Lobato; por falta de considerar o<br />
contexto buscaram crucificar um<br />
dos maiores responsáveis por incentivar<br />
a leitura infantil no<br />
Brasil. Não seria melhor trazer o tema<br />
para os dias atuais e ressignifica-lo?<br />
Ou seguiremos construindo<br />
borrachas mágicas, ilusórias, para<br />
apagar nossa história?<br />
Criticartes: O sofrimento é realmente<br />
bom? Ou seria apenas um subterfúgio<br />
requintado e poético pensar assim?<br />
Viviane Mosé: O sofrimento não<br />
é bom nem ruim. O sofrimento é<br />
próprio da vida. O que define o sofrimento<br />
é o fato não só de nascermos<br />
e morrermos, mas de termos<br />
consciência disso. Enquanto vivemos<br />
sabemos que a vida é provisória.<br />
Essa provisoriedade nos faz<br />
construir uma cultura que quer<br />
nos vender a sensação de perma-<br />
- 5 - www.revistacriticartes.blogspot.com.br
nência, de estabilidade. Então, essa<br />
ilusão, essa tentativa de fingir<br />
que a vida não é o que de fato é,<br />
instável, inconstante e por isso<br />
também belíssima, mas, imprevisível<br />
e necessariamente finita, é o<br />
que mais nos faz sofrer. Mas esse<br />
sofrimento pode ser o impulso para<br />
nos fazer viver mais e melhor, é<br />
o que Nietzsche afirma: todas as<br />
ilusões para tentar nos livrar da vida<br />
só nos tornam impotente, o<br />
que só aumenta nossa dor de existir.<br />
Portanto o sofrimento não é<br />
bom nem ruim, é um fato, sendo<br />
um fato deve ser encarado de frente.<br />
Criticartes: Sua compreensão diante<br />
de um problema difere, obviamente,<br />
do grande público adepto do culto à<br />
dor. Ao questionar o sofrimento sobre<br />
quais benefícios trará para sua vida,<br />
vida esta compreendida como um kit<br />
complexo e que torna, cada um de nós,<br />
como portadores do infinito, eu pergunto:<br />
o que falta para que as pessoas<br />
compreendam isso e transformem em<br />
senso comum para que sofram um pouco<br />
menos?<br />
Viviane Mosé: Você pergunta o<br />
que falta para as pessoas perceberem<br />
que o sofrimento pode ser importante<br />
para as suas vidas? É só<br />
elas olharem para suas vidas como<br />
ela está agora que elas lutam tanto<br />
contra o sofrimento. Então, as pessoas<br />
que mais lutam contra o sofrimento<br />
são as pessoas que mais sofrem<br />
e, para perceber isso, é só fazer<br />
uma leitura diária do seu cotidiano<br />
e perceber que ter curtidas<br />
nas redes sociais, ter roupas, ter objetos<br />
ou fazer viagens não faz ninguém<br />
viver bem. Viver bem é um<br />
processo interno de habitar o próprio<br />
corpo e viver o presente, o instante,<br />
a vida como ela é.<br />
Criticartes: A senhora concorda que<br />
a solidão é a maior tragédia humana?<br />
E os poetas? Seriam dotados de pode-<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
res capazes de ajudar as pessoas na superação<br />
e no enfrentamento de seus<br />
medos?<br />
Viviane Mosé: Quanto à solidão<br />
eu penso exatamente o contrário,<br />
a solidão é espaço de fortalecimento,<br />
de reagrupamento das forças;<br />
é da solidão que nasce a poesia,<br />
tão cara, tão importante, tão<br />
valorosa. Então na verdade a poesia,<br />
para mim, é um instante poético;<br />
é o momento em que eu me sinto<br />
vivendo o presente. Neste momento,<br />
que é extremamente agradável,<br />
as palavras ficam abraçadas<br />
umas às outras como se todos os<br />
sentidos me abordassem e eu pudesse<br />
brincar com tudo aquilo. A<br />
minha busca é por um instante<br />
poético e é, esse instante, que me<br />
dá essa leveza com as palavras, essa<br />
fluidez. O que me leva a um instante<br />
poético é um processo de livramento,<br />
o momento em que eu<br />
me livro do que não importa, do<br />
que eu acho que importa, mas não<br />
importa; do que eu carrego como<br />
subterfúgio, porque faz parte do<br />
processo ter subterfúgios, mas,<br />
neste momento eu me livro desses<br />
subterfúgios e me encontro, de fato,<br />
com o que eu chamo da vida pura<br />
e bruta. E isso é muito agradável<br />
para mim porque daí nasce a poesia.<br />
Eu só posso encontrar isso vivendo<br />
a solidão, então solidão, par<br />
a m i m , é u m a a l e g r i a .<br />
Atualmente eu fico contando os<br />
minutos para ficar sozinha, e amo<br />
ficar sozinha e imagino que vou ficar<br />
feliz velha vivendo a solidão.<br />
Velhice que já está chegando para<br />
mim.<br />
Como enfrentar a solidão? Não há<br />
o que enfrentar na solidão. O que<br />
há para enfrentar é a condição da<br />
existência. Essa condição é dura e<br />
feliz porque se eu nasci e vou morrer,<br />
se minha vida é um intervalo<br />
entre uma coisa e outra é preciso<br />
valorizar cada minuto desse tempo.<br />
Ele é único. O porquê eu estou<br />
entrevista<br />
aqui? Para onde eu vou?<br />
Provavelmente eu não vou descobrir,<br />
mas será que importa descobrir?<br />
Talvez importe mais viver. Eu<br />
vou viver essa vida que me foi dada<br />
com dignidade em cada minuto,<br />
tanto na alegria quanto no sofrimento,<br />
porque isso é temporário,<br />
não é? Então eu quero viver o que<br />
eu tenho para viver. E se essa é<br />
uma postura, as coisas se encaixam<br />
melhor, o desencaixe talvez seja<br />
muito mais produtor de sofrimento<br />
do que o que a gente atribui<br />
para o sofrimento.<br />
Criticartes: Em um de seus poemas<br />
há uma receita para “limpar” palavras<br />
sujas. E para as palavras violentas<br />
como ódio, crueldade, desprezo, indiferença<br />
e soberba? Existe uma receita<br />
para nos protegermos delas?<br />
Viviane Mosé: Quando você diz<br />
que palavras como ódio, crueldade,<br />
desespero, indiferença e soberba<br />
são violentas, você está sujando<br />
essas palavras. As palavras são molduras<br />
vazadas, o sentido é sempre<br />
móvel. Então eu vou te dar um<br />
exemplo: a palavra amor, talvez você<br />
a considere uma bela palavra.<br />
Mas não. Eu, por exemplo, posso<br />
dizer para o meu filho “eu estou fazendo<br />
isso por amor”. Mas, na verdade,<br />
o que eu estou dizendo com<br />
‘amor’ pode ser visto por ele como<br />
crueldade. Então, qual é a melhor<br />
palavra? A palavra amor é uma palavra<br />
melhor? Não. A palavra<br />
amor não diz nada. O que diz é o<br />
acordo estabelecido entre quem fala<br />
e quem ouve naquele determinado<br />
momento. Então não tem<br />
palavra violenta, não tem palavra<br />
feia, não tem palavra torta só tem<br />
palavra suja, palavra suja é quando<br />
ela está impregnada de sentido. A<br />
gente tem que reagrupar o poder<br />
de leveza das palavras para elas poderem<br />
voltar a comunicar.<br />
Criticartes: Como a senhora percebe<br />
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entrevista<br />
a influência de Nietzsche no pensamento<br />
poético pós-moderno? Existe essa<br />
influência?<br />
Viviane Mosé: Nietzsche é um dos<br />
autores mais lidos no contemporâneo,<br />
mais citados em rede social.<br />
Ele é bastante marcante entre<br />
jovens, entre adultos e velhos, enfim,<br />
e o porquê disso? A base do<br />
pensamento de Nietzsche é uma<br />
leitura da história da civilização.<br />
Ele começa com os gregos e chega<br />
até o contemporâneo. Na verdade,<br />
ele chega até o final do século<br />
XIX quando enlouqueceu e parou<br />
de escrever, mas a base da análise<br />
do Nietzsche é que a civilização estava<br />
se movendo por valores ilusórios.<br />
É como se a civilização quisesse<br />
acabar com o sofrimento ou mudar<br />
o rumo da natureza, e isso é impossível.<br />
Então, a história da civilização,<br />
para Nietzsche, é uma contra<br />
natureza; luta contra a natureza,<br />
mas a natureza é muito maior<br />
do que o homem e do que a cultura<br />
humana e, em algum momento,<br />
esse choque vai fazer com que<br />
as estruturas do Ocidente se desfaçam<br />
em uma crise de valores, em<br />
uma mudança, inclusive da natureza.<br />
Nietzsche previu esse processo<br />
não tanto ambiental, porque<br />
não é a questão dele, ele fala muito<br />
da exaustão de um modelo de<br />
cultura que é baseado na exploração<br />
da natureza. Isso sem dúvida<br />
nenhuma. Ele acha que esse modelo<br />
vai se exaurir não por uma questão<br />
ambiental, mas por uma questão<br />
civilizatória. O homem não<br />
consegue controlar a vida e essa falta<br />
de controle vai cada vez mais<br />
aparecer e desfazer a base do pensamento<br />
ocidental. Então é como<br />
se ele tivesse dizendo que nós estamos<br />
apontando para um outro<br />
momento da cultura, que é refazer<br />
o conceito de ser humano e de vida;<br />
o homem parar de lutar contra<br />
a vida e dar as mãos a ela. É nesse<br />
sentido que eu valorizo o sofri-<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
mento. Não chamar o sofrimento<br />
para si ou querer o sofrimento,<br />
mas compor com o sofrimento, potencializando<br />
a vida e produzindo<br />
arte a partir daí, quer dizer, potencializar<br />
a vida a partir do sofrimento<br />
e não tentar acabar com o<br />
sofrimento, por exemplo, comprando<br />
e usando medicação psiquiátrica.<br />
É nesse sentido que o<br />
Nietzsche coloca a questão do sofrimento.<br />
Criticartes: A <strong>Revista</strong> Criticartes foi<br />
pensada como ponto de encontro entre<br />
autores e leitores oferecendo, gratuitamente,<br />
conteúdo de qualidade para o<br />
fortalecimento da leitura. Ler mais para<br />
ser um “portador do infinito”.<br />
Acredita-se que esse objetivo é alcançado<br />
em cada edição. Qual a sua mensagem<br />
de incentivo aos novos poetas e escritores<br />
brasileiros que acompanham<br />
seu trabalho?<br />
Viviane Mosé: Claro que uma revista<br />
que traga literatura, que fale<br />
de literatura é importante, sem dúvida<br />
nenhuma. É um espaço de<br />
troca acessível a todo mundo pela<br />
internet, enfim, é superimportante.<br />
A leitura é valiosa como exercício<br />
de interiorização, de pensamento,<br />
de reflexão, de coragem e<br />
de solidão. A leitura é uma excelente<br />
parceria para a solidão, assim<br />
como a música, assim como o<br />
cinema e a pintura. Minha mensagem<br />
de incentivo aos escritores: escrevam.<br />
Escrevam sempre. Leiam,<br />
escrevam, se manifestem. A poesia<br />
é um bálsamo, um presente para<br />
quem tem sensibilidade para senti-la<br />
mesmo que não escreva, e, para<br />
quem escreve, ainda mais.<br />
Criticartes: Em nome da <strong>Revista</strong><br />
Criticartes, de seus autores colaboradores<br />
e leitores no Brasil e em onze países,<br />
agradeço por sua atenção e gentileza<br />
em conceder-me esta importante entrevista.<br />
Sinta-se à vontade para suas<br />
considerações finais.<br />
Viviane Mosé: Quero agradecer o<br />
espaço dessa entrevista e espero<br />
que essas questões sejam cada vez<br />
mais discutidas, especialmente entre<br />
escritores e leitores de poesia.<br />
OBRAS DE VIVIANE MOSÉ<br />
Poesia<br />
Toda Palavra, (2008)<br />
Pensamento chão, (2007)<br />
Desato, (2006)<br />
Receita para lavar palavra suja,<br />
(2004)<br />
Escritos, (1990)<br />
Imagem Escrita, (1999);<br />
7 + 1, Francisco Alves (1997).<br />
Filosofia e Psicanalise<br />
A E s c o l a e o s D e s a f i o s<br />
Contemporâneos, (2013)<br />
O Homem que Sabe, (2011)<br />
A Resistência Tapuia na<br />
Capitania do Espírito Santo?<br />
(2009)<br />
Nietzsche e a grande política da<br />
linguagem, (2005)<br />
Beleza, feiúra e psicanálise, (2004)<br />
Stela do Patrocínio - Reino dos bichos<br />
e dos animais é o meu nome,<br />
(2002)<br />
Assim Falou Nietzsche, (1999)<br />
O homem que sabe (2011)<br />
Um discurso sobre a condição do homem;<br />
uma reflexão sobre a modernidade.<br />
http://www.record.com.br<br />
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<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
Artes plásticas<br />
Clayton Silva<br />
e seu estilo Figurativo Moderno<br />
Por Zita Ferreira Braga - Diário de Notícias - Lisboa, Portugal<br />
Personagens enigmáticos, muitas vezes cômicos,<br />
evocam as cortes reais do passado com um toque<br />
contemporâneo. Através da visão única do artista<br />
Clayton Silva, as pinturas expressam histórias fantásticas<br />
de um aparente futuro medieval. Vestuários e ambientes<br />
suntuosos transportam o observador a este universo<br />
inquietante, recheado de mistério e extravagância.<br />
Todos os elementos completam-se, juntos criam um<br />
‘lugar’ e a realidade é transfigurada.<br />
Na contemporaneidade do trabalho de Clayton<br />
Silva destacam-se elementos circenses através da figura<br />
do palhaço, o bobo da corte, uma figura frequentemente<br />
subversiva e transgressora de regras e padrões preestabelecidos.<br />
As expressões dos palhaços medievais de<br />
Clayton Silva fazem o observador pensar; reforçam a<br />
mensagem do artista sobre a sua percepção e interpretação<br />
da vida.<br />
As expressões faciais de seus personagens estão<br />
em constante mudança durante a comunicação com o<br />
observador, deturpam a verdade, examinando-as profundamente<br />
revelam um número ilimitado de emoções.<br />
As narrativas cuidadosamente concebidas servem<br />
para tornar a condição humana transparente.<br />
Nessa futura Idade Média, o artista goza de total<br />
liberdade, brinca com a ilusão do real dentro de um universo<br />
ficcional. Clayton Silva nasceu em 20 de novembro<br />
de 1973 em Jundiaí, Brasil. Com Mais de 40 exposições<br />
no currículo sendo que três delas internacionais.<br />
Lisboa, Buenos Aires e Moscou. Obras vendidas a colecionadores<br />
de Portugal, Espanha, França, Holanda,<br />
Alemanha, Argentina, Rússia, Estados Unidos e<br />
Canada.<br />
“minhas telas todas são óleo sobre tela texturizada”<br />
“Drink Portenho” - óleo sobre tela - 70 x 50 cm Clayto Silva em Paris no ano de 2014<br />
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<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
Artes plásticas<br />
“Vita di Buffon” - óleo sobre tela - 60 x 50 cm<br />
“minhas telas todas são óleo<br />
sobre tela texturizada”<br />
“Dom Quixote” - óleo sobre tela - 60 x 50 cm<br />
“Irmão Sol, Irmã Lua” - óleo sobre tela - 70 x 30 cm<br />
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poesia<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
Desabafo<br />
Ana Maria Bernardelli<br />
Presidente da UBE/MS<br />
Campo Grande, MS, Brasil<br />
@: m.bernardelli@bol.com.br<br />
Já dizia o poeta com muita precisão:<br />
“Estou farto do lirismo comedido<br />
Do lirismo bem comportado<br />
Do lirismo funcionário público<br />
com livro de ponto expediente...”<br />
Pois é... realmente é muito, mas muito cansativo<br />
mesmo ouvir (ou ler) o que a “saparia” escreve<br />
sobre suas dores, seus amores, seus devaneios, suas<br />
idas e vindas...<br />
A Poesia é muito elegante. Aguenta, sem perder<br />
a pose, sonetos esqueléticos, aguados, sem sal,<br />
sem açúcar, que tentam, em vão, descobrir com sofreguidão<br />
(porque não acharam ainda) as pegadas<br />
que o lusitano deixou... para poucos, para muito<br />
poucos...!<br />
A Poesia releva a soberba e a prepotência dos<br />
que se julgam acima do Bem e do Mal ao depararem-se<br />
com a ARTE - mãe da essência do nosso espírito!<br />
A Poesia é muito tolerante. Suporta que em<br />
seu nome cabeças sejam laureadas e que, por falsas<br />
rimas – nunca com os cognatos – se vislumbrem novas<br />
torres de marfim!<br />
Enfim...!<br />
Nobre poeta, imagino quão profunda era a<br />
sua angústia a ponto de culminar em um desesperado:<br />
“estou farto!”<br />
Nada mudou, poeta!<br />
A Poesia do lirismo libertador chegou, deunos<br />
a graça da sua presença, rodopiou pelos salões,<br />
deu o seu recado com paixão e embevecimento e<br />
foi-se...!<br />
Alguns conseguiram, apaixonados, seguirlhe<br />
o perfume; outros, quedaram-se casmurros e resolveram<br />
erigir as suas torres medievais, como se o<br />
mundo da poesia lhes pertencesse.<br />
Esqueceram-se de que a POESIA não tem<br />
pátria, não tem dono, não tem horizonte, nem limites.<br />
Ela é, simplesmente. Uma extensão de Deus<br />
na sua onipotência, onipresença e onisciência!<br />
https://br.pinterest.com<br />
Entretons<br />
Viviane Schiller Balau<br />
Porto Alegre, RS, Brasil<br />
@: vivis.balau@gmail.com<br />
Quero ver vários<br />
Tons nesse arco-íris...<br />
Da vida que consiste em encontrar você<br />
Nesse mundo de sonhos para poder<br />
Um dia te amar e que esses momentos...<br />
De amor tenha tons de vermelho<br />
vindos do coração e<br />
Do branco, trazendo-nos a paz.<br />
E assim você meu amor<br />
Possa me ver em uma variação de tons<br />
Para sentir-me que meu<br />
sentimento de amar você<br />
É totalmente verdadeiro em meio a tantas<br />
Coisas que já passamos e alguns contratempos<br />
De querer que nosso amor...<br />
Possa ser eterno até a eternidade;<br />
Em quanto vivemos todo esse carinho<br />
Que sentimos em tons de vermelha paixão<br />
De poder e querer te amar com loucura<br />
E desejo de aprisionar seu coração<br />
Junto ao meu coração.<br />
Não é minha<br />
vontade<br />
José Cambinda Dala<br />
Namibe, Angola<br />
@: djosecambindadala@yahoo.com.br<br />
Saber viver, sempre quis<br />
Sei que ando fora dos carris<br />
Simplesmente há quem contradiz<br />
Soando, em meu caminho, vérmis<br />
Sustentando, no coração, a solidez.<br />
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Traição<br />
Antônio Amaro Alves<br />
Ipatinga, MG, Brasil<br />
@: antonioamaro.ipatinga@gmail.com<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
O amor<br />
Jakson Aguirre<br />
Rondonópolis, MT, Brasil<br />
@: jakson.aguirre@gmail.com<br />
poesia<br />
Há passos na escada,<br />
Com a porta trancada<br />
Nada se ouvia,<br />
E lá dentro o mundo<br />
Estremecia<br />
Ela na transversal<br />
E ele na diagonal<br />
Num esfrega sem igual.<br />
O calor que os consumia<br />
As carícias que acontecia<br />
Nada fora do normal.<br />
Anormal era o fogo que<br />
Ardia, as bocas que se<br />
Mordiam,<br />
Os gemidos em plena tarde<br />
Fria.<br />
O êxtase nem bem acontecia,<br />
Na porta a chave rangia<br />
E lá dentro ela enlouquecia<br />
E ele perdido se escondia.<br />
Algo caiu pela sala,<br />
Um barulho que anuncia<br />
A chegada do inesperado.<br />
Adentra o quarto aquele<br />
Que no retrato a segura pela<br />
Mão e em seu dedo em tom<br />
De oração lhe coloca no dedo<br />
Uma argola prometendo ser<br />
O homem dela... Na saúde,<br />
Na alegria e na dor, tudo isso<br />
Em nome do amor.<br />
Abuso e exploração<br />
sexual infanto-juvenil<br />
é crime. Denuncie!<br />
Disque 100<br />
É sigiloso e você salva uma vida.<br />
Apoio: <strong>Revista</strong> Criticartes<br />
O amor tem suas formas de amar,<br />
Desenvolto surpreende além do rigor<br />
Tabus, preconceito emana e inibe,<br />
O amor! Quem entende o amor?<br />
O amor quando chega derrama prazer,<br />
Sofre traumas, reconstrói, dissolve o horror,<br />
Não se entende o porquê segredo mistério!<br />
O amor? Só depende do amor.<br />
O amor se envaidece, rechaça os tabus<br />
Enlouquece e se esvai, emana o calor!<br />
Revoluta, reclama, esclarece e se explica!<br />
Entre os seres o amor se resulta e se dá.<br />
O amor enaltece, renova e refaz,<br />
Faz do velho, criança, rejuvenesce o ser,<br />
Recompõe e agrada, rechaça o pudor<br />
Do amor só é maior o próprio amor.<br />
O amor verdadeiro não mente, é real,<br />
Transforma em bondade o coração do arrogante,<br />
Revoga a incerteza trazendo a certeza,<br />
O amor é tão grande como o próprio amor.<br />
O amor reconhece a pequenez do ser,<br />
E feliz capacita lhes dando prazer,<br />
Reveste de vida renova e encanta,<br />
E quem já está caído o amor o levanta.<br />
O amor capacita, jamais traumatiza,<br />
O amor completa e não diminui,<br />
O amor revigora enche de esperança,<br />
O amor traz a paz, perfeição e bonança.<br />
O amor ama a todos só ao ódio se opõe,<br />
O amor vence tudo, não divide compõe,<br />
O amor qualifica, agrega valores,<br />
O amor simplesmente é incomparável.<br />
O amor ama a vida, não é homicida,<br />
O amor dá carinho, não espanca, não mata<br />
Meigo, delicado, destila bondade,<br />
O amor é tão doce, mais doce que o mel.<br />
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poesia<br />
Busca<br />
Ivan Leite<br />
Estância, SE, Brasil<br />
@: marilene.pinheiro@sulgipe.com.br<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
Sentimental<br />
Pérola Bensabath<br />
Salvador, BA, Brasil<br />
@: perolabensabath@hotmail.com<br />
Incessantemente parei de procurar,<br />
Por não mais querer na madrugada<br />
Levantando perceber que não mais<br />
Havia o almejado a alcançar.<br />
Freio brusco numa vida de buscas,<br />
Achar passaria a ser um acidente,<br />
O hoje almejaria fosse como o ontem,<br />
Quiçá o anteontem. Não por melhores.<br />
Terem sido, porém por inarredável<br />
Realidade suceder, a juventude<br />
Esvanece a cada novo tictac ocorrer.<br />
Kaspta, nem mais tictac há acusando.<br />
O tempo passar. Mas, mesmo em silêncio<br />
O indomável não arrefece o ímpeto<br />
De escoar. Por isto parei de buscar.<br />
Ele sempre é que há de me encontrar,<br />
Tempo ou destino, sem destino qualquer<br />
Tempo é tempo. Não buscar o destino,<br />
Seria a eternidade encontrar?<br />
Estarei buscando, como buscar!<br />
Musa e o Mar<br />
Marcelo de Oliveira Souza, iwa<br />
Salvador, BA, Brasil<br />
@: marceloosouzasom@hotmail.com<br />
Adoro o seu andar<br />
É lindo o seu olhar,<br />
Para sempre vou me encantar<br />
Foi como o sonho<br />
A primeira vez a te beijar<br />
Quando viajei<br />
Sonhava em voltar<br />
Minha musa do sertão<br />
Mudou de cenário foi pro mar<br />
Uma filha veio me dar<br />
Quando ela sai<br />
A casa se esvazia<br />
O tempo vira agonia<br />
No retorno, vira alegria,<br />
Dois em três, virou família,<br />
A minha musa amada<br />
É essa mesma<br />
À qual vim me casar...<br />
Por um instante apenas tu interrompes<br />
nossos beijos e percebes meu lasso corpo.<br />
Olhas atentamente e sorri com paixão. Sob<br />
teu olhar que arrebata, minhas faces coram e<br />
sou, outra vez, a virgem imatura que desnudastes<br />
um dia.<br />
É também na troca de olhares e segredos<br />
que se constitui nosso prazer carnal. E te<br />
digo com carícias ternas que a mulher que existe<br />
em mim está ansiosa para se descobrir e ser<br />
conduzida... por toda a vida. Teu olhar de prazer,<br />
de cobiça, transmite meus anseios e há na<br />
nossa sensualidade uma espécie de alegria cósmica.<br />
Transcendente. Imutável.<br />
E dividimos lençóis, afagos e carícias...<br />
Tão especial! E é tão sublime este sentir em<br />
que às vezes transgredimos o sentido da decência<br />
e nos transportamos não só ao sexo,<br />
mas também ao afeto. Ao tão propalado<br />
amor... Este amor completo que celebramos<br />
quando misturamos secreções e sentimentos.<br />
Eu e você alimentados por este nosso<br />
contínuo descobrir... Tantos anos juntos e<br />
nos redescobrimos a cada acasalamento.<br />
Vai... invade minh’alma, meu corpo, minha<br />
razão, me faz tua fêmea. Presenteia-me com<br />
tua aura masculina. Ofereço-te, em troca, minha<br />
ternura de aura feminina. Enche-me com<br />
tua essência, com tua presença... cerca-me!<br />
E hoje, quero me entregar de forma diferente,<br />
pois me apavora que entremos num<br />
cotidiano de tédio. Preciso inovar. Aí, imaginativa,<br />
me afasto dos lençóis abandonando<br />
teu corpo na cama e ao som de um tango, acaricio<br />
os seios e me requebro... porque não existe<br />
um movimento feminino mais sensual que<br />
o dos quadris... E uma parte mais bonita do<br />
corpo feminino... que os seios.<br />
E tu acendes a chama e me ascende ao<br />
infinito sensual no roçar de lábios... tocandome<br />
e aflorando todo o meu ser... sentimental!<br />
- 12 -<br />
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A boca cerrada<br />
Mary Acosta<br />
Argentina<br />
@: poemasdemary@hotmail.com<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
Dançar<br />
Maria Felicori {Vó Fia}<br />
Nepomuceno, MG, Brasil<br />
@: vofianep@gmail.com<br />
poesia<br />
A boca cerrada tensa su armadura<br />
Sobre la máquina del miedo.<br />
Sus ovaladas neuronas<br />
Acunan naufragios y grávidas ausencias.<br />
Sobre musgosas rocas,<br />
Cuelga su alquitranada infancia.<br />
Las esquinas calladas retenidas en sus tímpanos,<br />
Pierden su metamorfosis prometida.<br />
Invitado al convite turbio de sus muertos,<br />
Coexiste entre los puentes calcados del ahora.<br />
Envoltura de corto viaje disfrazada y a boca cerrada,<br />
Memoriza la existencia entre un yo injertado<br />
Y la presencia subversiva, de la última palabra.<br />
Colheita<br />
Lindita<br />
Belo Horizonte, MG, Brasil<br />
@: etsimoes@gmail.com<br />
Começar sempre é viver<br />
É saber crer<br />
É saber recomeçar<br />
É saber viver.<br />
Vitalidade é crença<br />
Persistência<br />
Gratidão<br />
Perdão<br />
Talento<br />
Renascimento.<br />
É saber aguardar<br />
Abraçar<br />
Novo amanhecer.<br />
É fazer acontecer<br />
Vencer<br />
Apegos e rancores<br />
Desamores<br />
Enfrentar temores.<br />
É plantar energia<br />
Com poesia<br />
Para colher flores<br />
Frutos e amores.<br />
DICA DE LEITURA<br />
Paris, fevereiro de<br />
1903. Rainer Maria<br />
Rilke (1875-1926)<br />
recebe uma carta<br />
de um jovem chamado<br />
Franz Kappus,<br />
que aspira tornar-se<br />
poeta e que pede<br />
c o n s e l h o s a o j á<br />
famoso escritor.<br />
Fonte: www.lpm.com.br<br />
Imagem: www.livrariacultura.com.br<br />
O elegante cavalheiro diz:<br />
Senhorita me dá o prazer<br />
E a moça dizia sim toda feliz<br />
E dançavam por lazer.<br />
Na dança não tinha maldade<br />
Valsavam sem agarramento<br />
Eram momentos de felicidade<br />
Respeitosos sem atrevimento.<br />
Como era lindo o dançar antigo<br />
Valsas rodadas ou bolero<br />
Nada de umbigo com umbigo<br />
Lembrar agora eu quero.<br />
Moças de vestidos e rapazes de terno<br />
Lindos elegantes e respeitosos<br />
O amor era sereno e eterno<br />
E a dança era leve e formosa.<br />
Nas cadeiras em volta do salão<br />
As senhoras conversavam<br />
A música era suave perturbava não.<br />
Hoje baile é batuque barulhento<br />
Onde as senhoras não vão<br />
Que saudade do baile sereno lindo... Lento.<br />
Estrela-Guia<br />
Carmo Vasconcelos, IWA<br />
Lisboa, Portugal<br />
@: micarmovasconcelos@gmail.com<br />
Quando um dia, filhos meus, eu vos deixar,<br />
Não chorem por meu corpo já cansado,<br />
Que já não pode ter-vos ao cuidado,<br />
Se é tempo de partir e descansar.<br />
Revejam-me no céu, já estrela-guia,<br />
Que do alto vos protege e por vós zela,<br />
Seguindo vossos passos, sentinela,<br />
A adoçar-vos a mágoa que angustia.<br />
Espalhem minhas cinzas pelo mar,<br />
Que sempre vossos pés virei beijar,<br />
Em ondas segredantes de carinho.<br />
E em seus murmúrios, hão-de ouvir, baixinho,<br />
Vindo da profundeza dos corais,<br />
Que zelo e amor de mãe são imortais!<br />
- 13 -<br />
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crônica<br />
Vengase a festejar<br />
Reyna Valenzuela Contreras<br />
Durango, México<br />
@: dr_reyna@hotmail.com<br />
-La verdad es que soy bien puta y no quiero<br />
llenarme de hijos, es lo que entre balbuceos<br />
repetía apenas salía de su transe medicamentoso<br />
luego de una dosis de anestésicos administrados<br />
por el joven residente de bata blanca.<br />
Ya en "piso", después de haberle asignado<br />
la cama cuatrocientos no sé qué, luego de una<br />
noche de agonía en la que las entrañas pretendían<br />
abandonarla y media vida se le había ido<br />
en el quirófano, con palidez que estremecía intentaba<br />
conversar con su compañera de tormento;<br />
Una adolescente recién parida que desde<br />
la cama contigua permanecía atónita, intentando<br />
amamantar a su pequeño y dejando escapar<br />
a través de sus ojos, su miedo e inexperiencia.<br />
-Ya ni chingan... Mira que pedir autorización<br />
de mi marido pa’ que puedan rajarme la<br />
panza pa' no llenarme de mocosos, tuve que decirles<br />
que soy puta, que soy sola. Ni modo de decirles<br />
que el pendejo de mi marido me puso<br />
unas patadas porque no le gusto la comida y mira<br />
donde acabé, con la panza rajada y la vida a<br />
medias; de no ser por el seguro popular, mis criaturas<br />
para estas horas serían las nuevas huérfanas<br />
en el barrio, obra de Dios que traía para pagar<br />
el camión y que llegandito al hospital me metieron<br />
directo pa' los análisis, yo digo que ya se<br />
me transparenta la muerte, porque cuando los<br />
doctores vieron su montón de letras se apanicaron<br />
y luego luego me metieron cuchillo...<br />
-Cuchillo, cuchillo el que le metieron a la del<br />
otro cuarto, dijo la chiquilla, hubiera visto. Yo<br />
mejor me hice unos tapones para las orejas con<br />
un algodón que me dio una de las enfermeras,<br />
pa' no escuchar la lloradera. Estuvo agonizando<br />
unos días, pero ya llegó tan mala que pos', nomás<br />
no la libró. Dicen que el esposo la apuñaló...<br />
¿Usté cree?<br />
En la puerta de la habitación y con el rostro<br />
despejado, una enfermera de impecable uniforme<br />
y sonrisa forzada, luego de un fúnebre buenas<br />
noches exclamaba el nombre de las dos pa-<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
cientes, seguido de los diagnósticos, tratamientos<br />
y recomendaciones, para su compañera, que<br />
atenta permanece a sus espaldas; ella será responsable<br />
del siguiente turno. Ajenas al dolor, y<br />
con su carga a cuestas, la segunda le comenta a<br />
su compañera -Ya llevé a mi hijo a todos lados,<br />
pero apenas sale de la clínica, busca a sus amigos,<br />
y recae, y yo con el turno de noche. Su compañera<br />
hace una ligera mueca y continúan con<br />
el riguroso cambio de turno, ambas se dirigen a<br />
la siguiente habitación.<br />
En el pasillo, un murmullo de festín se deja<br />
sentir. Mientras otra de las enfermeras comenta:<br />
¡Anden muchachas, a partir el pastel!<br />
que es mes de la mujer... vénganse a festejar…<br />
Você sabia que a Library of<br />
Congress (Biblioteca do<br />
Congresso) localizada em<br />
Washington, Estados Unidos é a<br />
maior biblioteca do mundo?<br />
(minhabiblioteca.com.br)<br />
Espaldar de plumas<br />
Victor Hugo Valledor<br />
Berisso, Buenos Aires, Argentina<br />
@: victorhugovalledor@hotmail.com<br />
Han descubierto nueve ojos<br />
en el rostro de una abeja.<br />
Cinco líquenes han sidoobservados<br />
y seccionados en busca de la verdad.<br />
Los niños corretean en la sonoridad de un<br />
pentagrama estacionado a la vera de una estrella.<br />
En medio de lo buscado lo que<br />
no aparece es el centro.<br />
Las hebillas de un cabello cantan a viva voz,<br />
peines sonrojados se inmolan<br />
en la terraza de un espaldar de plumas.<br />
Llega la hora de dar por<br />
comenzado el exilio de los poetas.<br />
Allí van tan perfectos que cada<br />
uno lleva el rostro de otro.<br />
Todos son todos.<br />
Y el paisaje se extiende creándose<br />
en lo absoluto.<br />
- 14 -<br />
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artigo<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
“Linda, uma história horrível”,<br />
de Caio Fernando Abreu:<br />
a figurativização da AIDS e os temas<br />
exílio e decadência<br />
Silvana do Carmo Seffrin<br />
Curitiba, PR, Brasil<br />
@: sseffrin@hotmail.com<br />
RESUMO<br />
Este estudo analisa, no conto “Linda, uma história horrível”,<br />
de Caio Fernando Abreu (Os dragões não conhecem<br />
o paraíso, 1988), além da aids como tema de ficção,<br />
o exílio ou autoexílio - metáfora dos sujeitos modernos,<br />
deslocados por excelência - e a consequente decadência<br />
ou desencanto que caracterizam seus personagens.<br />
Considerado o “fotógrafo da fragmentação contemporânea”,<br />
o escritor registrou as vivências das gerações 70,<br />
80 e 90, compondo um panorama cultural de seu tempo.<br />
Palavras-chave: Exílio ou autoexílio. Decadência. Aids.<br />
ABSTRACT<br />
This study analyzes, in the tale “Linda, uma história horrível”,<br />
by Caio Fernando Abreu (Os dragões não conhecem<br />
o paraíso, 1988), besides AIDS as fiction theme, exile<br />
or self-exile - metaphor of modern people, displaced<br />
by excellence - and the consequent decline or disenchantment<br />
of his characters. Considered the “photographer<br />
of contemporary fragmentation”, Caio recorded<br />
the experiences of the seventies, eighties and nineties’<br />
generations, composing a cultural panorama of his<br />
era.<br />
Keywords: Exile or self-exile. Decadence. AIDS.<br />
Caio Fernando Abreu foi um escritor profícuo,<br />
que escreveu muito e se aventurou com êxito em vários<br />
gêneros literários: conto, romance, teatro, poesia, crônica.<br />
No panorama da literatura brasileira, figura entre os<br />
nossos maiores contistas do século XX. Escritor da paixão,<br />
como o chamou Lygia Fagundes Telles, ou poeta da<br />
prosa, segundo Fabrício Carpinejar, dele se ressalta a capacidade<br />
de transmitir sinceridade ao texto. Luís<br />
Augusto Fischer, seu conterrâneo e contemporâneo, diz<br />
que, para Caio, a literatura devia ter a mesma força da vida:<br />
Pois a vida não tem o poder de derrubar as melhores intenções,<br />
traindo esperanças ou fazendo-as brotar onde<br />
menos se espera? É, ela é bem assim; e bem assim Caio<br />
concebeu seu exercício de escrita – como uma espécie<br />
de vida intensificada, vida concentrada em palavras.<br />
Escrevia com um amplo domínio do repertório das<br />
emoções humanas, que em sua literatura compare-<br />
cem no palco do texto, expondo suas dificuldades e virtudes<br />
bem ali, diante do leitor, que por isso mesmo empresta<br />
sua solidariedade ao que vai lendo. (FISCHER,<br />
2009) (grifos meus)<br />
Nessa antologia de contos póstuma, organizada<br />
por Fischer, há outro trecho que sintetiza muito bem esse<br />
aspecto de sua obra, da vida intensificada pela literatura:<br />
Suas obras são repletas de cenas que ou se passaram<br />
com ele mesmo ou poderiam ter-se passado: em seus escritos,<br />
há um sentimento de levar a vida até a arte, de fazer<br />
a arte estar a serviço da vida, nunca de modo trivial,<br />
nunca pelas exterioridades, sempre pelo lado de<br />
dentro do indivíduo. Isso não foi uma qualidade exclusiva<br />
dele: em sua geração, a dos escritores que começaram<br />
a trabalhar durante os piores anos da ditadura<br />
militar inaugurada pelo Golpe de 64, foi bastante comum<br />
considerar a literatura como depoimento direto<br />
da experiência. (...) Dessa forma, a obra de Caio oferece<br />
um espetáculo de intensidade forte, caracterizado,<br />
entre outros traços, pela constante ultrapassagem entre<br />
a ficção e a verdade factual, entre o inventado e o biográfico,<br />
numa fluência que correspondia, em última<br />
análise, a um dos ideais da geração hippie, da geração<br />
68 – fazer da vida uma arte, transformar tudo em matéria<br />
digna, fossem os ideais políticos coletivos, fossem<br />
as demandas individuais em busca da felicidade.<br />
(FISCHER, 2009, p. 124-125) (grifos meus)<br />
Em sua ficção, há muitos artifícios textuais, como<br />
a apropriação de outras narrativas. A intertextualidade<br />
é uma marca do escritor, que, por meio de epígrafes,<br />
dedicatórias, citações diretas ou não, retomadas de<br />
textos na voz dos personagens e índices onomásticos,<br />
faz alusões ou homenagens a inúmeros autores do seu<br />
universo cultural, como Clarice Lispector, Hilda Hilst,<br />
Júlio Cortázar, Jorge Luís Borges, Adélia Prado, Doris<br />
Lessing, Herman Hesse, Fernando Pessoa e muitos outros.<br />
Essas constantes referências a outros artistas demonstram<br />
um escritor atento ao seu tempo, de ampla<br />
cultura, que teve uma vida hipnótica, encarnando a irreverência<br />
dos anos 70 e 80, segundo Carpinejar, em livro<br />
de Callegari (2008): “Traduziu em contos e novelas um<br />
estado de pureza, misto de pânico e deslumbramento,<br />
diante de suas experiências sempre radicais dentro e fora<br />
da linguagem.”<br />
A leitura de certos escritores foi fundamental para<br />
sua escrita. Ele vem da linhagem de Clarice Lispector<br />
(para Antonio Candido, 1989, p. 209, “ela é provavelmente<br />
a origem das tendências desestruturantes, que<br />
dissolvem o enredo na descrição e praticam esta com o<br />
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artigo<br />
gosto pelos contornos fugidios”) e de Virginia Woolf, escritoras<br />
de cunho intimista/psicológico, mas muitos outros<br />
escritores o influenciaram em vários aspectos:<br />
O poeta, crítico e professor da Universidade do Estado<br />
do Rio de Janeiro (Uerj) Italo Moriconi afirma que toda<br />
a literatura do gaúcho gira em torno dos “afetos”. “Mais<br />
que propriamente as paixões, são os afetos”, diz<br />
Moriconi.<br />
Além de Moriconi, a reportagem do Cândido entrevistou<br />
outros estudiosos. Para a professora da<br />
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Tânia<br />
Pellegrini, Caio dialogou literariamente com dois renomados<br />
autores brasileiros.<br />
“O mais claro diálogo (de Caio) acontece com Clarice<br />
Lispector, de quem herda o mergulho nas profundezas<br />
da subjetividade”, afirma, acrescentando que outra interlocução<br />
do escritor se dá com Graciliano Ramos e a<br />
sua meticulosa metodologia construtiva.<br />
Ivan Pinheiro Machado, editor da L&PM, conta de que<br />
maneira conheceu o escritor e também faz uma análise<br />
da literatura de Caio: “Sua obra se caracterizava por um<br />
extremo apuro formal e temática cosmopolita, na medida<br />
em que ele foi um escritor urbano, o que não era comum<br />
na época no Brasil. Caio estava mais para o rock<br />
and roll enquanto a maioria dos autores buscava a tal<br />
‘brasilidade’ no romance histórico ou no romance regionalista.”<br />
(Jornal Cândido, Curitiba, abr. 2016)<br />
Nos anos 70, Caio teve alguma ligação com a literatura<br />
fantástica (principalmente em alguns minicontos),<br />
influenciado pelos grandes nomes da literatura latino-americana<br />
(Cortázar, Borges, García Márquez), em livros<br />
como Inventário do Irremediável (1970), O ovo<br />
apunhalado (1975) e Pedras de Calcutá (1977). Um dos<br />
movimentos literários mais importantes do século XX,<br />
o realismo mágico ou fantástico inscreveu definitivamente<br />
a América no mapa mundial da literatura.<br />
Fundia o universo mágico ao real, com elementos irreais<br />
misturados ao cotidiano, o que renovou o romance.<br />
Cem anos de solidão, romance de Gabriel García<br />
Márquez, escrito em um dos momentos mais conturbados<br />
da América Latina, é um grande exemplo de literatura<br />
fantástica. Como observou Schollhammer (2009),<br />
o realismo fantástico se destacou nos anos 60 internacionalmente,<br />
mas na realidade já havia começado nos<br />
anos 30 e 40. Jorge Luís Borges, em 1930, escreveu um<br />
ensaio sobre o tema (mesmo não sendo considerado um<br />
escritor propriamente fantástico, foi um precursor dessa<br />
vertente na literatura). Outro grande nome do fantástico<br />
é Allejo Carpentier (caribenho, que iniciou uma literatura<br />
dita real-maravilhoso, identificada posteriormente<br />
como fantástica). Segundo Candido (1989), a literatura<br />
fantástica no Brasil começou com Murilo<br />
Rubião nos anos 40 (O ex-mágico da taberna minhota,<br />
1947), mas só se consolidou nos 70:<br />
Com segurança meticulosa e absoluta parcialidade pelo<br />
gênero (pois nada escreve fora dele), Murilo Rubião elaborou<br />
os seus contos absurdos num momento de predomínio<br />
do realismo social, propondo um caminho<br />
que poucos identificaram e só mais tarde outros seguiram.<br />
Na meia penumbra ficou ele até a reedição modificada<br />
e aumentada daquele livro em 1966 (Os dragões<br />
e outros contos). Já então a voga de Borges e o começo<br />
da de Cortázar, logo seguida pela divulgação no Brasil<br />
de livros como Cien anos de soledad, de Garcia<br />
Márquez, fizeram a crítica e os leitores atentarem para<br />
este discreto precursor local, que todavia precisou esperar<br />
os anos 70 para atingir plenamente o público e<br />
ver reconhecida a sua importância. Entrementes a ficção<br />
tinha-se transformado e, de exceção, ele passava quase<br />
a uma alta regra. (CANDIDO, 1989, p. 207-208) (grifos<br />
meus)<br />
Já nos anos 80, com o livro de contos Morangos<br />
mofados (1982), Caio Fernando Abreu adota um certo<br />
experimentalismo formal, como bem observa Rocha<br />
(2014):<br />
Sua narrativa também revela um autor com extrema habilidade<br />
de transitar entre o erudito e o popular. Em seus<br />
contos e crônicas, ele emprega uma linguagem performática<br />
intercalada por referências que transformam<br />
seu texto em uma espécie de iconografia da Pop<br />
Art. Assim como os quadros da Pop Art, repletos de<br />
imagens da Coca-Cola, cigarro, pasta de dente ou latas<br />
de conserva, o discurso literário em Abreu é pincelado<br />
por várias referências simbólicas ao consumismo<br />
moderno, bem como ao cinema, à música e ao culto<br />
das stars. Este traço do escritor exerce uma grande força<br />
atrativa sobre o leitor contemporâneo. (grifos meus)<br />
Schollhammer (2009, p. 26-27) inclui Caio na<br />
família dos grandes contistas urbanos de linha mais psicológica:<br />
Com a abertura política, e durante o processo de retorno<br />
à democracia, surge uma escrita mais psicológica<br />
que configura uma subjetividade em crise, como ocorre,<br />
por exemplo, em Zero, de Ignacio de Loyola<br />
Brandão, de 1974, em Reflexos do baile, de Antonio<br />
Callado, de 1976, e no Cabeça de papel, de 1977, do jornalista<br />
Paulo Francis. Nesse mesmo impulso, o lastro<br />
subjetivo se aprofunda nos contos de Caio Femando<br />
Abreu, em Morangos mofados, de 1982, por intermédio<br />
de situações cotidianas em que questões de sexualidade<br />
e de opção de vida vêm absorver as resistências<br />
contra a violência de um sistema autoritário. (grifos meus)<br />
Seu livro Triângulo das águas (1983) é composto<br />
por três novelas (ou contos longos), que ele designou<br />
“noturnos”, e onde se constata também algum experimentalismo<br />
formal, além de proximidades do texto escrito<br />
com a música em muitos pontos. A primeira novela,<br />
por exemplo, que ele define como uma “possível coreografia<br />
verbal para Köln Concert, de Keith Jarret”, é dividida<br />
em 12 vozes narrativas intercaladas por fragmentos<br />
de uma 13a voz, estrutura muito semelhante à do romance<br />
As ondas, de Virginia Woolf. O livro todo é composto<br />
com base nos signos astrológicos do elemento<br />
água (câncer, escorpião e peixes), o que dá origem ao título.<br />
No fim dos anos 80, são lançados ainda a antologia<br />
de contos já publicados Mel & Girassóis (1988) e o inédito<br />
Os dragões não conhecem o paraíso (1988).<br />
Nos anos 90, Caio reedita alguns livros anteriores<br />
revistos, sai o romance tipicamente urbano Onde andará<br />
Dulce Veiga? (1990), a antologia Ovelhas negras<br />
(1995, reunião de textos inéditos das mais diversas épocas)<br />
e o belíssimo Pequenas epifanias (1996, coletânea<br />
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“Linda, uma história horrível” é uma narrativa<br />
de raiz autobiográfica em muitos aspectos: o protagonista<br />
é um “exilado” (saiu de sua cidade natal, Passo da<br />
Guanxuma, uma alusão à cidade do interior onde Caio<br />
nasceu), mora em São Paulo (o que se detecta pela referência<br />
ao restaurante La Cassarole, do Largo do<br />
Arouche, e Caio morou muito tempo e por mais de uma<br />
vez em São Paulo) e está com aids (doença que Caio teve<br />
e que o levou à morte).<br />
A referência ao Passo da Guanxuma no texto é<br />
uma clara alusão às suas origens, pois Caio nasceu em<br />
Santiago (“que era do Boqueirão”), cidade do Rio<br />
Grande do Sul próxima à fronteira com a Argentina.<br />
Essa localidade imaginária aparece em outros textos do<br />
escritor .<br />
“Linda, uma história horrível” quase inaugura<br />
na ficção brasileira o tema da aids, já sugerido anteriormente<br />
em outros textos do autor. Em 1995, este conto<br />
foi incluído na antologia de The Penguin Book of<br />
International Gay Writing. Caio foi tradutor da novela<br />
Assim vivemos agora, de Susan Sontag, escrita em 1986 e<br />
publicada no Brasil em 1995, provavelmente a primeira<br />
história de ficção sobre a aids. No conto analisado, a doença<br />
não se configura propriamente como traço autobiográfico,<br />
mas como metáfora da solidão e do deslocamento<br />
do personagem.<br />
A dicotomia metrópole/cidade natal, recorrente<br />
em alguns textos de Caio e presente em “Linda, uma<br />
história horrível”, refere-se ao tema do exílio, ou autoexílio,<br />
que o personagem experimenta, metáfora do sujeito<br />
desenraizado, deslocado, desajustado.<br />
O desencanto, o irremediável, a decadência, marcas inde<br />
crônicas de jornais). Os últimos textos da década de<br />
90, antes de sua morte, nos dão indícios de algumas novas<br />
escolhas: uma retomada das narrativas mais lineares,<br />
com elementos memorialísticos, e certo vago resgate<br />
de suas raízes, nos temas e na linguagem.<br />
Assim, podemos perceber que sua trajetória literária<br />
nas três décadas tem momentos até distintos. É um<br />
escritor bastante múltiplo, inclassificável, talvez único<br />
na forma como escrevia e que o consagrou como contista.<br />
Para ilustrar o lado memorialístico e de volta às<br />
raízes, podemos ficar com apenas dois parágrafos do primeiro<br />
capítulo do romance que Caio pensou em escrever<br />
sobre o Passo da Guanxuma, onde se pode perceber<br />
até na linguagem a retomada de falares e vivências do<br />
Rio Grande do Sul e também sua veia humorística:<br />
Essa, claro, é a estrada preferida da bagaceirada do<br />
Passo. Nas noites de verão dizem que a soldadesca, os rapazes<br />
e até senhores de família, médicos e vereadores<br />
costumam arrebanhar o chinaredo das pensões de La<br />
Morocha para indescritíveis bacanais na beira dos lajeados,<br />
com muita costela gorda, coração de galinha no espeto,<br />
cachaça, violão e cervejinha em caixa de isopor.<br />
Depois dessas noitadas a areia branca da pequena praia<br />
da sanga Caraguatatá amanhece atulhada de brasas dormidas,<br />
pontas de cigarro, restos de carne mastigada, algum<br />
coração de galinha mais fibroso, camisas-de-vênus<br />
úmidas, tampinhas de garrafa, restos de papel higiênico<br />
com placas duras e, contam em voz baixa para as crianças<br />
não ouvirem, às vezes algum sutiã ou calcinha de cor<br />
escandalosa, dessas de china rampeira, alguma cueca<br />
manchada ou sandália barata de loja de turco com a tira<br />
arrebentada.<br />
Ao cair da tarde, principalmente em janeiro quando as<br />
famílias direitas buscam o frescor da sanga, a tradição<br />
manda os maridos irem na frente para limparem discretamente<br />
as areias, enquanto as senhoras se fingem de<br />
distraídas e diminuem o passo, sacudindo as toalhas sobre<br />
as quais vão sentar, que Deus me livre pegar doença<br />
de rapariga, comentam baixinho entre si, mas algum guri<br />
metido sempre acha alguma coisa nas macegas. Os lajeados<br />
são muitos, a sanga Caraguatatá desdobra-se secreta<br />
e lenta entre pedras, algumas tão altas que podem<br />
ser usadas como trampolim, e para quem tiver coragem<br />
de entrar pelo mato cerrado onde, dizem, até onça tem,<br />
revela praias de águas cada vez mais cristalinas, que pouca<br />
gente viu. Numa delas, certa manhã de setembro,<br />
Dudu Pereira foi encontrado morto e nu, a cabeça espatifada<br />
por uma pedra jogada ao lado, ainda com fios de<br />
cabelo grudados, lascas de ossos e gotas cinzas de cérebro.<br />
(ABREU, 1995, p. 67)<br />
Sintetizando, sua obra aborda os períodos da<br />
contracultura e da abertura política, é um registro da<br />
maneira de viver das gerações 70, 80 e 90. Segundo<br />
Wilson Martins, Caio Fernando Abreu é um “pintor da<br />
vida moderna” (título de Baudelaire), assim como<br />
Rubem Fonseca, Luiz Vilela e Sérgio Sant’Anna, todos<br />
grandes contistas. Assim como eles, Caio inovou no<br />
conto – na temática e na linguagem.<br />
“Linda, uma história horrível”<br />
Conto da maturidade do escritor, “Linda, uma<br />
história horrível” (Os dragões não conhecem o paraíso,<br />
1988) traz a aids como tema de ficção. A narrativa também<br />
tem como temas o exílio ou autoexílio – metáfora<br />
dos sujeitos modernos, deslocados por excelência – e a<br />
consequente decadência ou desencanto que caracterizam<br />
seus personagens. O tema do exílio é caro a grande<br />
parte da literatura do século XX, marcada pelo trânsito,<br />
tanto na vida quanto na ficção, do rural para o urbano.<br />
O protagonista, um homem de meia idade, visita<br />
sua mãe, que mora na pequena Passo da Guanxuma,<br />
uma localidade do interior. Ele mora em São Paulo, capital.<br />
A mãe e a cadela, que se chama Linda, estão velhas<br />
e decadentes, assim como a velha casa da infância. Ele está<br />
doente e a visita deve-se ao intento de contar isso à<br />
mãe. O conto é a história desse encontro e sua impossibilidade,<br />
pois ele não acontece verdadeiramente. No retorno<br />
à casa, filho e mãe conversam sobre lembranças,<br />
pessoas próximas e seus trágicos destinos, passando ao<br />
largo do provável destino trágico do protagonista, que<br />
não é revelado justamente pela falta de diálogo aberto.<br />
Ele não consegue revelar a ela que está com aids. A doença<br />
não é nomeada, mas sugerida.<br />
Raiz autobiográfica e abordagem dos temas<br />
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deléveis de sua obra, aparecem em outros contos e nos<br />
dois romances que publicou. Dessa forma, também estão<br />
presentes neste conto.<br />
O tema da aids no conto e na obra de Caio Fernando<br />
Abreu<br />
Embora, inadvertidamente, se possa pensar que<br />
Caio pela primeira vez tratou da aids nesse conto de<br />
1988, podemos verificar que o tema já lhe era caro há<br />
tempos, desde o ano zero da aids no Brasil.<br />
Mendes (1998, p. 218) elenca textos de várias<br />
épocas em que Caio figurativizou o tema:<br />
Considerado pelo crítico Marcelo Secron Bessa como o<br />
escritor brasileiro que por mais vezes figurativizou a<br />
aids, Caio Fernando Abreu incluiu-a em diversos textos<br />
seus, que vão de “Pela noite”, uma das três novelas do livro<br />
Triângulo das águas (1983), a certos contos de Os<br />
dragões não conhecem o paraíso (1988) e Ovelhas negras<br />
(1995), além de diversas crônicas jornalísticas e do<br />
romance Onde andará Dulce Veiga? (1990), onde ocorre<br />
“uma história de amor entre dois contaminados”<br />
(ABREU, 1995a, p. 5). Na peça teatral Zona contaminada<br />
(1982), que “não por acaso” foi escrita no “ano zero<br />
da proliferação da aids no Brasil” (CASTELLO, 1994,<br />
p. 3), uma personagem chama a atenção para o fato de<br />
outra ter “a Peste” embora a doença esteja “em seus estágios<br />
iniciais” (ABREU, 1997, p. 66). Outro texto escrito<br />
para o teatro, O homem e a mancha (1994), é uma “livre<br />
releitura do Dom Quixote, de Miguel de Cervantes”<br />
(ABREU, 1997, p. 95), no qual a mancha funciona como<br />
“uma metáfora para as marcas deixadas pela aids”<br />
(FERREIRA, 1996, p. 4). No filme Romance (1988),<br />
que tem Abreu como um dos roteiristas, uma personagem<br />
morre “misteriosamente, possivelmente de aids”<br />
(EWALD FILHO, 1988, p. 13).<br />
Conforme o mesmo autor (1998, p. 219), citando<br />
Bessa (1997, p. 78-79), a aids surgiu (como menção)<br />
na literatura brasileira na novela “Pela noite”, do livro<br />
Triângulo das águas (1983), embora como tema a doença<br />
tenha sido inaugurada por Herbert Daniel em 1987,<br />
no romance Alegres e irresponsáveis abacaxis americanos.<br />
Depois disso, outros autores passaram a retratar a<br />
doença na literatura:<br />
Na literatura brasileira a aids vem manifestando-se em<br />
autores como Silviano Santiago (Uma história de família,<br />
1992), Bernardo Carvalho (Aberração, 1993),<br />
Alberto Guzik (Risco de vida, 1995), Jean-Claude<br />
Bernardet (A doença, uma experiência, 1996) e principalmente<br />
Caio Fernando Abreu.<br />
1<br />
Caio explica no texto Introdução ao Passo da Guanxuma a criação dessa<br />
cidade mítica: “A primeira vez que a cidade imaginária Passo da Guanxuma<br />
apareceu num conto meu foi em ‘Uma praiazinha de areia bem clara, ali, na<br />
beira da sanga’, escrito em 1984 e incluído no livro Os dragões não conhecem<br />
o paraíso. Naquele conto é narrado o assassinato de Dudu Pereira, que<br />
volta a aparecer aqui. Em outras histórias, voltou a aparecer o Passo, até que<br />
assumi a cidade, um pouco como a Santa Maria de Juan Carlos Onetti. Este<br />
texto, de 1990, pretendia ser o primeiro capítulo de um romance inteiro sobre<br />
o passado, tão ambicioso e caudaloso que talvez eu jamais venha a escrevê-<br />
lo. De qualquer forma, acho que tem vida própria, com o estabelecimento<br />
de uma geografia e esses fragmentos de histórias quase sempre terríveis<br />
respingados aqui e ali como gotas de sangue entre as palavras.”<br />
ABREU, Caio Fernando. Introdução ao Passo da Guanxuma. Disponível em:<br />
.<br />
Acesso em: 15 mar. 2016.<br />
A epígrafe com versos de uma canção de Cazuza<br />
sugere a temática do conto, principalmente em seu primeiro<br />
verso:<br />
Você nunca ouviu falar em maldição,<br />
nunca viu um milagre,<br />
nunca chorou sozinha num banheiro sujo,<br />
nem nunca quis ver a face de Deus.<br />
(Cazuza, “Só as mães são felizes”)<br />
Nas décadas de 80 e 90, a aids era a doença maldita,<br />
uma sina, uma sentença de morte. O milagre do segundo<br />
verso da epígrafe pode sugerir esperança (a cura?),<br />
mas ver a face de Deus sugere muitas outras coisas<br />
ainda (Uma epifania? A verdade? A morte?). O choro sozinho<br />
num banheiro sujo é a metáfora da decadência e<br />
da solidão.<br />
A doença não é nomeada no texto, mas os indícios<br />
dela são muitos, alguns reais e outros metafóricos.<br />
As manchas estão por toda parte – tapete, roupão, parede,<br />
xícara, mãe, Linda e filho –, e são referências às manchas<br />
do Sarcoma de Kaposi, proveniente da aids. As flores<br />
roxas do roupão da mãe também sugerem as manchas<br />
roxas que o Sarcoma de Kaposi provoca na pele dos<br />
portadores do vírus.<br />
Em certo momento do conto, depois que o protagonista<br />
desiste de contar da doença, há outra referência<br />
a ela, que a mãe evoca:<br />
Ele fez que sim. Ela acariciou as orelhas sem pelo da cadela.<br />
Depois olhou outra vez direto para ele:<br />
– Saúde? Diz que tem umas doenças novas aí, vi na tevê.<br />
Umas pestes. (grifos meus)<br />
O trecho final do conto deixa claro que o protagonista<br />
está contaminado e com a doença já manifestada,<br />
pois menciona as manchas do seu peito e o nódulo<br />
inchado no pescoço:<br />
Um por um, foi abrindo os botões. Acendeu a luz do<br />
abajur, para que a sala ficasse mais clara quando, sem camisa,<br />
começou a acariciar as manchas púrpura, da cor<br />
antiga do tapete na escada – agora, que cor? – espalhadas<br />
embaixo dos pelos do peito. Na ponta dos dedos,<br />
tocou o pescoço. Do lado direito, inclinando a cabeça,<br />
como se apalpasse uma semente no escuro. Depois foi<br />
dobrando os joelhos até o chão. Deus, pensou, antes de<br />
estender a outra mão para tocar no pelo da cadela quase<br />
cega, cheio de manchas rosadas. Iguais às do tapete gasto<br />
da escada, iguais às da pele do seu peito, embaixo dos<br />
pelos. Crespos, escuros, macios. (grifos meus)<br />
Apesar do conteúdo trágico, o extremo lirismo<br />
também caracteriza as narrativas de Caio Fernando<br />
Abreu, e esta particularmente. O linfonodo do pescoço<br />
é poeticamente retratado como uma semente: em vez de<br />
algo que sugere morte, um símbolo da vida que brota.<br />
Para se falar da morte, fala-se da vida. Afinal, a morte está<br />
na vida, compõe seu ciclo.<br />
O exílio como metáfora dos sujeitos modernos, deslocados<br />
por excelência<br />
O tema do exílio aparece em outros contos de<br />
Caio, como “Lixo e purpurina” (escrito em 1974 e publicado<br />
em 1995 no livro Ovelha negras) e “Uma praiazinha<br />
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de areia bem clara, ali, na beira da sanga” (também do livro<br />
Os dragões não conhecem o paraíso, de 1988), estudados<br />
por Souza (2011, p. 83), para quem há um personagem<br />
constante na obra do escritor gaúcho: “o sujeito<br />
moderno que não se insere em nenhum lugar e que está<br />
em permanente situação de desconforto e de desarticulação<br />
com o contexto em que vive”. Para a pesquisadora,<br />
o exílio “é uma experiência relevante para a história do<br />
século XX e largamente tematizada na literatura moderna,<br />
sobretudo por escritores forçados a sair de sua terra<br />
natal, tal como Caio Fernando Abreu” (p. 83).<br />
Ginzburg (2005, p. 39) estudou os contos “Lixo e purpurina”<br />
(já mencionado) e “Os sobreviventes” (do livro<br />
Morangos mofados, de 1982), abordando as relações entre<br />
exílio, memória e história, e vai mais longe em sua<br />
análise, apontando o tema do duplo exílio:<br />
Por um lado o indivíduo sente-se exilado por estar fisicamente<br />
fora de sua cidade natal ou do país de origem<br />
que em grande medida constitui sua identidade. Isso<br />
porque os locais de exílio (...) não acolhem totalmente<br />
o sujeito. Ao contrário, o que permanentemente se reafirma<br />
é essa sensação de não pertencimento, além das vivências<br />
de exclusão, preconceito, violência e dificuldades<br />
materiais largamente narradas (...). Por outro, esse<br />
deslocamento parece definir esses personagens, de tal<br />
modo que não podemos afirmar que ter saído da terra<br />
natal seja a única razão para que eles se sintam permanentemente<br />
cindidos internamente. É [uma] cisão mais<br />
interna, intrínseca ao desejo, que rege a subjetividade<br />
dos personagens e transcende a questão do exílio.<br />
(grifos meus)<br />
Borges (s/d) traz a expressão “estrangeiro de si<br />
mesmo” para falar de personagens de Caio e também<br />
do próprio escritor:<br />
Relacionar o conceito de estrangeiro à novela “Bem longe<br />
de Marienbad”, de Caio Fernando Abreu, aparentemente,<br />
não é adentrar em uma nova discussão acadêmica.<br />
O texto está presente na obra Estranhos estrangeiros,<br />
que já tem em seu título indicações quanto à abordagem<br />
desse tema. Contudo, geralmente para tratar de tal<br />
assunto, associa-se aos personagens de Caio as concepções<br />
de <strong>Ed</strong>ward Said, Stuart Hall e Homi Bhabha, teóricos<br />
ligados aos Estudos Culturais e a abordagens de cunho<br />
prioritariamente histórico-sociais, o que, de certo<br />
modo, vai de encontro à natureza da narrativa em questão,<br />
que prioriza os aspectos subjetivos e psicológicos<br />
do indivíduo, estrangeiro para um novo país, mas também<br />
para si mesmo. Assim, a obra de Julia Kristeva,<br />
Estrangeiros para nós mesmos, adéqua-se a este estudo, pois,<br />
mesmo enfatizando a análise psicanalítica, não esquece<br />
a cultural para descrever características e movimentos<br />
daquele que é estrangeiro. (grifos meus)<br />
A mesma percepção sobre Caio Fernando<br />
Abreu tem Araújo (2012):<br />
Como seus personagens, Caio se sentia estrangeiro<br />
eterno, irremediável, um estranho estrangeiro, sem<br />
paz fora da própria terra, incapaz de viver nela. Em<br />
quase todos os contos, o escritor aborda seus temas preferidos:<br />
o estranhamento, a solidão, a dor e o sentimento<br />
de marginalização. (grifos meus)<br />
Esse estranhamento é percebido em alguns momentos<br />
do conto, que tem cunho autobiográfico, como<br />
já comentado:<br />
A xícara amarela tinha uma nódoa escura no fundo, bordas<br />
lascadas. Ele mexeu o café, sem vontade. De repente,<br />
então, enquanto nem ele nem ela diziam nada, quis<br />
fugir. Como se volta a fita num videocassete, de costas,<br />
apanhar a mala, atravessar a sala, o corredor de entrada,<br />
ultrapassar o caminho de pedras do jardim, sair novamente<br />
para a ruazinha de casas quase todas brancas. Até<br />
algum táxi, o aeroporto, para outra cidade, longe do<br />
Passo da Guanxuma, até a outra vida de onde vinha.<br />
Anônima, sem laços nem passado. Para sempre, para<br />
nunca mais. Até a morte de qualquer um dos dois, teve<br />
medo. E desejou. Alívio, vergonha.<br />
A decadência e o desencanto dos personagens<br />
O relacionamento entre mãe e filho no conto é<br />
marcado pela decadência. O encontro entre os dois é desencontro,<br />
em muitos aspectos.<br />
A mãe não se emociona ao recebê-lo:<br />
Enquadrado pelo retângulo, o rosto dela apertava os<br />
olhos para vê-lo melhor. Mediram-se um pouco assim –<br />
de fora, de dentro da casa –, até ela afastar o rosto, sem<br />
nenhuma surpresa. Estava mais velha, viu ao entrar. E<br />
mais amarga, percebeu depois. (grifos meus)<br />
Em outro momento, a falta de jeito entre os dois<br />
é flagrante:<br />
Ela tirou um maço de cigarros do bolso do robe:<br />
– Me dá o fogo.<br />
Estendeu o isqueiro. Ela tocou na mão dele, toque áspero<br />
das mãos manchadas de ceratose nas mãos muito<br />
brancas dele. Carícia torta. (grifos meus)<br />
Em outro trecho, a incomunicabilidade parece<br />
se esvair, por instantes, mas volta à estaca zero. É como<br />
se a mãe, evitando ouvi-lo, evitasse a verdade que ele<br />
tem a dizer. É ela quem quebra o clima do momento e<br />
desvia os olhos, para não ouvir mais. É o clímax do conto,<br />
marcado pelo verso de Ana Cristina Cesar, referenciado<br />
pelo autor em nota de rodapé, numa citação explícita:<br />
Levantou os olhos, pela primeira vez olhou direto nos<br />
olhos dela. Ela também olhava direto nos olhos dele.<br />
Verde desmaiado por trás das lentes dos óculos, subitamente<br />
muito atentos. Ele pensou: é agora, nesta contramão.<br />
Quase falou. Mas ela piscou primeiro. Desviou os<br />
olhos para baixo da mesa, segurou com cuidado a cadela<br />
sarnenta e a trouxe até o colo.<br />
Há outro momento de desencontro de toques:<br />
– Foi boa aquela noite, não foi?<br />
– Foi – ela concordou. – Tão boa, parecia filme. –<br />
Estendeu a mão por sobre a mesa, quase tocou na mão<br />
dele. Ele abriu os dedos, certa ânsia. Saudade, saudade.<br />
Então ela recuou, afundou os dedos na cabeça pelada<br />
da cadela.<br />
– O Beto gostou da senhora. Gostou tanto – ele fechou<br />
os dedos.<br />
Assim fechados, passou-os pelos pelos do próprio braço.<br />
Umas memórias, distância. – Ele disse que a senhora<br />
era muito chique. (grifos meus)<br />
Além dos desencontros afetivos, são muitos os<br />
sinais da decadência. A mãe está mais velha e tem “cheiro<br />
de carne velha, sozinha há anos”, a “voz tão rouca”, o<br />
- 19 -<br />
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<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
artigo<br />
adjetivo azedo é usado duas vezes para se referir a ela; as<br />
mãos “cheias de manchas escuras, ele viu, como sardas<br />
(ce-ra-to-se, repetiu mentalmente), pintura alguma nas<br />
unhas rentes dos dedos amarelos de cigarros”, “as costas<br />
dela, tão curvas. Parecia mais lenta...”.<br />
Outro personagem decadente é a cadela, sarnenta<br />
e quase cega, apesar do irônico nome “Linda”:<br />
“Uma inútil, sarnenta. Só sabe dormir, comer e cagar, esperando<br />
a morte.”; “velha que dá medo”.<br />
O protagonista está doente e cansado: “– Tu estás<br />
mais magro – ela observou. Parecia preocupada. –<br />
Muito mais magro. – É o cabelo – ele disse. Passou a<br />
mão pela cabeça quase raspada. – E a barba, três dias. –<br />
Perdeu cabelo, meu filho. – É a idade. Quase quarenta<br />
anos. – Apagou o cigarro. Tossiu. – E essa tosse de cachorro?<br />
– Cigarro, mãe. Poluição.”<br />
O ambiente da casa é decadente. O tapete é puído:<br />
“E reviu o tapete gasto, antigamente púrpura, depois<br />
apenas vermelho, mais tarde rosa cada vez mais claro –<br />
agora, que cor?”; “Manchadas de gordura, as paredes da<br />
cozinha. A pequena janela basculante, vidro quebrado.<br />
No furo do vidro, ela colocara uma folha de jornal. País<br />
mergulha no caos, na doença e na miséria – ele leu. E sentou<br />
na cadeira de plástico rasgado.”; “A xícara amarela tinha<br />
uma nódoa escura no fundo, bordas lascadas.”<br />
Até o jornal, ironicamente (ou premonitoriamente?)<br />
anuncia a ruína: “País mergulha no caos, na doença<br />
e na miséria”. A doença anunciada pelo jornal certamente<br />
não é a aids, mas o filho percebe os augúrios de<br />
um destino trágico. Quanto tempo teria de vida?<br />
No conto, apesar de tamanha carga de estranhamento,<br />
de desencontro, de solidão e desespero, há momentos<br />
de rara beleza, de possível afeto:<br />
Então fez uma coisa que não faria, antigamente.<br />
Segurou-o pelas duas orelhas para beijá-lo não na testa,<br />
mas nas duas faces. Quase demorada. Aquele cheiro – cigarro,<br />
cebola, cachorro, sabonete, cansaço, velhice.<br />
Mais qualquer coisa úmida que parecia piedade, fadiga<br />
de ver. Ou amor. Uma espécie de amor.<br />
Os personagens de Caio Fernando Abreu, no<br />
conjunto de sua obra, são urbanos, fragmentados, anônimos,<br />
desencantados. Ele é considerado o fotógrafo da<br />
fragmentação contemporânea.<br />
Na orelha (não assinada) de Os dragões não conhecem<br />
o paraíso, encontramos uma síntese sobre todos os temas<br />
referidos:<br />
(...) suas personagens movimentam-se em meio às ruínas<br />
de um mundo em plena decomposição (...) ou a simulacros<br />
de felicidade (...). São homens e mulheres exilados<br />
dentro ou fora de si próprios, em permanente estado<br />
de ameaça por todos os vírus de fim de milênio –<br />
da solidão e violência à própria aids – e permanente<br />
busca de prazer. Os dragões não conhecem o paraíso pode<br />
quem sabe ser lido como um retrato do Brasil de hoje.<br />
Um retrato interior, tirado à beira do abismo, às vezes<br />
impiedosamente realista, mas de onde também podem<br />
brotar inesperados sopros de lirismo. Estas ficções, cenários<br />
e figuras são dragões imperfeitos, como tentativas<br />
de encontrarem-se a si próprios – através do confronto<br />
com o mundo real, do autoconhecimento ou da<br />
REFERÊNCIAS<br />
necessidade cósmica de amor em torno da qual todas as<br />
personagens e textos giram. Concêntricos, perturbadoramente<br />
vivos em sua desamparada atualidade. (grifos<br />
meus)<br />
ABREU, Caio Fernando. Além do ponto e outros contos. Seleção e<br />
organização de Luís Augusto Fischer. São Paulo: Ática, 2009.<br />
ABREU, Caio Fernando. Introdução ao Passo da Guanxuma.<br />
In: _____. Ovelhas negras. Porto Alegre: Sulina, 1995.<br />
ABREU, Caio Fernando. Linda, uma história horrível.<br />
In:_____. Os dragões não conhecem o paraíso. São Paulo:<br />
Companhia das Letras, 1988.<br />
ABREU, Caio Fernando. Morangos mofados. 3. ed. São Paulo:<br />
Brasiliense, 1983. (Cantadas Literárias)<br />
ABREU, Caio Fernando. Ovelhas negras. Porto Alegre: Sulina,<br />
1995.<br />
ARAÚJO, Rodrigo da Costa. Alguns fragmentos e pequenas epifanias<br />
de Caio Fernando Abreu. <strong>Revista</strong> Partes, ano 5, 6 set.<br />
2 0 1 2 . D i s p o n í v e l e m :<br />
.<br />
Acesso em: 20 jun. 2016.<br />
CALLEGARI, Jeanne. Caio Fernando Abreu: inventário de um escritor<br />
irremediável. São Paulo: Seoman, 2008.<br />
CANDIDO, Antonio. A educação pela noite e outros ensaios. São<br />
Paulo: Ática, 1989.<br />
FISCHER, Luís Augusto. Além do ponto e outros contos. São Paulo:<br />
Ática, 2009.<br />
GINZBURG, J. Exílio, memória e história: notas sobre “Lixo e<br />
purpurina” e Os sobreviventes. <strong>Revista</strong> Literatura e Sociedade, São<br />
Paulo, n. 8, p. 36-45, 2005.<br />
JORNAL CANDIDO. Abr. 2016. Disponível em:<br />
.24 jun. 2016.<br />
MENDES, Fernando Oliveira. Linda, uma história horrível: a literatura<br />
encontra o vírus da aids. Itinerários, Araraquara, n. 13, p.<br />
217-223, 1998.<br />
MOREIRA, Ricardo A. A história horrível para ser contada depois<br />
de agosto: uma análise de dois contos de Caio Fernando Abreu.<br />
<strong>Revista</strong> Literatura e Autoritarismo. Dossiê “Cultura Brasileira<br />
Moderna e Contemporânea”. Dez. 2009.<br />
ROCHA, Hudson Lima Bezerra. Matizes de cultura de massa na<br />
obra de Caio Fernando Abreu. Dissertação (Mestrado em<br />
Literatura Comparada), Programa de Pós-graduação em Estudos<br />
da Linguagem (PPgEL) - UFRN, 2014.<br />
D i s p o n í v e l e m :<br />
. Acesso em:<br />
20 jun. 2016.<br />
SCHOLLHAMMER, Karl Erik. Ficção brasileira contemporânea.<br />
Rio de Janeiro: civilização Brasileira, 2009.<br />
SOUZA, Thais Torres de. "Lixo e purpurina" e "Uma praiazinha de<br />
areia bem clara, ali, na beira da sanga": narradores e narrativas em<br />
conflito. Itinerários, Araraquara, n. 32, p. 83-98, jan./jun. 2011.<br />
D i s p o n í v e l e m : <<br />
http://seer.fclar.unesp.br/itinerarios/article/view/4578/3980<br />
>. Acesso em: 17 mar. 2016.<br />
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artigo<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
Ecossistemas Urbanos:<br />
sustentabilidade socioambiental<br />
Maria Cleonide Santos<br />
Nossa Senhora do Socorro, SE, Brasil<br />
@: professoramariadomutirao@gmail.com<br />
Após observações no meio ambiente estudado<br />
e muita leitura sobre o assunto, foi identificado<br />
impacto dessas ações do homem sobre<br />
o manguezal do Rio do Sal, que margeia o<br />
Conjunto João Alves Filho, situado no bairro<br />
Taiçoca, no município de Nossa Senhora do<br />
Socorro-SE.<br />
Neste ecossistema encontrou-se uma variedade<br />
de lixos depositados por moradores locais,<br />
como também moradias adentrando no mangue,<br />
e mais todo o esgoto do conjunto que é despejado<br />
neste ambiente; registros fotográficos<br />
comprovam a ação do homem indiscriminada,<br />
a tal ponto que se chega a encontrar espécies, como<br />
no caso do guaiamu comum a este habitat,<br />
andando no interior das casas, construídas ao<br />
longo do manguezal.<br />
Com base em informações da<br />
ADEMA/SE e da LEI nº 12.651, de 25 de maio<br />
de 2012 da Constituição Federal, será identificado<br />
às causas ambientais, esclarecidas a quem<br />
cabe às devidas responsabilidades, propostas e<br />
ações realizadas na busca de uma sensibilização<br />
em torno dos impactos do homem ao meio ambiente.<br />
As cidades são um ecossistema urbano e<br />
que é estritamente necessário o respeito a esta biodiversidade,<br />
para garantir a sobrevivência do<br />
homem como também de todos os elementos<br />
que compõem este ecossistema, devido a um sistema<br />
de desenvolvimento baseado no crescente<br />
aumento da produção e do consumismo, somado<br />
a pressão demográfica acabou por propiciar<br />
o avanço da Zona Urbana nestes ambientes, provocando<br />
a degradação do manguezal e por consequência<br />
de toda a vegetação de restinga, própria<br />
deste habitat natural, em contra partida certas<br />
espécies da fauna costeira, acabam migrando<br />
para a zona urbana, invadindo quintais, áreas<br />
cobertas e casas, na verdade essas moradias estão<br />
com uma distância bem abaixo permitida<br />
por lei. Apesar de todas estas controvérsias a solução<br />
pode estar na prática de uma sustentabilidade<br />
socioambiental, através da internalização<br />
e assim permitir a preservação desta biodiversidade<br />
urbana imprescindível ao ecossistema.<br />
Assim, um Ecossistema Urbano precisa<br />
ter como base um Desenvolvimento<br />
Sustentável, pois a Biodiversidade Urbana é importante<br />
não só para a própria sobrevivência do<br />
homem, mas também pelo seu valor intrínseco;<br />
se faz necessário um envolvimento mais efetivo<br />
das Ciências Naturais com as Sociais para integrar<br />
os Conceitos Ecológicos ao Processo de<br />
Planejamento Urbano.<br />
O manguezal é um ambiente bastante<br />
prejudicado pela expansão urbana, que tem<br />
transformado extensas matas de restinga em áreas<br />
urbanas horizontais. Várias espécies da fauna<br />
e flora da restinga brasileira estão em extinção,<br />
por isso atualmente a conservação dos remanescentes<br />
existentes é prioritária.<br />
Constata-se que os dados são mensurados<br />
pelo Banco de Dados Geoespacial, responsabilidade<br />
assumida pela Administração<br />
Estadual do Meio Ambiente (ADEMA), mas<br />
que os mesmos não são utilizados para uma fiscalização<br />
efetiva.<br />
As normas estabelecidas na LEI nº<br />
12.651 de 25/05/12, não estão sendo respeitadas<br />
e que o Governo Municipal e a Sociedade<br />
Civil, não arcam com suas responsabilidades<br />
em garantir a preservação deste Ecossistema importante<br />
para todos.<br />
Ao pensar em soluções possíveis para resolver<br />
ou frear o crescimento das consequências<br />
da pressão urbana, se faz necessário desenvolver<br />
políticas públicas partindo do pressuposto a sustentabilidade<br />
e a manutenção da biodiversidade,<br />
pois são as únicas formas de se manter o uso<br />
prolongado e a exploração de recursos naturais<br />
com qualidade e de forma a manterem-se intac-<br />
- 21 -<br />
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tas as vantagens e benefícios que poderemos tirar<br />
desses seres.<br />
Desta forma para que se mantenha uma<br />
Sustentabilidade Socioambiental é primordial<br />
a preservação da biodiversidade de forma global.<br />
Dentre ações neste sentido está em garantir<br />
a correta reciclagem e o tratamento dos resíduos<br />
e dejetos provenientes das criações animais e<br />
dos aglomerados humanos essa é a forma mais<br />
eficiente de se garantir que os mananciais e os recursos<br />
hídricos serão preservados e garantirão a<br />
capacidade do abastecimento das gerações futuras;<br />
outras formas eficientes de manter a terra saudável<br />
e produtiva por muito mais tempo, é evitar<br />
a poluição do solo com efluentes e produtos<br />
oriundos de atividades químicas e pesticidas<br />
agrícolas. Mas para que estas ações sejam efetivadas<br />
de maneira absoluta o homem precisa sensibilizar-se<br />
da importância dessas práticas e da<br />
garantia do uso racional dos recursos naturais e<br />
a manutenção da biodiversidade que a humanidade<br />
poderá conseguir produzir os alimentos<br />
necessários para se manter e assegurar a continuidade<br />
da prosperidade de nossa espécie.<br />
Levando-se em consideração todos<br />
os aspectos apresentados, faz-se necessário<br />
que a humanidade torne-se reflexiva e efetiva<br />
nas formas das condições de sobrevivência e<br />
convivência com o meio ambiente, ratificando<br />
a urgência da preservação dos recursos naturais<br />
essenciais e direcionando ao caminho da<br />
Sustentabilidade Socioambiental relacionada à<br />
Preservação da Biodiversidade. Este deveria ser<br />
o único caminho!<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
Coisas que acontecem<br />
Djalma Amorim Ramos<br />
Salvador, BA, Brasil<br />
@: caalaide@hotmail.com<br />
poesia<br />
Tem coisa que acontece em vão, ou ao invés.<br />
Chorei por não poder comprar um sapato;<br />
Me consolei quando vi alguém,<br />
que não tinha os pés!<br />
Somos quase todos egoístas,<br />
contando não dá pra crer.<br />
Tem gente jogando alimento fora;<br />
tem gente catando lixo pra comer!<br />
Tem gente que vai à escola,<br />
mais nada quer aprender!<br />
Quero falar com você e,<br />
também, com o povo.<br />
Temos que ter muito cuidado,<br />
com algum médico novo;<br />
Que não estudou direito e está aí,<br />
matando o povo!<br />
Existe tanta incompetência,<br />
isso é o que muita gente diz;<br />
Tem paciente que vai extrair um dente<br />
e sai de lá sem o nariz!<br />
A gente fica andando em círculo,<br />
sem saber pra onde ir;<br />
Tem engenheiro construindo prédio,<br />
pra depois de pronto, ele cair!<br />
Se eu fosse um juiz ou um delegado,<br />
mandava eles pra cadeia<br />
Pelo crime de não ter estudado!<br />
Viveriam sem lazer, nem sequer jogar bola<br />
E seriam condenados como<br />
fugitivos da escola!<br />
dica de filme<br />
Rory Jansen (Bradley Cooper) é casado com Dora (Zoe<br />
Saldana) e trabalha em uma editora de livros. Ele sonha em<br />
publicar seu próprio livro, mas a cada nova tentativa se convence<br />
mais de que não é capaz de escrever algo realmente bom.<br />
Um dia, em uma pequena loja de antiguidades, ele encontra<br />
uma pasta com várias folhas amareladas. Rory começa a ler e<br />
não consegue tirar a história da cabeça. Logo ele resolve transcrevê-la<br />
para o computador, palavra por palavra, e a apresenta<br />
como se fosse seu livro. O texto é publicado e Rory se torna um<br />
sucesso de vendas. Entretanto, tudo muda quando ele conhece<br />
um senhor (Jeremy Irons) que lhe conta a verdade por trás do<br />
texto encontrado.<br />
Fonte: www.adorocinema.com<br />
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cordel<br />
O verdadeiro<br />
cordelista<br />
Rogério Fernandes Lemes<br />
Dourados, MS, Brasil<br />
@: rogeriociso@gmail.com<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
literatura de cordel<br />
Autor: Rogério Fernandes lemes<br />
o verdadeiro<br />
cordelista<br />
Há quem diga que o cordel<br />
Só exista no Nordeste.<br />
Fora desse redondel<br />
É cópia e cabra da peste.<br />
Que cordel é nordestino;<br />
Só pode ser genuíno<br />
Se for fruto do agreste.<br />
Me vem um questionamento:<br />
Não posso me apropriar<br />
Deste belo ensinamento;<br />
Dessa arte secular?<br />
O que faz um cordelista?<br />
Se não ser um ativista<br />
Da cultura popular?<br />
Porque tanto estranhamento<br />
E egoísmo no pensar?<br />
É por esse pensamento<br />
Que só faz capenguear.<br />
Mesmo longe do Nordeste<br />
Passando pelo Sudeste,<br />
Não paro de cordelar.<br />
Assim como o nordestino<br />
Eu falo do meu lugar;<br />
Que tem rio cristalino<br />
Onde não pode pescar.<br />
O rio Formoso em Bonito<br />
Reflete o céu infinito,<br />
Que me perco só de olhar.<br />
Que dizer de Manoel<br />
E das coisinhas do chão?<br />
Nós usamos o cordel<br />
Para dar mais expressão;<br />
Divulgar o meu Estado,<br />
Um lugar abençoado,<br />
Que tem Deus no coração.<br />
Se não fosse um cordelista<br />
Homem triste eu seria,<br />
Ou quem sabe um repentista,<br />
Para minha alegria.<br />
Mas o fato é que escrevo;<br />
O cordel é meu enlevo<br />
Vinte e quatro horas por dia.<br />
Certo dia eu conheci;<br />
Já tinha ouvido falar.<br />
Então eu não resisti<br />
E resolvi cordelar.<br />
Comecei quadra fazendo<br />
Sextilha fui aprendendo,<br />
Até a sétima chegar.<br />
Uns diziam que besteira<br />
O negócio de rimar.<br />
Prefiro fazer esteira,<br />
Pois não gosto de pensar.<br />
Só que quando eles ouviam<br />
Muitos deles só sorriam,<br />
Com vontade de escutar.<br />
Verdadeiro cordelista<br />
Escreve aquilo que sente.<br />
Não quer ser exclusivista<br />
Isso o cordel não consente.<br />
Cordel traz interações;<br />
Aproxima regiões<br />
E enaltece nossa gente.<br />
Mas quem é o cordelista?<br />
Me diga, quero saber.<br />
Das letras é alquimista;<br />
Não vive sem escrever.<br />
Escreve verso com rima;<br />
Metrifica ainda por cima,<br />
Coisa linda de se ver.<br />
biblio editora - dourados - novembro de 2016<br />
Capa: Biblio <strong>Ed</strong>itoração Eletrônica<br />
Eu não nasci no sertão;<br />
Não tive tal privilégio.<br />
Mas amo de coração<br />
E não acho um sacrilégio.<br />
Escrever cordel eu quero;<br />
É meu desejo sincero;<br />
O cordel é meu colégio.<br />
E assim sigo cordelando<br />
Escrevendo cada verso;<br />
Eu levo a vida cantando<br />
No cordel eu vou imerso.<br />
Sei que sou bom cordelista<br />
Me sinto bem ativista,<br />
Neste vasto universo.<br />
Escrevi este cordel<br />
Em forma de brincadeira;<br />
Usei lápis e papel<br />
Pra dizer que é besteira<br />
Dizer que é só nordestino;<br />
Se não for é clandestino,<br />
Pois cordel não tem fronteira.<br />
Cordelistas somos todos,<br />
Do Oiapoque ao Chuí,<br />
Deus me livre dos engodos<br />
Que criticam por aí.<br />
É gaúcho ou nordestino;<br />
Homem velho ou menino;<br />
Cordel também é daqui.<br />
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Versos na areia<br />
Adail Alencar<br />
Dourados, MS, Brasil<br />
@: adailataveira70@gmail.com<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
Covarde<br />
Antônio Amaro Alves<br />
Ipatinga, MG, Brasil<br />
@: antonioamaro.ipatinga@gmail.com<br />
poesia<br />
No grito do amor a tristeza fica em silêncio,<br />
No sussurro do prazer levitamos na mesma procura,<br />
Na simplicidade do nosso amor irmanamos o pensamento,<br />
E no encontro de sentimentos oferecemos ternura.<br />
Na escuridão, o luar nos ilumina<br />
E andamos juntos abraçados;<br />
E no nosso tempo, a noite não termina<br />
Porque dormimos entrelaçados.<br />
E acordamos no mesmo amanhecer,<br />
Sem culpas, medos, nem preconceitos,<br />
Brindamos com um beijo nos pertencer;<br />
Fazendo da areia da praia nosso leito.<br />
E bebemos amor na mesma fonte,<br />
E adoramos a imensidão do mar,<br />
Vislumbramos juntos um lindo horizonte,<br />
Que nos dá o direito de sonhar.<br />
Como é linda essa nossa vida,<br />
Que as vezes achamos tão vazia,<br />
Quando essa paz é dividida,<br />
Encontramos tanto amor e alegria.<br />
E semeamos ternura em cada canto,<br />
Porque o amor está em nossas veias,<br />
E do carinho fazemos um acalanto,<br />
Escrevendo versos na areia.<br />
Quem é essa<br />
JoáDijú<br />
Dourados, MS, Brasil<br />
@: americodinizz@yahoo.com.br<br />
Que é essa que se atreve a mergulhar em meus sonhos,<br />
Que ousa depois esvanecer como sombra à tardinha;<br />
Vai indo, e bem devagarinho esvai em mim o sorriso,<br />
E quieto me calo em prece para que a<br />
esperança não morra.<br />
Quem é essa que de longe me trouxe alegria,<br />
Transformou minha noite em dia,<br />
E no fardo do tempo achou-me,<br />
Fez de minhas risadas, poesia.<br />
Quem é essa que sem medos tomou-me,<br />
Em pingados segundos repartiu sua vida,<br />
Fez da hora um encanto,<br />
Da despedida um suplício!<br />
Quem é essa que calma e serena me tocou,<br />
Sem o toque das mãos me aqueceu, me teve;<br />
Fez de meu coração ventania e fogo,<br />
E o desejo de amar novamente brotou.<br />
Quem é essa que a vida me trouxe,<br />
Num cálice inteiro de puro teor,<br />
Cheia de amor, de graça e leveza,<br />
Eterna e mortal, amante e amada!<br />
Quem é essa...<br />
... É você amor!<br />
Que tal fugir enquanto<br />
há tempo,<br />
se você não acredita<br />
e nada faz<br />
apenas critica e<br />
não abraça<br />
não se enlaça e<br />
nem se lança<br />
em nada,<br />
não faz nada.<br />
Que tal fugir para um lugar<br />
de conceito,<br />
onde tudo é perfeito<br />
onde há amor, direito e<br />
respeito.<br />
Onde não seja preciso<br />
se humilhar<br />
espraguejar e protestar.<br />
Fuja sim se não queres<br />
se mostrar,<br />
nessa lama se afundar e<br />
se sujar,<br />
bater de frente contra<br />
o que acha desaforo,<br />
pois, a luta é necessária<br />
quando a lei não é suficiente.<br />
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conto<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
As lembranças e as coisas<br />
Isloany Machado<br />
Campo Grande, MS, Brasil<br />
@: isloanymachado@gmail.com<br />
Uma das lembranças que tenho<br />
da infância é uma história que<br />
minha mãe contava algumas noites<br />
em que eu não conseguia dormir. A<br />
história era sobre uma mulher que se<br />
chamava Filomena. Mamãe nunca<br />
me disse se era verdadeira, se era invenção<br />
dela ou se fora contada pra<br />
ela também, como aqueles contos<br />
que são reproduzidos em muitas e<br />
muitas gerações até se tornarem verdades.<br />
Vamos à história. A tal mulher<br />
morava sozinha há muitos anos.<br />
A casa era habitada pelas lembranças<br />
dela. E eram muitas lembranças. As<br />
pessoas que haviam morado na casa<br />
já tinham ido embora.<br />
Uma filha, a Alice, vivia no<br />
país das maravilhas, morava no exterior<br />
e trabalhava em uma grande empresa<br />
multinacional. Filomena já visitara<br />
sua filha Alice algumas vezes no<br />
exterior, mas poucas ainda em comparação<br />
à grande saudade que sentia<br />
da época em que a filha chorava em<br />
seu ombro por causa dos desgostos<br />
de namorados. A segunda filha,<br />
Regina, era sonhadora, mas daquelas<br />
que sonha, sonha e as realizações são<br />
colocadas em pedestais e se tornam<br />
impossíveis de realizar. Regina passava<br />
a vida a se queixar de suas desrealizações.<br />
À época da história, já não<br />
morava mais em casa da mãe, casarase<br />
com um homem bem poderoso e<br />
vivia os sonhos dele agora, mas morava<br />
não tão longe da mãe como Alice.<br />
Mas e o marido de Filomena? Era o<br />
que eu perguntava pra minha mãe.<br />
Ah, este deixara muitas lembranças.<br />
Todas as noites, Filomena trancavase<br />
num quarto esquecido da casa, era<br />
uma espécie de museu. Lá havia não<br />
só as lembranças, que não dá pra tocar,<br />
mas ficavam as coisas que<br />
Filomena cuidadosamente guardara<br />
ao longo da vida. Aos 70 anos ela tinha<br />
medo de esquecer daquilo que vivera.<br />
Na verdade ela sempre teve medo<br />
de deixar as coisas irem embora<br />
por medo de esquecê-las.<br />
Como não podia encaixotar<br />
as filhas e nem o marido, decidira<br />
guardar todos os objetos que coubessem<br />
no quarto. Havia fotografias em<br />
preto e branco; cadernos de todos os<br />
anos escolares das filhas; frascos de<br />
perfumes que ganhara do marido e<br />
também todos que dera a ele. Em algumas<br />
noites cuja saudade era apertada,<br />
pegava o frasco do primeiro perfume<br />
que dera a ele, metia no borrifador<br />
o nariz cravejado de pontos pretos<br />
e arqueado pelos anos. Tentava<br />
identificar ali o cheiro das primeiras<br />
sensações que tivera ao lado dele.<br />
Voltava à memória o frio na barriga<br />
que sentia ao esperá-lo para irem ao<br />
cinema. Ele chegava exuberando o<br />
perfume que ela lhe dera, chamava-se<br />
“O Barril”.<br />
Ah, também estavam lá todas<br />
as bonecas das meninas, umas cujo<br />
cabelo já virara sabugo, outras que o<br />
olho não fechava mais, outras ainda<br />
que perderam as pernas; havia óculos<br />
e relógios quebrados; revistas velhas<br />
da época em que o guaraná ainda era<br />
de rolha. Pegava uma boneca sem perna<br />
e lembrava que fizera papinha para<br />
que Alice alimentasse sua “filha” e<br />
costurara roupinhas com retalhos de<br />
suas costuras. Em duas caixinhas de<br />
metal guardava os dentes de leite das<br />
filhas. Quando suas mãos quase descarnadas<br />
tocavam um dos dentinhos,<br />
imediatamente vinha-lhe à memória<br />
a cena em que Regina estava com o pivô<br />
mole e não a deixava arrancar.<br />
Um dia, voando pelo corredor<br />
ao ouvir o chamado da mãe para<br />
o almoço, tropeçara e fora de boca no<br />
chão. O pivô saltara longe. Nos cantos<br />
escoravam-se móveis quebrados,<br />
esfarelentos. Cartas, cartões, postais,<br />
convites de casamento, memoriais de<br />
falecimento, de nascimento, de aniversário<br />
de 15 anos, de formatura, habitavam<br />
uma caixa grande que tinha<br />
cheiro de tempo quando passa voando.<br />
Em três grandes malas de couro<br />
estavam guardadas roupas da época<br />
em que Filomena era jovem, que já<br />
não serviam mais; e mais um monte<br />
de outras velharias incontáveis estavam<br />
naquele lugar.<br />
Minha mãe contava que o<br />
quarto tinha um cheiro diferente, era<br />
o cheiro do bolo de fubá que as meninas<br />
gostavam, ou era o cheiro do café<br />
que acompanhava o bolo, tudo misturado.<br />
Filomena passava horas da<br />
madrugada manuseando os objetos,<br />
assim, acreditava tocar as lembranças,<br />
puxá-las pelas orelhas. Como eu<br />
disse, ela tinha medo de jogar todas<br />
aquelas coisas fora e suas lembranças<br />
um dia lhe faltarem. Só esquecia o<br />
quarto dias e dias com a porta trancada<br />
quando estava a família toda reunida,<br />
na festa de ano novo. Daí as<br />
lembranças pouco importavam, ela<br />
podia tocar o barulho que seus netos<br />
faziam quando arruaçavam pela casa.<br />
Filomena não tinha esse nome à toa,<br />
a raiz de seu nome era comum com a<br />
da filosofia. Filomena era quase filósofa,<br />
ela sabia que há lembranças e há<br />
coisas, quando ia ao quartinho fazia<br />
o exercício de juntar as duas. Mas havia<br />
algo para o que ela não conseguia<br />
fazer a união entre lembrança e coisa,<br />
na verdade esse algo era uma espécie<br />
de síntese entre as duas. A síntese era<br />
a palavra saudade, que Filomena não<br />
conseguia tocar. Um dia minha mãe<br />
contou que gostava muito de brincar<br />
de esconde-esconde com seus irmãos<br />
na infância e, sem querer, disse que o<br />
lugar preferido era um certo quarto<br />
esquecido e proibido da casa de sua<br />
avó, onde nunca ninguém a encontrava.<br />
O próximo livro de Isloany<br />
Machado. Aguardem!<br />
- 25 -<br />
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“A vibração<br />
e o fôlego”<br />
Morphine Epiphany<br />
São Paulo, SP, Brasil<br />
@: souavenger69@gmail.com<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
poesia<br />
Numa vibração de harpa<br />
Acariciada por ninfas<br />
Tuas mãos puxaram-me<br />
Para as profundezas do<br />
Lago<br />
Nenhuma movimentação<br />
Das minhas solas<br />
Ou braçadas enlouquecidas<br />
Foram capazes de<br />
Me lançar ao fôlego<br />
Na vibração da sua harpa<br />
E das unhas a cravar<br />
Teu suspiro se prendeu<br />
Virei cabelos, vestido<br />
E sopro<br />
Nas profundezas dos<br />
Lábios<br />
Nenhuma respiração<br />
Desliguei os pulmões<br />
E matei o ar aprisionado<br />
Agora sou capaz de<br />
Nadar sem fôlego.<br />
Sol, meu dia...<br />
Ana Carvalhosa<br />
Sintra, Portugal<br />
@: carvalhosaana@gmail.com<br />
Quando te vejo, desejo<br />
Num só dia um único beijo<br />
O que me dás por sorrir<br />
Em ti vida encontrar<br />
No que é meu provir<br />
Num momento, te amar.<br />
http://imgms.viajeaqui.abril.com.br/<br />
A super Lua<br />
Heloisa Crespo<br />
Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil<br />
@: heloisacrespo@gmail.com<br />
Eis que surge a Super Lua<br />
Na Praia de Iracema,<br />
Na terra de Auta de Souza,<br />
Na orla de Maceió,<br />
No belo Farol da Barra,<br />
Por quase todo o Nordeste!<br />
Recebida com aplausos,<br />
Brindes, risos e até lágrimas<br />
De emoção e alegria,<br />
Quando apareceu no céu,<br />
Com a aparência bem maior,<br />
Mais brilhante e majestosa!<br />
No Sudeste não foi vista.<br />
Tempo nublado e chuvoso<br />
Impediu que eu a visse<br />
E que a reverenciasse,<br />
Como desejei fazer<br />
Durante toda uma vida.<br />
E ela estava tão perto,<br />
Como há muito não se via,<br />
Desde o ano em que nasci.<br />
Agora, sim, entendi<br />
O porquê de apreciar<br />
As noites de lua cheia,<br />
Exaltando-a em prosa e verso,<br />
Ao longo da minha vida,<br />
Se ela me viu nascer...<br />
- 26 -<br />
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crônica<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
O encantador<br />
de palavras<br />
inspireportal.com<br />
Dinovaldo Gilioli<br />
Florianópolis, SC, Brasil<br />
@: dinogilioli@yahoo.com.br<br />
A vida passa rápido demais, às vezes como<br />
um voo rasante. E, a morte, quanto tempo<br />
leva? O poeta Manoel de Barros se foi em novembro<br />
de 2014. Se vivo, completaria 100<br />
anos em 2016. Quantos se lembram, além dos<br />
mais próximos?<br />
A deslumbrante poesia de Manoel, que<br />
amava as coisas simples, nos remetia – quase<br />
sempre, à transcendência. Ele falava da fugacidade<br />
da vida, como quem sabia que viemos e<br />
voltaremos como um cisco.<br />
Na sua escrita direta, sem entrelinhas,<br />
botava mais que pingos nos is. Sem seguir modismos,<br />
fazia do poema um canto eterno. Era<br />
verdadeiramente “o encantador de palavras”;<br />
título de um dos seus mais de trinta livros publicados.<br />
Ele sabia sabiamente que o lugar da poesia<br />
é qualquer tempo e espaço. Manoel se encantava<br />
com um inseto, e dele fazia sua matéria<br />
poética. No mundo em que vivemos, quanto<br />
valem as coisas simples?<br />
Para o poeta de palavras encantatórias<br />
e atemorizantes, o cu de uma formiga era mais<br />
importante que uma usina nuclear. Criticava<br />
criativamente os que endeusam a tecnologia,<br />
e não enxergam um palmo adiante.<br />
Se foi Manoel como a vida queria, encharcado<br />
de poesia por todos os poros.<br />
Translucido, feito vagalume, vagueia e alumia<br />
outros lugares. Com seu jeito faceiro de dizer,<br />
na lata, o que pensava, deve continuar assombrando<br />
os que fazem da vida um acúmulo de<br />
coisas imprestáveis para o deleite da alma.<br />
Certamente, onde estiver, se nega a descansar<br />
em paz. A paz mórbida que não remove,<br />
e só espera a esperança. Manoel de Barros,<br />
feito carne e osso, se dissolveu no tempo. Seus<br />
poemas, porém, continuam ecoando feito<br />
cantar passarinheiro.<br />
Quem saberá onde ele está agora?<br />
Como sua poesia, em qualquer lugar que a vida<br />
respira depois da morte!<br />
Fragmentos de Barros:<br />
Tem horas leio avencas. Tem horas,<br />
Proust. Ouço aves e beethovens.<br />
As coisas que não têm nome são mais<br />
pronunciadas por crianças.<br />
Um girassol se apropriou de Deus: foi<br />
em Van Gogh.<br />
Eu penso renovar o homem usando<br />
borboletas.<br />
Escutei um perfume de sol nas águas.<br />
Não tem altura o silêncio das pedras.<br />
Eu queria crescer pra passarinho…<br />
- 27 -<br />
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<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
conto<br />
A irmã de Jone<br />
https://i.ytimg.com<br />
Leomária Mendes Sobrinho<br />
Salvador, BA, Brasil<br />
@: lea.sobrinho@gmail.com<br />
H<br />
á mais de sessenta anos atrás, a irmã de<br />
Jone estava completando quinze anos. Jéssica,<br />
desde nova, falava que quando completasse esta<br />
idade morreria e que estava ali, apenas para cumprir<br />
uma missão. Ninguém levava em consideração<br />
a veracidade desta informação, pois, como<br />
vinha de uma criança, os adultos entendiam como<br />
um capricho.<br />
Eram quatro irmãos, porém, Jone era o<br />
mais próximo de Jéssica, o que a permitia confidenciar<br />
seus pensamentos e desejos com ele.<br />
Eles moravam em uma casa humilde, porém,<br />
com área ao redor da casa e um quintal, onde haviam<br />
duas fontes, isto é, dois poços artesianos e<br />
mais ao fundo muitas plantas, inclusive árvores<br />
milenares, como mangueiras, pés de mamão, bananeiras,<br />
etc. Com área suficiente para circular,<br />
correr e se esconder na hora das brincadeiras<br />
com as amigas.<br />
Passaram-se alguns meses e Jéssica adoeceu<br />
de uma hora para outra, sem motivos aparentes.<br />
O médico naquele tempo não tinha a tecnologia<br />
que hoje possui e a diagnosticou com sarampo.<br />
Quando Jone e Jéssica ficavam a sós, ele a<br />
perguntava o que ela sentia, mas, com muita febre<br />
e tomando muitos antibióticos, ela ainda<br />
afirmava que não iria adiantar tanto zelo, pois<br />
ela já tinha o seu dia marcado para desencarnar<br />
por ordem de Deus.<br />
Jone ficava confuso porque em sua compreensão,<br />
Deus apenas dava a vida e não a tirava.<br />
Porém, a sua irmã afirmava veementemente<br />
que ela veio apenas para passar aquele tempo e<br />
tinha a consciência de tudo; que ela ouvia e via<br />
as orientações do que estava por vir. O que ficou<br />
sem explicação, o que não deu tempo de saber,<br />
pela angustia e pela insistência de Jone em querer<br />
que a sua irmã ficasse logo boa foi o motivo<br />
da missão que Jéssica teria que ter cumprido.<br />
Numa noite sem estrelas no céu, Jone<br />
chegava em sua casa.Vinha da casa de um amigo,<br />
quando viu Jéssica sentada à beira da fonte,<br />
no quintal, pois o mesmo acessou sua residência<br />
pela lateral sem que ninguém o visse. Ele a<br />
chamou com espanto pelo nome e a repreendeu<br />
por estar ali fora no sereno, já que passavam-se<br />
das sete horas da noite e ela estava acamada.<br />
Jéssica, sentada, serena, calmamente disse<br />
ao irmão que já não estava mais entre os vivos<br />
e que ela já havia realizado a sua missão. Havia sido<br />
chamada, que não era para ele chorar e nem<br />
ficar triste, pois ela estava bem e que ele soubesse<br />
que ela o amava. Desapareceu para sempre da<br />
vida e deixou saudades.<br />
(História baseada em fatos reais.<br />
Foram usados nomes fictícios)<br />
- 28 -<br />
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poesia<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
Rodas do<br />
mundo<br />
Joana Alencastro<br />
Porto Alegre, RS, Brasil<br />
@: joana_angel@hotmail.com<br />
Os pés cansados, o suor,<br />
o andar em falso<br />
Acusam a dureza da jornada<br />
Que se arrasta em dias<br />
modorrentos sem relógio,<br />
Rasteja em meses e anos<br />
sem calendário<br />
Os anos passam tão depressa<br />
E as horas tão devagar.<br />
Tanto corremos, tão cansados,<br />
Mas pra onde?<br />
Somos peixinhos dando<br />
voltas num aquário.<br />
Somos ratinhos de laboratório<br />
Resfolegando em suas rodinhas<br />
Tentando, desesperados,<br />
Chegar a algum lugar.<br />
Em algum lugar, alguém repousará,<br />
Mas não nós que temos<br />
fogo sob os pés,<br />
Nós que vivemos pra correr<br />
E corremos pra sobreviver.<br />
Somos animais de circo enjaulados,<br />
Sobreviventes da cadeia alimentar,<br />
Encenando as piores leis da natureza,<br />
Expostos para entreter a quem?<br />
Corremos, corremos tanto,<br />
Movemos as rodas do mundo<br />
Que alguém estará pilotando<br />
Em direção a algum lugar.<br />
Mas não nós que temos fogo sob os pés<br />
E asas que nunca se abrem.<br />
Esperança<br />
Marina Gentile<br />
São Paulo, SP, Brasil<br />
@: dagazema@gmail.com<br />
Sou o recomeçar, sou janeiro,<br />
início do mês,<br />
As primeiras páginas<br />
de um caderno, novo livro,<br />
Sou aquele broto brotado<br />
em local inesperado,<br />
O que é negativo deve ser superado.<br />
Sou o recomeçar em todas as manhãs,<br />
Sou energia a quem está ao meu lado,<br />
Por isto mesmo, as palavras e gestos,<br />
Devem ser cuidadosamente lapidados.<br />
Cada um tem seu jeito de recomeçar,<br />
Cada um tem sua história, sua dor,<br />
E para cada sofrimento, lágrima caída,<br />
Existe a esperança, um mar de amor.<br />
Cada um tem seu jeito de recomeçar,<br />
E por maior que seja a dificuldade,<br />
Tem alguém, pelo menos alguém,<br />
Que lhe quer bem ...<br />
O amor está no universo,<br />
Nas pessoas do nosso convívio,<br />
Precisamos delas, é recíproco,<br />
Para elas que estamos vivos.<br />
Ferreira Gullar, um dos maiores poetas brasileiros do<br />
século 20 morreu, aos 86 anos, no dia 4 de dezembro<br />
de 2016, no Rio de Janeiro. Foto: http://escolaeducacao.com.br<br />
- 29 -<br />
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artigo<br />
O chatólogo<br />
Figueiredo<br />
Cahoni Chufalo<br />
Mogi das Cruzes, SP, Brasil<br />
@: cahoni@gmail.com<br />
No início de seu famoso<br />
Discurso ao Método, Descartes<br />
diz ser o bom senso a coisa do<br />
mundo melhor partilhada. Isso<br />
porque ninguém julgava não<br />
possuí-lo, ou possuí-lo em falta<br />
ou em demasia. Da chatice poderíamos<br />
dizer o mesmo, mas pelo<br />
motivo inverso: ninguém julga<br />
possuí-la. No entanto, a experiência<br />
de qualquer indivíduo<br />
acordado demonstra que ela existe,<br />
é palpável, perceptível, amplamente<br />
disseminada, absolutamente<br />
democrática. Aparece<br />
em qualquer lugar, tempo, pessoa,<br />
objeto. Assim, embora ninguém<br />
assuma ser portador de tal<br />
moléstia, devemos concluir que<br />
a chatice é a coisa mais bem partilhada<br />
do mundo, muito mais<br />
do que o bom senso, quase raridade.<br />
Não é de se estranhar, então,<br />
que patologia tão onipresente<br />
se transforme em objeto<br />
de estudo.<br />
Não sei se Guilherme<br />
Figueiredo foi o inventor da<br />
Chatologia. Seu Tratado Geral<br />
dos Chatos (1962) dá, entretanto,<br />
uma bela contribuição à mat<br />
é r i a . S e r i a c i ê n c i a ?<br />
Dificilmente. O objeto é esquivo<br />
e bastante subjetivo. Basta<br />
pensar que aquilo que me chateia<br />
pode alegrar um outro. Ou<br />
aquele que acho chato pode ser<br />
chateado por alguém que acho<br />
não-chato. Não decorre daí, da<br />
dificuldade da matéria, que devemos<br />
virar as costas ao esforço do<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
o ecologista, o engajado de<br />
Facebook; temos o intelectual, o<br />
filósofo, o sociólogo, o economista,<br />
o cientista, o matemático<br />
de Facebook; temos os polemistas,<br />
os catequéticos, os cientistas<br />
políticos, críticos literárioplástico-cinematográficos<br />
de<br />
Facebook; temos os místicos, os<br />
religiosos, os ateus, os otimistas,<br />
os pessimistas, os bom-vivants,<br />
os miseráveis de Facebook; temos<br />
os humoristas, artistas, narcisistas,<br />
jornalistas, humanistas,<br />
vanguardistas, tradicionalistas,<br />
carentes, revoltados, terroristas,<br />
puxa-sacos, machões e feministas<br />
de Facebook; temos aqueles<br />
que são uma mistura de alguns<br />
desses predicados e de outros<br />
não citados; e temos os casos extremos,<br />
aqueles que são tudo isso<br />
e mais um pouco. No<br />
Facebook, claro. A democracia<br />
digital permite que cada um de<br />
nós seja aquilo que diz ser. Ou<br />
quer ser. Ou, linguisticamente<br />
falando, se enuncia como sendo.<br />
A internet nos metamorfoseia.<br />
Geralmente, para pior. E toda<br />
essa vasta gama de personagens<br />
e informações que nos chegam<br />
todos os dias, bem ali na palma<br />
de nossas mãos, serve apenas<br />
para uma coisa: nos chatear.<br />
A esfera da chateação virtual<br />
tem uma vantagem: pode<br />
ser abrandada. Com um pouco<br />
de coragem e autodomínio você<br />
poderá exclamar: hoje eu não entrei<br />
na internet; hoje não chequei<br />
meus e-mails nem entrei no<br />
Facebook; hoje, só por hoje, não<br />
fui virtualmente chateado nem<br />
chateei ninguém. A atitude nem<br />
sempre é fácil. Um dos vícios<br />
contemporâneos é justamente o<br />
vício da internet. E vícios são,<br />
justamente, a passagem do prazeroso<br />
à chatice. O viciado preciautor.<br />
Sua tentativa de definição<br />
e classificação do chato é de inegável<br />
valor. Não identificamos<br />
rapidamente o tipo chatopostulante,<br />
sempre a pedir algo a<br />
a l g u é m , o u o c h a t o -<br />
confidencial, sempre a contar<br />
uma nova fofoca imperdível agarrado<br />
aos colarinhos alheios?<br />
Outro vivo observador do comportamento<br />
humano (ou seja,<br />
comportamento do chato),<br />
Millôr Fernandes, tem uma definição<br />
do chato que se encaixa<br />
exatamente no tipo chatoconfidencial.<br />
Diz ele que o chato<br />
é “o sujeito que tem um uísque<br />
numa mão e nossa lapela na outra”.<br />
Será que a coincidência dessas<br />
observações pode abrir caminho<br />
para um estudo mais objetivo<br />
dos chatos? O futuro das pesquisas<br />
nos dirá. O que fica claro<br />
é que o chato é gregário. Com a<br />
exceção, claro, do chato-de-simesmo.<br />
O chato é gregário.<br />
Precisa do outro. Imaginem<br />
quantas novas classificações nosso<br />
especialista não faria nesses<br />
tempos de plena interconectividade?<br />
Guilherme Fiqueiredo<br />
morreu em 1997. Não pôde ver e<br />
analisar a chatice produzida, amplificada<br />
e globalmente disseminada<br />
graças à internet e às redes<br />
sociais. Pois a tecnologia encurta<br />
as distâncias. Aumenta, entretanto,<br />
o raio de ação do chato. O<br />
chato não mais precisa sair de casa<br />
para espalhar sua chatice. Ela<br />
nos chega de tempos em tempos,<br />
apitando ou vibrando nossos<br />
smartphones. E como a internet,<br />
especialmente as redes sociais,<br />
é um espelho do ser humano,<br />
temos todo o espectro da chatice<br />
humana (e mais alguns) sob<br />
a forma virtual. Temos o pacifista,<br />
o revolucionário, o militante,<br />
- 30 -<br />
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sa de um esforço maior para curar-se<br />
do mal. E se tem a sorte de<br />
curar-se, continua a mercê das<br />
chatices habituais, diárias e nada<br />
virtuais de sempre.<br />
O ônibus que não passa<br />
no horário; o chato-ofertante do<br />
telemarketing; o garçom simpaticão<br />
ou ultra grosseiro; as chatices<br />
causadas porque tinha um celular<br />
no meio do caminho (você<br />
conversando com alguém tête-àtête<br />
que está conversando com<br />
alguém tête-a texto; alguém que<br />
quer mostrar um vídeo de oito<br />
minutos e meio que acabou de<br />
receber; etc.); os problemas do<br />
trem; os problemas do metrô; o<br />
chato-conselheiro, que aconselha<br />
sem ser pedido; o chatoreclamão,<br />
que vê os outros como<br />
um grande ouvido; o chatopatrão,<br />
naturalmente chato; o<br />
chato-artista (não o artistachato),<br />
que espalha sua chatice<br />
em algo que ele diz ser arte; o chato...o<br />
chato...o chato...a chatice.<br />
Há, porém, uma questão<br />
qu e o n o s s o ch a t ó l o g o<br />
Figueiredo não se coloca: será<br />
que a chatice tem um lado positivo?<br />
Esse é o ponto levantado pelo<br />
cronista português Miguel<br />
Esteves Cardoso. Seu exemplo é<br />
a cultura. Diz ele: “Ora, quem sabe,<br />
sabe que a cultura, a verdadeira<br />
cultura, é efectivamente chata.<br />
(...) Seca, morosa, difícil, exigente,<br />
chata para morrer. Chata<br />
e boa. E ainda bem”!<br />
Embora a palavra cultura<br />
carregue geralmente significados<br />
positivos (é bom ser culto, conhecer<br />
coisas, entrar em contato<br />
com novas, etc.), o problema está<br />
em que tornar-se culto é, muitas<br />
vezes, uma chatice. Para mascarar<br />
essa chatice, diz-se que a<br />
cultura é participativa, comunicativa,<br />
popular, relacional, gene-<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
rosa, alegre. Junte-se um bando<br />
de gente em um lugar qualquer,<br />
coloque-se um DJ, um grafiteiro,<br />
quem sabe uma performance ou<br />
uma expressão de cultura popular<br />
(capoeira, jongo, maracatu,<br />
sambinha), toneladas de cerveja<br />
e pronto: tem-se um evento cultural.<br />
O problema é que essa cultura<br />
nada tem a ver com aquela<br />
outra, mais alta, e que demanda<br />
tempo, solidão, paciência.<br />
Adquirir cultura é tarefa exigente,<br />
nem sempre consoladora, às<br />
vezes, angustiante. Há recompensa<br />
em algum lugar do processo?<br />
Quem sabe? O fato é que estudar,<br />
conhecer, ampliar e aprofundar<br />
ideias, é chato. A cultura<br />
é chata. Maravilhosamente chata.<br />
Porém, dizê-la chata é um jeito<br />
de nos defendermos dela. É<br />
uma boa desculpa para deixá-la<br />
de lado. Se é chata, por que gastar<br />
meu tempo com ela? Previnese<br />
assim o contato com qualquer<br />
experiência mais árdua. Por outro<br />
lado, será inevitável que o homem<br />
(ou mulher) de cultura seja<br />
sempre um chato? Será por isso<br />
que Guilherme Fiqueiredo diz<br />
que “a erudição exaustiva é uma<br />
das formas sob as quais se apresenta<br />
um chato”?<br />
O tema, como se vê, é vastíssimo.<br />
A chatice é chata, mas<br />
pode, paradoxal e dialeticamente,<br />
ser recompensadora em alguns<br />
casos. A investigação da matéria<br />
deve ser individual e diária.<br />
O que me chateia? A quem eu<br />
chateio, e por quê? Será que estou<br />
usando a chatice defensivamente,<br />
para não ter de lidar com<br />
algo que pode ser excessivamente<br />
árduo? Será que estou temendo<br />
tanto a chatice alheia que acabo<br />
num isolamento gelidamente<br />
chato? Muitas questões e reflexões<br />
a serem feitas. Mas paro por<br />
aqui. O texto já vai longo e nada<br />
mais chato do que ler resenhas<br />
enormes, quase em disputa com<br />
o próprio livro. Um último registro:<br />
quem quiser passar algumas<br />
horas não-chatas, que leia esse<br />
belo livrinho de Guilherme<br />
Figueiredo. Ele é infinitamente<br />
menos chato do que essa longa<br />
resenha de mais um desses resenhistas-que-acham-que-sabemdo-que-falam.<br />
LANÇAMENTO<br />
artigo<br />
Alelos Esmeraldinus é o novo livro<br />
do poeta e escritor João<br />
Bosco Rolim Esmeraldo. A obra<br />
foi compilada em 43 estilos literários<br />
acompanhados de teoria<br />
e exemplificados, com mais de<br />
200 poemas. Traz 68 Simplismos<br />
Sapientes, que são aforismos de<br />
sabedoria retirados da linguagem<br />
coloquial ou costumes do<br />
quotidiano popular. O livro tem<br />
como público-alvo, adolescentes<br />
e adultos, em especial estudantes,<br />
por se tratar de leitura<br />
com didática aplicada.<br />
Vendas direto com o Autor, pelo<br />
e-mail:<br />
odlaremsem@gmail.com<br />
- 31 -<br />
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poesia<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
Liberdade<br />
do poeta<br />
Varenka de Fátima Araújo<br />
Salvador, BA, Brasil<br />
@: venkadefatima@hotmail.com<br />
Ó tu liberdade<br />
Os abutres, horripilantes lobos<br />
Levaram para outros ares<br />
No meu canto, inspira cheiro de bifes<br />
Entrando neles cortes<br />
com palavras em escarlates<br />
Vem à modesta morada do<br />
poeta que expelem letras<br />
Galgam por seus esforços<br />
por todos os cantos<br />
Com festivais de trovas,<br />
poesias, poemas, sonetos<br />
Maleáveis com firmeza em reflexões,<br />
prosa ou versos<br />
Eles habitam na divindade, merecedores<br />
Haja paz, haja alegria, haja harmonia<br />
Como o poeta das flores com vigor<br />
Com garbo primor, serão eternos<br />
No álbum do vate, um livro com liberdade.<br />
Suícidio<br />
Dina Alenquer<br />
Vila Franca de Xira, Portugal<br />
@: dina.alenquer@gmail.com<br />
Alma; olhos de ver<br />
Vibratório elemento de um constante pensamento<br />
Aparentemente redundante<br />
Pontos de entendimento<br />
Ligações profundas<br />
Ambientes truncados<br />
Complementos directos e abreviados<br />
Concisos e concretos<br />
Directos à alma e a Deus.<br />
O que te parece?<br />
Ensaios de futuro<br />
Notícias de passado que já se conhece<br />
Recursos não materiais, por exemplo,<br />
génios musicais.<br />
Bandas de música que dão afinadas orquestras<br />
Movimentos harmónicos de sons<br />
têm os seus maestros.<br />
Esta é a chave do teu futuro.<br />
Ciência em tudo que é mundo.<br />
Padecimentos rasteiram o pensamento<br />
Nada é superior a este sentimento.<br />
Só Deus. Depois, caem a barreiras<br />
Mesmo as artificiais<br />
Sobram as mágoas para o derradeiro fim.<br />
Tão forte e tão verdadeiro que,<br />
De verdade nada se sabe.<br />
Vive de ser aquilo que quer<br />
Contém a sua própria razão<br />
A sua discussão é toda uma vida.<br />
Efémero estatuto de estar neste mundo.<br />
Sentimentos agrupam-se em classes diferentes<br />
Todos são do mesmo modo,<br />
não obstante o que se sente.<br />
Um claro epíteto de vida de conteúdo escasso por ser<br />
escasso.<br />
Palavras de circunstância revêm a sua evidência.<br />
Nada a dizer.<br />
Falsos,<br />
Falsos, mas verdadeiramente falsos,<br />
Poéticas fantasias.<br />
Palavras sem mais conteúdo, é tudo o que resta no<br />
fim.<br />
Tudo foi!<br />
Nada vale<br />
Nada é nada.<br />
E o agora é agora!<br />
Universal campanha<br />
Comprovadamente verdade,<br />
O agora é agora.<br />
Por mais que se conheça ou não conheça o mundo, o<br />
agora é agora.<br />
Não penses que os castelos sempre existiram.<br />
Sonhos que foram de outros<br />
São hoje ruínas e motivos de sonhos de amanhã.<br />
A cidade pode ser um castelo<br />
Mesmo sem pedras, e sem torres de vigia.<br />
Castelos que acalentam sonhos,<br />
E todos somos um castelo que<br />
anda pelas cidades que queremos.<br />
Idiossincraticamente somos<br />
castelos em todos os lugares.<br />
A revolução é sermos castelos,<br />
sem muros e sem pedras.<br />
Suspensos apenas pelos anjos ou míticos anjos.<br />
Deus! Com tudo Deus!<br />
Sem Deus. Deus!<br />
E o resto é silêncio.<br />
(Inspirado no romance “E o Resto é Silêncio”, de Érico Veríssimo)<br />
- 32 -<br />
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<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
poesia<br />
Oração pelo<br />
menino Jesus<br />
Lúcia Morais<br />
Luanda, Angola<br />
@: luciamorais89@hotmail.com<br />
Querido Deus....<br />
A mamã disse que nesse natal<br />
Seu filho Jesus vai nascer<br />
E nós vamos fazer uma ceia real<br />
Fico triste porque esse mundo está tão mal<br />
Mas os adultos parecem que não querem ver<br />
Vivem um dia após o outro e tudo é normal<br />
Tenho uma dúvida Senhor, onde ele vai viver?<br />
É minha preocupação e do resto das crianças<br />
Achamos que ele merece um mundo melhor<br />
Sabes como o vão receber?<br />
Pelo mundo terá muitas festanças<br />
Mas na verdade o que ele precisa é amor<br />
Neste mundo seu filho vai sofrer tanto<br />
E se ele se tornar amargo, deixar de ser santo?<br />
Santa Maria por favor o proteja em seu manto<br />
O papai disse para não me preocupar<br />
Porque na verdade Jesus vai nascer<br />
em cada coração<br />
O que só triplica a minha preocupação<br />
Os corações hoje são impuros e<br />
incapazes de amar...<br />
Se o Papai do Céu tocar seus corações,<br />
eles podem mudar<br />
Eu sei que observa e olha por nós<br />
numa grande televisão<br />
Mas está na hora de se envolver mais,<br />
livre arbítrio é pura ilusão<br />
Não sei bem o que significa,<br />
mas só tenho em ti para confiar...<br />
Amém...<br />
Mercado<br />
revelado<br />
Evelyn Renard da Silva Nunes<br />
Aracaju, SE, Brasil<br />
@: vinha_as@yahoo.com.br<br />
Chovia, chovia sem parar<br />
Em meio aquelas ladeiras<br />
Crianças....<br />
Crianças que subiam e desciam<br />
Roupas molhadas, cabelos encharcados<br />
Em seus rostos a imagem da subsistência<br />
Em meio à multidão, um carrinho<br />
de mão os identificavam<br />
Um, dois, três, quatro....<br />
Pensava, como aborda-los em<br />
meio aos seus rápidos passos,<br />
em buscas de um trocado?<br />
E assim, as horas se passaram, uma pequena<br />
caderneta, uma caneta, e rabiscos<br />
de umas histórias de vidas.<br />
Sai do mercado, com uma certeza,<br />
que já não seria mais a mesma!<br />
ECA, trabalho insalubre, Direito,<br />
o que falta de fato para resolver esse dilema?<br />
Negação<br />
Aliel Selet<br />
Aracaju, SE, Brasil<br />
@: aliel_teles@hotmail.com<br />
Da vaidade ao desinvestimento<br />
Das convicções o achismo<br />
Motricidade e psique a ruir...<br />
Desejos obnubilados e<br />
Motivação estática ressonam<br />
Dor de não vida pulsante<br />
Angústia atroz reverbera<br />
Cientificismo trafega<br />
No mar amargo de conjecturas.<br />
- 33 -<br />
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poesia<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
Espelho<br />
de Cristal<br />
Leunira Batista Santos Sousa<br />
Nossa Senhora da Glória, SE, Brasil<br />
@: leunira.batista@hotmail.com<br />
Sonho de cristal sobrepuja estrela<br />
Com face transparente na rocha do tempo<br />
Mar cristalino revolto em versos<br />
Cruza oceanos em embarcação bela.<br />
http://www.hotelpresidenteluanda.com/|<br />
Mineral que a essência cintila<br />
Explode em ondas sonoras<br />
A nitidez do rio que o homem navega<br />
Coberto com o véu que a natureza carrega.<br />
Oriunda taça da felicidade<br />
Que pousa no céu azul<br />
O mundo em cartão postal<br />
No anverso e reverso reflete o cristal.<br />
Sussurros<br />
da noite<br />
Samuel Pedral<br />
Nossa Senhora da Glória, SE, Brasil<br />
@: samuelpd1@hotmail.com<br />
Mil e uma estrelas e uma lua<br />
Acoita os mistérios<br />
E desperta os errantes<br />
Intervalo permissivo<br />
Entre o crepúsculo e a alvorada,<br />
O repouso do dia!<br />
Insônia e deleite<br />
Ingratidão e refúgio<br />
Êxtase...<br />
Para os lunáticos<br />
Para os astrônomos<br />
Para as prostitutas<br />
E para os poetas.<br />
O gênio<br />
incompreendido<br />
Kamba Kabeto<br />
Luanda, Angola<br />
@: alberto.kabeto@gmail.com<br />
Vivo fora do espaço, do tempo<br />
Eu e mais eu, de mãos dadas com o vento<br />
Ora deito lágrimas, ora solto gargalhos<br />
Amo estar no serviço, odeio fazer trabalhos<br />
Pensamentos deixam a cabeça pesada<br />
Na minha boca mora uma<br />
multidão de palavras<br />
Quero livrar-me delas, não pagam renda<br />
Saem quando querem,<br />
desobedecem a minha regra<br />
Estou embriagado de raiva, farto com o fardo<br />
Cansado de andar na estrada<br />
que me leva ao nada<br />
Amo a vida, mas a morte me deixa excitado<br />
Sou eu o palhaço deste circo,<br />
por favor, dêm risadas!<br />
Elas me acham esquisito,<br />
eles dizem que sou demente<br />
O mundo detesta gente diferente<br />
Tudo bem, alegrem-se,<br />
festejem quando eu partir<br />
Porém saibam, eu jamais desejei ficar aqui.<br />
- 34 -<br />
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<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
poesia<br />
Do alto<br />
(para Manoel de Barros)<br />
Elias Borges<br />
Campo Grande, MS, Brasil<br />
@: elias_borgess@hotmail.com<br />
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Seu canto<br />
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Pacifica arcaísmos,<br />
neologismos...<br />
Entende<br />
na soma<br />
do que escreve<br />
desafio constante:<br />
viver no alto do mastro.<br />
Seu passo,<br />
a um instante<br />
de quem sempre<br />
se arrisca.<br />
Se errar,<br />
não há rede<br />
para o descuido.<br />
Ninguém com<br />
quem reclamar.<br />
- 35 -<br />
Duas<br />
lágrimas<br />
Derramei duas lágrimas.<br />
Duas lágrimas derramei.<br />
Cheguei procurando...<br />
Não vi você!<br />
Ana Almeida Zaher<br />
Araçatuba, SP, Brasil<br />
@: hoane10@hotmail.com<br />
Derramei duas lágrimas.<br />
Duas lágrimas derramei<br />
Meus olhos percorreram...<br />
A multidão, em vão.<br />
Derramei duas lágrimas<br />
Duas lágrimas derramei<br />
Assistindo a uma peça de teatro<br />
Que retratava uma história de amor.<br />
Derramei duas lágrimas<br />
Lembrei-me do quanto estou feliz!<br />
Vivenciei naquele palco<br />
Nossa realidade!<br />
Apaixonados!<br />
Derramei duas lágrimas<br />
Todos choraram<br />
Duas lágrimas derramei<br />
Uma de emoção<br />
Outra... Saudade de você.<br />
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http://homemdepalavra.com.br
artigo<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
Tutela Penal:<br />
uma necessidade contra o crime de<br />
biopirataria no Brasil<br />
Bianca Marafiga<br />
Dourados, MS, Brasil<br />
@: biancamarafiga@hotmail.com<br />
A biopirataria conceitua-se da apropriação<br />
não autorizada do patrimônio genético de uma região.<br />
Podendo englobar a exploração e o comercio<br />
ilegal de madeira, tráfico de animais e plantas silvestres.<br />
Um problema que assola os países biodiversos,<br />
inclusive o Brasil, que possui uma das maiores biodiversidades<br />
mundiais e populações tradicionais<br />
(indígenas e ribeirinhos) detentores de diversos conhecimentos<br />
tradicionais que aliados à biodiversidade<br />
atraem o interesse de nações desenvolvidas.<br />
Embora a biopirataria seja uma prática decorrente<br />
desde a época colonial, foi a partir das últimas<br />
décadas que o tema vem alavancando discussões<br />
de cunho socioambientais mais significativos.<br />
Principalmente devido à evolução da biotecnologia<br />
e com isso a acessibilidade de registros relacionados<br />
às marcas e patentes de âmbito internacionais.<br />
Desde os primórdios identifica-se que essa<br />
prática ilegal no Brasil está intimamente relacionada<br />
à fauna e/ou a flora. Como exemplo a extração<br />
do pau Brasil e o contrabando de sementes desde a<br />
época da colonização. Citaremos alguns dos principais<br />
casos de biopirataria no Brasil:<br />
I Exploração do Látex<br />
Caso extremamente notório de exploração<br />
da biodiversidade, foi a extração do látex da seringueira,<br />
Hevea brasiliensi, e o contrabando de aproximadamente<br />
70 mil sementes da espécie, que foram<br />
enviadas para a Inglaterra pelo inglês Henry<br />
Wickma – “pai” da Biopirataria. Tal atividade fez<br />
com que as colônias inglesas tornassem-se as maiores<br />
produtoras de látex do mundo no início do século<br />
passado. Este caso não foi considerado como roubo,<br />
pois o “naturalista” obteve autorização legal do<br />
governo brasileiro para exportar as sementes.<br />
II Exploração da Espinheira Santa<br />
A Espinheira Santa é nativa da América do<br />
Sul, e no Brasil, pode ser encontrada entre os estados<br />
de Minas Gerais e Rio Grande do Sul. A planta<br />
foi matéria de vários estudos científicos, sendo muito<br />
conhecida na medicina popular brasileira por<br />
seu caráter terapêutico. Principalmente no que diz<br />
respeito aos males do aparelho digestivo, tal como a<br />
úlcera, e pode ser utilizada também como remédio<br />
antitumoral.<br />
Os benefícios da Espinheira Santa foram<br />
apontados a partir de uma pesquisa realizada na<br />
Faculdade de Medicina do Paraná, onde o professor<br />
Aluízio França obteve êxito no tratamento da úlcera.<br />
A UNIFESP (Universidade Federal de São<br />
Paulo) buscou deixar mais restrita a pesquisa sobre<br />
a erva, comandada pelo professor Elisaldo Carlini,<br />
desde 1980. Entretanto, no ano de 1977, a partir de<br />
dados publicados pela CEME (Central de<br />
Medicamentos), do Ministério da Saúde, no “Journal<br />
of Ethnopharmacology”, provocou interesse<br />
em uma indústria japonesa, Nippon Mektron, que<br />
patenteou o produto, antecipando-se assim da<br />
Universidade, que só entrou com solicitação de patenteamento<br />
em 1999. (UNIVERSIA, 2003).<br />
III Exploração Cupuaçu<br />
O cupuaçu é uma árvore que está na mesma<br />
família do Cacau, podendo medir até 20 metros de<br />
altura. Na Amazônia, a fruta foi uma fonte primária<br />
de sustento para os povos indígenas e animais. O<br />
Cupuaçu tornou-se conhecido por sua polpa cremosa<br />
e de sabor exótico, usada em todo Brasil para<br />
fazer sucos, geleias, tortas e sorvete. A exploração<br />
do Cupuaçu pode ser considerada a mais popular<br />
sobre a biopirataria. Foi registrada pela empresa japonesa<br />
Asahi Foods, na qual houve o registro da<br />
marca cupuaçu, e também solicitação para patentear<br />
os processos que envolviam a fabricação do chocolate,<br />
a partir do cupuaçu, denominado “cupulate”.<br />
Tal procedimento não considerou que o processo<br />
de fabricação já havia sido solicitado pela<br />
Embrapa, junto ao INPI, em 1996, desconsiderando<br />
totalmente o fato do uso tradicional pelos povos<br />
da Amazônia. (DURAN, 2011).<br />
- 36 -<br />
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<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
A Jararaca (Bothrops jararaca) A jararaca é<br />
muito comumente encontrada no sudeste do<br />
Brasil, ocupando territórios de planícies e florestas<br />
e nutrindo-se de pequenos roedores. O veneno desta<br />
jararaca é consideravelmente esfacelador e coagulante,<br />
porém um pesquisador brasileiro, chamado<br />
Sérgio Ferreira, professor da faculdade de medicina<br />
de Ribeirão Preto, encontrou nele uma substância<br />
para moderar a hipertensão, o Captopril. Porém, o<br />
professor não possuía recursos suficientes para desenvolver<br />
a pesquisa, sendo assim, aceitou então receber<br />
ajuda do laboratório Bristol-Myers Squibb,<br />
nos Estados Unidos, que registrou a substância contrapressão<br />
alta antes do brasileiro (autor da descoberta),<br />
gerando um lucro aproximado de US$ 2,5<br />
bilhões de dólares ao laboratório, obrigando assim,<br />
com que o Brasil pague royaltes à empresa caso queira<br />
usufruir da substância. (GEACE, 2010).<br />
A biopirataria pode ocorrer das mais diversas<br />
formas, como por exemplo, através de pesquisadores<br />
disfarçados de turistas, estudantes, falsos missionários<br />
ou ONGs de fachada. O “trabalho” tornase<br />
ainda mais facilitado, pois estamos na era da biotecnologia,<br />
na qual tudo o que se precisa para reproduzir<br />
uma espécie, são algumas<br />
Células. Estas por sua vez, podem ser facilmente<br />
ser levadas e dificilmente detectadas, por mecanismos<br />
de vigilância e segurança.<br />
Observando as riquezas existentes em nossos<br />
biomas, pode-se perceber os inúmeros motivos<br />
de nosso país ser tão atrativo para os países desenvolvidos.<br />
Uma vez que estes possuem condições, de<br />
recursos e incentivos para desenvolver novas tecnologias,<br />
vende-las e patenteá-las, corroborando a<br />
apropriação privada da nossa biodiversidade.<br />
Infelizmente o Código Penal Brasileiro,<br />
nem a legislação penal que trata de crimes ambientais<br />
abordam essa questão específica, na qual não tipifica<br />
a biopirataria como crime. A Lei nº 9.605 de<br />
12 de fevereiro de 1998, em seu art. 25, trata de crimes<br />
ambientais, porém a biopirataria não é considerada<br />
um crime ambiental. Vale ressaltar que havia<br />
um projeto no Congresso Nacional para a inserção<br />
da biopirataria como crime nesta mesma lei, na<br />
qual foi vetado.<br />
Neste sentido, a proteção da Biodiversidade<br />
é emergencial tendo em vista informes no sentido<br />
de que a quase totalidade de investimentos na indústria<br />
farmacêutica concentra-se em poucos países<br />
detentores de capitais, infraestrutura e com matéria-prima<br />
formada predominantemente por recurartigo<br />
IV Exploração da Fauna<br />
sos genéticos obtidos no Brasil.<br />
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e<br />
dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) é legalmente<br />
responsável pela gestão do uso de quaisquer<br />
espécies com viabilidade econômica. Porém no que<br />
tange à Biopirataria, foi criada no IBAMA a<br />
Divisão de Controle da Fiscalização e Acesso ao<br />
Patrimônio Genético, na qual pretende-se que o desenvolvimento<br />
biotecnológico seja revertido em<br />
prol das populações tradicionais e indígenas, bem<br />
como, programas de incentivo ao combate da<br />
Biopirataria. Por outro lado, a Divisão de<br />
Propriedade Intelectual no Ministério das Relações<br />
Exteriores, atuante diretamente junto aos demais<br />
governos e empresas que patentearam produtos e<br />
contratam advogados numa tentativa de repatriar<br />
esses direitos. Destaca-se também o trabalho do<br />
Conselho Nacional de Desenvolvimento<br />
Científico e Tecnológico (CNPq) que em hipótese<br />
de envio de material para o exterior, impõe aos dirigentes<br />
das instituições brasileiras e estrangeiras firmarem<br />
“Termo de Compromisso: Exclusividade e<br />
Patente”, na qual compromete-se a utilização das<br />
amostras exclusivamente com finalidade de estudo.<br />
Portanto se a consultoria científica do CNPq considerar<br />
que a pesquisa impulsionará posterior bioprospecção,<br />
o projeto será enviado ao Conselho de<br />
Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) para a obtenção<br />
da respectiva autorização.<br />
Mesmo diante destas medidas preventivas citadas<br />
acima, as previdências, ainda são insuficientes<br />
e interessa apontar, todavia, a resistência dos países<br />
mais desenvolvidos.<br />
Pelas entrelinhas da obscuridade, podemos<br />
enxergar a biopirataria como uma “nova colonização”<br />
dos países desenvolvidos. Isto porque o Brasil<br />
ainda sofre com a carência de fiscalização, falta de<br />
conhecimento sobre a biodiversidade, a pouca<br />
quantidade de pesquisadores na área e ausência de<br />
investimentos em ciência e tecnologia, quando comparada<br />
aos países desenvolvidos.<br />
Face a essa problemática que assola nosso país,<br />
destaca-se a necessidade de tutela jurídica sobre o<br />
crime de biopirataria, pois sem ela haverá diretamente<br />
e/ou indiretamente a violação de outros direitos.<br />
Sendo assim, tutelar o meio ambiente é não somente<br />
garantir a qualidade de vida em nosso planeta,<br />
mas garantir minimamente a justiça diante de<br />
nossas descobertas científicas e os nossos direitos<br />
sobre as mesmas.<br />
* Bióloga<br />
Especialista em <strong>Ed</strong>ucação e Gestão Ambiental<br />
Mestre em Biologia Geral/Bioprospecção<br />
- 37 -<br />
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artigo<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
http://www.newstatesman.com<br />
A mulher e a<br />
Psicanálise<br />
Wildicleia de Oliveira Santos Lopes<br />
Arapiraca, AL, Brasil<br />
@: wildioliveiralopes@hotmail.com<br />
A luta da mulher é algo muito recorrente.<br />
Parece que grita, fala e que nem sente! Mas<br />
que dor sai das entranhas e de um ventre que<br />
não quer gerar e que é obrigado a se calar para o<br />
Outro não lhe estranhar! Ou que quer viver em<br />
casa cuidando dos filhos, mas uma nova modalidade<br />
lhe diz que está ultrapassada, e que agora<br />
ela deve é ser cuidada. Que decide sair para trabalhar<br />
e ganhar muito mais, mas o homem não<br />
vai admitir ficar atrás! Que desde a infância passa<br />
por uma grande inconstância: “Será que é<br />
por aqui ou é por lá? A quem devo me endereçar?<br />
É preciso correr para alcançar a aprovação<br />
daquele que vai me completar, ele não pode me<br />
abandonar!”. É nesse trajeto que ela tende a caminhar.<br />
Quanta angustia vive na mente da mulher!<br />
Será que ela fala como uma tagarela porque<br />
ela quer? Será que aquele olhar que lhe prometia<br />
o mar, fez com que mergulhasse a ponto<br />
de naufragar? Criatura incompleta, sujeito da<br />
falta. A incompletude é tão angustiante que lhe<br />
maltrata. É preciso tamponar esse vazio, e quando<br />
alguém lhe provoca um arrepio parece que o<br />
problema está solucionado, o coração que pouco<br />
batia agora está acelerado. É o amor! Que em<br />
suas mais variadas vertentes lhe faz flutuar e<br />
achar que esqueceu tudo que tinha em mente.<br />
Até que o vazio lhe toma novamente. Tristeza,<br />
saudade, alegria.... Que sujeito para mudar de<br />
melodia!<br />
É complicado esse lugar! Quando será<br />
que ela vai se encontrar? Muitas vezes parece<br />
que as coisas lhe são impostas e que tem que acatar,<br />
como um acaso que faz sua vida definhar.<br />
Talvez ela precise deitar e fazer o que ela bem sabe<br />
que é falar! Falar suas inconstâncias, seus medos<br />
e devaneios. Dar as costas para a ideia de<br />
uma sociedade que apenas lhe coloca freios.<br />
Mas, ela pode deitar em qualquer lugar? Não,<br />
não! Ela precisa escolher um lugar especial,<br />
uma atitude talvez bem radical. Na verdade, pode<br />
até se sentir mal, mas com o tempo a coisa pode<br />
melhorar. Nada certo, porque garantia não<br />
há.<br />
Quem sabe ela tenha que conhecer algo<br />
apresentado há muitos anos atrás, Freud nessa<br />
descoberta foi bem perspicaz! Apresentou um<br />
caminho para o curioso inconsciente, foi a psicanálise<br />
que apresentou grandiosamente.<br />
Como uma pedra capaz de arrebentar corrente.<br />
Mas é preciso ter coragem para encarar o impacto<br />
que essa pedra vai se lançar. Não se sabe quantos<br />
estilhaços irão se espalhar. Coragem é preciso,<br />
não tem como negar, porque o trajeto é sinuoso<br />
e isso ela vai ter que encarar. Mas um ser que<br />
tem em sua história marcas de lutas e vitórias<br />
não vai se deixar amarelar. Ela é capaz de enfrentar<br />
o caminho do desconhecido! Porque por mais<br />
que ela não tenha percebido, muito mais doído<br />
que vasculhar um terreno na busca de se encontrar,<br />
é permanecer estagnado sem coragem<br />
de encarar o desejo enterrado naquele terreno<br />
que parecia estar abandonado.<br />
Psicóloga Clínica e Consultora Organizacional;<br />
Pós-Graduada em Clínica Psicanalítica.<br />
- 38 -<br />
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<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
poesia<br />
Bring me the<br />
disco king<br />
Tim Soares<br />
Florianópolis, SC, Brasil<br />
@: tim_aloha@terra.com.br<br />
Então eu danço.<br />
Danço essa balada mambembe.<br />
Danço com as ninfas,<br />
com os ladrões e mentirosos.<br />
Danço com os livres<br />
e loucos<br />
ao som do Rei do Disco<br />
Danço essa sinfonia capenga<br />
em dó sustenido.<br />
Danço sob o manto escuro<br />
da noite e sobre o chão<br />
de um espelunca qualquer em Calexico.<br />
Danço abastecido com o sagrado combustível<br />
do transe.<br />
Danço com a paixão,<br />
com o medo<br />
e principalmente com a morte,<br />
pois de frente com esta<br />
todo mundo dança.<br />
https://i.ytimg.com/vi/OVocswmCDf4/maxresdefault.jpg<br />
Âmago (...)<br />
Ausente de mim,<br />
Confinado no silêncio interior,<br />
O que sobrou de nós amor!?<br />
Se não a dor, um vazio sem fim...<br />
Imagem caída,<br />
Reflexo quebrado,<br />
Sonho não acordado(...)<br />
Merlin Magiko<br />
Luanda, Angola<br />
@: sneeze84@yahoo.com.br<br />
Ainda sinto...<br />
Meu corpo vestido com o teu suor,<br />
A sede de beber-te louca(mente),<br />
Até ao brotar da flor(...)<br />
Mas o silêncio calou-nos em nós,<br />
Nos escombros da saudade,<br />
Mas ainda ouço a voz...<br />
A ilusão que não se cala por maldade,<br />
O ego mutila quem somos,<br />
Questiono-me, quem fomos...!?<br />
Suscitam os nossos gemidos<br />
Ecoam na minha alma,<br />
A essência de lapidar-te<br />
A tua ausência silencia-me<br />
A saudade vicia-me,<br />
Afoga-me no oceano dos sentimentos,<br />
De(pressivo) dessa paixão com lamentos(...)<br />
Inacabadas ilusões que surgem...<br />
No âmago...<br />
Ainda te ouço,<br />
Quando te busco em consolo (...)<br />
O Homem que Viu o Infinito - Filme 2015: uma verdadeira<br />
história de amizade que mudou a matemática<br />
para sempre. Em 1913, Ramanujan, um gênio da<br />
matemática autodidata da Índia viaja para a o<br />
Colégio Trinity, na Universidade de Cambridge, onde<br />
ele se aproxima do seu mentor, o excêntrico professor<br />
GH Hardy, e luta para mostrar ao mundo sua mente<br />
brilhante.<br />
AdoroCinema<br />
saudades...<br />
Morreu Leonard Cohen em 10/11/2016.<br />
Morreu Ferreira Gullar em 04/12/2016.<br />
Morreu Debbie Reynolds em 28/12/2016.<br />
- 39 -<br />
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artigo<br />
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http://cdn.camstar.industrysoftware.automation.siemens.com<br />
Se a virtualidade é máscara,<br />
o que mascara?<br />
Maria Teresa Marins Freire<br />
Curitiba, PR, Brasil<br />
@: freire.mteresa@gmail.com<br />
Pergunto-me se as pessoas utilizam a internet<br />
para ser o que não são. Alguém pode ser o que<br />
quiser, na virtualidade. E no anonimato, forja-se o<br />
interesse, falsifica-se as palavras, promete-se no vazio.<br />
A irrealidade é comprovada. Neste anonimato<br />
vale tudo. Vale esconder a verdadeira personalidade.<br />
Encobre-se vergonha, medo, falsidade, divertimento,<br />
desconsideração, desrespeito humano.<br />
Mas existe convivência virtual produtiva, festiva,<br />
inteligente, eficiente, consciente, resistente?<br />
Que cultua literatura, arte, intelecto, produções e<br />
ações? Que espaço é este, afinal, que nos prepara ciladas,<br />
que nos traz mensagens alvissareiras, que nos<br />
informa realisticamente, que nos dá notícias daqueles<br />
que estão ausentes, que nos faz sonhar, que nos<br />
deixa ler poesias, prosas de distantes autores, que<br />
nos permite mimar, dialogar, amar.<br />
Mais alguma coisa? Cada um pode me dizer<br />
isso.<br />
Deparo-me com várias dessas situações frequentemente.<br />
A virtualidade vira espaço de convivência<br />
diária, relatam alguns. De envio de mensagens<br />
de bom dia, boa tarde, boa noite, carinhosas,<br />
amorosas, confessam outros. Ainda envergonhados,<br />
revelam que ficam radiantes quando chegam<br />
as frases. Prontas, já criadas, repetidas, desgastadas,<br />
despropositadas, mecanizadas. Nem expressam sentimentos<br />
reais.<br />
A convivência virtual alcança um nível de intimidade<br />
que às vezes não se realiza na presencialidade.<br />
Cria a expectativa do contato. A ansiedade<br />
prazerosa do som que anuncia a mensagem chegando.<br />
A troca de opiniões, pensamentos, visões de vida<br />
e futuro. O câmbio de sentimentos, de carências,<br />
de companhia, de beijos e abraços sentidos, mas<br />
não realizados. A conversa à vontade transforma o<br />
contato em diálogo de companheiros, de amigos. À<br />
vontade? Talvez porque seja na virtualidade. Este ‘es-<br />
tar à vontade’ se repetiria na presencialidade?<br />
E as conversas se estendem. Adensam-se. Os<br />
galanteios se oficializam. As brincadeiras alegram a<br />
conversa. Os trocadilhos dão uma pitada de graça.<br />
A sensualidade permeia as palavras, os textos pequenos,<br />
as imagens. A vista alcança o outro na tela<br />
do computador, na telinha do celular. Onde quer<br />
que esteja. E olhares se cruzam, mediados pelos aparelhos.<br />
E a pergunta surge: até que ponto a virtualidade<br />
substitui o contato pessoal? Muitos diriam<br />
que isto é impossível. Outros diriam que pode ser<br />
um complemento. Eu, anteriormente diria que não<br />
é o tipo de relacionamento ideal e que o contato virtual<br />
é para conversas eventuais, para substituir o<br />
contato telefônico, mas que não é base para manter<br />
um relacionamento, porque carece do afeto real, do<br />
sentimento percebido com os cinco sentidos, da<br />
presença.<br />
Hoje, eu diria diferente. Aliás, eu digo que o<br />
interesse de uma pessoa por outra também pode se<br />
sustentar com a virtualidade. Serve para tornar presente<br />
o que é distante. Quando há interesse verdadeiro<br />
não importa a distância. Alguns casos reais<br />
que ouvimos, que ficamos sabendo comprovam<br />
que o distanciamento pode ser físico, mas não afetivo.<br />
É o suficiente? Não, não acredito. Eu creio que<br />
precisa haver o contato físico, o olho no olho, as<br />
mãos dadas, o aconchego dos braços ao redor, o rir<br />
junto, o passear, o conversar em torno de uma mesa,<br />
o trocar ideias porque observaram algo juntos.<br />
Que não precisa ser todo dia. Mas que tenha presencialidade.<br />
Quanto tempo? Importa? Um dia, dois<br />
ou três dias. Não é a quantidade que define a qualidade.<br />
É a intensidade.<br />
Na virtualidade vale tudo, dizem muitos. A<br />
palavra mansa que acaricia, que aprecia, que elogia,<br />
que encanta, que cativa. Mas, que não tem este re-<br />
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poesia<br />
flexo na realidade. Pode ser falsa, para distração, para<br />
galanteios ilusórios. Pode ser a projeção de algo<br />
que gostaria que fosse, mas que não pode ser porque<br />
as circunstâncias da vida, às vezes, não permitem.<br />
Pode ser verdadeira? E como comprovar se é<br />
verdadeira, se a distância os separa? No encontro<br />
pessoal? Então eu teria razão? O tempo de contato<br />
nos diria sobre a honestidade? A conversa de pouco<br />
tempo, de muito tempo, faria diferença? Lá do outro<br />
lado cada um faz o que quer, nem precisa contar<br />
ao outro. Lá do outro lado, pode ser rei ou mendigo.<br />
Se a virtualidade é máscara, o que mascara?<br />
A vontade de ser aquilo que não consegue ser, de fazer<br />
algo que se sente incapaz na realidade, de dizer<br />
algo que falta coragem dizer pessoalmente, de opinar<br />
por medo da reação, de discordar porque não<br />
tem coragem de fazê-lo ao vivo, de defender o que<br />
não consegue na frente de outros, de se expor, de se<br />
arriscar na vida real? Por que é cômodo? É possível<br />
fazer o contato quando se quer, quando se pode,<br />
quando outra atividade ou pessoa mais importante<br />
não lhe requer atenção. Quando está só e precisa de<br />
alguém para companhia. Quando não tem nenhum<br />
compromisso com a pessoa do outro lado do<br />
aparelho. Não importa se ela está bem ou não. Se está<br />
feliz ou não. Também dividem situações de vida.<br />
Alguns o fazem. Alguns são sinceros. Alguns verdadeiramente<br />
se sentem atraídos pela imagem, pela<br />
conversa, pela inteligência, sensibilidade, pela atitude,<br />
pelo jeito. Demonstrados, vislumbrados, caprichados,<br />
esperados.<br />
Então, a virtualidade surgiu para esconder o<br />
que não se quer que o outro conheça? Para esconder<br />
o que não se quer que o outro saiba? Entenda?<br />
Acompanhe? Goste? Surgiu para facilitar os relacionamentos?<br />
Para propiciar um vínculo ideal quando<br />
a realidade não o é? Para iludir? Para enganar? Por<br />
pura distração? Há alguma sinceridade neste contato<br />
virtual? Tão popular e irregular, tão atraente e insistente,<br />
às vezes permanente, nem sempre coincidente,<br />
mas por todos conivente.<br />
Para aproximar? Ah! Quantos encontros realizados,<br />
quantas descobertas, quantas amizades,<br />
amores... Ah! Quantos amores nascem nesta virtualidade.<br />
Ah! Quantos desencontros acontecem nesta<br />
virtualidade! Quantos desamores se dissipam nesta<br />
virtualidade!<br />
Mas, afinal outra questão surge: vale a pena<br />
a virtualidade? E você vai responder de acordo com<br />
o que ela lhe presenteia? Ou você será analítico, racional,<br />
objetivo e prático na sua resposta? Ou você poderá<br />
responder... Como você poderá responder?<br />
Nós, só nós<br />
Pamela Lima<br />
Itupeva, SP, Brasil<br />
@: pamelaap.lima@gmail.com<br />
Nós que não desatamos,<br />
Nós que nos enlaçamos.<br />
Nós que não sufocamos,<br />
Nós que nos enroscamos.<br />
Nós que nos atraímos,<br />
Nós que nos distraímos.<br />
Nós que nos prendíamos,<br />
Nós que nos pertencíamos.<br />
Nós que nos gostamos,<br />
Nós que nos cuidamos.<br />
Nós que nos apaixonamos,<br />
Nós que talvez, um dia, amamos.<br />
27/12 - Morreu aos 60 anos Carrie Fisher, a Princesa<br />
Leia de Star Wars, após um ataque cardíaco.<br />
https://daviddemar.files.wordpress.com<br />
- 41 -<br />
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crônica<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
A impactante obra do peruano<br />
https://a.1stdibscdn.com<br />
Emil Alzamora<br />
Por Rogério Fernandes Lemes<br />
O genial pós-moderno Emil Alzamora é<br />
natural da capital peruana, a cidade de Lima.<br />
Nasceu em 1975. Aos dois anos de idade a família<br />
muda-se para os Estados Unidos, Estado da<br />
Flórida.<br />
Em 1998, Alzamora forma-se como bacharel<br />
em Belas Artes. Sua paixão é a figura humana<br />
e suas inúmeras interpretações inesperadas<br />
representadas em suas esculturas surreais.<br />
A beleza de suas obras de arte está nas distorções<br />
da forma humana, ora alongada, ora distorcida<br />
em um intencional propósito de trazer à<br />
tona a situação emocional ou física da fragilidade<br />
humana ou, conforme sua assessoria de imprensa,<br />
simplesmente “para contar uma história”.<br />
Alzamora dialoga com o estético e o conceitual<br />
através de suas obras daí seu interesse<br />
obstinado pelas propriedades físicas de seus materiais<br />
somados à sua abordagem prática. Sua<br />
carreira tem início com esculturas no Hudson<br />
Valley de Nova York no ano de 1998.<br />
O artista dedica-se em tempo integral na<br />
criação de suas obras realizando exposições regulares<br />
nos Estados Unidos, na Europa e Ásia.<br />
Suas obras no edifício das Nações Unidas, no<br />
Museu de Arte de Queens, no Centro de Arte<br />
Contemporânea do Vale de Hudson e no<br />
Museu de Arte Bíblica em Dallas.<br />
Não há dúvidas sobre a monumental contribuição<br />
de Emil Alzamora à cultural universal.<br />
http://www.marcstraus.com<br />
http://thisiscolossal.com<br />
- 42 -<br />
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artigo<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
Biografia de Aral Moreira, por Luiz Alfredo<br />
Marques Magalhães:<br />
A importância do registro da história dos moradores<br />
da região, para preservação de sua cultura<br />
Simone Possas Fontana<br />
Campo Grande, MS, Brasil<br />
@: simonepossasfontana1@gmail.com<br />
RESUMO<br />
O presente trabalho pretende efetuar a abordagem de<br />
uma das bases da literatura que é o registro histórico de<br />
uma sociedade, através da biografia. Conforme se depreende<br />
através da leitura, análise e estudo metódico do<br />
livro “Um Homem de Seu Tempo: Uma Biografia de<br />
Aral Moreira”, o assentamento histórico executado pelo<br />
pesquisador, fotógrafo, biógrafo e escritor Luiz<br />
Alfredo Marques Magalhães, ganhou substrato não apenas<br />
como base da literatura como era inicialmente esperado,<br />
mas também com um objetivo a ser alcançado e assim,<br />
mantido, de mostrar a importância de uma biografia<br />
para a identidade de um povo. Atualmente não mais<br />
se compreende a biografia apenas como uma base histórica,<br />
mas sim como um valor superior que deve ser considerado<br />
para aplicação e uso da literatura como instrumento<br />
de entretenimento, educação, instrução e aumento<br />
da intelectualidade. Pretende-se assim com a elaboração<br />
desse trabalho a compreensão da importância e<br />
do valor de uma biografia para a sociedade, bem como a<br />
distinção da utilização da mesma no campo da individualidade<br />
(leitura da biografia) e da coletividade (importância<br />
da identidade do povo da fronteira), com foco na<br />
literatura como um todo.<br />
Palavras-chave: Biografia. Registro histórico. Cultura.<br />
ABSTRACT<br />
The present work intends to make the approach of one<br />
of the foundations of literature is the historical record<br />
of a society through the biography. As it can be seen by<br />
reading, analysis and methodical study of the book "a<br />
man of his time: a biography of Aral Moreira", the historic<br />
settlement run by researcher, photographer, biographer<br />
and writer Luiz Alfredo Marques Magalhães, earned<br />
not only as the basis of substrate literature as was initially<br />
expected, but also with a goal to be achieved and<br />
thus kept, to show the importance of a biography for the<br />
identity of a people. Currently, it is no longer understood<br />
the biography only as a historical basis, but rather as<br />
a superior value that should be considered for application<br />
and use of literature as a means of entertainment,<br />
education, instruction and increasing of intellectuality.<br />
It is intended with the preparation of this work the<br />
understanding of the importance and value of a biography<br />
for the society, as well as the use of the same distinction<br />
in the field of individuality (read biography)<br />
and collective (importance of the identity of the people<br />
of the frontier), with a focus on literature as a whole.<br />
Key words: Biography. Historical record. Culture.<br />
INTRODUÇÃO<br />
Busca-se, com a elaboração deste trabalho, mostrar<br />
a importância e pertinência acadêmica e social de<br />
preservar a cultura de um povo, através do seu registro<br />
em livro. Essa é a ideia básica. A coleta de informações e<br />
o foco desta pesquisa estão delimitados no livro: “UM<br />
HOMEM DE SEU TEMPO – UMA BIOGRAFIA DE<br />
ARAL MOREIRA”, escrito por Luiz Alfredo Marques<br />
Magalhães. No contexto geral, o escritor descreve o cenário<br />
sociopolítico da região de fronteira entre o Brasil e<br />
Paraguai, mais especificamente entre as cidades de<br />
Ponta Porã-MS, no Brasil, e a cidade paraguaia Pedro<br />
Juan Caballero-PY.<br />
Através de textos, documentos e fotografias da<br />
época apresentados em sua forma original, sobretudo<br />
cartas e manuscritos, todos transcritos literalmente para<br />
não interferir na realidade, assim como através de<br />
conversas, muitas histórias, lembranças do passado e relatos<br />
de Eraldo Moreira (filho de Aral Moreira), o autor<br />
mostra o processo de colonização do Estado de Mato<br />
Grosso do Sul por volta do século 18.<br />
Quais as razões para analisarmos a importância<br />
da preservação da cultura de uma comunidade e quais<br />
as consequências que porventura surgirão com seu desprezo?<br />
Não há dúvida acerca da relevância do tema. Para<br />
essa compreensão facilmente se percebe que inúmeros<br />
escritores pretendem dizimar a ignorância, buscando garantir<br />
a perenidade e integridade de um povo, conhecendo<br />
seus personagens principais, seus problemas econômicos,<br />
sociais e políticos.<br />
A escolha deste tema se deve ao fato da forte e vigorosa<br />
preocupação da falta de registros históricos para<br />
preservação da cultura, mas esse temor é minimizado<br />
com a leitura do referido livro, onde fica evidente e indiscutível,<br />
o relato perfeito da história, sem omissões e<br />
lacunas, através da transcrição de episódios, eventos, fatos<br />
e informações ocorridos com seres atuantes na história<br />
de Ponta Porã-MS.<br />
- 43 -<br />
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<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
artigo<br />
PRESERVANDO A CULTURA<br />
Um conjunto de folhas de papel, impressas, encadernadas<br />
ou em brochura, organizadas em páginas,<br />
que servem de instrução, formam um livro e um conjunto<br />
desses livros, possuídos por um particular ou destinados<br />
à leitura pública constituem uma biblioteca. A<br />
literatura é o conjunto dessas obras literárias de um país<br />
ou de uma época, formada por escritos narrativos, históricos,<br />
críticos, de eloquência, de fantasia, de poesia, etc.<br />
A literatura é o meio utilizado para conservar, aumentar<br />
e utilizar a cultura. A cultura é a arte e o modo de cultivar<br />
a instrução, o saber, o estudo ou um trabalho intelectual,<br />
com apuro, perfeição e cuidado.<br />
Preserva a cultura, o escritor Luiz Alfredo<br />
Marques Magalhães, ao contar a vida de Aral Moreira,<br />
em sua biografia, narrando o comportamento, exaltando<br />
os feitos e os importantes personagens que marcaram<br />
a vida e as tradições da região de fronteira com o<br />
Paraguai, mais especificamente da cidade de Ponta<br />
Porã-MS, pós-guerra, enfocando os costumes, assim como<br />
o grande valor histórico na configuração do Estado<br />
de Mato Grosso, posteriormente, Mato Grosso do Sul.<br />
A ECONOMIA DA FRONTEIRA<br />
O país fronteiriço – Paraguai, antes da guerra, estava<br />
gerando condições básicas para a modernização do<br />
país, criando indústrias, abrindo estradas, além de lançar<br />
as bases do ensino superior. A economia da época<br />
foi assim descrita no livro Genocídio Americano: A<br />
Guerra do Paraguai (CHIAVENATO, 1988, p.31):<br />
[...] O Paraguai está numa ebulição de progresso. A produção<br />
aumenta (...) fumo, erva-mate, algodão, arroz, cana-de-açúcar<br />
e mandioca são abundantemente colhidos.<br />
(...) chega-se a colher a surpreendente soma de sete<br />
milhões de quilos de fumo; obtém dois milhões e meio<br />
de quilos de erva-mate e há um significativo rebanho de<br />
sete milhões de cabeças de gado bovino [...].<br />
Já o escritor Romildo Villanueva (2000, p. 150),<br />
no livro O Inferno Existe; Eu Estive Nele, descreve sobre<br />
a agricultura da região de fronteira:<br />
[...] A reforma agrária feita constitui basicamente na<br />
abertura de fronteiras para que, através de colonizadores,<br />
se produzisse a entrada de agricultores estrangeiros<br />
no Paraguai. (...) 350 mil brasileiros ingressaram no<br />
Paraguai, principalmente gaúchos, e mais de 50 mil de<br />
outras nacionalidades. (...) ficaram conhecidos como<br />
‘brasiguaios’ ao longo da faixa fronteiriça. (...) triplicaram<br />
a produção de soja e algodão que representava 60%<br />
da economia paraguaia [...].<br />
No livro Semblanza de La Antigua Punta Porã,<br />
Villanueva (2001, p. 49), nos relata que o desenvolvimento<br />
da região fronteiriça aconteceu no período do<br />
pós-guerra contra a Tríplice Aliança – 1865/1870, em<br />
função da exploração, produção e comercialização em<br />
larga escala da erva-mate. Passado o ciclo de ouro da erva-mate<br />
(1878), a fronteira sofreu uma brusca transformação:<br />
o cultivo do café em grande quantidade.<br />
A ORIGEM<br />
É esse cenário pós-guerra que é encontrado pelas<br />
famílias Trindade e Moreira ao se estabelecerem na<br />
fronteira, vindos do Rio Grande do Sul. Essa fronteira<br />
seca vive na harmonia entre as cidades de Ponta Porã-<br />
MS, no Brasil, e a cidade paraguaia Pedro Juan<br />
Caballero-PY, formada apenas por uma avenida, onde<br />
estão estabelecidos comerciantes em lojas de cosméticos,<br />
eletrônicos, calçados, roupas, tecidos, óculos, relógios,<br />
etc.<br />
Luiz Alfredo Marques Magalhães conta-nos a<br />
origem das famílias Trindade e Moreira, e o início do sucesso<br />
do patriarca – Antonio Ignacio da Trindade – como<br />
empreendedor, pois recebeu terras do governo, optou<br />
por explorar a erva-mate, aconselhado por Thomaz<br />
Laranjeira, um gaúcho que escreveu seu nome na história<br />
por liderar essa exploração na fronteira. Logo após<br />
casar-se, Trindade foi viver em Ponta Porã-MS, cidade<br />
que se desenvolvera rapidamente com o comércio ervateiro.<br />
A economia política que trata da produção, distribuição<br />
e consumo das riquezas da região, ainda não<br />
havia se preocupado com boas rodovias e é assim que<br />
Magalhães (2011, p. 29), descreve:<br />
[...] Embora muitos pensem que Aral Moreira tenha sido<br />
um pontaporanense da gema, ele na verdade nasceu<br />
na Fazenda Boritizal, em Aquidauana (...) 20 de agosto<br />
de 1898, onde fez o curso primário (...) foi enviado para<br />
fazer o ginasial e faculdade de Direito no Rio de Janeiro.<br />
Chegar ao Rio naquele tempo não era uma tarefa fácil<br />
nem rápida. Aral partia de Ponta Porã no lombo de cavalo<br />
por mais de 200 quilômetros para chegar a<br />
Concepción-PY onde tomava um vapor até<br />
Montevideo e um navio de cabotagem até o Rio de<br />
Janeiro [...].<br />
O livro “Um Homem de Seu Tempo”, objeto do<br />
presente estudo, nos traz vários assuntos que faz progredir<br />
nosso conhecimento adquirido, preservando a cultura,<br />
através de registros históricos dos costumes dos<br />
personagens da região fronteiriça entre os anos de 1900<br />
e 1952. Magalhães (2011, p. 13 a 30) relata, desde 1826,<br />
através de textos e fotografias coloridas e em preto e<br />
branco, a saga das famílias pioneiras que deram origem<br />
ao biografado Aral Moreira: Trindade & Moreira. A família<br />
TRINDADE, com sua série de grandes acontecimentos<br />
na viagem épica desde o Estado do Rio Grande do<br />
Sul até chegarem a “terra prometida”: Mato Grosso do<br />
Sul e a família MOREIRA originária de Bouça, em<br />
Portugal, vindo para a América passando por Uruguai,<br />
Corumbá e finalmente Aquidauana-MS.<br />
O PARAGUAI<br />
A presente pesquisa documental foi desenvolvida<br />
e teve como fonte de investigação o livro “Um<br />
Homem de Seu Tempo”, de Luiz Alfredo Marques<br />
Magalhães, seus relatos históricos com um ponto de vista<br />
através de um tratamento sociológico, estudando os<br />
fatos sociais da época na região de fronteira. A fim de<br />
- 44 -<br />
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artigo<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
atingir um grupo de pessoas específico como professores,<br />
estudantes, jornalistas, historiadores, escritores ou<br />
amantes da literatura, foi escolhido e delimitado o tema,<br />
estabelecendo limites e informando o foco do presente<br />
estudo.<br />
Vários autores escreveram sob a região da fronteira<br />
entre Brasil e Paraguai, suas lutas, seus problemas e<br />
qualidades, mas o livro ora estudado, com a biografia do<br />
ilustre Aral Moreira, é único, não passou antes por um<br />
exame minucioso em cada uma de suas partes; não ocorreu<br />
a separação de seus componentes, enfim, não teve<br />
um tratamento analítico e o que pode ser afirmado com<br />
convicção é: contando a vida de Aral Moreira, conta-se<br />
a vida da cidade fronteiriça de Ponta Porã-MS.<br />
Ao chegar à fronteira, a família ancestral de Aral<br />
Moreira, encontrou uma Ponta Porã que estava se reerguendo.<br />
O Paraguai, antes da guerra, estava numa súbita<br />
manifestação de desenvolvimento, contando até com<br />
estaleiro e esses navios produzidos ali, partiam da capital<br />
Assunção para a Europa, carregados de erva-mate, fumo<br />
e alguns outros produtos, para voltarem com aparelhos<br />
científicos, armas mais sofisticadas, máquinas de<br />
imprensa e produtos químicos. Esse progresso foi assim<br />
contado no livro Genocídio Americano: A Guerra do<br />
Paraguai (CHIAVENATO, 1988, p.32 e 33):<br />
[...] Comparando-se a explosão nacional de progresso<br />
do Paraguai com a dependência total da quase inexistente<br />
indústria brasileira e argentina, é evidente que o<br />
Paraguai para a civilização inglesa era um perigo. (...) na<br />
metade do século XIX exporta madeira, produz louça fina,<br />
constrói ferrovias, exporta salitre, ergue fábricas de<br />
pólvora, papel e enxofre. Instala-se o telégrafo [...] implementos<br />
agrícolas são fabricados na fundição Ibycuí dando<br />
melhores condições de trabalho ao camponês paraguaio<br />
aumentando sua produtividade [...].<br />
Além da famosa guerra que durou de<br />
1863/1870, o Paraguai também sofreu conflitos internos,<br />
com movimentos revolucionários. Um desses grupos,<br />
após ser destroçado pelo exército paraguaio iniciou<br />
uma extenuante jornada pela cerrada floresta em direção<br />
à linha fronteiriça com o Brasil com a finalidade de<br />
requerer asilo político, como assim descreve o escritor<br />
Romildo Villanueva (2000, p. 129, 130), no livro “O<br />
Inferno Existe; Eu Estive Nele”:<br />
[...] Alimentando-se de frutas silvestres e de alguns animais<br />
que conseguiram furtivamente caçar, os rebeldes<br />
fugitivos empregaram exatos 30 dias para atingir o objetivo.<br />
Geralmente a marcha era feita a noite com o intuito<br />
de iludir a constante vigilância aérea de um pequeno<br />
bimotor com bandeira paraguaia e equipado com metralhadoras<br />
que os perseguiu durante todo o trajeto de<br />
aproximadamente 300 quilômetros em linha reta. (...) o<br />
ingresso dos fugitivos em território brasileiro deu-se a<br />
uns 8 quilômetros a sudoeste do povoado [...] antes, porém,<br />
os fugitivos tomaram a preocupação de se livrar<br />
das armas de uso militar que portavam até aquele momento.<br />
Embrulhadas com pedaços de cobertores, estas<br />
foram escondidas num mato, dissimuladas convenientemente<br />
entre a folhagem [...].<br />
Em respeito às almas das pessoas que morreram<br />
nesse fato cruento, até hoje lembrado por paraguaios e<br />
brasileiros que habitam essa região da fronteira, em meio<br />
a um terreno com um alto capim, foi fixada uma erma<br />
e tosca cruz de ipê, que resiste a ação do tempo. Com<br />
a intenção de preservar a história, relata Villanueva<br />
(2001, 143):<br />
[...] uma iniciativa nascida no seio da sociedade pedrojuanina<br />
visa reparar esse dano histórico ocasionado pela<br />
passada ditadura, possibilitando a exumação dos restos<br />
ósseos que, provavelmente, ainda existam no improvisado<br />
cemitério [...] e, posteriormente, dar-lhes cristã sepultura<br />
em solo guarani (...) Para tanto, uma comissão<br />
multisetorial de ação cidadã que está sendo formada em<br />
Pedro Juan Caballero irá solicitar a intervenção da<br />
Comissão de Direitos Humanos [...].<br />
É esse cenário pós-guerra que é encontrado pelas<br />
famílias Trindade e Moreira ao chegarem a Ponta<br />
Porã-MS.<br />
A LINHA DIVISÓRIA: PEDRO JUAN<br />
CABALLERO-PY E PONTA PORÃ-BR<br />
No livro “Semblanza de La Antigua Punta<br />
Porã”, Villanueva (2001, p. 52), nos conta que a grande<br />
contribuição para o aumento do progresso em Pedro<br />
Juan Caballero-PY (fronteira com Ponta Porã-BR) foi o<br />
ciclo da erva-mate, transformando aquela que era uma<br />
simples paragem em um ativo centro comercial. Era forte<br />
o monopólio da empresa Mate Laranjeira Mendes &<br />
Cia., em tudo que se relacionava com a produção, transporte<br />
e comercialização do produto cujo principal mercado<br />
foi, por muitos anos, a Argentina e o Uruguai. Os<br />
carregamentos se utilizavam de caravanas de carretas de<br />
bois, partindo da empresa Mate Laranjeira. Aí existia<br />
um enorme depósito no qual eram armazenadas as bolsas<br />
com a erva-mate antes do transporte final até o porto<br />
de Concepcion-PY através de penosas marchas com mais<br />
de 200 quilômetros, em viagens que demandavam cerca<br />
de dois meses entre ir e voltar.<br />
Essa aprazível linha divisória teve sua posse inicial<br />
definida basicamente por pessoas vindas do Rio<br />
Grande do Sul que encontraram um lugarejo em formação,<br />
habitado por poucos agentes fazendários, guarda<br />
militar estadual e alguns paraguaios fronteiriços. Aos<br />
poucos foram chegando imigrantes uruguaios, argentinos,<br />
sírios, libaneses, espanhóis e italianos. A maior parte<br />
se dedicou a negociar gêneros de primeira necessidade<br />
para atender a procura dos fazendeiros, negociantes<br />
da erva-mate, funcionários públicos e militares, fomentando<br />
a movimentação do dinheiro, fazendo desenvolver<br />
o povoado, transformando-o na cidade de Ponta<br />
Porã. Essa cidade, na década de 1920, achava-se provida<br />
com o que de melhor havia no vestir, beber e comer dada<br />
a extraordinária simplicidade que sempre existiu na<br />
introdução de produtos estrangeiros.<br />
Magalhães (2011, p.86) diz que bons carpinteiros<br />
e construtores ajudaram a erguer sólidas residências<br />
e armazéns, seguindo a linha arquitetônica neo-clássica<br />
imperante na época, uma influência dos imigrantes eu-<br />
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artigo<br />
[...] final da década de 1920 suas inclinações políticas começaram<br />
a lhe render grandes dores de cabeça, pois era<br />
sabidamente um liberal que não costumava mandar recados<br />
e que assumia publicamente suas opções ideológicas.<br />
(...) Ponta Porã era a segunda cidade mais populosa<br />
do estado (...) mas a riqueza gerada por tanta gente, fundamentalmente<br />
na atividade ervateira, não era reaplicada<br />
como deveria pelo poder situado no norte, o que colocava<br />
as duas regiões em atrito. Aral estaria entre os homens<br />
que não se conformavam (...) e lutaria como poucos<br />
para valorizar sua terra […].<br />
Magalhães (2011, p.49) relata ainda que Ponta<br />
Porã, da época de Aral, estava passando por profundas<br />
transformações econômicas e acontecimentos políticosociais<br />
de relevo, tais como: passagem da coluna Prestes,<br />
Revolução de 32, as lutas comerciais em torno da ervamate,<br />
a longa permanência e a posterior extinção da célebre<br />
Cia. Matte Laranjeira e a elevação da cidade a capital<br />
do Território Federal. Essa fronteira atraiu o olhar de<br />
Getúlio Vargas, Eurico Gaspar Dutra, o príncipe D.<br />
Pedro de Orleans e Bragança e Assis Chateaubriand.<br />
Enquanto tudo estava em efervescência, Aral<br />
Moreira ia, aos poucos, iniciando-se na política, pois se<br />
destacava como um jovem advogado com talentosa interopeus,<br />
visível também em localidades vizinhas a Ponta<br />
Porã como Concepción no Paraguai e Aquidauana,<br />
Nioaque e Porto Murtinho, no Brasil. Magalhães, às folhas<br />
87 a 97, mostra um apanhado das construções, seus<br />
moradores e documentos, em fotografias da primeira<br />
metade do século XX, a época em que Aral Moreira viveu:<br />
praça que era um palco ao ar livre onde ocorriam os<br />
eventos importantes da fronteira como desfiles cívicos e<br />
comícios políticos; igrejas; quartel do Corpo Militar de<br />
Polícia – obra da Companhia Mate Laranjeira; vala cavada<br />
em toda a extensão da linha divisória para impedir a<br />
passagem de veículos, pois cruzar a fronteira só era permitido<br />
em lugares pré-determinados em 1926; vista aérea<br />
da linha da fronteira em 1945; prédio da Pharmacia<br />
Estrella – pertencente à família de Aral Moreira inaugurada<br />
em 1926; prédio da Camisaria Royal (1927); quartel<br />
do 11º Regimento de Cavalaria (1924); Cine Brasil dividido<br />
em plateia e frisa (camarote térreo) e cadeiras superiores,<br />
tudo em madeira, inaugurado em 1935; Hotel<br />
Brasil e prédios residenciais da época.<br />
ARAL MOREIRA:<br />
UM HOMEM MÚLTIPLO DE AÇÕES<br />
Em 1918 Ponta Porã ganhou seu primeiro clube<br />
social literário e recreativo com o nome de Grêmio Luz<br />
e Recreio. Magalhães (2011, p. 98) conta-nos que no<br />
Grêmio havia uma varanda em toda a extensão da entrada;<br />
no salão, piso de madeira – com longas, planas e lisas<br />
tábuas de ipê – mais de uma geração dançou ao som<br />
de bandas que iam de Assunção-PY e Campo Grande-<br />
MS, nos bailes tradicionais ou em animados carnavais.<br />
Em dias de semana, era lá que a juventude costumava<br />
passar algumas horas da noite ouvindo música de vitrola,<br />
enquanto bebiam uma Antarctica Original no bar<br />
(MAGALHÃES, 2011, p. 98):<br />
[...] Nos fundos havia uma quadra de esportes, onde se<br />
jogava vôlei e basquete; em determinada época o tênis<br />
teve a sua vez (...) Aral fez parte das primeiras diretorias<br />
do Grêmio, sendo sócio e benemérito até o fim da vida.<br />
Em 1948 interrompeu sua participação: numa atitude<br />
irredutível, saiu em defesa de um sócio, que morava ao<br />
lado do clube (...) vem à tona algumas das evidências<br />
que reafirmam uma personalidade leal e democrática.<br />
(...) Aral Moreira saiu fortalecido do episódio (...) eram<br />
atos dessa natureza que conduziam um homem ao topo<br />
de uma carreira de sucesso [...].<br />
O filho ilustre (por adoção) de Ponta Porã, Aral<br />
Moreira, possuía as qualidades de inteligente, erudito e<br />
estudioso e esteve sempre acompanhado por grandes figuras,<br />
personagens importantes que aparecem como<br />
destaque na sociedade brasileira (MAGALHÃES, 2011,<br />
p. 33):<br />
[...] O futuro deputado ingressou na Faculdade de<br />
Direito do Rio de Janeiro em 1917. Lá conheceu Afonso<br />
Arynos de Mello Franco, um notável homem público<br />
brasileiro; quis o destino que o reencontrasse trinta<br />
anos depois, já na Câmara Federal do Palácio<br />
Tiradentes, ambos tomando parte da mesma bancada<br />
partidária [...].<br />
Magalhães (2011, p. 37) descreve a convivência<br />
de Aral Moreira com mestres e intelectuais no Rio de<br />
Janeiro, que era a capital reconhecida como berço do conhecimento<br />
nacional. Isso estimulou o gosto pela leitura,<br />
pois era um insaciável leitor de jornais, cujos textos<br />
ele recortava e arquivava para posterior discussão ou releitura.<br />
Nos recortes encontrados estavam misturados<br />
temas de filosofia grega e poesia com informações sobre<br />
agricultura, descobertas médicas e avanços tecnológicos.<br />
E prossegue informando-nos sobre seu conhecimento<br />
científico e literário, que o marcou com um perfil<br />
de advogado correto, justo e ético (MAGALHÃES,<br />
2011, p. 39):<br />
[...] Admirava Machado de Assis e Julio Verne, leituras<br />
paralelas às obras de mestres do direito como Clovis<br />
Bevilacqua e Ruy Barbosa (...) Ao completar com louvor<br />
a faculdade, Aral já levava articuladas na mente as ideias<br />
que o fariam tomar cedo nas mãos as rédeas de seu próprio<br />
destino. Abriu imediatamente seu escritório e,<br />
com a marcante característica de sempre escrever suas<br />
petições em caligrafia de chamar a atenção, tornou-se rapidamente<br />
um dos mais conceituados advogados do sul<br />
de Mato Grosso [...].<br />
Ao retornar para Ponta Porã, abriu seu escritório<br />
jurídico e envolveu-se em todas as questões sociais<br />
que considerava relevantes para a cidade. Em 1926 casou-se<br />
com Erotilde Saldanha e tiveram um único filho:<br />
Eraldo. Participou de clubes, obras assistenciais, associações<br />
comerciais e industriais; foi delegado, promotor<br />
público, prefeito substituto e representante de classe;<br />
consultor jurídico do estado, jornalista, comerciante, ervateiro<br />
e pecuarista e essa multiplicidade de ações o levou<br />
à política. Até se tornar deputado federal, Aral deixou<br />
para a cidade de Ponta Porã, um rastro de benefícios,<br />
admiradores e adversários (MAGALHÃES, 2011, p.<br />
48):<br />
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artigo<br />
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ligência, vindo de uma família tradicional e respeitado<br />
pela constância e persistência de índole, impecável postura,<br />
exprimindo com desenvoltura sua capacidade de<br />
persuasão e com firmeza sua arte da eloquência. Todas<br />
essas qualidades levaram-no a assumir trabalhos de influência:<br />
prefeito substituto, promotor de justiça, subchefe<br />
de polícia, consultor jurídico do estado, conselheiro<br />
municipal e deputado na Assembleia Constituinte.<br />
O tempo foi passando, os ânimos ficaram mais<br />
exaltados por causa do processo revolucionário separatista<br />
do Estado de MT e Aral foi um dos primeiros a tomar<br />
a frente, com o intuito de trazer progresso à região<br />
(MAGALHÃES, 2011, p. 69):<br />
[...] Armou-se e partiu para o confronto. Durante os três<br />
meses de duração do conflito, os serviços postais, que já<br />
eram precários (...) pararam de funcionar. As notícias<br />
(...) deixavam as famílias sobressaltadas; as correspondências<br />
eram entregues em mãos, levadas por mensageiros<br />
de confiança montados em cavalos ou mulas; as poucas<br />
estradas que cortavam o sul se tornaram extremamente<br />
arriscadas [...].<br />
Magalhães reproduz, nas páginas 69 a 85, fotos<br />
de bilhetes e cartas de Aral Moreira ao comandante político<br />
separatista, informando acerca de seus movimentos<br />
no combate contra as forças legalistas.<br />
Uma das fotografias era cuidadosamente por ele<br />
guardada e estava anotado no seu verso apenas o nome<br />
de Luiz Pinto de Magalhães, gaúcho de São Luiz<br />
Gonzaga-RS, que chegou a Ponta Porã em 1900. Foi um<br />
dos mais tradicionais homens públicos de Ponta Porã –<br />
primeiro delegado (1913), juiz de direito substituto<br />
(1926), prefeito interino em três oportunidades e um<br />
grande amigo de Aral Moreira (MAGALHÃES, 2011, p.<br />
95):<br />
[...] Aral manteve excelentes relações com aquele sul-riograndense<br />
que admirava pela correção de atitudes e nobreza<br />
de caráter. O filho de Aral, Eraldo, ao relatar passagens<br />
de sua infância, relembra que costumava correr<br />
pelo quarteirão da antiga Rua Rio Grande do Sul, atual<br />
Presidente Vargas, vindo do escritório do pai para o casarão<br />
de Luiz Pinto, que se localizava onde hoje é o<br />
Centro Pastoral da Paróquia São José, na Avenida<br />
Brasil. Eraldo levava consigo documentos para o amigo<br />
do pai assinar ou analisar, pois Luiz Pinto Magalhães,<br />
pela longa experiência adquirida no trato da coisa pública<br />
em Ponta Porã, era um homem para ser ouvido<br />
[...].<br />
Aral Moreira também foi fundador e diretor<br />
por muitos anos do jornal A Folha do Povo, onde travou<br />
lutas ásperas e defendeu sempre o bom nome e os interesses<br />
de Ponta Porã. Antes de surgir com A Folha do<br />
Povo, alguns intelectuais da terra imprimiram nos primeiros<br />
anos da década de 1930, como nos conta<br />
Magalhães (2011, p. 106):<br />
[...] ‘Tagarella’ tabloide em formato ofício que teve entre<br />
seus colaboradores uma figura que marcou época na cidade,<br />
o poeta e intelectual baiano José Baraúna, casado<br />
com a ponta-poranense Loreta Badeca. (...) surgiu ‘A<br />
Mutuca’ que tinha o objetivo explícito de criar polêmica<br />
com seu rival mais velho. As disputas eram bem-<br />
humoradas (...) ambos não se prestavam às necessidades<br />
formais do município como órgãos formais para veicular<br />
publicidade de cartórios e prefeitura. Para suprir surgiram:<br />
O Sul, O Correio do Povo, A Folha do Povo e O<br />
Independente [...].<br />
Aral era um político inquieto e precisava de espaço<br />
para seus feitos e atitudes que vinham ressoando<br />
pelo Estado gerando admiração, amizades e adversários.<br />
O semanário A Folha do Povo estava com dívidas,<br />
certo desinteresse de seus proprietários, rodando precariamente<br />
e sem licença obrigatória para sua divulgação.<br />
Aral entrou com processo de registro federal distribuindo-o<br />
para todo o Estado e para a Capital Federal. Fotos<br />
de algumas notícias, editoriais e reclames ilustram as folhas<br />
111 a 117 (MAGALHÃES, 2011, p. 110):<br />
[...] O estilo sério e direto que Aral imprimia a seus editoriais<br />
– que não tratavam apenas de política apaixonada,<br />
prestava-se, sobretudo a repercutir os interesses da<br />
sociedade fronteiriça – foi o principal fator a contribuir<br />
para a relativa longevidade do semanário. Por quase quatorze<br />
anos, Aral esteve à frente da empresa jornalística.<br />
Em 1946 a venderia para sócios da Companhia Mate<br />
Laranjeira [...].<br />
No final dos anos 1930, a produção ervateira<br />
mato-grossense alcançava seu melhor momento, quando<br />
eram exportadas mais de dezesseis mil toneladas anuais<br />
de erva, fora o consumo interno. Consolidava-se como<br />
o negócio mais rentável do sul do Estado, superando<br />
a pecuária bovina. Em 1938 nasceu o Instituto<br />
Nacional do Mate, com sede do Rio de Janeiro; tinha caráter<br />
normativo e era administrado por uma Junta<br />
Deliberativa. Amadureceu-se a ideia das cooperativas;<br />
seu maior propagador foi Aral Moreira, quando já fazia<br />
publicar no jornal A Folha do Povo estudos sobre as vantagens<br />
do sistema cooperativista. Em 1940 foi fundada<br />
oficialmente a Cooperativa de Produtores de Mate de<br />
Ponta Porã. Aral fazia parte como produtor e diretor<br />
(MAGALHÃES, 2011, p. 125):<br />
[...] Em fins de 1938 nasceu um sindicato de ervateiros<br />
(...); entretanto a iniciativa não obteve o registro do governo<br />
federal. Antes, em 1936, Aral idealizou um<br />
Consórcio de Produtores onde agregou gente influente<br />
e abastada da região, para sensibilizar os produtores de<br />
erva; lançava assim a semente da futura Cooperativa de<br />
Ponta Porã (...) Em 1944 (...) organizou-se em Ponta<br />
Porã, a Federação de Produtores de Mate Amambai<br />
Ltda., que passou a exercer também o papel de exportadora,<br />
tendo sido Aral Moreira, um dos seus representantes<br />
[...].<br />
A Argentina recebia um incremento populacional<br />
impressionante: gente de várias partes do mundo lá<br />
aportava atraída pelas facilidades oferecidas para o plantio<br />
e replantio de variedades de erva-mate. O enfraquecimento<br />
das importações é assim informado<br />
(MAGALHÃES, 2011, p.126 e 127):<br />
[...] A única nuvem que escurecia aquele horizonte promissor<br />
(...) era que um dia seu principal mercado comprador,<br />
a Argentina, de alguma forma viesse a enfraquecer<br />
ou que atingisse a autossuficiência produtiva, interrompendo<br />
as importações. (...) a Argentina cessou de<br />
vez suas importações. Sobraram estoques, o preço caiu,<br />
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o mercado minguou; desde então a erva-mate, produtosímbolo<br />
da riqueza de uma época, passou a desempenhar<br />
um papel ainda viável no século XXI, mas ocupando<br />
um posto secundário […].<br />
Aral Moreira encontrava tempo para tudo. Foi<br />
um dos fundadores do Aeroclube de Ponta Porã, pois<br />
Getúlio Vargas, logo após criar o Ministério da<br />
Aeronáutica, abraçou o projeto “Deem Asas para o<br />
Brasil”, uma campanha que visava à doação de aviões e<br />
recursos para a construção de aeroclubes por todo o país.<br />
Ponta Porã foi brindada com dois pequenos aviões.<br />
Paralelamente à vida forense e a grande paixão<br />
política, não perdeu o gosto pela vida da campanha. A<br />
primeira aquisição rural foi um sítio, último espaço de<br />
floresta nativa dentro da cidade de Ponta Porã, servido<br />
por um córrego e por uma mata que foi preservada e ampliada<br />
pelo próprio Aral com replantio de inúmeras espécies<br />
de árvores típicas da região entre ornamentais e<br />
frutíferas. Mais tarde, seu filho Eraldo aumentou a área<br />
do bosque e, em 1976, transformou a área num hotel<br />
pousada, que ainda hoje é o predileto de muitos visitantes.<br />
A DESPEDIDA DE ARAL MOREIRA<br />
O advogado, empresário e político Aral<br />
Moreira, faleceu em 1952. Enquanto aguardava a cirurgia<br />
a que se submeteria no Hospital dos Servidores no<br />
Rio de Janeiro, escreveu a todos os amigos mais chegados;<br />
relembrou passagens, mandou algumas ordens, solicitou<br />
favores; mesclando brincadeiras com assuntos sérios.<br />
Sintetizou a história que viveu com cada um. Sua<br />
percepção de que alguma coisa poderia lhe suceder, é<br />
transcrito por Magalhães (2011, p. 146) num trecho de<br />
uma das cartas:<br />
[...] Amigo Luiz Issa! Saúde e alegria. Escrevo-lhe do<br />
Hotel, digo, do Hospital onde me encontro internado<br />
fazendo diversos exames para depois ser ‘carneado’ pela<br />
barriga. Você me conhece e sabe que não sou impressionável<br />
(...) aguardo a hora H com serenidade. (...) Caso<br />
eu deixe vocês em paz, indo deste mundo para baixo da<br />
terra, voltando para o lugar de onde saímos, peço-lhe<br />
que tenha certeza da sinceridade da amizade que sempre<br />
lhe dediquei. Você foi um dos raros, ou para ser franco,<br />
raríssimos homens que me compreenderam, me<br />
honraram e foram sempre solidários e confiaram em minha<br />
atuação [...].<br />
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artigo<br />
cultural.<br />
O reconhecimento da importância histórica<br />
nos fatos narrados no livro foi fruto de um estudo, de conhecimentos<br />
adquiridos, observação e análise, laboriosamente<br />
engendrado tendo como parâmetro o livro<br />
“Um Homem de Seu Tempo: Uma Biografia de Aral<br />
Moreira”, escrito por Luiz Alfredo Marques Magalhães.<br />
A série de ideias, a variedade de assuntos, a sucessão de<br />
teorias que se desfrutam na literatura, torna-a uma excelente<br />
atividade atrativa e uma dessas atividades é a biografia.<br />
Já se pode falar em preferências e desejos, colocando<br />
a biografia como superfonte da literatura, sobrepondo-se<br />
a livros de história, pois, em face de sua natureza,<br />
a biografia descreve a vida de alguém narrando as<br />
fases dessa pessoa interagindo com a sociedade da época.<br />
Não se quer dizer aqui que exista o predomínio<br />
das biografias, mas sua importância, sim.<br />
Acompanhada da base histórica, pode-se alcançar a completa<br />
harmonia com a fiança da força de produzir resultados<br />
positivos. E sob esse prisma, a base histórica é a<br />
função que mais se utiliza a biografia para atingir seus<br />
fins.<br />
Assim, com essa linha de raciocínio, tem-se que<br />
a partir de vasta pesquisa e estudo, paralelamente à trajetória<br />
do biografado – Aral Moreira, Magalhães apresenta<br />
elementos importantes da paisagem social, econômica,<br />
cultural da região da fronteira, as lutas políticas, a<br />
influência de grandes empresas e a questão divisionista<br />
do Estado de Mato Grosso.<br />
Contando a história de Aral Moreira, conta-se<br />
um pouco da história de Ponta Porã-MS.<br />
REFERÊNCIAS<br />
CHIAVENATO, Julio José. Genocídio americano: a<br />
guerra do Paraguai. São Paulo: Brasiliense, 1988.<br />
MAGALHÃES, Luiz Alfredo Marques. Um homem de<br />
seu tempo: uma biografia de Aral Moreira. Ponta Porã:<br />
Alvorada, 2011.<br />
VILLANUEVA, Romildo. O inferno existe; eu estive<br />
nele. 3. ed. Ponta Porã: Borba, 2000.<br />
VILLANUEVA, Romildo. Semblanza de la antigua<br />
Punta Porã. Ponta Porã: Cândia, 2001.<br />
Ponta Porã, MS<br />
- 48 -<br />
CONCLUSÃO<br />
O presente artigo pretendeu abordar uma das<br />
bases da literatura que tem por finalidade mostrar a parte<br />
histórica de uma sociedade, a partir da visão do escritor<br />
Luiz Alfredo Marques Magalhães. Essa base histórica,<br />
informadora e formadora de novas mentes pensantes,<br />
afigura-se como base educacional, esclarecedora e intelectual<br />
da literatura. Com efeito, essa base da literatura,<br />
em tudo instrutiva, é a norma que provê a unidade<br />
da educação, do esclarecimento e da informação.<br />
Simultaneamente, com sua função de entretenimento,<br />
desempenha também a literatura a função históricowww.revistacriticartes.blogspot.com.br
cordel<br />
Bazófias de um cantador pai dégua<br />
o maior cordel do mundo<br />
Beto Brito<br />
Rabequeiro, cordelista, cantor e compositor brasileiro<br />
João Pessoa, PB, Brasil<br />
@: betobritobb@terra.com.br<br />
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Mangaio, feira e artista<br />
O céu bonito e azul<br />
Cantiga de grilo e peru<br />
Violeiro repentista<br />
Calça e camisa de lista<br />
Um tirador de reisado<br />
Um sanfoneiro arretado<br />
Um moleque vendedor<br />
Açude com sangrador<br />
Um velho todo enxerido<br />
Eita Nordeste querido<br />
Nordeste dos meus amor<br />
Um be-a-bá soletrado<br />
Um pé de mandacaru<br />
Torresmo, cana e umbu<br />
Currulepo pro roçado<br />
Cavalo e boi amarrado<br />
Cumbuca e pé de coentro<br />
A mãe chamando pra dentro<br />
A menina que chorou<br />
Passarim que se assustou<br />
Por causa dum estampido<br />
Eita Nordeste querido<br />
Nordeste dos meus amor<br />
As estradinhas de barro<br />
Fumaça na chaminé<br />
O tô fraco do guiné<br />
Papel de enrolar cigarro<br />
Buchuda, corda e carro<br />
O azuzim das montanhas<br />
O cheirinho das castanhas<br />
Lorotas de caçador<br />
Matuto assobiador<br />
Um besta e oito sabido<br />
Eita Nordeste querido<br />
Nordeste dos meus amor<br />
Água dormida de pote<br />
A pedra de amolar<br />
Caçarola e alguidar<br />
Um aconchego no xote<br />
Cheiro no pé do cangote<br />
Um chamego nas menina<br />
Corriola na esquina<br />
Catavento girador<br />
Dois vestidos furta-cor<br />
Um curto e outro comprido<br />
Eita Nordeste querido<br />
Nordeste dos meus amor<br />
Um braseiro de abano<br />
Carne seca pendurada<br />
No inverno a passarada<br />
Um cantador soberano<br />
Um jogador veterano<br />
Viciado na sinuca<br />
Galho de espantar mutuca<br />
Burrinha, bode e trator<br />
Mandioca e ralador<br />
Um panelão de cozido<br />
Eita Nordeste Querido<br />
Nordeste dos meus amor<br />
Vaqueiro jogando laço<br />
Chocalho, bezerro manso<br />
Rio cheio com remanso<br />
Tardezinha no terraço<br />
Caldo de cana, melaço<br />
Querosene no bornal<br />
Novena, pelo-sinal<br />
Reza pra Nosso Senhor<br />
Rede armada e cobertor<br />
O meu lugar preferido<br />
Eita Nordeste Querido<br />
Nordeste dos meus amor<br />
Um cego pedindo esmola<br />
Histórias de Lampião<br />
Conversa em pé de balcão<br />
Gonzaga na radiola<br />
Tareco e pão, mariola<br />
Sassarico de galinha<br />
Parede-meia, vizinha<br />
Riachinho que secou<br />
O vestido que voou<br />
Num redemunho atrevido<br />
Eita Nordeste querido<br />
Nordeste dos meus amor<br />
Mulher bonita tem dono!<br />
Santana já me dizia<br />
Viola na cantoria<br />
Cachorro no abandono<br />
Um gatim morto de sono<br />
No balcão de uma bodega<br />
Seresta, forró e brega<br />
Fuzarca de opositor<br />
Um bebo declamador<br />
Lembrando um verso esquecido<br />
Eita Nordeste querido<br />
Nordeste dos meus amor<br />
http://www.antoniomiranda.com.br/<br />
- 49 -<br />
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crônica<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
http://t13.deviantart.net<br />
Polaroide<br />
Danielle Andrade<br />
Itabaiana, SE, Brasil<br />
@: dani-andrade-se@hotmail.com<br />
Que coisa boa é a fotografia! Não me refiro<br />
às fotos de hoje em dia, que são digitais, raramente<br />
impressas. Gosto mesmo é daquelas fotos<br />
impressas em papel, fotos palpáveis.<br />
Aquelas que são reveladas. Acho que realmente<br />
elas revelam algo! Aquelas fotos de quando era<br />
criança, que são guardadas na casa de parentes.<br />
Quando era criança, uma das minhas tias<br />
tinha uma polaroide. Essa máquina era, para<br />
nós, um evento. Apenas ela, minha tia, a tinha.<br />
Pensem na alegria que sentíamos quando ela vinha<br />
nos visitar no interior, trazendo consigo a<br />
polaroide; minha tia não saia sem ela. Tia Vera<br />
adora fotos!<br />
Lembro-me, com saudade e alegria, de<br />
certo dia, devia ter uns cinco, seis anos, minha<br />
tia veio à casa da minha avó que, como toda casa<br />
de avó, vivia repleta de netos, uma neta era fixa,<br />
os outros passageiros, uns demoravam mais, outros<br />
nem tanto. Nesse dia, que me recordo, ela<br />
trouxe consigo sua polaroide; para nós, era uma<br />
grande novidade. A foto saia na hora! Uma foto<br />
pequenininha! Uma belezura para a imaginação<br />
da criançada. Vejam só que moderno!<br />
Como toda família, tiravam fotos das crianças<br />
para recordar e acompanhar o crescimento<br />
delas. Nesse dia, já era meio da tarde, Tia<br />
Vera já estava pronta para ir embora para a capital,<br />
quando sugeriu a foto! Estávamos todos desarrumados;<br />
crianças que tinham brincado o<br />
dia inteiro. Mas não podíamos deixar de tirar a<br />
foto!<br />
Na polaroide!! Minha tia mandou que ficássemos<br />
em frente à casa de minha avó.<br />
Posicionamo-nos em frente à parede da casa, já<br />
íamos a foto, quando minha prima (mais velha<br />
que eu) percebeu meus cabelos desarrumados,<br />
desgrenhados de criança traquina que era! Ela<br />
teve a brilhante ideia de colocar em meu cabelo<br />
uma flor artificial (moda da época; colocou a<br />
bendita flor em minha cabeça, segundo ela, para<br />
arrumar; eu adorei a ideia, minha prima era<br />
uma gênia, e muito querida também. Aquele<br />
momento foi eternizado ali, naquela simples<br />
imagem emitida pela maquinazinha tão legal).<br />
As fotos têm esse poder, o de capturar o<br />
momento e eternizá-lo. Ainda temos essa foto;<br />
cerca de quatro a cinco crianças encostadas a<br />
uma parede com a pintura decadente, um portãozinho<br />
aberto, uma adolescente e uma criancinha<br />
negra com olhar desconfiado e vívido,<br />
com os cabelos para cima, um emaranhado de<br />
cabelo e uma rosa vermelha no meio. Meus primos<br />
e irmãos riem quando veem a foto. E ficou<br />
realmente hilária! É, sem dúvida, das fotos que<br />
mais gosto. E aquele momento é vivo até hoje.<br />
- 50 -<br />
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leitura<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
http://www.sargentolago.com.br<br />
Papa Mike: a realidade do policial militar<br />
Autor: Sargento Lago<br />
Formato: 16x23cm<br />
Páginas: 240<br />
ISBN 9788592114305<br />
Preço: R$ 47,25<br />
Disponível para venda em formato impresso e e-<br />
book em: www.sargentolago.com.br<br />
memórias, com adrenalina e pé no jornalismo,<br />
entre conversas na intimidade com comandantes-gerais,<br />
depoimentos emocionados da tropa<br />
– alguns confidenciais, outros em tom de desabafo<br />
– e confissões do autor. A publicação faz<br />
ainda um retrato da profissão em nível nacional,<br />
seus desafios, sacrifícios, tabus, suas motivações<br />
e idiossincrasias, ao apresentar heróis<br />
anônimos que chegam a sacrificar as próprias vidas<br />
pela proteção de desconhecidos.<br />
PELO MUNDO<br />
Sargento Lago concluiu sua viagem em 2011 para,<br />
já no ano seguinte, se aventurar a conhecer a<br />
realidade policial também fora do Brasil, em 34<br />
países visitados entre Europa e América. “A imagem<br />
da polícia de fora para dentro é negativa,<br />
mas não apenas no Brasil”, constata. Nessas andanças,<br />
o autor viu se repetir a dedicação dos policiais,<br />
gastando dinheiro do próprio bolso para<br />
comprar armas, uniformes, consertar viaturas,<br />
ao mesmo tempo em que, na contramão, permanecem<br />
abandonados à própria sorte, e com<br />
poucas atitudes isoladas de pessoas que se importam<br />
com o policial, em comparação ao efetivo<br />
existente.<br />
O AUTOR<br />
Um convite à reflexão e a debates sobre segurança<br />
pública, sob o ponto de vista de um de seus<br />
protagonistas, o policial militar. Assim é Papa<br />
Mike: a realidade do policial militar, concebido<br />
pelo profissional da reserva da Polícia Militar<br />
do Estado de São Paulo, também jornalista, escritor,<br />
cantor e compositor Sargento Lago.<br />
O livro – disponível nos formatos impresso e e-<br />
book – é uma jornada de descobertas e autodescoberta<br />
que conduz o leitor a uma imersão no<br />
cotidiano da PM (sigla de Polícia Militar e Papa<br />
Mike, no alfabeto policial e nas comunicações<br />
via rádio) no Brasil, com especificidades por regiões<br />
e culturas, além de ser uma tentativa de o<br />
autor mostrar que os estereótipos focam nos aspectos<br />
negativos e anulam o sacrifício feito pelos<br />
profissionais da segurança.<br />
POR TRÁS DA FARDA<br />
Como parte do projeto Polícias Militares do<br />
Brasil, desenvolvido para registrar através de depoimentos<br />
e imagens a realidade dos quartéis<br />
da PM no país, Papa Mike é um misto de relato e<br />
Sargento Lago é da reserva da Polícia Militar do<br />
Estado de São Paulo, jornalista, escritor, cantor<br />
e compositor. Nasceu em Queluz, no leste do estado<br />
de São Paulo, na microrregião de<br />
Guaratinguetá, mas passou a infância no estado<br />
do Rio de Janeiro: primeiro em Piraí, depois em<br />
Resende e em Angra dos Reis, onde o pai era<br />
pastor da Igreja Evangélica Assembleia de Deus.<br />
Comunicação e conteúdo<br />
sargentolago@hotmail.com<br />
(11) 98259-1412<br />
https://pbs.twimg.com<br />
- 51 -<br />
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<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
cordel<br />
A Mário Carabajal<br />
Joabnascimento<br />
Camocim, CE, Brasil<br />
@: joaobnascimento55@gmail.com<br />
No ano de cinquenta e oito<br />
Oriundo de um amado coito<br />
Nascia esse fruto de inteligência<br />
Proveniente de um amor igual a dropes<br />
Olegário e Manuela Cacilda Lopes<br />
Vinha ao mundo esse ser de pura<br />
inocência.<br />
Surgido nos Pampas gaúchos<br />
Sem muito conforto e nem luxo<br />
De uma matéria sem igual<br />
Para iluminar a ciência<br />
Com seus ideais e sapiência<br />
Deus nos envia Mário Carabajal.<br />
Desde criança tinha o dom<br />
De artista já trazia o tom<br />
Das notas certeiras musicais<br />
Aos quatro anos de idade<br />
Parecendo já ter maioridade<br />
Já vislumbrava os seus ideais.<br />
Nos gramados desfilava afinal<br />
Entre Grêmio e Internacional<br />
Deu os seus primeiros pontapés<br />
Ganhando alguns campeonatos<br />
Já era um artista nato<br />
Esse nobre gaúcho de Bagé.<br />
Assistiu de pé na sacada<br />
Em frente da sua morada<br />
O forte Golpe Militar<br />
Soldados entrincheirados<br />
Com armas bem preparados<br />
Dispostos a lutar.<br />
No ano em que a lua foi visitada<br />
A esfera lunar conquistada<br />
Seu pai Deus o levou<br />
Na Escola Dom Bosco<br />
Num ato um tanto tosco<br />
Sua mãe o internou.<br />
No ano de setenta e três<br />
Chegava a sua vez<br />
Assim veio a trabalhar<br />
No grupo de Paulo Pimentel<br />
Desenvolveu um grande papel<br />
Ao poder secretariar.<br />
Nas indústrias Parmazon<br />
Ele também deu o tom<br />
Atuou como secretário<br />
Com bastante determinação<br />
Luta e organização<br />
Ganhando seus honorários.<br />
Acompanhou Carlos Carabajal<br />
Baterista e empresário musical<br />
Tocando o seu bangô<br />
“The Brazilian Band Supreemes”<br />
Foi a hélice do seu leme<br />
Pelo o Brasil viajou.<br />
Depois da vida de artista<br />
Fez exame na Brigada Paraquedista<br />
Na cidade do Rio de Janeiro<br />
Ao Exército bem serviu<br />
Depois tranquilo desistiu<br />
Apesar de passar no lugar primeiro.<br />
Conheceu a pobreza e a riqueza<br />
No Bairro de Santa Tereza<br />
E na Favela da Rocinha<br />
Desistiu da carreira militar<br />
Por não poder concordar<br />
Com algumas picuinhas.<br />
Depois de ser bancário<br />
Gerente intermediário<br />
Com os irmãos associou<br />
Empresa de publicidade<br />
Central de cobrança na cidade<br />
Para Roraima imigrou.<br />
Ao se formar ingressou<br />
Na função de professor<br />
Como funcionário federal<br />
Imóveis e contabilidade<br />
Exercendo essas habilidades<br />
Trabalhou também afinal.<br />
Defensor da sua cultura<br />
Fomentou com bravura<br />
A criação de um CTG<br />
Com chula, malambo e poesia.<br />
Danças gaúchas ele cria<br />
A invernada gaúcha faz crescer.<br />
Licenciado em <strong>Ed</strong>ucação Física<br />
Especializa-se em Pesquisa Científica<br />
Mas consegue num breve dia<br />
Com tese no seu doutorado<br />
Pela Dra. Kátia foi bem orientado<br />
Doutorando em cinesiologia.<br />
Forma-se em Psicanálise Clínica<br />
Aperfeiçoa sua técnica<br />
Concluindo o seu mestrado<br />
Psicomaturação da Consciência Humana<br />
Tese que logo emana<br />
Para seu pós-doutorado.<br />
Tentou ser deputado<br />
Mas Deus compenetrado<br />
Não permitiu tal fato<br />
A ele deu outras missões<br />
Importantes decisões<br />
Na vida deste artista nato.<br />
Após exercer cargos importantes<br />
Mário não se cansou um instante<br />
Em criar as academias escolares<br />
Fundou a Academia Roraimense de Letras<br />
Com sabedoria ele penetra<br />
Na edição de seus vários exemplares.<br />
Academia de Letras do Brasil<br />
Fundada de forma viril<br />
Por esse grande imortal<br />
Com secção na Suíça<br />
Hoje é fonte de cobiça<br />
No âmbito intelectual.<br />
Autor de inúmeros livros<br />
Esse imortal, ainda vivo.<br />
Mantém uma luta constante<br />
Contra a corrupção e a fome<br />
A injustiça que nos consome<br />
A liberdade de imprensa falante.<br />
Pai de Emannuely e Karine<br />
Esse ser ainda exprime<br />
Seu amor familiar<br />
Ao lado da Doutora Dinalva<br />
Seu amor que o acalma<br />
Toda hora a lhe amar.<br />
Oferto esse humilde cordel<br />
Ao nobre menestrel<br />
Grande Mestre Imortal<br />
Com palavras simples explico<br />
Sua vida em versos dedico<br />
Ao ilustre Mário Carabajal.<br />
- 52 -<br />
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<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
fotografia<br />
AS RIQUEZAS DO MEU LAR<br />
Classificação: 1º lugar<br />
Aprendendo com as “lentes da alma”<br />
O projeto “AS RIQUEZAS DO MEU LAR” foi desenvolvido<br />
na aldeia indígena de Panambizinho no Estado<br />
de Mato Grosso do Sul, Brasil. Pelas professoras Bianca<br />
Marafiga e Rosane Costa. Seu maior objetivo é o de proporcionar<br />
momentos únicos, a partir de diferentes ângulos e perspectivas<br />
sobre as riquezas presente no cotidiano e nos lares<br />
dos alunos ameríndios.<br />
Riquezas estas repletas de elementos sociais, ambientais<br />
e culturais. Nas áreas indígenas esta importância reforça-se,<br />
considerando-se a forte relação que esses povos, especialmente<br />
os Guarani-Kaiowá, possuem com a terra e com a natureza.<br />
Há uma importância dualista entre espaço físico e espaço<br />
das relações socioculturais e cosmológicas denominada<br />
por esse povo como tekohá. (PEREIRA, 2004).<br />
O projeto proporcionou aos estudantes momentos<br />
de registros de seus lares, onde eles próprios definiram seus<br />
conceitos de riquezas contidas em seus espaços diários. Um<br />
desafio inspirador. Com uma máquina fotográfica ou celulares<br />
com câmaras em suas mãos, com a total liberdade de registrar<br />
o que viram e sentiram, suas fotos são surpreendentes.<br />
As imagens participantes no concurso foram utilizadas<br />
pelos professores no desenvolvimento de atividades dentro<br />
do planejamento nas mais diversas áreas, contribuindo<br />
para uma dinamização do ensino e aprendizagem dos conteúdos<br />
e da vida. Possibilitou aos alunos produzirem mais que<br />
uma foto, mas obras de arte inseridas diante de suas realidades.<br />
Para a professora Bianca Marafiga, uma das coordenadoras<br />
do Projeto, a introdução da fotografia como material<br />
didático e metodológico foi fundamental para o aprendizado<br />
nos anos iniciais do Ensino Fundamental. “A utilização<br />
deste recurso proporcionou uma atividade com maior senso crítico sobre<br />
a realidade que os envolvem. O uso da linguagem fotográfica nas<br />
escolas é uma grande ferramenta de auxílio na aprendizagem dos alunos<br />
de diferentes anos e programas, contribuindo para o desenvolvimento<br />
da cultura visual” avaliou.<br />
Classificação: 2º lugar<br />
Classificação: 3º lugar<br />
- 53 -<br />
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ISSN 2525285-2<br />
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