Revista Criticrtes 6 Ed
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<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
artigo<br />
deléveis de sua obra, aparecem em outros contos e nos<br />
dois romances que publicou. Dessa forma, também estão<br />
presentes neste conto.<br />
O tema da aids no conto e na obra de Caio Fernando<br />
Abreu<br />
Embora, inadvertidamente, se possa pensar que<br />
Caio pela primeira vez tratou da aids nesse conto de<br />
1988, podemos verificar que o tema já lhe era caro há<br />
tempos, desde o ano zero da aids no Brasil.<br />
Mendes (1998, p. 218) elenca textos de várias<br />
épocas em que Caio figurativizou o tema:<br />
Considerado pelo crítico Marcelo Secron Bessa como o<br />
escritor brasileiro que por mais vezes figurativizou a<br />
aids, Caio Fernando Abreu incluiu-a em diversos textos<br />
seus, que vão de “Pela noite”, uma das três novelas do livro<br />
Triângulo das águas (1983), a certos contos de Os<br />
dragões não conhecem o paraíso (1988) e Ovelhas negras<br />
(1995), além de diversas crônicas jornalísticas e do<br />
romance Onde andará Dulce Veiga? (1990), onde ocorre<br />
“uma história de amor entre dois contaminados”<br />
(ABREU, 1995a, p. 5). Na peça teatral Zona contaminada<br />
(1982), que “não por acaso” foi escrita no “ano zero<br />
da proliferação da aids no Brasil” (CASTELLO, 1994,<br />
p. 3), uma personagem chama a atenção para o fato de<br />
outra ter “a Peste” embora a doença esteja “em seus estágios<br />
iniciais” (ABREU, 1997, p. 66). Outro texto escrito<br />
para o teatro, O homem e a mancha (1994), é uma “livre<br />
releitura do Dom Quixote, de Miguel de Cervantes”<br />
(ABREU, 1997, p. 95), no qual a mancha funciona como<br />
“uma metáfora para as marcas deixadas pela aids”<br />
(FERREIRA, 1996, p. 4). No filme Romance (1988),<br />
que tem Abreu como um dos roteiristas, uma personagem<br />
morre “misteriosamente, possivelmente de aids”<br />
(EWALD FILHO, 1988, p. 13).<br />
Conforme o mesmo autor (1998, p. 219), citando<br />
Bessa (1997, p. 78-79), a aids surgiu (como menção)<br />
na literatura brasileira na novela “Pela noite”, do livro<br />
Triângulo das águas (1983), embora como tema a doença<br />
tenha sido inaugurada por Herbert Daniel em 1987,<br />
no romance Alegres e irresponsáveis abacaxis americanos.<br />
Depois disso, outros autores passaram a retratar a<br />
doença na literatura:<br />
Na literatura brasileira a aids vem manifestando-se em<br />
autores como Silviano Santiago (Uma história de família,<br />
1992), Bernardo Carvalho (Aberração, 1993),<br />
Alberto Guzik (Risco de vida, 1995), Jean-Claude<br />
Bernardet (A doença, uma experiência, 1996) e principalmente<br />
Caio Fernando Abreu.<br />
1<br />
Caio explica no texto Introdução ao Passo da Guanxuma a criação dessa<br />
cidade mítica: “A primeira vez que a cidade imaginária Passo da Guanxuma<br />
apareceu num conto meu foi em ‘Uma praiazinha de areia bem clara, ali, na<br />
beira da sanga’, escrito em 1984 e incluído no livro Os dragões não conhecem<br />
o paraíso. Naquele conto é narrado o assassinato de Dudu Pereira, que<br />
volta a aparecer aqui. Em outras histórias, voltou a aparecer o Passo, até que<br />
assumi a cidade, um pouco como a Santa Maria de Juan Carlos Onetti. Este<br />
texto, de 1990, pretendia ser o primeiro capítulo de um romance inteiro sobre<br />
o passado, tão ambicioso e caudaloso que talvez eu jamais venha a escrevê-<br />
lo. De qualquer forma, acho que tem vida própria, com o estabelecimento<br />
de uma geografia e esses fragmentos de histórias quase sempre terríveis<br />
respingados aqui e ali como gotas de sangue entre as palavras.”<br />
ABREU, Caio Fernando. Introdução ao Passo da Guanxuma. Disponível em:<br />
.<br />
Acesso em: 15 mar. 2016.<br />
A epígrafe com versos de uma canção de Cazuza<br />
sugere a temática do conto, principalmente em seu primeiro<br />
verso:<br />
Você nunca ouviu falar em maldição,<br />
nunca viu um milagre,<br />
nunca chorou sozinha num banheiro sujo,<br />
nem nunca quis ver a face de Deus.<br />
(Cazuza, “Só as mães são felizes”)<br />
Nas décadas de 80 e 90, a aids era a doença maldita,<br />
uma sina, uma sentença de morte. O milagre do segundo<br />
verso da epígrafe pode sugerir esperança (a cura?),<br />
mas ver a face de Deus sugere muitas outras coisas<br />
ainda (Uma epifania? A verdade? A morte?). O choro sozinho<br />
num banheiro sujo é a metáfora da decadência e<br />
da solidão.<br />
A doença não é nomeada no texto, mas os indícios<br />
dela são muitos, alguns reais e outros metafóricos.<br />
As manchas estão por toda parte – tapete, roupão, parede,<br />
xícara, mãe, Linda e filho –, e são referências às manchas<br />
do Sarcoma de Kaposi, proveniente da aids. As flores<br />
roxas do roupão da mãe também sugerem as manchas<br />
roxas que o Sarcoma de Kaposi provoca na pele dos<br />
portadores do vírus.<br />
Em certo momento do conto, depois que o protagonista<br />
desiste de contar da doença, há outra referência<br />
a ela, que a mãe evoca:<br />
Ele fez que sim. Ela acariciou as orelhas sem pelo da cadela.<br />
Depois olhou outra vez direto para ele:<br />
– Saúde? Diz que tem umas doenças novas aí, vi na tevê.<br />
Umas pestes. (grifos meus)<br />
O trecho final do conto deixa claro que o protagonista<br />
está contaminado e com a doença já manifestada,<br />
pois menciona as manchas do seu peito e o nódulo<br />
inchado no pescoço:<br />
Um por um, foi abrindo os botões. Acendeu a luz do<br />
abajur, para que a sala ficasse mais clara quando, sem camisa,<br />
começou a acariciar as manchas púrpura, da cor<br />
antiga do tapete na escada – agora, que cor? – espalhadas<br />
embaixo dos pelos do peito. Na ponta dos dedos,<br />
tocou o pescoço. Do lado direito, inclinando a cabeça,<br />
como se apalpasse uma semente no escuro. Depois foi<br />
dobrando os joelhos até o chão. Deus, pensou, antes de<br />
estender a outra mão para tocar no pelo da cadela quase<br />
cega, cheio de manchas rosadas. Iguais às do tapete gasto<br />
da escada, iguais às da pele do seu peito, embaixo dos<br />
pelos. Crespos, escuros, macios. (grifos meus)<br />
Apesar do conteúdo trágico, o extremo lirismo<br />
também caracteriza as narrativas de Caio Fernando<br />
Abreu, e esta particularmente. O linfonodo do pescoço<br />
é poeticamente retratado como uma semente: em vez de<br />
algo que sugere morte, um símbolo da vida que brota.<br />
Para se falar da morte, fala-se da vida. Afinal, a morte está<br />
na vida, compõe seu ciclo.<br />
O exílio como metáfora dos sujeitos modernos, deslocados<br />
por excelência<br />
O tema do exílio aparece em outros contos de<br />
Caio, como “Lixo e purpurina” (escrito em 1974 e publicado<br />
em 1995 no livro Ovelha negras) e “Uma praiazinha<br />
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