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Revista Criticrtes 6 Ed

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sa de um esforço maior para curar-se<br />

do mal. E se tem a sorte de<br />

curar-se, continua a mercê das<br />

chatices habituais, diárias e nada<br />

virtuais de sempre.<br />

O ônibus que não passa<br />

no horário; o chato-ofertante do<br />

telemarketing; o garçom simpaticão<br />

ou ultra grosseiro; as chatices<br />

causadas porque tinha um celular<br />

no meio do caminho (você<br />

conversando com alguém tête-àtête<br />

que está conversando com<br />

alguém tête-a texto; alguém que<br />

quer mostrar um vídeo de oito<br />

minutos e meio que acabou de<br />

receber; etc.); os problemas do<br />

trem; os problemas do metrô; o<br />

chato-conselheiro, que aconselha<br />

sem ser pedido; o chatoreclamão,<br />

que vê os outros como<br />

um grande ouvido; o chatopatrão,<br />

naturalmente chato; o<br />

chato-artista (não o artistachato),<br />

que espalha sua chatice<br />

em algo que ele diz ser arte; o chato...o<br />

chato...o chato...a chatice.<br />

Há, porém, uma questão<br />

qu e o n o s s o ch a t ó l o g o<br />

Figueiredo não se coloca: será<br />

que a chatice tem um lado positivo?<br />

Esse é o ponto levantado pelo<br />

cronista português Miguel<br />

Esteves Cardoso. Seu exemplo é<br />

a cultura. Diz ele: “Ora, quem sabe,<br />

sabe que a cultura, a verdadeira<br />

cultura, é efectivamente chata.<br />

(...) Seca, morosa, difícil, exigente,<br />

chata para morrer. Chata<br />

e boa. E ainda bem”!<br />

Embora a palavra cultura<br />

carregue geralmente significados<br />

positivos (é bom ser culto, conhecer<br />

coisas, entrar em contato<br />

com novas, etc.), o problema está<br />

em que tornar-se culto é, muitas<br />

vezes, uma chatice. Para mascarar<br />

essa chatice, diz-se que a<br />

cultura é participativa, comunicativa,<br />

popular, relacional, gene-<br />

<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />

rosa, alegre. Junte-se um bando<br />

de gente em um lugar qualquer,<br />

coloque-se um DJ, um grafiteiro,<br />

quem sabe uma performance ou<br />

uma expressão de cultura popular<br />

(capoeira, jongo, maracatu,<br />

sambinha), toneladas de cerveja<br />

e pronto: tem-se um evento cultural.<br />

O problema é que essa cultura<br />

nada tem a ver com aquela<br />

outra, mais alta, e que demanda<br />

tempo, solidão, paciência.<br />

Adquirir cultura é tarefa exigente,<br />

nem sempre consoladora, às<br />

vezes, angustiante. Há recompensa<br />

em algum lugar do processo?<br />

Quem sabe? O fato é que estudar,<br />

conhecer, ampliar e aprofundar<br />

ideias, é chato. A cultura<br />

é chata. Maravilhosamente chata.<br />

Porém, dizê-la chata é um jeito<br />

de nos defendermos dela. É<br />

uma boa desculpa para deixá-la<br />

de lado. Se é chata, por que gastar<br />

meu tempo com ela? Previnese<br />

assim o contato com qualquer<br />

experiência mais árdua. Por outro<br />

lado, será inevitável que o homem<br />

(ou mulher) de cultura seja<br />

sempre um chato? Será por isso<br />

que Guilherme Fiqueiredo diz<br />

que “a erudição exaustiva é uma<br />

das formas sob as quais se apresenta<br />

um chato”?<br />

O tema, como se vê, é vastíssimo.<br />

A chatice é chata, mas<br />

pode, paradoxal e dialeticamente,<br />

ser recompensadora em alguns<br />

casos. A investigação da matéria<br />

deve ser individual e diária.<br />

O que me chateia? A quem eu<br />

chateio, e por quê? Será que estou<br />

usando a chatice defensivamente,<br />

para não ter de lidar com<br />

algo que pode ser excessivamente<br />

árduo? Será que estou temendo<br />

tanto a chatice alheia que acabo<br />

num isolamento gelidamente<br />

chato? Muitas questões e reflexões<br />

a serem feitas. Mas paro por<br />

aqui. O texto já vai longo e nada<br />

mais chato do que ler resenhas<br />

enormes, quase em disputa com<br />

o próprio livro. Um último registro:<br />

quem quiser passar algumas<br />

horas não-chatas, que leia esse<br />

belo livrinho de Guilherme<br />

Figueiredo. Ele é infinitamente<br />

menos chato do que essa longa<br />

resenha de mais um desses resenhistas-que-acham-que-sabemdo-que-falam.<br />

LANÇAMENTO<br />

artigo<br />

Alelos Esmeraldinus é o novo livro<br />

do poeta e escritor João<br />

Bosco Rolim Esmeraldo. A obra<br />

foi compilada em 43 estilos literários<br />

acompanhados de teoria<br />

e exemplificados, com mais de<br />

200 poemas. Traz 68 Simplismos<br />

Sapientes, que são aforismos de<br />

sabedoria retirados da linguagem<br />

coloquial ou costumes do<br />

quotidiano popular. O livro tem<br />

como público-alvo, adolescentes<br />

e adultos, em especial estudantes,<br />

por se tratar de leitura<br />

com didática aplicada.<br />

Vendas direto com o Autor, pelo<br />

e-mail:<br />

odlaremsem@gmail.com<br />

- 31 -<br />

www.revistacriticartes.blogspot.com.br

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