Revista Criticrtes 6 Ed
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artigo<br />
<strong>Revista</strong> Criticartes | 1º Trimestre de 2017 / Ano II - nº. 06<br />
“Linda, uma história horrível”,<br />
de Caio Fernando Abreu:<br />
a figurativização da AIDS e os temas<br />
exílio e decadência<br />
Silvana do Carmo Seffrin<br />
Curitiba, PR, Brasil<br />
@: sseffrin@hotmail.com<br />
RESUMO<br />
Este estudo analisa, no conto “Linda, uma história horrível”,<br />
de Caio Fernando Abreu (Os dragões não conhecem<br />
o paraíso, 1988), além da aids como tema de ficção,<br />
o exílio ou autoexílio - metáfora dos sujeitos modernos,<br />
deslocados por excelência - e a consequente decadência<br />
ou desencanto que caracterizam seus personagens.<br />
Considerado o “fotógrafo da fragmentação contemporânea”,<br />
o escritor registrou as vivências das gerações 70,<br />
80 e 90, compondo um panorama cultural de seu tempo.<br />
Palavras-chave: Exílio ou autoexílio. Decadência. Aids.<br />
ABSTRACT<br />
This study analyzes, in the tale “Linda, uma história horrível”,<br />
by Caio Fernando Abreu (Os dragões não conhecem<br />
o paraíso, 1988), besides AIDS as fiction theme, exile<br />
or self-exile - metaphor of modern people, displaced<br />
by excellence - and the consequent decline or disenchantment<br />
of his characters. Considered the “photographer<br />
of contemporary fragmentation”, Caio recorded<br />
the experiences of the seventies, eighties and nineties’<br />
generations, composing a cultural panorama of his<br />
era.<br />
Keywords: Exile or self-exile. Decadence. AIDS.<br />
Caio Fernando Abreu foi um escritor profícuo,<br />
que escreveu muito e se aventurou com êxito em vários<br />
gêneros literários: conto, romance, teatro, poesia, crônica.<br />
No panorama da literatura brasileira, figura entre os<br />
nossos maiores contistas do século XX. Escritor da paixão,<br />
como o chamou Lygia Fagundes Telles, ou poeta da<br />
prosa, segundo Fabrício Carpinejar, dele se ressalta a capacidade<br />
de transmitir sinceridade ao texto. Luís<br />
Augusto Fischer, seu conterrâneo e contemporâneo, diz<br />
que, para Caio, a literatura devia ter a mesma força da vida:<br />
Pois a vida não tem o poder de derrubar as melhores intenções,<br />
traindo esperanças ou fazendo-as brotar onde<br />
menos se espera? É, ela é bem assim; e bem assim Caio<br />
concebeu seu exercício de escrita – como uma espécie<br />
de vida intensificada, vida concentrada em palavras.<br />
Escrevia com um amplo domínio do repertório das<br />
emoções humanas, que em sua literatura compare-<br />
cem no palco do texto, expondo suas dificuldades e virtudes<br />
bem ali, diante do leitor, que por isso mesmo empresta<br />
sua solidariedade ao que vai lendo. (FISCHER,<br />
2009) (grifos meus)<br />
Nessa antologia de contos póstuma, organizada<br />
por Fischer, há outro trecho que sintetiza muito bem esse<br />
aspecto de sua obra, da vida intensificada pela literatura:<br />
Suas obras são repletas de cenas que ou se passaram<br />
com ele mesmo ou poderiam ter-se passado: em seus escritos,<br />
há um sentimento de levar a vida até a arte, de fazer<br />
a arte estar a serviço da vida, nunca de modo trivial,<br />
nunca pelas exterioridades, sempre pelo lado de<br />
dentro do indivíduo. Isso não foi uma qualidade exclusiva<br />
dele: em sua geração, a dos escritores que começaram<br />
a trabalhar durante os piores anos da ditadura<br />
militar inaugurada pelo Golpe de 64, foi bastante comum<br />
considerar a literatura como depoimento direto<br />
da experiência. (...) Dessa forma, a obra de Caio oferece<br />
um espetáculo de intensidade forte, caracterizado,<br />
entre outros traços, pela constante ultrapassagem entre<br />
a ficção e a verdade factual, entre o inventado e o biográfico,<br />
numa fluência que correspondia, em última<br />
análise, a um dos ideais da geração hippie, da geração<br />
68 – fazer da vida uma arte, transformar tudo em matéria<br />
digna, fossem os ideais políticos coletivos, fossem<br />
as demandas individuais em busca da felicidade.<br />
(FISCHER, 2009, p. 124-125) (grifos meus)<br />
Em sua ficção, há muitos artifícios textuais, como<br />
a apropriação de outras narrativas. A intertextualidade<br />
é uma marca do escritor, que, por meio de epígrafes,<br />
dedicatórias, citações diretas ou não, retomadas de<br />
textos na voz dos personagens e índices onomásticos,<br />
faz alusões ou homenagens a inúmeros autores do seu<br />
universo cultural, como Clarice Lispector, Hilda Hilst,<br />
Júlio Cortázar, Jorge Luís Borges, Adélia Prado, Doris<br />
Lessing, Herman Hesse, Fernando Pessoa e muitos outros.<br />
Essas constantes referências a outros artistas demonstram<br />
um escritor atento ao seu tempo, de ampla<br />
cultura, que teve uma vida hipnótica, encarnando a irreverência<br />
dos anos 70 e 80, segundo Carpinejar, em livro<br />
de Callegari (2008): “Traduziu em contos e novelas um<br />
estado de pureza, misto de pânico e deslumbramento,<br />
diante de suas experiências sempre radicais dentro e fora<br />
da linguagem.”<br />
A leitura de certos escritores foi fundamental para<br />
sua escrita. Ele vem da linhagem de Clarice Lispector<br />
(para Antonio Candido, 1989, p. 209, “ela é provavelmente<br />
a origem das tendências desestruturantes, que<br />
dissolvem o enredo na descrição e praticam esta com o<br />
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