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Francisco Lecaros<br />
Separação de Abrão e Ló - Museu de León, Espanha<br />
cioso do que o trato baseado em outros<br />
valores.<br />
Tomemos como exemplo dois<br />
bons irmãos que se estimam, se prezam<br />
e têm relações de alma completamente<br />
corretas neste ponto. Aparece<br />
entre eles uma questão de divisão<br />
de uma herança paterna. Ela<br />
se faz amistosamente, sem nenhuma<br />
dificuldade, porque, por esta sua<br />
retidão neste patamar superior, eles<br />
são parecidos e, portanto, têm facilidade<br />
de se entender e fazer a justa<br />
divisão. Mas também porque se um<br />
notar uma pequena fraqueza ou um<br />
pequeno apego que possa prejudicar<br />
o superior relacionamento entre ambos,<br />
o irmão bom facilmente desiste<br />
da vantagem material para conservar<br />
um convívio mais elevado.<br />
O episódio bíblico ocorrido com<br />
Abrão e Ló é característico. Abrão<br />
diz: “Aqui estão as terras, pega a parte<br />
que tu queres, eu fico com a outra.”<br />
3 Esta é a atitude de uma pessoa<br />
que preza o relacionamento bom,<br />
muito mais do que a terra.<br />
Mas se a pessoa cedeu ao desejo<br />
do bem material, inferior, da fruição<br />
não metafísica, não religiosa, facilmente<br />
entra em briga. Porque quando<br />
não apreciam aquele bom relacionamento<br />
e o viverem juntos para<br />
uma esfera mais alta, dividem-<br />
-se miseravelmente a respeito de ninharias.<br />
Seriam capazes até de fazer<br />
o seguinte: “Tal ponto não fica nem<br />
teu nem meu. Construamos ali um<br />
altar, um templo, mas teu não fica!”<br />
Os vínculos na Cristandade<br />
medieval eram baseados no<br />
amor ao transcendente<br />
Assim, todas as relações humanas<br />
de ordem política, social, familiar,<br />
econômica são completamente<br />
diferentes num mundo onde haja esta<br />
boa ordenação. Do ponto de vista<br />
humano, formas de governo, estruturas,<br />
leis, simplesmente não pegam,<br />
na medida em que esse relacionamento<br />
superior não exista.<br />
A lealdade, por exemplo, provém<br />
propriamente do fato de alguém ter<br />
verazmente em relação a outrem essa<br />
disposição de alma. Tê-la e saber<br />
torná-la notória, isto é a lealdade que<br />
permite funcionarem direito vínculos<br />
como os da sociedade feudal.<br />
O ponto de partida está em que as<br />
almas não sejam apegadas às coisas<br />
de modo fruitivo e amem o transcendente.<br />
Esse amor ao transcendente, a<br />
Cristandade medieval conheceu a<br />
fundo, embora não soubesse explicar.<br />
Todos os vínculos da ordem social<br />
eram vínculos de amor baseados<br />
nesse vínculo das almas pelo lado superior.<br />
v<br />
(Continua no próximo número)<br />
(Extraído de conferência de<br />
11/3/1982)<br />
1) Jesuíta e exegeta flamengo (* 1567 -<br />
† 1637).<br />
2) Relativo a “transesfera”: termo criado<br />
por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> para significar que, acima<br />
das realidades visíveis, existem as<br />
invisíveis. As primeiras constituem a<br />
esfera, ou seja, o universo material; e<br />
as invisíveis, a transesfera.<br />
3) Cf. Gn 13, 8-9.<br />
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