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Revista Curinga Edição 17

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

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Dona Enedina visita sua antiga casa, revivendo o que era seu cotidiano.<br />

Nas paredes da escola municipal do distrito, o desabafo: Bento resiste.<br />

Se o prazo proposto for cumprido, para Dona<br />

Enedina e Zezinho serão 1279 dias de espera desde<br />

o momento em que perderam suas casas. Três anos<br />

e seis meses roubados da vida de duas pessoas que<br />

representam tantas outras em seus medos, tristezas<br />

e lembranças que fazem Bento e Paracatu de<br />

Baixo em Minas Gerais ainda existirem.<br />

Tanto Dona Enedina quanto Zezinho mantém<br />

Bento Rodrigues vivo nas memórias que carregam. No<br />

trajeto até suas antigas casas, os dois nomeavam os<br />

donos dos lugares por onde passávamos. Ao chegarmos<br />

até o local das casas que não estavam destruídas,<br />

a sensação era de que em algum momento um vizinho<br />

iria aparecer e desejar um bom dia. Mas ninguém apareceu.<br />

Agora aquele Bento era um distrito fantasma.<br />

Há lugares que temem se tornar Bento. Em Antônio<br />

Pereira, distrito de Ouro Preto, Célia Antunes<br />

Passos, 51, não se sente reconfortada mesmo após a<br />

visita que a Empresa Vale S.A. realizou na Barragem<br />

Doutor com os líderes da comunidade, numa tentativa<br />

de tranquilizar os moradores do distrito. “Dá medo.<br />

Por mais segura que ela esteja, a gente ainda tem um<br />

receio. Teve que acontecer primeiro [em Bento] pra<br />

gente ter esse receio das barragens”, explica. O rompimento<br />

da barragem de Fundão tornou a vida da família<br />

da moradora de Antônio Pereira, Zilda Maria dos<br />

Santos Boaventura, 68, mais triste. Ela conta que seu<br />

primo é a única vítima da tragédia que não foi encontrada.<br />

A dor que se estende até hoje justifica o medo<br />

de enfrentar mais perdas.<br />

Na cidade de Barra Longa, a situação não é diferente.<br />

Mesmo não havendo uma barragem tão próxima,<br />

Jurciléia Aparecida Alexandrino, 29, teme as consequências<br />

da lama que chegou pelos rios da região na<br />

madrugada seguinte ao cinco de novembro. Ela evita<br />

ir até à parte da cidade que foi atingida por causa da<br />

lama que se tornou poeira. “A gente não sabe o que<br />

está vindo nesse pó. Eu tenho medo. Eu, por exemplo,<br />

só levo as meninas pra escola e volto pra casa”, revela.<br />

Além do risco a saúde de suas duas filhas, Jurciléia<br />

também tem a mesma preocupação que as moradoras<br />

de Antônio Pereira: um novo rompimento.<br />

A apreensão de Jurciléia tem explicação. Um estudo<br />

encomendado pela Samarco S.A., a pedido da justiça,<br />

e divulgado pela Folha de São Paulo em janeiro de<br />

2016, considera a possibilidade de vazamento das barragens<br />

de Santarém e Germano. Nele, a empresa de<br />

consultoria Pimenta de Ávila avalia cinco possibilidades<br />

da barragem de Santarém transbordar ou romper.<br />

Isso aconteceria após a ruptura da barragem de Germano,<br />

que fica atrás de Santarém. Segundo as previsões<br />

da empresa, o município de Barra Longa seria<br />

atingido em onze horas.<br />

Os três lugares estão ligados pela incerteza. Entre<br />

tantos outros medos, Dona Enedina teme não encontrar<br />

o retrato de seu pai. Zezinho teme os dias em que<br />

perguntará novamente a Deus o que fazer de agora em<br />

diante. Célia, Zilda e Jurciléia temem o risco de viver o<br />

que os dois já viveram.<br />

Ao caminhar pela rua na qual morava, seu Zezinho conta histórias do lugar.

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