29.01.2018 Views

Revista Curinga Edição 17

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Identidade<br />

Ser quem sou<br />

Texto: Júlia Cabral<br />

Foto: Gabriella Pinheiro<br />

Arte: Igor Capanema<br />

A existência de um “padrão” de beleza ou comportamento é uma construção da sociedade<br />

ocidental e pesa sobre as pessoas que não se sentem parte desse modelo. A adaptação à<br />

essa norma significa, muitas vezes, perder a própria essência, enquanto a resistência pode<br />

gerar oposições de quem nos é próximo. Mesmo com toda pressão e dificuldade, algumas<br />

pessoas ainda preferem ser quem são, com muita bravura e sem medo de julgamentos.<br />

“Acho que foi a situação mais ‘pedreira’ até hoje. Eu tinha<br />

o cabelo alisado e apenas dois dedos da raiz natural. Fui no<br />

salão; na hora que sentei, pensei ‘não vou ter coragem’, mas a<br />

moça do salão me deu esse apoio. Eu falei que a minha intenção<br />

era tirar toda parte de química do cabelo. Ela perguntou<br />

se eu queria ficar olhando e eu disse que não”, conta. Preta,<br />

como se identifica hoje, a estudante Ana Carolina da Silva, de<br />

22 anos, teve que buscar sozinha suas raízes culturais. “Então<br />

ela virou minha cadeira [de costas para o espelho] e começou<br />

a cortar. Enquanto isso eu pensava: ‘o que eu estou fazendo, a<br />

minha família não vai conseguir aceitar isso’.”<br />

Ana Carolina teve o cabelo alisado desde pequena para se<br />

adaptar a um determinado padrão estético que não considera<br />

o crespo belo. Para conhecer o seu cabelo natural, Ana decidiu<br />

fazer o Big Chop.<br />

Big Chop é o termo inglês que significa “grande corte”. É<br />

uma transição capilar; quando uma mulher de cabelos crespos<br />

mas quimicamente alisados decide cortar seu cabelo tratado,<br />

ficando quase careca, para deixar crescer seu cabelo natural.<br />

Esse procedimento se tornou um movimento com bastante<br />

adesão nas redes sociais. São milhares de textos e vídeos de<br />

mulheres do mundo todo, falando sobre a transição e trazendo<br />

a discussão da identidade do negro e como a sociedade<br />

tende ao “embranquecer”.<br />

“Na hora que ela terminou, eu me olhei no espelho. Estranhei,<br />

mas falei ‘essa aqui sou eu, agora vou ver como é meu<br />

cabelo’. Desde que me entendo por gente meu cabelo é alisado,<br />

só fui o ver natural aos 19 anos. Acho que foi a melhor coisa<br />

que eu fiz. Causou estranhamento [em casa], muito. Tem<br />

dois anos que deixo meu cabelo crescer e até hoje não entendem<br />

porque, por mais que eu explique. Ou entendem mas não<br />

aceitam. [A família] é o lugar onde você mais espera apoio, e<br />

quando é o lugar que te vira as costas, você se assusta”, diz.<br />

Segundo a professora de Psicologia da Universidade Federal<br />

de Juiz de Fora Sônia Regina Corrêa Lages, “os modelos de<br />

comportamento são construídos e reforçados o tempo inteiro,<br />

desde o nascimento, por diferentes instituições – família, religião,<br />

educação, trabalho, etc”. A família é considerada um dos<br />

pilares da vida de um indivíduo e é de onde provém a maioria<br />

dos valores que este constrói. Ao mesmo tempo, também<br />

pode carregar opiniões e hábitos que vão de encontro ao que<br />

o indivíduo acredita, gerando um conflito entre “ser quem os<br />

outros querem” e “ser quem realmente sou”, afirma.<br />

Para algumas pessoas, o cabelo é apenas uma característica<br />

que se molda às suas vontades por questões estéticas. Para<br />

Ana Carolina, seu black vai além de um tema de beleza. “Tem<br />

uma história toda por trás disso. [Meu cabelo, minha cor],<br />

isso é a minha identidade. Eu me reconheço nisso, me reconheço<br />

nas minhas raízes”, conta.<br />

Da mesma forma que uma característica física pode ser<br />

muito representativa para a identidade de uma pessoa, ela<br />

também pode ser vista como apenas parte de um todo com<br />

mais a oferecer. É assim que pensa o advogado e professor<br />

universitário Rafael Alves Nunes, de 30 anos. Além de sua<br />

profissão primária, Rafael é também modelo de moda Plus<br />

Size e acredita que seu físico não o define. “Muita gente fala<br />

em autoaceitação mas eu acho que não é o caso. É a pessoa<br />

fazer um reflexo e ver que ela não se resume a um padrão físico.<br />

Ela deve olhar para si e saber que não se resume àquilo.”<br />

No caso do advogado, diferente de muitos, não há uma pres-

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!