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Revista Curinga Edição 17

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

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Opinião<br />

Arte: Fábio Melo<br />

Pensar o mundo<br />

sem medo<br />

Prof. Dr. Mauro Guilherme Pinheiro Koury*<br />

Pensar uma sociedade sem medo é discorrer sobre<br />

uma coletividade humana em letargia. Uma sociedade<br />

onde as relações humanas já não tivessem o sabor<br />

da descoberta, onde todos os objetos sociais e culturais<br />

fossem dados e distribuídos de tal forma uniforme que<br />

já não teria necessidade de busca e apreensão. Uma<br />

coletividade, enfim, onde o viver não necessitasse de<br />

riscos, de ousadia e de criação.O medo faz parte da experiência<br />

humana, enquanto categoria social que lida<br />

com o processo de criação, com o conhecimento de si<br />

próprio e do outro relacional. Que permite a construção<br />

social não apenas enquanto projeção, mas como construção<br />

objetiva de realidades possíveis.<br />

Ao se pensar o medo como uma categoria chave da<br />

experiência criativa do social e do cultural, se está pensando<br />

a sociedade e os indivíduos que dela fazem parte<br />

como uma relação sempre tensa. Relação recheada de<br />

ambiguidade, de necessidade constante de negociação,<br />

de ajustes, de processos novos que busquem ampliar<br />

direitos e autonomias das partes em interação, e, assim,<br />

recheada de conflitos.<br />

Conflitos estes que se referem aos constrangimentos<br />

sociais das normas criadas para uma ação consensual,<br />

em um momento e em uma situação dada. Constrangimentos<br />

por si só incômodos, limitativos, mas<br />

necessários em um momento para uma ação coletiva<br />

consequente e para a consecução do projeto coletivo ou<br />

individual, mas que já não servem e são incômodos em<br />

outro momento e em outra situação seguinte. O que os<br />

torna em uma nova camisa de força cotidiana, e precisa<br />

ser reajustada sempre.<br />

Assim segue em todo e qualquer ajustamento de<br />

projetos pessoais e sociais que, na busca de alianças<br />

para a sua funcionalidade e ação coletiva e projetiva de<br />

um fim ou de um novo amanhã, têm que ser reajustados<br />

para permitir a inclusão de muitas vozes que em<br />

certo tempo almejam uma situação similar, mas que,<br />

alcançado essa nova situação explodem em solicitações<br />

de buscas e autonomia próprias.<br />

Novas solicitações e autonomia sempre tensas,<br />

conflituais e plenas de aventuras, audácias e riscos,<br />

ou seja, repletas de medo. Medo que impulsiona novidades<br />

e ampliação de necessidades simbólicas de conteúdos<br />

que expandam e assegurem a capacidade de<br />

outras vozes como sujeita de si e compromissada com<br />

o todo que se abriu para elas, pela institucionalização<br />

de projetos de autonomia e de liberdade.<br />

É impossível destarte pensar uma sociedade sem<br />

medo, a não ser que se pense em uma sociabilidade<br />

sempre instituinte que respeite às diferenças e permita<br />

que vozes novas e discordantes surjam, assustando<br />

as formas institucionalizadas que tendem a se cristalizar<br />

a cada momento. Que transforme o sentimento do<br />

medo em um movimento onde o aventurar e o arriscar<br />

seja vistos como positivos, e pensados como criação<br />

permanente, e cujas leis e normas estejam sempre<br />

abertas para serem testadas em seus limites. Que os<br />

desvios, portanto, processos que conduzem sempre a<br />

novas experiências, sempre arriscadas, - de sensoriais<br />

a científicas, - sejam sentidos como portadores de sentidos<br />

e almejados cultural e socialmente, por fim.<br />

O medo assim visto, como imprescindível à criação<br />

social e individual, destarte, é uma categoria das mais<br />

importantes para um projeto de sociedade autônoma<br />

e de indivíduos livres e responsáveis em suas escolhas<br />

dentro do campo de possibilidades a eles aberto. Uma<br />

sociedade que lide com a diferença e a ousadia é uma<br />

sociedade onde não se tem o que temer!<br />

Professor do PPG em Antropologia da Universidade<br />

Federal da Paraíba (UFPB) e Coordenador<br />

dos Grupos de pesquisa GREM e GREI

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