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fosse uma voz de um timbre próprio a<br />
uma cantora, nunca. Tinha uma certa<br />
musicalidade, não de artista, mas psicológica.<br />
O timbre de voz era agradável,<br />
sem ser extraordinário, com qualquer<br />
coisa de psicológico que exprimia<br />
tão bem tudo quanto ela sentia.<br />
A luminosidade de seu olhar<br />
Isso se fazia notar no timbre de voz,<br />
na impostação, e até no português utilizado<br />
por ela. Não um português ornado;<br />
eram as palavras da vida corrente,<br />
mas sem nenhum erro. Frases de uma<br />
construção muito simples, porém inteiramente<br />
corretas; vocabulário fácil.<br />
Mesmo no estado de semilucidez do<br />
fim da vida, nenhuma vez a vi à procura<br />
de uma palavra. Aquilo ia com naturalidade.<br />
Mas ela não se apressava para<br />
contar, não corria, e não amarrava,<br />
ia devagar. Era uma velocidade exatamente<br />
adequada ao que conviria.<br />
No modo afável de tratar as pessoas,<br />
ela era muito amável. Porém,<br />
conservava uma atitude por onde<br />
não era possível faltar-lhe com o respeito.<br />
Nem passava pela cabeça de<br />
alguém desrespeitá-la.<br />
O olhar dela era aveludado, de um<br />
marrom muito escuro que tomava<br />
uma luminosidade conforme o grau de<br />
intensidade com que ela queria caracterizar,<br />
marcar o que ela dizia. Quando<br />
ela estava alegre, era uma luz meiga,<br />
envolvente; quando tomava a coisa<br />
muito a sério, estava impressionada, o<br />
olhar adquiria uma tonalidade de um<br />
escuro carregado, bem definido.<br />
Ao percorrer com o olhar de uma<br />
coisa para outra, fazia-o com um<br />
movimento tão temperante que parecia<br />
com os passos dela: um caminhar<br />
um tanto rápido, mas apesar<br />
disso muito compassado.<br />
Um raio de sol incide sobre<br />
a cruz feita de flores<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
A este respeito me comoveu um<br />
episódio ocorrido por ocasião da<br />
Missa de sétimo dia do falecimento<br />
de mamãe. Quando ela morreu, pedi<br />
a Nossa Senhora que me desse a certeza<br />
de que ela tinha saído do Purgatório.<br />
Porque evidentemente me<br />
atormentava muito a ideia de que<br />
ela pudesse estar sofrendo.<br />
E quando houve o fato daquele raio<br />
de luz que incidiu sobre as orquídeas<br />
que ornavam o centro de uma cruz feita<br />
de flores, o modo pelo qual o raio<br />
de luz, de repente, pôs-se a mover e<br />
saiu, era como se ela saísse de dentro<br />
do meu campo visual, com aquela<br />
ligeireza. Mas era o passo ligeiro e<br />
ao mesmo tempo calmo dela, não um<br />
passo de corridinha vulgar. Era o passo<br />
de uma consciência leve. Podia carregar<br />
qualquer peso, mas não o do pecado,<br />
nem o da raiva, do ódio, da inveja,<br />
essas amarguras assim.<br />
A luz cresceu em intensidade enquanto<br />
incidia sobre a cruz. De maneira<br />
que, em certo momento, aquelas flores<br />
ficaram carregadas de tal intensidade<br />
luminosa, que as orquídeas pareciam<br />
estar iluminadas por dentro. E foi<br />
lentamente se evanescendo, mas com a<br />
suavidade que mamãe punha nas transições<br />
dela. Depois saiu “andando”.<br />
Não creio que se possa falar em milagre,<br />
mas foi um fenômeno onde o sobrenatural<br />
estava patente. Claramente<br />
um sinal. Aliás, propriamente o pedido<br />
que fiz a Nossa Senhora foi o seguinte:<br />
“Eu tenho consciência de ter sido para<br />
com ela muito bom filho. Assim, invoco<br />
minha condição de bom filho para Vos<br />
pedir que me deis um sinal de que ela<br />
não está no Purgatório. Em nome do<br />
bom filho que fui, e o que sei que Vós<br />
apreciáveis, eu Vos peço isso.”<br />
Como aquele raio, por assim dizer,<br />
se perdeu dentro da parede, assim<br />
também Dona Lucilia partiu.<br />
Mas de um modo tão característico<br />
dela, que era um último carinho. v<br />
(Extraído de conferência de<br />
15/4/1989)<br />
1) Quadro a óleo, que muito agradou a<br />
<strong>Dr</strong> . <strong>Plinio</strong>, pintado por um de seus<br />
discípulos, com base nas últimas fotografias<br />
de Dona Lucilia. Cf. <strong>Revista</strong><br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> n. 119, p. 6-9.<br />
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