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Revista Dr Plinio 248

Novembro de 2018

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emos como todas têm fisionomia de<br />

quem está refletindo. Porque a reflexão<br />

era a expressão fisionômica habitual<br />

delas, pois havia tempo para isso.<br />

Já nas fotografias tiradas das pessoas<br />

das vésperas da Primeira Guerra<br />

Mundial para cá, as fisionomias<br />

são cada vez mais irrefletidas, e a fotografia<br />

é instantânea ou o indivíduo<br />

não sabe mais fazer pose, porque<br />

para isso é preciso refletir um pouco.<br />

O instantâneo é a lembrança que<br />

deixa atrás de si o homem do corre-<br />

-corre. É forçoso.<br />

Antes dos anos 20, a vida era tal<br />

que nas casas de burguesia média, e<br />

às vezes menos do que isso – portanto,<br />

a fortiori, nas classes mais altas –,<br />

os quartos de dormir eram espaçosos<br />

e, principalmente os de senhoras, tinham,<br />

em geral, além do necessário<br />

para dormir, um mobiliário sumário.<br />

Podia ser, por exemplo, um sofá e algumas<br />

cadeiras, porque as conversas<br />

muito reservadas se faziam no quarto<br />

de dormir. Ia-se para o mais interno<br />

da casa e conversava-se ali.<br />

Por vezes, a pessoa se recolhia ao<br />

quarto de dormir durante o dia para<br />

pensar bem. Não deitava na cama,<br />

porque isso ocorre quando se está<br />

doente ou para dormir à noite, fora<br />

disso não. Então, recostava-se no<br />

sofá e ficava pensando, isolada de todo<br />

mundo.<br />

Com o corre-corre, que é muito<br />

prejudicial porque tira o hábito de<br />

pensar, vem outra circunstância bastante<br />

nociva: é a convicção de que para<br />

o homem ou a mulher, o moço ou<br />

a moça e até a criança, levar uma vida<br />

digna deste nome deve fazer tanto<br />

quanto possa e pensar pouco, porque<br />

pensar é perda de tempo. Portanto,<br />

é preciso fazer, fazer, fazer, quanto<br />

mais fizer melhor. O indivíduo<br />

tem uma espécie<br />

de embriaguez<br />

de fazer, porque<br />

julga desperdiçar<br />

o tempo<br />

pensando.<br />

Então, nós temos o desprezo, ou<br />

pelo menos o menosprezo, da reflexão<br />

imposto pela pressa.<br />

Isso leva ao contrário do que quer<br />

a Doutrina Católica, pois esta faz da<br />

vida uma preparação para a eternidade,<br />

e deseja que as almas na Terra se<br />

exercitem naquilo que farão no Céu.<br />

O homem foi feito para<br />

a beatitude celeste<br />

Segundo São Tomás de Aquino, o<br />

homem foi feito para a beatitude celeste,<br />

a fim de conhecer a Deus eternamente<br />

– o que é refletir –, e para<br />

exercer não só um ato de cognição,<br />

mas de amor contínuo e eterno.<br />

Nesta Terra, diz ele, o homem<br />

tem em semente a beatitude primária,<br />

que é contemplar, com algo que<br />

participa da visão beatífica – o Batismo<br />

nos confere um começo da visão<br />

beatífica. Quando o homem reflete<br />

sobre a ação – se isto é ordenado para<br />

Deus –, ele possui uma espécie de<br />

contemplação secundária, tendo como<br />

fim a beatitude, quer dizer, o conhecimento<br />

de Deus 3 .<br />

Como isso é diferente da vida do<br />

corre-corre! E como a existência regular,<br />

pausada, com hiatos que dão<br />

possibilidades de pensar, é diferente<br />

e mais apropriada do que a vida<br />

de hoje, em que a parte principal da<br />

Liteira portuguesa<br />

Museu Nacional dos<br />

Coches, Lisboa, Portugal<br />

contemplação nesta Terra não só cessa,<br />

mas o homem fica incapaz de contemplar.<br />

Aqui está o pior: a mania da<br />

velocidade incapacita o homem para<br />

a contemplação, e ele se vicia no agir<br />

como outro pode viciar-se em drogas.<br />

É importante mostrar como essa<br />

influência é contra o que a Igreja quer<br />

de nós. Por isso pretendo aproveitar<br />

algumas reflexões de São Tomás de<br />

Aquino sobre a visão beatífica, não só<br />

para considerar a suma gravidade das<br />

coisas, mas também como a Doutrina<br />

Católica rejeita a idolatria da pressa,<br />

presente em tantas pessoas.<br />

Superioridade dos<br />

prazeres da alma em<br />

relação aos do corpo<br />

No Tratado da bem-aventurança,<br />

na Suma Teológica (Cf. I-II, q. 3,<br />

a. 1), São Tomás pergunta se a beatitude<br />

é algo criado, e explica que o<br />

fim último do homem tem duas acepções:<br />

uma é a bem-aventurança enquanto<br />

sendo o próprio Deus, e, neste<br />

sentido, é incriada. Outra é o ato<br />

pelo qual o homem desfruta da visão<br />

de Deus; nesta acepção ela é criada.<br />

De maneira que a visão beatífica<br />

é, neste sentido da palavra, a eterna<br />

prática do ato pelo qual o homem vê<br />

e ama Aquele para o qual nasceu a<br />

fim de ver e amar.<br />

Dguendel (CC3.0)<br />

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