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emos como todas têm fisionomia de<br />
quem está refletindo. Porque a reflexão<br />
era a expressão fisionômica habitual<br />
delas, pois havia tempo para isso.<br />
Já nas fotografias tiradas das pessoas<br />
das vésperas da Primeira Guerra<br />
Mundial para cá, as fisionomias<br />
são cada vez mais irrefletidas, e a fotografia<br />
é instantânea ou o indivíduo<br />
não sabe mais fazer pose, porque<br />
para isso é preciso refletir um pouco.<br />
O instantâneo é a lembrança que<br />
deixa atrás de si o homem do corre-<br />
-corre. É forçoso.<br />
Antes dos anos 20, a vida era tal<br />
que nas casas de burguesia média, e<br />
às vezes menos do que isso – portanto,<br />
a fortiori, nas classes mais altas –,<br />
os quartos de dormir eram espaçosos<br />
e, principalmente os de senhoras, tinham,<br />
em geral, além do necessário<br />
para dormir, um mobiliário sumário.<br />
Podia ser, por exemplo, um sofá e algumas<br />
cadeiras, porque as conversas<br />
muito reservadas se faziam no quarto<br />
de dormir. Ia-se para o mais interno<br />
da casa e conversava-se ali.<br />
Por vezes, a pessoa se recolhia ao<br />
quarto de dormir durante o dia para<br />
pensar bem. Não deitava na cama,<br />
porque isso ocorre quando se está<br />
doente ou para dormir à noite, fora<br />
disso não. Então, recostava-se no<br />
sofá e ficava pensando, isolada de todo<br />
mundo.<br />
Com o corre-corre, que é muito<br />
prejudicial porque tira o hábito de<br />
pensar, vem outra circunstância bastante<br />
nociva: é a convicção de que para<br />
o homem ou a mulher, o moço ou<br />
a moça e até a criança, levar uma vida<br />
digna deste nome deve fazer tanto<br />
quanto possa e pensar pouco, porque<br />
pensar é perda de tempo. Portanto,<br />
é preciso fazer, fazer, fazer, quanto<br />
mais fizer melhor. O indivíduo<br />
tem uma espécie<br />
de embriaguez<br />
de fazer, porque<br />
julga desperdiçar<br />
o tempo<br />
pensando.<br />
Então, nós temos o desprezo, ou<br />
pelo menos o menosprezo, da reflexão<br />
imposto pela pressa.<br />
Isso leva ao contrário do que quer<br />
a Doutrina Católica, pois esta faz da<br />
vida uma preparação para a eternidade,<br />
e deseja que as almas na Terra se<br />
exercitem naquilo que farão no Céu.<br />
O homem foi feito para<br />
a beatitude celeste<br />
Segundo São Tomás de Aquino, o<br />
homem foi feito para a beatitude celeste,<br />
a fim de conhecer a Deus eternamente<br />
– o que é refletir –, e para<br />
exercer não só um ato de cognição,<br />
mas de amor contínuo e eterno.<br />
Nesta Terra, diz ele, o homem<br />
tem em semente a beatitude primária,<br />
que é contemplar, com algo que<br />
participa da visão beatífica – o Batismo<br />
nos confere um começo da visão<br />
beatífica. Quando o homem reflete<br />
sobre a ação – se isto é ordenado para<br />
Deus –, ele possui uma espécie de<br />
contemplação secundária, tendo como<br />
fim a beatitude, quer dizer, o conhecimento<br />
de Deus 3 .<br />
Como isso é diferente da vida do<br />
corre-corre! E como a existência regular,<br />
pausada, com hiatos que dão<br />
possibilidades de pensar, é diferente<br />
e mais apropriada do que a vida<br />
de hoje, em que a parte principal da<br />
Liteira portuguesa<br />
Museu Nacional dos<br />
Coches, Lisboa, Portugal<br />
contemplação nesta Terra não só cessa,<br />
mas o homem fica incapaz de contemplar.<br />
Aqui está o pior: a mania da<br />
velocidade incapacita o homem para<br />
a contemplação, e ele se vicia no agir<br />
como outro pode viciar-se em drogas.<br />
É importante mostrar como essa<br />
influência é contra o que a Igreja quer<br />
de nós. Por isso pretendo aproveitar<br />
algumas reflexões de São Tomás de<br />
Aquino sobre a visão beatífica, não só<br />
para considerar a suma gravidade das<br />
coisas, mas também como a Doutrina<br />
Católica rejeita a idolatria da pressa,<br />
presente em tantas pessoas.<br />
Superioridade dos<br />
prazeres da alma em<br />
relação aos do corpo<br />
No Tratado da bem-aventurança,<br />
na Suma Teológica (Cf. I-II, q. 3,<br />
a. 1), São Tomás pergunta se a beatitude<br />
é algo criado, e explica que o<br />
fim último do homem tem duas acepções:<br />
uma é a bem-aventurança enquanto<br />
sendo o próprio Deus, e, neste<br />
sentido, é incriada. Outra é o ato<br />
pelo qual o homem desfruta da visão<br />
de Deus; nesta acepção ela é criada.<br />
De maneira que a visão beatífica<br />
é, neste sentido da palavra, a eterna<br />
prática do ato pelo qual o homem vê<br />
e ama Aquele para o qual nasceu a<br />
fim de ver e amar.<br />
Dguendel (CC3.0)<br />
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