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Revista Dr Plinio 248

Novembro de 2018

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com outras crianças da mesma idade,<br />

e de dar importância a essa afinidade;<br />

bem como a considerar as heterogeneidades<br />

com uma paixão de recusa, de<br />

antipatia, ou então tomar os ridículos e<br />

puni-los com uma forma de desprezo e<br />

de rejeição assombrosa. Como também<br />

uma tendência à imitação enorme. Se<br />

uma criança julga que a outra é muito<br />

superior a qualquer título, tem uma<br />

grande tendência a agradar, a imitar,<br />

a ser igual, para efeito de se beneficiar<br />

do mesmo prestígio. Isso constitui o pequeno<br />

mundo da criança, onde o conselho<br />

de um menino de dez anos para<br />

outro da mesma idade pesa muito mais<br />

do que o conselho do pai ou da mãe.<br />

Como sempre, e irremediavelmente,<br />

os pais não percebem isso e pensam<br />

que dando seu parecer eles esmagam<br />

o conselho do irmãozinho ou<br />

do priminho, que não é senão uma<br />

criança, tudo muito sem importância.<br />

Enganam-se completamente. Ao se<br />

abrir esse mundo para os pequenos,<br />

os pais ficam empurrados de lado.<br />

Quando o filho, um pouco mais tarde,<br />

percebe fazer parte de um mundo,<br />

de uma geração que está entrando, fica<br />

apertado contra a parede, no seguinte<br />

ponto: “Eu afino com a minha geração.<br />

Parece que meus pais não afinam.<br />

E se não afinam, para mim e para os<br />

meninos de minha idade, eles não são<br />

nada.” Então começa a criticar os pais,<br />

querendo reformá-los para não ficar<br />

no papel ridículo perante seus próprios<br />

companheiros. E, ao pé da letra, julga o<br />

pai ou a mãe de acordo com a impressão<br />

que causará na porta do colégio, ou<br />

sentado no automóvel esperando um<br />

colega para irem embora.<br />

Aquele pequeno mundo, de fato,<br />

julga os pais absolutamente de acordo<br />

com determinados critérios, e eles<br />

começam a perceber-se contestados,<br />

atacados. Os filhos têm vontade de<br />

esculpirem, segundo o gosto dos primos<br />

ou dos amigos, o pai e a mãe; e<br />

estes não querem saber disso, e nem<br />

percebem bem quais são os critérios<br />

adotados por esse mundinho.<br />

Inicia-se, então, o período de confrontação<br />

entre os pais e os filhos, e<br />

aparece também o confronto do mundo<br />

infanto-masculino com o infanto-<br />

-feminino. Porque as meninas – hoje<br />

deve ser diferente, mas no meu tempo<br />

de criança era assim – brincavam<br />

de boneca, cozinha e coisas análogas;<br />

e os meninos brincavam de soldadinho<br />

de chumbo, pauladas e daí para fora...<br />

O mundo delas parecia próprio a deformar<br />

o menino, privando-o da força,<br />

da importância que ele deveria ter. E,<br />

pelo contrário, para elas o mundo deles<br />

era o dos pequenos bárbaros, sem<br />

A criança se sente<br />

envolta num mar de<br />

afeto, de afinidade<br />

e despreocupação,<br />

supondo que todo<br />

mundo lhe tem o<br />

mesmo afeto.<br />

delicadeza, que convinha ignorar para<br />

poderem cultivar a sua própria vida.<br />

Contatos com os primos<br />

Isto continua, mais ou menos, até<br />

começar a puberdade e a vida social<br />

tomar um aspecto mais adulto. Aí,<br />

pelo contrário, o mundo dos meninos<br />

e o das meninas se unem numa cordialidade<br />

muitas vezes excessiva. Mas<br />

antes, não; são mundos antagônicos.<br />

Conforme o caso, ao ingressar na vida<br />

social, o mocinho descobre a importância<br />

do mundo dos pais e a não importância<br />

do seu próprio mundo. Então,<br />

quer voltar a se pendurar nos progenitores<br />

e percebe ter na sua testa a<br />

etiqueta: “Filho de Fulano e de Fulana.”<br />

E ele percebe que poderia ser mais<br />

se os pais o fossem, mas que podia não<br />

ser nada se não tivesse aqueles progenitores.<br />

Assim, os pais ressurgem, dão<br />

conselhos, porque os mocinhos vão entrando<br />

no mundo dos adultos.<br />

Outra situação é a do mundo dos primos.<br />

Sobretudo a criança que não tem<br />

irmão tende a considerar como um irmão<br />

o primo mais amigo e mais próximo<br />

. Contudo, de vez em quando, ela<br />

percebe que o clã dos primos se fecha,<br />

de repente, e ela está de fora. E se dá<br />

conta de que não é o que ela imaginava.<br />

Por exemplo, um menino frequenta<br />

a casa de um tio e é recebido absolutamente<br />

como um dos meninos da casa,<br />

com os quais está desde a manhã até<br />

a noite. Como é natural entre as crianças,<br />

ainda mais “homenzinhos”, elas<br />

brigam, falam mal umas das outras. O<br />

menino nota que alguns estão do seu<br />

lado, outros contra, e tem a impressão<br />

de que o fato de ser irmão não conta,<br />

mas sim o de ser primo, porque ele está<br />

dentro daquela família. Em certo momento,<br />

o menino percebe que alguma<br />

coisa fechou, não é para ele tomar conhecimento.<br />

Depois de muito tempo<br />

de silêncio, ele percebe – porque alguém<br />

deixa escapar em sua presença –<br />

que um primo ou uma prima estava doente,<br />

mas os da casa não contaram para<br />

os outros. Essa atitude mostra que ele<br />

é, em última análise, um forasteiro. E o<br />

menino pensa: “Mas eu estou só?! Como<br />

é isso? Por que não me contaram?”<br />

Desejo de encontrar<br />

um amigo ideal<br />

Tudo isso inaugura uma situação nova<br />

na qual os valores, os sistemas da<br />

época anterior se projetam numa clave<br />

diferente. Aparece no espírito do<br />

menino o gosto de conhecer ou de ter<br />

um amigo que, como ele, pense e sinta<br />

coisas que ele não conta para ninguém.<br />

Por exemplo, um com quem possa se<br />

abrir sobre o mundo maravilhoso dele,<br />

e que seria o amigo com quem ele<br />

poderia se relacionar; mas, sobretudo,<br />

ter essa afinidade de alma, que para<br />

ele, habituado à primeira fase em que<br />

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