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com outras crianças da mesma idade,<br />
e de dar importância a essa afinidade;<br />
bem como a considerar as heterogeneidades<br />
com uma paixão de recusa, de<br />
antipatia, ou então tomar os ridículos e<br />
puni-los com uma forma de desprezo e<br />
de rejeição assombrosa. Como também<br />
uma tendência à imitação enorme. Se<br />
uma criança julga que a outra é muito<br />
superior a qualquer título, tem uma<br />
grande tendência a agradar, a imitar,<br />
a ser igual, para efeito de se beneficiar<br />
do mesmo prestígio. Isso constitui o pequeno<br />
mundo da criança, onde o conselho<br />
de um menino de dez anos para<br />
outro da mesma idade pesa muito mais<br />
do que o conselho do pai ou da mãe.<br />
Como sempre, e irremediavelmente,<br />
os pais não percebem isso e pensam<br />
que dando seu parecer eles esmagam<br />
o conselho do irmãozinho ou<br />
do priminho, que não é senão uma<br />
criança, tudo muito sem importância.<br />
Enganam-se completamente. Ao se<br />
abrir esse mundo para os pequenos,<br />
os pais ficam empurrados de lado.<br />
Quando o filho, um pouco mais tarde,<br />
percebe fazer parte de um mundo,<br />
de uma geração que está entrando, fica<br />
apertado contra a parede, no seguinte<br />
ponto: “Eu afino com a minha geração.<br />
Parece que meus pais não afinam.<br />
E se não afinam, para mim e para os<br />
meninos de minha idade, eles não são<br />
nada.” Então começa a criticar os pais,<br />
querendo reformá-los para não ficar<br />
no papel ridículo perante seus próprios<br />
companheiros. E, ao pé da letra, julga o<br />
pai ou a mãe de acordo com a impressão<br />
que causará na porta do colégio, ou<br />
sentado no automóvel esperando um<br />
colega para irem embora.<br />
Aquele pequeno mundo, de fato,<br />
julga os pais absolutamente de acordo<br />
com determinados critérios, e eles<br />
começam a perceber-se contestados,<br />
atacados. Os filhos têm vontade de<br />
esculpirem, segundo o gosto dos primos<br />
ou dos amigos, o pai e a mãe; e<br />
estes não querem saber disso, e nem<br />
percebem bem quais são os critérios<br />
adotados por esse mundinho.<br />
Inicia-se, então, o período de confrontação<br />
entre os pais e os filhos, e<br />
aparece também o confronto do mundo<br />
infanto-masculino com o infanto-<br />
-feminino. Porque as meninas – hoje<br />
deve ser diferente, mas no meu tempo<br />
de criança era assim – brincavam<br />
de boneca, cozinha e coisas análogas;<br />
e os meninos brincavam de soldadinho<br />
de chumbo, pauladas e daí para fora...<br />
O mundo delas parecia próprio a deformar<br />
o menino, privando-o da força,<br />
da importância que ele deveria ter. E,<br />
pelo contrário, para elas o mundo deles<br />
era o dos pequenos bárbaros, sem<br />
A criança se sente<br />
envolta num mar de<br />
afeto, de afinidade<br />
e despreocupação,<br />
supondo que todo<br />
mundo lhe tem o<br />
mesmo afeto.<br />
delicadeza, que convinha ignorar para<br />
poderem cultivar a sua própria vida.<br />
Contatos com os primos<br />
Isto continua, mais ou menos, até<br />
começar a puberdade e a vida social<br />
tomar um aspecto mais adulto. Aí,<br />
pelo contrário, o mundo dos meninos<br />
e o das meninas se unem numa cordialidade<br />
muitas vezes excessiva. Mas<br />
antes, não; são mundos antagônicos.<br />
Conforme o caso, ao ingressar na vida<br />
social, o mocinho descobre a importância<br />
do mundo dos pais e a não importância<br />
do seu próprio mundo. Então,<br />
quer voltar a se pendurar nos progenitores<br />
e percebe ter na sua testa a<br />
etiqueta: “Filho de Fulano e de Fulana.”<br />
E ele percebe que poderia ser mais<br />
se os pais o fossem, mas que podia não<br />
ser nada se não tivesse aqueles progenitores.<br />
Assim, os pais ressurgem, dão<br />
conselhos, porque os mocinhos vão entrando<br />
no mundo dos adultos.<br />
Outra situação é a do mundo dos primos.<br />
Sobretudo a criança que não tem<br />
irmão tende a considerar como um irmão<br />
o primo mais amigo e mais próximo<br />
. Contudo, de vez em quando, ela<br />
percebe que o clã dos primos se fecha,<br />
de repente, e ela está de fora. E se dá<br />
conta de que não é o que ela imaginava.<br />
Por exemplo, um menino frequenta<br />
a casa de um tio e é recebido absolutamente<br />
como um dos meninos da casa,<br />
com os quais está desde a manhã até<br />
a noite. Como é natural entre as crianças,<br />
ainda mais “homenzinhos”, elas<br />
brigam, falam mal umas das outras. O<br />
menino nota que alguns estão do seu<br />
lado, outros contra, e tem a impressão<br />
de que o fato de ser irmão não conta,<br />
mas sim o de ser primo, porque ele está<br />
dentro daquela família. Em certo momento,<br />
o menino percebe que alguma<br />
coisa fechou, não é para ele tomar conhecimento.<br />
Depois de muito tempo<br />
de silêncio, ele percebe – porque alguém<br />
deixa escapar em sua presença –<br />
que um primo ou uma prima estava doente,<br />
mas os da casa não contaram para<br />
os outros. Essa atitude mostra que ele<br />
é, em última análise, um forasteiro. E o<br />
menino pensa: “Mas eu estou só?! Como<br />
é isso? Por que não me contaram?”<br />
Desejo de encontrar<br />
um amigo ideal<br />
Tudo isso inaugura uma situação nova<br />
na qual os valores, os sistemas da<br />
época anterior se projetam numa clave<br />
diferente. Aparece no espírito do<br />
menino o gosto de conhecer ou de ter<br />
um amigo que, como ele, pense e sinta<br />
coisas que ele não conta para ninguém.<br />
Por exemplo, um com quem possa se<br />
abrir sobre o mundo maravilhoso dele,<br />
e que seria o amigo com quem ele<br />
poderia se relacionar; mas, sobretudo,<br />
ter essa afinidade de alma, que para<br />
ele, habituado à primeira fase em que<br />
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