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Revista Dr Plinio 248

Novembro de 2018

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Ele diz que o objetivo da razão<br />

prática é dispor os meios para o fim.<br />

Ora, quem vê diretamente o fim não<br />

precisa de razão prática, apenas especula.<br />

Além disso, a mais alta atividade<br />

da inteligência é conhecer o Sumo<br />

Bem, o que é, por sua natureza, uma<br />

suma contemplação. Logo, a visão<br />

beatífica é uma suma contemplação.<br />

Pela mera contemplação o homem<br />

se aproxima dos Anjos, porque<br />

o Anjo é puro espírito e contempla.<br />

Pela mera razão prática o homem se<br />

aproxima do animal, porque o animal,<br />

sem ter contemplado nada, dispõe<br />

por instinto as coisas de acordo<br />

com seu fim.<br />

Para conhecer um ser,<br />

devemos considerar o<br />

que ele tem de ótimo<br />

São Francisco de Assis (por Zurbarán) - Mosteiro<br />

de São José, Ávila, Espanha<br />

siderar o que ele tem de ótimo. É a<br />

partir disso que explico todo o resto.<br />

Em termos concretos, não quer dizer<br />

que ao conhecer um homem eu<br />

deva imaginar que ele é ótimo, mas<br />

trata-se de uma outra regra de Psicologia:<br />

para eu saber como aquele indivíduo<br />

é no momento, devo considerar<br />

o que sua natureza tem de melhor<br />

e, em algum sentido, o que ele poderia<br />

ser se fosse ótimo. Disso eu tiro a diferença<br />

em relação a como ele é agora, e<br />

deduzo no que devo amá-lo e no que<br />

preciso tomar precauções com ele. O<br />

primeiro voo é para o que ele poderia<br />

ter de ótimo, depois vem o resto.<br />

Mas isto se dá considerando, sobretudo,<br />

a natureza do ser em questão:<br />

ser homem é uma grande coisa<br />

por tais razões; ser peixe é uma coisa<br />

menor por tais outras, mas é ótimo<br />

em certo ponto...<br />

“Cântico das arquetipias”<br />

Aquele hino de São Francisco às<br />

criaturas – ao irmão Sol, à irmã Lua,<br />

etc. – tem exatamente isso: considera<br />

esses vários seres, embora materiais,<br />

no que possuem de ótimo, e<br />

forma um arquétipo de cada ser. Tal<br />

Temos na natureza exemplos tocantes:<br />

o ninho de um pássaro brasileiro<br />

– não sei se existe nas outras<br />

nações –, chamado joão-de-barro,<br />

que faz uma pequena casa de barro<br />

com um corredor meio sinuoso, onde<br />

ele mora no fundo. Só falta pôr<br />

para ele um sofá...<br />

Em menino tive ocasião de observar<br />

ninhos, mas muito bem construídos<br />

de materiais que os pássaros pegam em<br />

qualquer canto. Eles fazem com aquilo<br />

um tecido que se tem a impressão de<br />

ter sido planejado por um engenheiro,<br />

de tal maneira é magnífico.<br />

Nunca estive no alto de uma árvore<br />

para quebrar a casa do joão-de-<br />

-barro e ver como é por dentro, mas<br />

percebe-se que aquilo é uma perfeição<br />

elaborada pelo instinto. É a boa<br />

disposição das coisas segundo um determinado<br />

fim, realizada, entretanto,<br />

por um bicho incapaz de contemplar.<br />

O Doutor Angélico cita um princípio<br />

de Aristóteles que ordena o espírito<br />

magnificamente: “Cada ser é<br />

considerado, sobretudo, no que ele<br />

tem de ótimo” (Cf. Ethic., 1.9, c.8,<br />

n.6). Quer dizer, se eu quero conhecer<br />

um ser bem a fundo, devo conhino<br />

se poderia chamar o “cântico<br />

das arquetipias”. Não há quem leia<br />

aquilo sem ver a arquetipia das criaturas<br />

ali mencionadas.<br />

Depois de ler aquele hino, ver que<br />

tal mar está poluído com matérias<br />

expelidas pelos navios que passam,<br />

corta o coração.<br />

Nunca me esquecerei da ocasião<br />

em que, estando em Santos, notei haver<br />

no mar uma grande mancha de<br />

óleo. Mas o que tornava a cena ainda<br />

mais horrorosa era um enorme cacho<br />

de bananas verdes flutuando no<br />

meio daqueles detritos. Chocava-me<br />

ver aquelas frutas verdes e que deveriam<br />

maturar, portanto, algo vivo, feito<br />

para se desenvolver, comprimido na<br />

sua vitalidade e destinado à morte antes<br />

de se ter expandido, no meio dos<br />

detritos, da água suja, do mar grandioso,<br />

mas conspurcado.<br />

Como cheguei a ter horror daquelas<br />

bananas verdes? Porque tive em mente<br />

o que há de ótimo na banana quando<br />

madura, e deduzi o horror existente<br />

nessa espécie de contenção da explosão<br />

vegetal da banana, e do mirramento de<br />

um processo belo que fica achatado e<br />

liquidado no meio da sujeira. Há nisso<br />

uma inversão que é horrorosa.<br />

Gabriel K.<br />

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