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Ele diz que o objetivo da razão<br />
prática é dispor os meios para o fim.<br />
Ora, quem vê diretamente o fim não<br />
precisa de razão prática, apenas especula.<br />
Além disso, a mais alta atividade<br />
da inteligência é conhecer o Sumo<br />
Bem, o que é, por sua natureza, uma<br />
suma contemplação. Logo, a visão<br />
beatífica é uma suma contemplação.<br />
Pela mera contemplação o homem<br />
se aproxima dos Anjos, porque<br />
o Anjo é puro espírito e contempla.<br />
Pela mera razão prática o homem se<br />
aproxima do animal, porque o animal,<br />
sem ter contemplado nada, dispõe<br />
por instinto as coisas de acordo<br />
com seu fim.<br />
Para conhecer um ser,<br />
devemos considerar o<br />
que ele tem de ótimo<br />
São Francisco de Assis (por Zurbarán) - Mosteiro<br />
de São José, Ávila, Espanha<br />
siderar o que ele tem de ótimo. É a<br />
partir disso que explico todo o resto.<br />
Em termos concretos, não quer dizer<br />
que ao conhecer um homem eu<br />
deva imaginar que ele é ótimo, mas<br />
trata-se de uma outra regra de Psicologia:<br />
para eu saber como aquele indivíduo<br />
é no momento, devo considerar<br />
o que sua natureza tem de melhor<br />
e, em algum sentido, o que ele poderia<br />
ser se fosse ótimo. Disso eu tiro a diferença<br />
em relação a como ele é agora, e<br />
deduzo no que devo amá-lo e no que<br />
preciso tomar precauções com ele. O<br />
primeiro voo é para o que ele poderia<br />
ter de ótimo, depois vem o resto.<br />
Mas isto se dá considerando, sobretudo,<br />
a natureza do ser em questão:<br />
ser homem é uma grande coisa<br />
por tais razões; ser peixe é uma coisa<br />
menor por tais outras, mas é ótimo<br />
em certo ponto...<br />
“Cântico das arquetipias”<br />
Aquele hino de São Francisco às<br />
criaturas – ao irmão Sol, à irmã Lua,<br />
etc. – tem exatamente isso: considera<br />
esses vários seres, embora materiais,<br />
no que possuem de ótimo, e<br />
forma um arquétipo de cada ser. Tal<br />
Temos na natureza exemplos tocantes:<br />
o ninho de um pássaro brasileiro<br />
– não sei se existe nas outras<br />
nações –, chamado joão-de-barro,<br />
que faz uma pequena casa de barro<br />
com um corredor meio sinuoso, onde<br />
ele mora no fundo. Só falta pôr<br />
para ele um sofá...<br />
Em menino tive ocasião de observar<br />
ninhos, mas muito bem construídos<br />
de materiais que os pássaros pegam em<br />
qualquer canto. Eles fazem com aquilo<br />
um tecido que se tem a impressão de<br />
ter sido planejado por um engenheiro,<br />
de tal maneira é magnífico.<br />
Nunca estive no alto de uma árvore<br />
para quebrar a casa do joão-de-<br />
-barro e ver como é por dentro, mas<br />
percebe-se que aquilo é uma perfeição<br />
elaborada pelo instinto. É a boa<br />
disposição das coisas segundo um determinado<br />
fim, realizada, entretanto,<br />
por um bicho incapaz de contemplar.<br />
O Doutor Angélico cita um princípio<br />
de Aristóteles que ordena o espírito<br />
magnificamente: “Cada ser é<br />
considerado, sobretudo, no que ele<br />
tem de ótimo” (Cf. Ethic., 1.9, c.8,<br />
n.6). Quer dizer, se eu quero conhecer<br />
um ser bem a fundo, devo conhino<br />
se poderia chamar o “cântico<br />
das arquetipias”. Não há quem leia<br />
aquilo sem ver a arquetipia das criaturas<br />
ali mencionadas.<br />
Depois de ler aquele hino, ver que<br />
tal mar está poluído com matérias<br />
expelidas pelos navios que passam,<br />
corta o coração.<br />
Nunca me esquecerei da ocasião<br />
em que, estando em Santos, notei haver<br />
no mar uma grande mancha de<br />
óleo. Mas o que tornava a cena ainda<br />
mais horrorosa era um enorme cacho<br />
de bananas verdes flutuando no<br />
meio daqueles detritos. Chocava-me<br />
ver aquelas frutas verdes e que deveriam<br />
maturar, portanto, algo vivo, feito<br />
para se desenvolver, comprimido na<br />
sua vitalidade e destinado à morte antes<br />
de se ter expandido, no meio dos<br />
detritos, da água suja, do mar grandioso,<br />
mas conspurcado.<br />
Como cheguei a ter horror daquelas<br />
bananas verdes? Porque tive em mente<br />
o que há de ótimo na banana quando<br />
madura, e deduzi o horror existente<br />
nessa espécie de contenção da explosão<br />
vegetal da banana, e do mirramento de<br />
um processo belo que fica achatado e<br />
liquidado no meio da sujeira. Há nisso<br />
uma inversão que é horrorosa.<br />
Gabriel K.<br />
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