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REVISTA UNICAPHOTO ED. 12

Revista do curso de fotografia da Unicap

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DICA ESPECIAL<br />

O trabalhador<br />

na fotografia<br />

documental:<br />

pesquisa de<br />

imagens de<br />

Ludimilla<br />

Wanderlei<br />

TEXTO Julianna Nascimento Torezani<br />

Mãe de Lis. Doutora em Comunicação pela UFPE. Mestre em Cultura e Turismo e Bacharel<br />

em Comunicação Social pela UESC. E-mail: juliannatorezani@yahoo.com.br<br />

Através da fotografia documental um tema é exposto em profundidade, feito com tempo e tratamento<br />

diferente do fotojornalismo, pois permite apresentar imageticamente um lugar ou uma época<br />

e mostrar o real sem determinadas interferências. A pesquisadora Ludimilla Carvalho Wanderlei<br />

define a fotografia como um elemento que emociona, mobiliza e faz refletir acerca da realidade,<br />

indica que o “documental não supõe apenas a existência de um referente, mas significa que existe um<br />

modo de relação com esse referente assumido como verdadeiro. Paralelamente, o fotógrafo possui a<br />

capacidade de operar tal relação, de relatar o mundo e suas dinâmicas” (WANDERLEI, 2018, p. 55).<br />

Importante pontuar que a fotografia documental tem um marco histórico através do projeto Farm<br />

Security Administration do governo dos Estados Unidos para gerar informações sobre a população<br />

de áreas agrícolas por conta da crise de 1929. Neste órgão integraram fotógrafos como Dotothea<br />

Lange, Walker Evans e Russel Lee para elaborar uma iconografia que demonstrasse exatamente o<br />

que estava acontecendo. Entre as milhares de imagens destaca-se a famosa Mãe Migrante de Lange,<br />

feita em 1936.<br />

Na obra O trabalhador na fotografia documental, lançada pela Editora Appris, em 2018, Ludimilla<br />

Wanderlei indica que a fotografia documental serve para provocar a reflexão crítica do público sobre<br />

a imagem, além de possuir uma pretensão estética e conceitual, pois há um modo de produção<br />

específico de cada época, mas também especialmente ligado ao objetivo do projeto e do que se deseja<br />

mostrar. Tais imagens criadas para este fim servem posteriormente como arquivo documental para<br />

realização de diversos estudos, cabendo aos investigadores decifrar as intencionalidades impregnadas<br />

na construção fotográfica. Ao observar a produção de quatro fotógrafos a pesquisadora indica um<br />

estilo documental a partir de uma estética enxuta quanto ao enquadramento total, centralização do<br />

motivo, redução de sombras e imagens em série, assim “a imagem se torna o artefato que permite<br />

acesso a realidades outras” (WANDERLEI, 2018, p. 54).<br />

Após o capítulo inicial que traz uma fundamental reflexão sobre a fotografia documental, a autora<br />

analisa a representação dos trabalhadores nas imagens, especificamente os fins sociais, artísticos<br />

e políticos das produções de August Sander, Sebastião Salgado, Gilles Sabrié e Giulio Piscitelli.<br />

Ao mapear as séries fotográficas de tais fotógrafos Wanderlei aponta os paradigmas que cada<br />

um está ligado, sobretudo em função das questões estéticas e das intencionalidades políticas das<br />

representações.<br />

No capítulo Sander: para uma fotografia exata trata sobre a obra fotográfica do alemão August<br />

Sander (1876-1964) que elaborou retratos da sociedade alemã no início do século XX, mas com uma<br />

estética oitocentista, visto que fez imagens padronizadas quanto ao enquadramento, iluminação,<br />

composição centralizada e frontal. Neste trabalho observa-se retratos posados, como os retratos<br />

burgueses do século XIX, mas mostra a fotografia do trabalhador como uma forma de vigilância<br />

sobre o corpo. Para a autora, “ele não parece buscar emoção nos rostos de seus personagens, que<br />

geralmente olham diretamente a câmera com uma expressão quase congelada, dura – mais uma<br />

referência do retrato francamente posado (e dirigido)” (WANDERLEI, 2018, p. 86).<br />

Na sequência, o capítulo Sebastião Salgado e o documentarismo social analisa um conjunto de<br />

imagens do fotógrafo brasileiro que tem projetos longos de inspiração marxista. Este estudo é<br />

especialmente sobre a obra Trabalhadores: uma arqueologia da era industrial, de 1993, que mostra<br />

as formas de trabalho de um ciclo industrial em declínio. Para Wanderlei, “a dramaticidade não<br />

está só nos temas (fome, genocídio, pobreza), mas também na forma, no tratamento extremamente<br />

calculado, planejado de suas imagens que buscam convencer quem as olha da gravidade das situações<br />

retratadas” (WANDERLEI, 2018, p. 109).<br />

O último capítulo, Sabrié e Piscitelli: imagens do proletariado entre a imprensa e o documental,<br />

apresenta o trabalho do francês Gilles Sabrié que fotografa as transformações do mundo do trabalho<br />

na China, especialmente através do ensaio Life in I-Phone City, que mostram os funcionários da<br />

empresa de produtos de tecnologia Foxconn quando não estão trabalhando. Nesta parte também<br />

é apresentado a fotografia do italiano Giulio Piscitelli sobre as dificuldades que enfrentam os<br />

imigrantes que vão para Europa através do projeto From there to here. Estes trabalhos se colocam na<br />

perspectiva estética de produção e divulgação da fotografia do século XXI, visto que integram sites,<br />

mostram os espaços geográficos que foram retratados, apresentam textos junto com as imagens e<br />

tentam entender o trabalho na perspectiva do tempo. “As representações de Sabrié e Piscitelli são<br />

produzidas tendo como cenário uma reorganização do próprio sistema econômico que transformou<br />

também os modos de ser dos trabalhadores” (WANDERLEI, 2018, p. 155).<br />

O livro nos faz refletir sobre uma série de questões, passa pela produção fotográfica em cada época<br />

e suas intencionalidades estéticas e políticas, ao mesmo tempo que promove analisar a criação<br />

imagética sobre o trabalhador do século XIX em diante. Para a autora o “papel do fotógrafo como<br />

alguém que carrega um discurso político” (WANDERLEI, 2018, p. 27). Desta forma, cada imagem<br />

carrega as marcas de um tempo, lugar, situação e legado social e isso fica muito bem evidenciado<br />

nesta obra escrita de forma objetiva e com profundidade de dados que nos conecta a cada conjunto<br />

de imagens apresentado. Em tempo, Ludimilla Wanderlei é graduada em Rádio e TV, mestra em<br />

Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco, no qual este livro é o resultado de sua<br />

dissertação. Atualmente é doutoranda, também em Comunicação, onde continua a desenvolver<br />

pesquisa em fotografia.<br />

WANDERLEI, Ludimilla Carvalho. O trabalhador na fotografia documental. Curitiba: Appris, 2018.<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

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