RCIA - EDIÇÃO 168 - JULHO 19
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Luís Carlos<br />
BEDRAN<br />
Sociólogo e cronista da Revista Comércio,<br />
Indústria e Agronegócio de Araraquara<br />
A imortalidade e o provérbio chinês<br />
O homem não se conforma em ser<br />
mortal. Ele crê ser diferente dos outros<br />
seres mortais, ele não se considera fazendo<br />
parte dos seres que integram<br />
o inevitável ciclo da vida e da morte.<br />
Ao contrário, julga, arrogantemente,<br />
pertencer a uma espécie única, privilegiada<br />
do universo. Todos os seres vivos<br />
morrerão um dia e tornar-se-ão pó.<br />
Ele não, vai mais além, muito além<br />
da morte comum, pois crê na imortalidade<br />
da alma, ou do espírito — que<br />
define a seu bel prazer. Acredita, porque<br />
é inteligente, porque é racional.<br />
Nisso ele supera os demais seres, que<br />
julga irracionais, muito embora a ciência<br />
atual esteja provando que a inteligência<br />
não é exclusiva do ser humano.<br />
Mas a razão é uma faca de dois<br />
gumes: ao mesmo tempo que eleva<br />
o homem às alturas, ela o conduz à<br />
angústia existencial da qual raramente<br />
consegue escapar. E suas fugas podem<br />
ser encontradas ou na religião,<br />
na filosofia ou até mesmo em ambas<br />
ao mesmo tempo.<br />
Se o pensar demais para ele torna-se<br />
doloroso, procura reagir com<br />
o não-pensar, o que não deixa de ser<br />
uma forma de pensar, mas esta possui<br />
uma vantagem especial: a ausência de<br />
angústia, com a ausência da razão. Então,<br />
ele livra-se da pungente condição<br />
humana em permanente crise existencial<br />
com o viver, pura e simplesmente.<br />
Como ele é um inconformista, com<br />
sua breve passagem pela vida, tenta<br />
escapar dessa sua mediocridade. Para<br />
isso acredita piamente na imortalidade,<br />
não de seu corpo, nem de sua carne,<br />
mas de sua alma, de seu espírito.<br />
Ele tem de ser, quer ser diferente dos<br />
animais, pois estes não possuem alma.<br />
Ele sim. Aqueles morrem; ele tem uma<br />
sobrevida espiritual, pois para isso ele<br />
pensa.<br />
Essa é uma das grandes molas da<br />
religião, além da crença na existência<br />
de Deus, que supostamente o criou, à<br />
sua imagem e semelhança, pois não<br />
basta apenas acreditar Nele: há de<br />
se acrescentar também a crença na<br />
imortalidade da alma, de seu espírito.<br />
Encontrou-se uma fórmula ideal para<br />
se passar pela vida sem tanta turbulência,<br />
sem tanta dúvida: crer num<br />
ente supremo e na imortalidade do<br />
espírito.<br />
Mas sem querer aprofundar-se no<br />
assunto — o que é a alma, o que é o<br />
espírito? — o homem acha que encontrou<br />
também uma outra forma de<br />
escapar da mortalidade, ou, pelo menos,<br />
de protelá-la ao máximo possível.<br />
E a maneira encontrada foi a de tentar<br />
aplicar um antigo provérbio chinês,<br />
que não é apenas uma receita de realização<br />
pessoal, mas, sobretudo, o da vã<br />
pretensão de tentar alcançar a imortalidade,<br />
e que é a de ter filhos, plantar<br />
uma árvore e escrever um livro.<br />
Então, ter filhos não é somente<br />
propagar sua espécie, sua raiz genética,<br />
mas também procurar ser lembrado<br />
por sua descendência, que<br />
pode ultrapassar gerações; da mesma<br />
forma, plantar uma árvore, querendo<br />
provar que não somente fez algo de<br />
útil à humanidade, mas também esperar<br />
ser lembrado por isso por muito<br />
tempo e finalmente escrever um<br />
livro, que é não somente contar sua<br />
experiência pessoal, mas também e<br />
principalmente legar aos pósteros o<br />
seu pensamento.<br />
Se ele não acreditar nem em Deus,<br />
e menos ainda numa vida futura após<br />
a morte, tentará aplicar aquele provérbio.<br />
Mas aí também ele estará enganando-se<br />
a si próprio, pois, mesmo<br />
que consiga realizar seus desejos —<br />
ter um filho, escrever um livro e plantar<br />
uma árvore —, assim mesmo não<br />
conseguirá atingir seu objetivo máximo,<br />
que é o de ser lembrado eternamente,<br />
o que significa não morrer na<br />
memória dos outros.<br />
Porque tanto sua descendência,<br />
quanto sua obra são transitórias. Ele<br />
será lembrado por algum tempo, mas<br />
não durante todo o tempo. No máximo<br />
por uma ou duas gerações e aí<br />
então cairá no esquecimento eterno.<br />
Na terceira ou quarta geração, vagas<br />
serão as lembranças, além do que a<br />
árvore um dia morrerá, nem sempre<br />
produzirá frutos e o seu livro talvez<br />
será encontrado num sebo de quarta<br />
categoria, isso se não for vendido por<br />
quilo para reciclagem de papel. Essa<br />
é a regra.<br />
Há exceções. A obra de Platão permanece<br />
há 2500 anos, os livros clássicos<br />
perduram, mas um dia também<br />
serão deixados de lado. Seus descendentes<br />
já se foram há muito, restando<br />
apenas seus ensinamentos na memória<br />
dos homens. E as sequoias são árvores<br />
fósseis, de outras eras.<br />
De onde chega-se à inevitável<br />
conclusão de que a imortalidade<br />
não existe mesmo. Por isso o homem<br />
precisa deixar de querer ser Deus para<br />
recolher-se à sua humilde condição de<br />
um simples mortal, como todos os outros<br />
seres vivos do universo.<br />
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