24.01.2020 Views

document(4)

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

mesmo filho daquele homem. O russo com cara de buldogue ergueu o revólver.

— Baba, por favor, sente-se — disse eu, puxando-o pela manga da camisa. —

Acho que esse sujeito pretende mesmo atirar em você.

Ele, porém, afastou a minha mão.

— Não lhe ensinei nada? — exclamou. E, voltando-se para o soldado sorridente:

— Diga-lhe que é melhor ele me matar com o primeiro tiro. Porque, se eu não

morrer, vou picá-lo em pedacinhos. Maldito seja o seu pai!

O sorriso do soldado russo não diminuiu em momento algum enquanto ouvia a

tradução do que meu pai tinha dito. Destravou o revólver. Mirou o peito de baba.

Com o coração pulando na garganta, escondi o rosto entre as mãos.

O revólver disparou.

"Pronto. Acabou. Tenho dezoito anos e estou sozinho. Não me resta mais

ninguém no mundo. Baba morreu e, agora, tenho que enterrá-lo. Onde vou

enterrálo? Para onde vou depois?" Mas o turbilhão de pensamentos inacabados

que girava em minha mente estancou quando entreabri os olhos e meu pai ainda

estava de pé à minha frente. Vi um segundo oficial russo junto com os outros.

Era do cano do seu revólver apontado para o alto que saía fumaça. O soldado que

pretendia atirar em baba já tinha guardado a arma no coldre. Estava se

afastando, arrastando os pés. Nunca tive tanta vontade de chorar e de rir ao

mesmo tempo.

O segundo oficial russo, um indivíduo grisalho e troncudo, falou conosco em um

farsi meio arrevesado. Pediu desculpas pelo comportamento do colega.

— A Rússia os mandou para cá para lutar — disse ele. — Mas não passam de

garotos e, quando chegam aqui, descobrem o prazer das drogas. — Lançou ao

oficial mais jovem um olhar consternado, como um pai exasperado com a má

conduta do filho. — Esse aí está viciado agora. Tenho tentado detê-lo...

E fez sinal para que fôssemos embora.

Minutos depois, o caminhão estava saindo do posto de controle. Ouvi uma risada

e, a seguir, a voz do primeiro soldado, pastosa e desafinada, cantando aquela

velha canção de casamento.

SEGUIMOS VIAGEM EM SILÊNCIO por cerca de quinze minutos, até que, de

repente, o marido da moça se levantou e fez algo que já tinha visto muitos outros

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!