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tons que a história ia assumindo. Quando li a última frase, ele fez com as mãos o

gesto do aplauso sem som.

— Mashallah, Amir agha. Bravo! — disse ele radiante.

— Gostou? — indaguei eu, esperando sentir pela segunda vez o sabor, e como era

doce, de uma apreciação positiva.

— Algum dia, Inshallah, você vai ser um grande escritor — disse Hassan. — E

gente do mundo todo vai ler as suas histórias.

— Que exagero, Hassan! — exclamei, adorando-o por isso.

— Não é não. Você vai ser grande e famoso — insistiu ele.

Hesitou um pouco, então, como se estivesse prestes a acrescentar algo. Pesou

bem as palavras e pigarreou.

— Mas posso perguntar uma coisa sobre a história? — indagou envergonhado.

— Claro.

— Bem... — principiou ele, mas logo parou.

— Pode falar, Hassan — disse eu. E sorri, embora, de repente, o escritor

inseguro que havia em mim não soubesse muito bem se queria ou não ouvir o

que ele tinha a dizer.

— Bem... — recomeçou ele — o que eu queria perguntar é por que o homem

matou a esposa. Na verdade, por que ele precisava estar triste para derramar

lágrimas?

Será que não podia simplesmente cheirar uma cebola?

Fiquei pasmo. Um detalhe como esse, tão óbvio que chegava a ser absolutamente

estúpido, não tinha me ocorrido. Movi os lábios sem emitir som algum. Parecia

que na mesma noite em que eu tinha aprendido qual era um dos objetivos da

escrita, a ironia, ia ser apresentado também a uma de suas armadilhas: os furos

da trama. E, entre todas as criaturas do mundo, Hassan é que foi me ensinar isso.

Hassan que não sabia ler e nunca tinha escrito uma única palavra em toda a sua

vida. Uma voz, fria e escura, sussurrou subitamente em meu ouvido, "Mas o que

é que ele entende disso, esse hazara analfabeto?

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