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— Ouvi dizer que você escreve.

Como podia saber? Será que o pai tinha lhe contado? Talvez ela tenha perguntado

alguma coisa. Descartei imediatamente ambas as possibilidades por serem

absurdas. Pais e filhos podem falar abertamente sobre mulheres. Mas nenhuma

garota afegã — pelo menos nenhuma garota afegã decente e mohtaram —

perguntaria algo a seu pai sobre um rapaz. E nenhum pai, principalmente um

pashtun, com nang e namoos, conversaria com a filha sobre um mojarad, pelo

menos não até que o indivíduo em questão se tornasse um khastegar, um

pretendente; que tivesse feito tudo como manda o figurino, pedindo ao próprio pai

que fosse bater à porta daquela casa. Por incrível que pareça, me ouvi

perguntando:

— Gostaria de ler uma das minhas histórias?

— Gostaria — respondeu ela.

Agora, podia notar que ela estava meio constrangida. Dava para ver isso pelo

jeito com que seus olhos começaram a ir de um lado a outro, talvez procurando o

general. E me perguntei o que ele diria se me visse ali, conversando com a sua

filha por um tempo bastante inconveniente.

—Vou ver se trago uma para você um dia desses — disse eu. Estava prestes a

acrescentar mais alguma coisa quando avistei, caminhando pela aléia, aquela

mulher que já tinha visto uma vez com Soraya. Ela vinha trazendo um saco

plástico cheio de frutas. Quando nos viu, os seus olhos saltaram de Soray a para

mim e novamente para Soray a. E ela sorriu.

— Amir jan, que bom vê-lo por aqui! — exclamou, depositando a sacola sobre a

toalha. As suas sobrancelhas brilhavam por causa do suor. O cabelo ruivo,

penteado como um capacete, reluzia ao sol, e dava para ver o seu couro

cabeludo em certos pontos onde o cabelo tinha rareado. Ela tinha olhos verdes e

miúdos, que desapareciam no rosto redondo como um repolho, jaquetas nos

dentes e os dedos roliços feito salsichas. Um "Allah" de ouro repousava em seu

colo, mas o cordão se perdia nas rugas e pregas do pescoço.

— Sou Jamila, a mãe de Soray a jan.

— Salaam, khala jan — disse eu todo sem jeito, como acontecia tantas vezes em

rodas de afegãos, porque ela me conhecia e eu não tinha a menor idéia de quem

ela era.

— Como vai seu pai? — indagou.

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