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— O que foi, Amir? — perguntou baba recostando-se no sofá e cruzando as mãos

na nuca. O seu rosto estava envolto em fumaça azulada, e o seu olhar fez minha

garganta ficar seca. Pigarreei e disse que tinha escrito uma história. Baba acenou

com a cabeça e deu um leve sorriso que demonstrava pouco mais que interesse

fingido.

— Ora, isso é muito bom, não é? — disse ele.

E foi só. Apenas ficou me olhando através daquela nuvem de fumaça. Devo ter

ficado parado ali por menos de um minuto, mas foi um dos minutos mais longos

de toda a minha vida até aquele instante. Os segundos iam se arrastando,

separados uns dos outros por uma eternidade. O ar ficou pesado, abafado, quase

sólido. Eu estava respirando tijolos. Baba continuou olhando para mim e não

pediu para ler o que eu tinha escrito.

Como sempre, foi Rahim Khan que veio em meu socorro. Estendeu a mão e me

brindou com um sorriso que nada tinha de fingido.

— Posso ver, Amir jan? Adoraria lê-la.

Baba quase nunca usava o termo carinhoso, jan, quando falava comigo. Ele deu

de ombros e se levantou. Parecia aliviado, como se também tivesse sido

socorrido por Rahim Khan.

— Isso mesmo, mostre a kaka Rahim. Vou subir para me aprontar. — E, dizendo

isso, saiu do aposento.

A maior parte do tempo, eu adorava baba com uma intensidade quase religiosa.

Naquele instante, porém, tudo o que queria era poder abrir as minhas veias e

deixar que o seu maldito sangue saísse do meu corpo.

Uma hora mais tarde, quando o céu já estava escurecendo, os dois saíram no

carro de meu pai para ir a uma festa. Quando estavam de saída, Rahim Khan se

agachou diante de mim e me entregou minha história junto com um outro papel

dobrado. Deu um sorriso e piscou o olho.

— Tome. Leia isso mais tarde.

Fez uma pausa e acrescentou uma única palavra que foi mais eficaz no sentido

de me encorajar a continuar escrevendo do que qualquer outro elogio que algum

editor jamais tenha me feito. Essa palavra foi "bravo!". Depois que eles saíram,

sentei em minha cama querendo que Rahim Khan fosse meu pai. Pensei então

em baba com seu peito largo e em como era bom quando ele me apertava junto

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